PENAS ALTERNATIVAS À PRISÃO: A SANÇÃO ADEQUADA PARA O INFRATOR E ALENTO PARA O SISTEMA PRISIONAL

 

Introdução 

Na atual conjuntura política, econômica e social do Brasil, podemos destacar a insegurança e violência armada, doméstica, física, entre outras que ameaçam a sociedade civil. A harmonia social, indispensável à própria existência da sociedade, cabe ao Estado, cuja função é assegurar o bem-estar de todos os cidadãos.

A sociedade capitalista possui como uma de suas características a produção da exclusão social, tornando difícil a efetivação da cidadania, “esse é o paradoxo do capitalismo, propagar que é preciso viver bem, mas não oferecer condições para isso” (GONZAGA, SANTOS e BACARIN, 2002, p. 103). A sociedade precisa enfrentar os desafios da exclusão. 

O Estado democrático de direito que deveria ser o garantidor da vida e da liberdade se mantém inerte diante dessa realidade que possui a violência como uma de suas características. Surgem movimentos que defendem um “endurecimento” do direito penal, aumentando as penas, criando novos tipos penais e programas na mídia que influenciam a população a acreditar que encarcerando cada vez mais, o problema será resolvido. 

            Entretanto, a pena privativa de liberdade é apenas um dos instrumentos na repressão do crime e prevenção da violência, pois, como salienta Karam (1993, p.145) temos que “superar a parcial visão de violência, reduzida pelos discursos dominantes à idéia de condutas geradas pela criminalidade convencional”. 

Conforme a realidade pode-se definir a violência como qualquer fenômeno que impeça a satisfação das necessidades básicas do ser humano. Sendo os mais graves destes atentados aqueles que afetam a conservação da vida e da integridade corporal, completa a autora.  

Se ao Estado cabe proteger os bens jurídicos, este estabelece sanções àqueles que violam a ordem jurídica.  Para Soler apud Jesus (2002, p.519), “pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”.  

As espécies de pena, segundo o Código Penal Brasileiro são:       Art. 32. As penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III – multa.  

As penas privativas de liberdade são divididas em detenção e reclusão consistem na privação de liberdade do apenado e são cumpridas em penitenciárias.  A pena pecuniária (multa, confisco de bens), tem por finalidade atingir o condenado em seu patrimônio. As penas restritivas de direitos, como o próprio nome diz, privam o condenado de certos direitos, como por exemplo, a elegibilidade política, o exercício de determinada profissão ou ainda a prestação de serviço comunitário gratuito. Ainda temos a pena de morte, única pena corporal ainda existente na legislação de certos países, tais como os Estados Unidos, os países do Oriente Médio e permitida na nossa Constituição Federal somente em casos de guerra.

Sobre as penas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe:

Art. 5º - XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação de liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

Art. 5º - XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, IX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

Mas já em 1955, a Organização das Nações Unidas, preocupada com os sérios problemas verificados na execução das penas privativas de liberdade, aprovou regras mínimas para o tratamento dos presos e, na década de 70 passou a recomendar a adoção de formas de penas não privativas de liberdade a serem cumpridas na comunidade. Em 14/12/90, a ONU aprovou a Resolução 45/110 que estabeleceu regras mínimas das nações Unidas para elaboração de medidas não privativas de liberdade[1], a partir de então conhecidas como “Regras de Tóquio”.[2]

            Dos castigos corporais e suplícios, aplicados indiscriminadamente, a pena de prisão chegou a ser considerada uma evolução no sistema punitivo. Não tardou e verificou-se que a prisão é cara e ineficiente, apesar de ainda ser considerada a “pena por excelência”. 

Seguindo esta trajetória, as penas alternativas[3] oferecem uma sanção diversa da prisão e foram introduzidas no nosso ordenamento na reforma do Código Penal de 1984, como ensina Martins (1999, p.17): O Brasil, que possuía uma legislação anacrônica, de período contemporâneo a Segunda Grande Guerra, contemplando realidade diversa da atual, sem considerar os avanços científicos, sociológicos, políticos e tecnológicos, teve como marco a Lei nº 7209/84, que modificando a geral do Código Penal, introduziu formas de punição inéditas em nosso ordenamento jurídico.

            Cada vez mais se verifica a necessidade de aplicar penas e medidas alternativas para os infratores primários[4], para os que cometeram crimes de menor potencial ofensivo[5] e, também para os reincidentes em crimes de natureza leve.

Mas, ao lado das penas alternativas é necessário o desenvolvimento de políticas públicas nas esferas econômicas e sociais para que crimes de menor potencial ofensivo não sofram ampliação. 

Dentro desta mesma perspectiva, a Lei nº 9099/95[6] (Lei dos Juizados Especiais) veio esboçar um modelo alternativo de Justiça Penal para o Brasil, baseando-se numa política criminal onde há uma intervenção mínima do Estado nos casos de pequeno e médio potencial ofensivo.

O ponto culminante desse desenvolvimento deu-se com a edição da Lei nº 9714/98 (Penas Alternativas) [7], como pode ser facilmente deduzido a partir das palavras do Ministro Nelson Jobim citado por Martins (1999, p.18):

            Mas, se infelizmente não temos, ainda, condições de suprimir por inteiro a pena privativa de liberdade, caminhamos a passos cada vez mais largos para o atendimento de que a prisão deve ser reservada para os agentes de crimes graves e cuja periculosidade recomende seu isolamento do seio social. Para crimes de menor gravidade, a melhor solução consiste em impor restrições aos direitos do condenado, mas sem retirá-lo do convívio social. Sua conduta criminosa não ficará impune, cumprido, assim, os desígnios da prevenção especial e da prevenção geral. Mas a execução da pena não o estigmatizará de forma tão brutal como a prisão, antes permitirá, de forma bem mais rápida e efetiva, sua integração social. Nessa linha de pensamento é que se propõe, no projeto, a ampliação das penas alternativas à pena de prisão.                                              

            As penas restritivas de direitos, consagradas como “penas alternativas”, são a prestação de serviço à comunidade, interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana, e com a vigência da Lei nº 9714/98, foram ampliadas, acrescentando-se as já citadas, a perda de bens e valores e prestação pecuniária. 

No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, que inaugurou um novo modelo de justiça consensual no Brasil, temos várias medidas alternativas, sendo a mais utilizada a transação penal. 

As penas alternativas não são a solução para todos os crimes e para superpopulação de presídios, como muito usualmente dá a entender a imprensa – ou seja, pena alternativa para infrator merecedor desta, e não pena alternativa porque não temos mais espaço nos presídios, sob pena de banalizar-se o delito e novamente fazermos crescer o sentimento de impunidade.

A violência e criminalidade não serão superadas com uma legislação mais severa, de impacto, chamado por muitos de “direito penal do terror”, ou com a construção de presídios federais e contratação de uma legião de policiais que veremos esses infratores “integrados” a sociedade. É preciso desenvolver programas que visem a geração de empregos, melhoria da escolarização etc.

As penas e medidas alternativas, especialmente a prestação de serviços à comunidade, é, juntamente com a despenalização[8] de certas condutas, o caminho a ser seguido pelo Direito Penal, haja vista que o Estado possui outros meios de controle sociais mais adequados. 

O referencial teórico a ser utilizado e que inaugura o movimento denominado “humanitário”, lança as bases para uma reforma no Direito Penal vigente no século XVIII. A obra de Beccaria (1764) “Dos delitos e das penas”, influenciou o mundo jurídico então vigente, tornando-se um marco, por ser a primeira vez que se insurgiu contra a tradição jurídica, em nome da humanidade e da razão.  

Embora existam alguns movimentos que preguem penas mais severas e a “expansão do Direito Penal”, o disparate do caráter ressocializador das prisões, aliado ao seu alto custo, lança as penas alternativas em posição de destaque, pois apesar de não solucionarem o problema da criminalidade e da superlotação dos presídios, constituem um grande progresso, em termos de eficiência /custo.

O sistema penal é parte do Estado, mas necessitamos de um enfrentamento multilateral da questão, através da economia favorável, educação, saúde etc, ou seja, de grandes investimentos sociais é que se ampliam as possibilidades e não da criminalização das relações sociais. Pensamento comungado por Gomes (2001) que explica: 

“A tendência em muitos dos movimentos de reformas legais, como é na Europa o caso da Holanda, vai no sentido de entender as reformas da Justiça como um processo multidisciplinar. Trata-se de um processo que requer para o seu êxito a integração de equipes de trabalho compostas por profissionais de distintas disciplinas do mundo jurídico, como economistas, sociólogos, gestores, etc. 

Quando o Estado não responde às necessidades da população, esta apela para um poder paralelo, onde a violência prevalece como meio válido de ver satisfeitas as suas mais variadas pendências, o que leva Azevedo (2003, p. 81) a concluir que: “o país assiste a um fenômeno sociológico novo: o surgimento de uma geração que, diferentemente dos pais, já nasceu sob o signo da violência”. 

Feita esta contextualização, cabe dizer que as principais indagações de nossa pesquisa são: As penas alternativas contribuem para que os indivíduos revejam as suas atitudes e condutas? Existem dimensões sócio-educativas no desenvolvimento das penas e medidas alternativas no Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados?  

O estudo será realizado na Vara de Execução Penal e JECRIM- Juizado Especial Criminal de Barra de São Francisco, Estado do Espírito Santo, Brasil, que foi escolhido por ser no âmbito de minha atuação profissional como promotor de justiça criminal, envolvendo ainda a o Serviço Social da Penitenciaria Regional de Barra de São Francisco e as entidades destinatárias do encaminhamento e fiscalização dos apenados com penas e medidas alternativas.

Os objetivos propostos para essa pesquisa são:

• caracterizar as penas alternativas; 

• identificar as ações e projetos desenvolvidos no Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados; 

• discutir a perspectiva das penas e medidas alternativas como momento/processo sócio-educativo.

Partimos do pressuposto de que há um processo sócio-educativo no desenvolvimento das penas alternativas e que é um equívoco o termo ressocialização, reeducação, ou qualquer outro “re” possível. A socialização de um indivíduo se inicia na infância, através dos pais, da escola, da igreja e dos demais setores da sociedade, ocorrendo de maneira lenta e gradual, sem que tenha necessidade de uma divisão temporal. 

Quando falamos em dimensão sócio-educativa estamos supondo que o apenado irá apreender através da interação social com outros sujeitos e com as pessoas envolvidas no processo de cumprimento da prestação de serviço à comunidade, conhecimentos relacionados à vida, que lhe proporcionem uma reflexão sobre sua situação, suas responsabilidades e possibilidades de mudança. 

Esse processo educativo necessita de um tempo específico para que crie uma cultura de participação social no sujeito e traga benefícios para si e para sua comunidade.  

Segundo Dubar (1998) a socialização “é um processo de identificação, de construção da identidade” e a aprendizagem ocorrem de maneira informal e implícita.

É com essa proposição que trabalhamos que ao receber uma pena alternativa, o apenado terá oportunidade de repensar e refletir sobre suas atitudes, sendo influenciado positivamente pelas pessoas envolvidas neste processo.

Na Comarca de Barra de São Francisco, Estado do Espírito Santo, Brasil, o cumprimento das penas e medidas alternativas se dá através de encaminhamentos feitos pela Vara de Execução Penal e Juizado Especial Criminal às diversas entidades que prestam serviços sociais, tais como: APAE, HOSPITAIS, ESCOLAS, CRECHES, ASILOS, com a fiscalização direta pelo Serviço Social da Penitenciaria local. Esses órgãos prestam orientação aos apenados, encaminham as doações ou os próprios prestadores às entidades e fiscalizam o cumprimento da prestação de serviços à comunidade.

Para atingir os objetivos propostos, primeiramente foram analisados documentos constantes da Vara de Execução Penal e JECRIM- Juizado Especial Criminal, Serviço Social da Penitenciaria Regional de Barra de São Francisco e as entidades destinatárias do encaminhamento e fiscalização dos apenados com penas e medidas alternativas. 

Na pesquisa exploratória realizada levantaram-se informações sobre dados numéricos das penas aplicadas e das instituições cadastradas. Também se observou o atendimento dispensado ao apenado desde sua chegada até o encaminhamento à instituição. 

Observar, segundo Triviños (1987, p.153)                                            

“...naturalmente não é simplesmente olhar. Observar é destacar de um conjunto (...) individualizam-se ou agrupam-se os fenômenos dentro de uma realidade que é indivisível, essencialmente para descobrir seus aspectos aparências mais profundos, até captar, se for possível, sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações, etc.”

A coleta de dados foi desempenhada por meio da análise do Relatório Final do Projeto de Extensão “Atendimento social junto ao Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados”, elaborado anualmente pela coordenação do Programa e que conta com descrição detalhada das atividades desenvolvidas, do número de atendimentos realizados etc.

E também através de entrevista semi-estruturada, cuja intenção foi analisar os depoimentos de apenados que receberam prestação de serviço à comunidade, para compreender se durante o cumprimento desse serviço, ocorre uma mudança de valores e atitudes, ou seja, um repensar de suas ações, também analisar os depoimentos de juízes e promotor do Juizado Especial Criminal para perceber como vêem a aplicação dessas penas. Por último, analisar os depoimentos dos coordenadores das instituições que recebem tais apenados, para perceber se é visível a mudança que ocorre (e se ocorre) nos apenados e também quanto à participação da sociedade. 

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas literalmente, sendo que cada entrevistado assinou uma autorização para que seus depoimentos pudessem ser utilizados no presente texto. Foram entrevistados 100 (cem) apenados, escolhidos aleatoriamente dentre os que cumpriram prestação de serviço à comunidade, sem levar em consideração se adveio de uma pena ou medida alternativa, pois embora a primeira seja imposta, e a segunda, supõe-se a aceitação do sujeito, a atividade desenvolvida nas instituições é a mesma, não cabendo esta diferenciação na prática.   Também foram entrevistadas sete pessoas que coordenam a fiscalização das penas e medidas alternativas nas instituições, um juiz e um promotor[9]

Assim, a dissertação estrutura-se em três capítulos. No primeiro capítulo o foco é o Estado Moderno, sua relação com o Direito Penal e a função da pena na atualidade. O segundo capítulo abordará o surgimento das alternativas penais frente à falência da prisão, posteriormente, diferença entre os termos penas e medidas alternativas, os tipos previstos na legislação brasileira e modelo de justiça implementado com os Juizados Especiais Criminais. O terceiro capítulo trará um breve histórico do Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados, o perfil dos profissionais envolvidos, as atividades desenvolvidas, dando ênfase na análise das entrevistas semi-estruturadas, discutindo as possibilidades do Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados em desenvolver uma dimensão sócio-educativa para as penas e medidas alternativas, bem como os limites destas para tal dimensão. 

 

Capítulo 1

Estado, direito penal e o desenvolvimento da pena

            O primeiro capítulo dá início à discussão da pena, tendo como ponto de partida uma breve análise sobre o Estado Moderno e o surgimento do Direito Penal, e também sobre a crise da modernidade, período que vivemos atualmente, e que alguns autores chamam de período pós-moderno, hipermodernidade, modernidade reflexiva, entre outros termos. 

Não nos deteremos na polêmica conceitual, mas na discussão de que a modernidade trouxe muitas questões, a exemplo da educação para todos, igualdade de direitos etc, não conseguindo resolver todas elas, e agora se questiona como resolvê-las, em especial temáticas do campo dos direitos, liberdade, educação e cidadania. Para isso necessitamos de uma revisão de valores e de um Direito Penal de acordo com necessidades reais da sociedade. 

Para analisar o surgimento do Estado Moderno foram utilizados os autores Rousseau, Maquiavel, Marx e Bobbio. Parte-se da idéia que o Direito Penal surge para regular a força do Estado, detentor do jus puniendi. Como salienta Bruno (1959, p.15) “o Direito Penal é um sistema jurídico de dupla face, protege a sociedade contra a agressão do indivíduo e protege o indivíduo contra possíveis excessos de poder da sociedade”. Parte-se do pressuposto que no modo de produção capitalista e no contexto do Estado Moderno o Direito Penal adquiriu configurações no sentido de proteção da propriedade privada e, portanto, dos direitos dos indivíduos. 

1.1. Estado Moderno, contemporaneidade e Direito Penal

            A compreensão do que seja o Estado Moderno perpassa pelo esclarecimento de que o mesmo desenvolve-se num momento histórico em que, especialmente, a Europa passa por transformações econômicas, políticas e sociais. Por volta do século XV e XVI Maquiavel dizia que “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários, quando por muitos anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou foram fundados recentemente” (2002, p. 29). Analisando o contexto italiano, Maquiavel, mostra a relação entre governo e Estado, afirmando que uma das dificuldades dos novos Estados é o fato de que “os homens mudam de governantes com grande facilidade, esperando sempre uma melhoria” (p.33). Uma frase célebre do pensador político é “... o príncipe precisará sempre do favor dos habitantes de um território para poder dominá-lo, por mais poderoso que seja seu exército”. (p.33). 

Assim, Maquiavel possibilita a visualização das bases para a compreensão do que será denominado de Estado na concepção Moderna: território, governo forte e povo. Como afirma Bobbio (1999, p.95) 

do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária para que exista um Estado é que sobre um determinado território se tenha formado um poder em condição de tomar decisões e emanar os comandos correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos casos em que a obediência é requisitada. Portanto, o Estado pressupõe três elementos básicos: povo, território e soberania.

            Em sociedades como a medieval, outros ordenamentos eram reconhecidos além da lei, como os costumes, a vontade política e a tradição doutrinária e jurisprudencial. Para agregar tais sociedades em Estados absolutistas, todas as fontes de produção jurídica foram unificadas nas leis – por ser a expressão da vontade do soberano – não sendo reconhecido outro ordenamento jurídico que não o estatal. O poder estatal é absoluto porque é o único capaz de produzir o direito. 

Para coibir os abusos por parte do príncipe surgem, segundo Bobbio (1984, p.15) três teorias para limitar o poder estatal. A jusnaturalista prega existir um direito inerente à própria natureza do homem e independente da vontade humana, pertence ao indivíduo, é o direito natural. Ao Estado cabe reconhecê-lo, assegurando aos cidadãos seu livre exercício, originando o Estado liberal. Outra teoria impõe ao Estado a separação dos poderes, dando ensejo ao surgimento do Estado constitucional, pois se acredita que a melhor maneira de limitar o poder é dividindo-o entre diversas pessoas e funções distintas, ou seja, legislativo, executivo e judiciário são independentes e desta forma, podem controlar-se mutuamente. A terceira forma de limitar o poder estatal é proposta através da soberania popular. Defendida por Rousseau (1991), que acreditava que o poder deveria ser transposto ao povo, que assim não exerceria o poder que lhe pertence conta si mesmo. 

 Bobbio (1999) caracteriza quatro tipos de Estado, seguindo critérios históricos: feudal, estamental, absoluto e representativo. O Estado feudal é caracterizado pela fragmentação do poder e as funções de governo eram geralmente exercidas pelas mesmas pessoas. No Estado estamental a organização política era comandada por pessoas da mesma posição social que formavam os Estados: clero, nobreza e burguesia. Já o Estado absoluto é caracterizado pela concentração de poder num determinado território, quando o soberano dita leis sem levar em consideração os costumes, as corporações, as sociedades particulares que sobrevivem somente com a autorização do poder central. 

Por fim, o surgimento do Estado representativo, sob a forma de monarquia constitucional e depois parlamentar. Os exemplos mais comuns do Estado representativo acontecem em quase toda a Europa após a Revolução Francesa, quando o povo toma o poder e após muitas lutas, declaram os Direitos do Homem e do Cidadão. A característica principal do Estado representativo é que o homem possui direitos naturais e que todos são iguais, e posteriormente há o desenvolvimento dos direitos políticos até o reconhecimento do sufrágio universal.

De forma geral, o Estado poderá ser entendido como um ordenamento político, institucional que possibilita ao Homem a superação do estado de natureza, passando a viver num Estado, conforme destaca Rousseau (1991). O homem ao abandonar o estado de natureza, passa a viver num Estado, que segundo Rousseau se assemelha a um contrato, onde os homens “livres e iguais” abdicam do seu estado de natureza, mediante um acordo de vontades, concordando em serem representados por uma entidade abstrata, revestida de um poder soberano, que irá representá-los, em benefício de todos. 

Para Rousseau (1991, p.259), o homem é bom por natureza, a origem de todas as desigualdades é a propriedade privada: 

O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: ’isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar esse impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todos, e que a terra é de ninguém!

            Corroborando com este pensamento, Hobbes (1983) profere que a propriedade inexiste no estado de natureza, e sendo uma criação do Estado, este pode suprimi-la. Já segundo Locke (1991), a propriedade é um direito natural anterior à sociedade, devendo ser protegido pelo Estado.

O Estado moderno emerge num período político de ascensão da burguesia.

Não possui origem divina, mas provém de um acordo de vontades e a sua primeira função é a defesa da propriedade privada. 

As obras de Marx, em especial “O 18 Brumário” (1978), destacam que o Estado está ligado à defesa dos interesses de uma parte, preocupa-se com os cuidados daqueles que detém o poder. A relação de força tem de um lado o Estado e de outro a sociedade, dividida em classes, cujos interesses dos detentores do poder é papel do Estado defender. Rousseau destaca a saída do Homem do estado de natureza, porém Marx desenvolverá a idéia de que não há a saída do estado de natureza, mas sim a sua continuidade, expressa nas relações desiguais entre as classes sociais, na opressão, na utilização da força para oprimir uma classe em relação à outra, na defesa dos interesses, na defesa da propriedade privada.

É possível dizer que o Estado surge para assegurar os interesses da burguesia, num momento histórico em que as relações feudais perdem força, dando lugar ao desenvolvimento do capitalismo, com duas classes visíveis, burguesia e proletariado. O próprio Rousseau advertia para a questão da desigualdade social, quando destacou a origem da propriedade.

Para os defensores da doutrina contratualista, como Hobbes, os indivíduos renunciam voluntariamente, num acordo recíproco, os seus direitos em favor do soberano. Assim, os súditos devem obedecer ao soberano, sem questionar suas ações, apenas obedecendo-as. Rousseau (1991, p.36) enfatiza que o homem perde pelo contrato social a liberdade natural (só conhece limites nas forças dos indivíduos), mas ganha a liberdade civil (se limita pela vontade geral) e a propriedade de tudo que possui.

Na definição de Mortati, citado por Bobbio (1999, p.94), o Estado é “um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes”. Quem legitima esse poder político, ideológico e social de que está imbuído o Estado?

Segundo a teoria jusnaturalista, o poder existe naturalmente, derivando do fato que independente da vontade humana, existem relações de força, indivíduos aptos a mandar e povos capazes de somente obedecer (p.89). Porém, podemos fazer referência às contribuições marxistas para a qual o poder está expresso na força estabelecida entre Estado e classes sociais e destas entre si. O poder será exercido mediante a força ou mediante mecanismos ideológicos que provocam alienação.

Assim, a dinâmica da sociedade provocaria relações de força segundo Interesses de classes, cabendo ao Estado fazer uma mediação.

Essa capacidade de impor a sua vontade, encontrando pessoas aptas a obedecer, está segundo Weber (1994, p.33), ligado mais ao conceito de dominação do que de poder, que é um conceito amorfo. Uma associação de dominação ocorre na medida em que seus membros, em virtude da ordem vigente, se submetem às relações de dominação.

Ao indagarmos sobre o surgimento e as funções do Estado, nos deparamos, inevitavelmente, com o surgimento do Direito Penal, criado para tutelar os bens jurídicos, quer seja prevenindo ou reprimindo os crimes, aplicando para tanto uma pena ao infrator.  “É indiscutível a idéia de que Estado e pena sejam conceitos intimamente ligados. Do desenvolvimento de um ocorreu o desenvolvimento da outra, razão pela qual para que melhor se compreenda a sanção penal, deve ser feita uma análise acurada da forma de Estado e do modelo sócio-econômico em que o sistema sancionador se desenvolveu”. (GONZAGA, M.T.C; SANTOS, H.M.R dos; BACARIN, J.N.B., 2002, p.24). 

Podemos analisar e identificar um tipo de Estado segundo as características do seu sistema penal, como explana Brandão (2002, p.69), “dizemos que pelo Direito Penal podemos identificar a face política do Estado, porque ele é a mais grave forma de intervenção estatal na esfera individual (...)”. 

No Estado Totalitário, segundo Brandão (2002, p.69), o Direito Penal passa a ser utilizado de forma arbitrária, servindo ao interesse de governantes, Deixando de lado sua principal função, que é a de tutelar os bens jurídicos. O autor cita vários exemplos deste modelo, como a revolução ocorrida no Chile na década de 1970, a Alemanha nazista e mesmo o Brasil, no período de ditadura militar. Neste caso, o direito penal serve como instrumento de opressão da sociedade e as penas não possuem parâmetros normativos. 

Não podemos dizer que foi apenas durante a ditadura militar que o Brasil utilizou o direito penal de forma arbitrária, ainda hoje, temos situações que evidenciam o uso da força para manter a ordem ou os interesses de determinada classe social. Essas relações ficam evidentes na sociedade brasileira, através da proteção da propriedade, da desigualdade no tratamento com as pessoas em diferentes condições sociais e da própria relação de forças muitas vezes presentes entre Estado e Sociedade Civil, a exemplo da repressão às manifestações sociais populares.

Num dado momento histórico, a figura do governante passou a se confundir com a própria lei. Tanto é que as qualidades do soberano eram muitas vezes confundidas com as do próprio Estado.

Para evitar o despotismo, o Estado de Direito surge para limitar o poder do Estado e proteger os direitos fundamentais, políticos, sociais e econômicos. Neste tipo de Estado as leis devem ser respeitadas porque representam a vontade do povo, e até mesmo os governantes, que exercem sua autoridade através da lei, estão a ela sujeitos.

Os direitos naturais do indivíduo foram enumerados no artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como sendo: a liberdade, propriedade, segurança e resistência contra a opressão, diz Bobbio (1984, p.22), ainda salientando que a principal finalidade da separação dos poderes é o direito de resistência, completando que “o estado no qual o direito de resistência não é mais um direito natural não protegido, mas um direito positivo protegido chama-se geralmente ”estado de direito”. (p.23).

Para Dallari (2003, p. 105) uma corrente que deriva das teorias contratualistas é a que preconiza o chamado Estado de Direito.

Para o contratualismo, especialmente como foi expresso por Hobbes e Rousseau, cada indivíduo é titular de direitos naturais, com base nos quais nasceram a sociedade e o Estado. Mas ao convencionar a formação do Estado e, ao mesmo tempo, a criação de um governo, os indivíduos abriram mão de certos direitos, mantendo, entretanto, a possibilidade de exercer os poderes soberanos, de tal sorte que todas as leis continuam a ser a emanação da vontade do povo. Assim, pois, o que se exige é que o Estado seja um aplicador rigoroso do direito, e nada mais que isso. 

No contexto da sociedade capitalista que emerge por volta do século XV, XVI e ganha força com o processo de industrialização (século XVIII), do Estado vai sendo exigido a dominação, tanto no campo das relações sociais entre as classes, como na esfera do domínio territorial. No século XVIII, especificamente em 1789, é proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o que Hobsbawn (2000, p. 19) denomina de delineamento das exigências do burguês. Como afirma o autor, trata-se de “um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios da nobreza, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária” (p.19).

Em síntese, apreende-se que foi no contexto do Estado Moderno que foram elaborados os Direitos do Homem e do Cidadão, que legitimava os interesses da burguesia em ascensão. Nos séculos XIX e XX ficava muito visível o papel do Estado de Direito (civil, político e social), atrelado às reflexões sobre cidadania, conforme o pensamento de Marshall (1967, p.62): “A desigualdade do sistema de classes sociais pode ser aceitável desde que a igualdade da cidadania seja reconhecida”.

A trajetória das lutas pela cidadania remonta ao século XVII, quando esta se confundia com a liberdade, pois as instituições e os direitos políticos e civis estavam atrelados e a maioria dos indivíduos eram submetidos a lei consuetudinária onde só os influentes participavam do Parlamento e das Comunas.

Para este autor, a cidadania é composta de três elementos: a) civil, que se desenvolveu no século XVIII e é composto pelos direitos à liberdade (individual, propriedade, ir e vir, justiça, pensamento e fé, etc); b) político, cultivado no século XIX e consistia no direito de participar no exercício do poder político; c) social, que teve suas bases lançadas durante o século XIX, sem que se conseguisse firmá-lo.

Somente no século XX, com o desenvolvimento do capitalismo e com um interesse crescente pela igualdade como justiça social é que se firmam os direitos sociais, que versam sobre os direitos mínimos de bem-estar econômico, de segurança e até de participação. Inclui também os serviços sociais e a educação, que para Marshall “é um pré-requisito necessário da liberdade civil” (p.73). Marshall trata do contexto inglês, no Brasil é sabido que os direitos civis foram impulsionados a partir de 1888 com a abolição da escravidão. Porém, em 1891 a participação política foi restringida em função da escolaridade. Até então, a propriedade da terra era o central para participar de decisões políticas, a partir de 1891 o analfabetismo era um empecilho à participação política.

            Cabe salientar a importância dada por Marshall à educação, para quem esta era o único meio de moldar um adulto em perspectiva, reconhecendo como incontroverso o direito da criança de ser educada, podendo o Estado usar seu poder de coerção para atingir tal finalidade. Também alicerce das penas alternativas, tema de estudo, a educação (processo educativo) é imprescindível para que o sujeito reveja suas atitudes.

Uma discussão que está ao lado da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão refere-se aos Direitos Fundamentais do Homem. As constituições tratam do direito à vida, do direito de liberdade, porém estes dois, por exemplo, são conceitos amplos. O que é possível entender por liberdade? Ir e vir? Trata-se da liberdade do mais forte? Como regular a liberdade? A Constituição Brasileira destaca a igualdade como um dos seus princípios, porém desde que haja a propriedade privada e relação entre classes sociais, a quem é assegurada a liberdade e que tipo de liberdade?

A função social do Estado é priorizar os valores fundamentais do homem, como saúde, educação, trabalho etc, ou em outras palavras, efetivar a cidadania.

Não com ações meramente assistencialistas, mas como um direito dos cidadãos e, mormente, com a dignidade humana, a quem cabe ao Estado zelar.

1. 2. Desenvolvimento do direito penal e da pena

            O Direito Penal como conhecemos hoje, normatizado e codificado é recente.

Nos primórdios da sociedade o crime era punido através da vingança privada, posteriormente se atribuiu uma origem divina à vingança e quando esta passa a ser pública, o Estado toma para si essa função, não encontrando medidas, cometendo barbáries. 

O mais antigo Código[10] conhecido é o de Hamurabi, rei da Babilônia (1728 – 1686 a. C.), e com o nascimento dos Estados contemporâneos, o código torna-se instrumento de referência legal, pois só a estes é permitido criar normas jurídicas. O Código de Napoleão, de 1810, consolidou as primeiras reflexões sobre Direito Penal.

O Direito Penal, segundo Brandão (2002, p.11) pode ser dividido em duas fases: a primeira, conhecida como Período do Terror, vai até o Iluminismo, onde foram cometidas as maiores atrocidades e não existia medida entre o mal cometido e a pena aplicada.  A segunda fase se inicia com a publicação em 1764, da obra “Dos delitos e das penas”, de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria. Machado (1987, p.19), em sua obra nos mostra que as sociedades primitivas saem do estado de natureza e passam a constituir uma sociedade civil através da força. Quando normas dessa sociedade eram violadas, o Estado apresentava uma reação não controlada, muitas vezes desproporcional. O Direito Penal surge então, como um “freio” à reação do Estado, uma garantia mínima de que serão respeitados certos direitos do cidadão, como o devido processo legal e principalmente, a proporcionalidade. 

Antes de se chegar a essa fase de vingança pública, as penas nas sociedades primitivas constituíam a vingança privada, onde era aplicada a lei do mais forte, não encontrando o homem limites para sua crueldade. Os castigos corporais mais utilizados eram os suplícios, verdadeiros “espetáculos de horror”.

Uma pequena “evolução” se deu com a Lei de Talião “olho por olho, dente por dente”, onde se abandona a vingança de sangue e surge uma proporcionalidade entre a pena e o mal cometido.

Por um período da História, as penas tinham cunho puramente religioso e eram aplicadas como pagamento da dívida para com os deuses; seus fins eram exclusivamente reparatórios ou retributivos, isto porque, segundo Machado (1987, p. 19), “o crime era visto como uma ofensa aos deuses, onde existia a lei do Tabu[11]onde quem a violasse recebia como pena a perda da paz, a pena de morte ou o banimento”. 

Com o desenvolvimento das civilizações, o cunho religioso da pena foi paulatinamente desaparecendo e, com isto, passou a ser aplicada pelo poder público. Nesta fase, a pena de morte foi amplamente utilizada, cuja execução se dava em praça pública, como meio de castigo e intimidação. 

            Num passo seguinte, a pena capital foi aos poucos sendo substituída pelo trabalho forçado, que em geral, era perpétuo e exercido em serviços extremamente penosos. As penas infamantes foram uma característica marcante dessa época e que perduraram em algumas legislações até o século XIX.

Ao tomar para si o direito de punição, o Estado confere a pena um caráter de satisfação social, até quando influenciado pelo direito canônico, a título de purificar o autor do delito, este é obrigado a ficar enclausurado, cumprindo “penitência”. Daí a origem de termos usados até hoje como penitenciária, confissão e cela. 

A prisão era conhecida pelos povos primitivos apenas como uma medida preventiva, enquanto decidia-se se a pena aplicada seria a escravidão, a pena de morte, o suplício ou outra penalidade qualquer. Somente na sociedade cristã é que a prisão passa a ser um tipo de sanção penal, o que para a época foi uma evolução, levando-se em consideração as monstruosidades cometidas.  

A partir da metade do século XVII, o Direito Penal inaugura o período humanitário, em que a população não mais aceitava o sistema repressivo desumano e sangrento. Com a obra de Beccaria (2004), a pena assume um fim utilitário, desprendendo-se da fundamentação teológica, pois este autor, no seu livro “Dos delitos e das penas” pregava a humanização do direito penal com verdadeiras finalidades para a pena; humanização no sentido de respeitar os direitos básicos do ser humano e, quanto às finalidades, a primeira no sentido de intimidar o indivíduo que vive em sociedade a ponto do mesmo não transgredir a norma jurídica imposta pelo Estado, e a segunda, no caso do indivíduo vir a transpor os limites dessas normas, não se sentindo intimidado, ser submetido à reeducação e posteriormente uma ressocialização.

            Historicamente, diz França (1999, p.139) “as penas privativas de liberdade surgiram como uma sanção penal mais humanitária em comparação aos castigos corporais, tais como açoites, mutilações, torturas etc. No entanto, sua consolidação deve-se, sobretudo, à sua utilidade sócio-econômica”.  

De onde se verifica que a pena de prisão perdeu seu caráter humanitário, apesar de representar um avanço em relação às penas corporais, e constituiu-se como uma forma de controle social que atende aos interesses da classe dominante, em defesa da propriedade privada.

Essa constatação não é atual, já Foucault (2002) em sua obra discorre sobre as atribuições que a prisão nunca cumpriu, como por exemplo, a de preparar o indivíduo para seu regresso junto à sociedade, e que só se deterioram com o passar do tempo. Nas prisões brasileiras são recorrentes as notícias de rebeliões, superlotação, maus-tratos, violência, isso sem sequer falar do estigma que carregam ao deixarem a prisão.

A obra “Dos delitos e das penas” foi publicada em 1764, tendo influenciado o mundo jurídico, pois em nome da humanidade e da razão, várias tradições jurídicas foram contestadas. Numa época onde se cometiam torturas, banimentos e punições muito superiores ao delito praticado, Beccaria insurge-se por um mínimo de justiça e proporcionalidade da pena e sua obra passou a ser considerada o marco do movimento denominado “Humanitário”. (MACHADO, 1987, p. 25). 

É senso comum que a prisão não recupera os indivíduos, e também gera mais problemas futuros, pois estes, ao deixarem-na, saem revoltados e muito bem preparados para retornarem ao mundo do crime. Atualmente, como prevenção e também de forma educativa, para que os indivíduos possam rever suas atitudes, as penas alternativas parecem atender algumas exigências dos Direitos Humanos, pois há possibilidade de que o “sujeito infrator”, dependendo do grau da infração, não adentre os presídios cujas condições de vida provocam mais revolta no preso. Ficar encarcerado sem uma ocupação pode gerar a intenção e o planejamento de novos crimes, uma vez que o estigma de preso e excluído ficará explícito no sujeito. Muitas dúvidas existem em torno das penas alternativas, mas são tidas como uma das possibilidades de que o sujeito tenha condições de repensar a sua ação (individualmente ou no grupo), construindo um espaço de aprendizagem em torno de questões tais como: responsabilidade, respeito ao outro, conseqüências de uma atitude impensada.

As crueldades ocorridas nas cadeias, também foram denunciadas por Beccaria (2004), que acreditava que a função da pena era prevenir novos crimes e não para castigar os delinqüentes. Enfatiza que a melhor maneira de prevenir os crimes é com uma legislação simples e que não privilegie nenhuma classe social.

No Brasil, já não se verifica esse preceito, pois as pessoas que possuem Educação Superior, no caso de serem presas preventivamente, terão direito a ficar numa cela separada dos demais detentos.

As leis devem ser claras e escritas de maneira simples, para que o povo que é o maior interessado possa compreendê-las. O argumento central do livro é de que a política governamental deve procurar o maior bem para o maior número de pessoas, como podemos observar na introdução da obra de Beccaria (2004, p.15) “as vantagens da sociedade devem ser distribuídas eqüitativamente entre todos os seus membros. Entretanto, numa reunião de homens, percebe-se a tendência contínua de concentrar no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, e só deixar à maioria miséria e debilidade”.   

A função do contrato social também serve de base para uma teoria moderna e liberal de justiça, onde os direitos individuais são aliados a mecanismos redistributivos. O soberano deveria conduzir o Estado segundo a vontade geral de seu povo, sempre tendo em vista o atendimento do bem comum.

Somente esse Estado, de bases democráticas, teria condições de oferecer a todos os cidadãos um regime de igualdade jurídica.  

Apoiado nas idéias de Montesquieu e Rousseau de um Estado democrático – liberal e contra o Estado absolutista, a obra de Beccaria lança as bases para o Direito Penal que tenha como fundamento a máxima garantia aos direitos dos cidadãos e a mínima intervenção do Estado.

Para Bicaria as funções da pena são centrais na discussão do Direito Penal, para quem o direito de punir reside na necessidade de se restabelecer a ordem violada, mas tal punição não deve ultrapassar o sofrimento necessário para evitar que o infrator pratique novamente o delito e prevenir o cometimento da infração pelos demais cidadãos. 

Quanto à finalidade da pena, esta se confunde com a própria finalidade do Direito Penal. Fato este, que deu ensejo ao surgimento de várias teorias visando explicar sua finalidade, as principais são: retributiva, preventiva e mista/unificadora. 

De um modo geral, a primeira finalidade é a de retribuir o mal causado, aliás, essa era a única finalidade atribuída a pena nas fases primitivas da humanidade.

Esse pensamento é a base da teoria absoluta ou retributiva, que nada mais é do que a pena como uma forma de vingança. 

Com a evolução do homem e da sociedade, procurou-se afastar esta idéia pura e simples de vingança. Num dado momento, a pena passa a ter um caráter de prevenção, onde temos a teoria preventiva ou relativa. 

A prevenção geral sustenta que a punição serve de exemplo para o resto da comunidade. Segundo Bittencourt (2001, p.125), “para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos”. Os defensores desta teoria acreditam que o Estado age de forma legítima ao punir um infrator, porque tem por finalidade prevenir a prática de novos crimes, ao passo que ameaça os indivíduos de forma generalizada.

Como prevenção especial, Dotti (1998, p.229) explica que se dirige exclusivamente ao delinqüente, ou seja, o objetivo é reajustar a personalidade do sentenciado aos padrões reclamados pela boa vivência comunitária. Acredita-se que a pena funciona para que o indivíduo apenado não volte a delinqüir, e está ligada a idéia de educação, de reinserção social. 

Nos dizeres de Costa (2000, p. 40) “ao Estado cabe um papel pedagógico/educador, atendendo de forma especial cada condenado, individualmente, utilizando-se da instrumentalização do direito, numa espécie de dirigismo intelectual que se reflete sobre os costumes da cidadania”. Seria a função social do Estado pedagógico/educador na prevenção, punição de crimes, bem como na “humanização” [12]dos indivíduos infratores.

A teoria mista, também chamada de unitária ou conciliadora, prega que, para se conseguir alcançar uma pena justa e proporcional, não se deve fundamentar a racionalidade da pena em nenhuma teoria individualizada. A pena se justifica porque é retributiva, preventiva geral e especialmente, sem a preponderância de qualquer critério. 

O Código Penal Brasileiro adota a teoria mista, ou seja, retributiva e preventiva, como se pode apreender de seu artigo 59:

 Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime:

            I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade da pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

A respeito, Eduardo Correia, citado por Dotti (1998, p.318) expressa que Declarar um homem culpado por um crime e depois não lhe infligir um castigo, deixando-o em liberdade, é coisa, acentua-se, que o homem da rua não compreenderá. O profano, a opinião pública, exigirá que ao crime corresponda a aplicação da pena tal como a concebe: e esta é a prisão. Só ela, pois, verdadeiramente reprime, castiga e intimida. E, assim, as reações não institucionais, como o sursis[13] e o Probation[14], implicam em um amolecimento ósseo de todo o sistema penal clássico, com todos os prejuízos para a criminalidade que daí advém. Mas será efetivamente assim? Cremos que não.

Utilizada no Sistema Anglo-saxão. Estas teorias expõem segundo Juarez Cirino dos Santos (2005, p.2), as funções atribuídas pelo discurso oficial. São as funções declaradas ou manifestas.

No tópico seguinte, será enfocada a reparação do dano como sendo a principal função moderna da pena. 

1.3 A função atual da pena

A sociedade sempre procurou saber qual é a função social da pena. A função da pena se mostra cada vez mais Simbólica e no fundo o Direito Penal é seletivo e a pena tem um caráter retributivo.

Desta forma pode-se comparar a função social da pena com um principio do Direito Penal qual seja o da adequação social, para Cesar Roberto Bitencourt, (2006, p. 41), em sua obra, Novas Penas Alternativas, diz que o Direito Penal qualifica as condutas com determinada relevância social, ou seja, nem todo fato é qualificado como crime.

Louk Hulsman, (1981, p. 71) diz que, mostrar os condenados à prisão como culpados que merecem um castigo alimenta a seu respeito o espírito de vingança.

Então como explicar neste mesmo contexto o princípio da intervenção mínima, isso porque neste caso o Direito Penal é usado em última esfera de controle e solução dos conflitos sendo os outros ramos do direito e o Estado responsável em resolver os demais conflitos sociais.

Zaffaroni, (2004, p. 76), afirma que:

“É muito difícil afirma-se qual a função que o sistema penal cumpre na realidade social. A Criminologia e a Sociologia do direito penal contemporâneo assinalam diferentes funções. Para uns, por exemplo, o sistema penal cumpre a função de selecionar, de maneira mais ou menos arbitrária, pessoas dos setores sociais mais humildes, criminalizando-as, para indicar aos demais os limites do espaço social.”

O autor diz ainda, (2004, p. 76):

“Em síntese, o sistema penal cumpre uma função substancialmente simbólica perante marginalizados ou próprios setores hegemônicos (contestadores e conformistas). A sustentação da estrutura do poder social através da via punitiva é fundamentalmente simbólica.”

Diante dos fatos é notório perceber que o Direito Penal não é feito de intervenção mínima e sim de adequação social, essa adequação está ligada ao fato de que a própria sociedade já engloba quase todas as condutas como crime, deste modo é que a sociedade sente-se mais conformada.

Luis Regis Prado (2004, p. 522), diz:

“A pena- espécie de gênero sanção penal- encontra sua justificação no delito praticado e na necessidade de evitar a realização de novos delitos. Para tanto, é indispensável que seja justa, proporcional à gravidade do injusto e à culpabilidade de seu autor, além de necessária à manutenção da ordem social.”

Para que essa situação seja modificada, é preciso que a sociedade desmistifique essa idéia de pena como castigo e este é papel do Estado, mostrar a sociedade que existe uma função da pena.

Um dos primeiros passos perfaz a compreensão acerca das Penas Alternativas, e as medidas que são implantadas no cumprimento de pena no regime fechado, qual seja os projetos aplicados para a promoção da ressocialização.

 

O Estado através do poder executivo deve promover ações e proteger os direitos daqueles que estão sob sua jurisdição, neste caso conscientizando o que estão no meio social e aqueles que estão em seus complexos penitenciários, humanizando as penas e instruindo-os através de projetos de incentivo.

Do ponto de vista de Souza Netto (1997, p.02) a principal função da pena na atualidade deve ser a reparação. E para reparar o dano causado (exceto no crime de homicídio – que não há reparação), necessitamos de uma maior ampliação da jurisdição consensual. 

A lei determina que a reparação do dano só será obrigatória quando o agente tiver meios de fazê-lo, entretanto, na maioria dos casos os réus são pobres e não podem arcar com a reparação. Cria-se um impasse que impede o avanço da reparação, pois esbarra na impossibilidade dos réus.  A solução, segundo Brega Filho (2004) é criar um Fundo de Reparação do Dano, instituído pelo Estado, e tendo como receitas dotações do próprio Estado e verbas decorrentes das penas pecuniárias. “Ocorre que a obrigação de cuidar do sistema penitenciário deve ser atribuída ao Estado, não sendo razoável que as multas pagas pelos acusados e sentenciados sejam destinadas a esse fim. Muito melhor do que um Fundo Penitenciário é a constituição de um Fundo de Reparação à vítima”.

A apresentação de uma breve discussão sobre a idéia de Estado e como o mesmo foi se constituindo na sociedade moderna é fundamental para compreender o Direito Penal e suas manifestações contemporâneas em torno da pena. Assim, foi possível perceber que o Direito Penal surgiu para impor limites ao direito de punir do Estado, garantindo aos cidadãos que seria respeitado o princípio da legalidade. 

 

Capítulo 2

Penas e Medidas Alternativas

Na segunda parte deste trabalho a ênfase se da às características das penas e medidas alternativas, mas para tanto se faz necessário diferenciar seus conceitos e possibilidades de aplicação. Os autores que auxiliam na fundamentação das discussões no capítulo são: Dotti (1998), Costa (2000), Bittencourt (2001), Martins (1999) e França (1999). Se a prisão, em seu surgimento, caracterizou um avanço diante das penas corporais, dos suplícios, da crueldade e do desequilíbrio entre o mal causado e a pena abusiva, atualmente só podemos tolerá-la nos casos imprescindíveis, como ultima ratio.  Por este fato, necessário se faz tecer alguns comentários sobre a falência da pena de prisão e das alternativas presentes em nosso ordenamento jurídico.

2.1) Falência da prisão e o surgimento de alternativas

Embora a falência da prisão seja um assunto muito discutido no campo do Direito, cabe retomar breves idéias para possibilitar a reflexão sobre o surgimento das penas alternativas. Com a falência da pena de prisão, surge a necessidade de se buscar alternativas, que ao mesmo tempo atinjam os fins que a prisão não alcançou e de maneira mais econômica. 

Cássia (2005) destaca o fato de que cada preso custa entre R$ 800,00 e R$ 1.200,00 mensais, portanto, a relação custo-benefício da pena privativa de liberdade precisa ser levada em conta. Manter encarcerado quem não é perigoso ou violento é desperdiçar o dinheiro do contribuinte e, quem paga impostos nesse país precisa ver os recursos públicos mais bem aplicados. É importante salientar que além de ser dispendioso, há um fator social presente nesta situação, ou seja, a reprodução da violência e o reforço à exclusão social.

Conforme Martins (1999, p.35) 

(...) sabendo-se das mazelas que advêm da simples aplicação da pena de prisão, dos problemas que decorriam do encarceramento, tanto em função das superlotações e da óbvia ocorrência de promiscuidades e desrespeito aos mais comezinhos princípios de relacionamento humano, como da inexistência de um programa de acompanhamento aconselhamento, educação e encaminhamento do preso a um novo caminho, ampliou-se, com a Lei nº 7209/84, o leque dos tipos de penas aplicáveis ao país.

As estruturas do poder, que em suas formas centrais constituem-se em poder político, na qual o meio utilizado é a força; poder ideológico, que exerce influência através do saber; ou poder econômico, que é produzido por quem possui os meios de produção, ambas as formas podem ser coordenadas pelo mercado, e possuem impacto na relação Estado- sociedade, levando-se a concluir que a modernidade impõe uma transformação tanto na democracia quanto nas estruturas políticas e econômicas. 

Como afirma Bobbio, “numa primeira aproximação, pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão”. (1999, p. 35).

A participação social esteve presente para a democratização das relações entre Estado e sociedade visando uma maior atuação dos cidadãos na esfera política do país, deixando de ser atividade exclusiva do Estado se deu a partir da metade dos anos 1970, quando a atuação dos movimentos sociais visava tornar a administração pública mais permeável à participação popular.

Outra dimensão importante era a necessidade de desestatizar o acesso às decisões políticas, e desta forma possibilitando aos diversos “atores sociais” tivessem um maior controle e participação nas decisões estatais. Sendo conquistados diversos mecanismos, como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, iniciativa popular de lei, audiências públicas, plebiscito etc.

No final da década de 1980 com o restabelecimento das eleições diretas a nível estadual e municipal, a participação social passou a ser mais efetiva, defendendo assuntos de interesse público visando a transformação das condições de vida de vários setores populares, com a distribuição dos recursos produzidos pela sociedade.

Donde se pode concluir que “as iniciativas e manifestações vindas da base da sociedade estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento do termo sociedade civil” (IDÉIAS, 1999, p. 23), que atualmente, pode ser caracterizada como “o conjunto de ações coletivas que apresentam o potencial (e que, portanto, nem sempre se efetiva) de exercer o poder político no sentindo de causar impacto, ou alterar, tanto a institucionalidade política quanto as relações sociais” (IDÉIAS, 1999, p. 32).

Os sujeitos sociais devem ter o direito de participar efetivamente para o surgimento de uma nova sociedade, de um espaço público onde se discutam e se resolvam os conflitos com mais justiça social, sem que tenham de esperar décadas para que haja uma transformação cultural e uma construção democrática.  

No ano de 1984, com o restabelecimento de um período formal das relações democráticas, e com a reforma do Código Penal no ano de 1984, surge a possibilidade de ampliação de penas diversas da prisão[15], buscando através de sua aplicação deixar de configurar apenas o caráter retributivo da pena, como ocorre com a pena de prisão, mas, principalmente, enfatizar uma proposta sócio-educativa. 

Embora seja dito que a Justiça é cega, no direito penal percebe-se que as reflexões teóricas salientam a necessidade de um sistema carcerário “mais humanitário”,[16] além do desenvolvimento nas últimas décadas, das análises e práticas no campo das penas e medidas alternativas.

Não se trata de pensar um processo de ressocialização, mas de um modo que provoque o “repensar a própria ação”, entre aqueles que cometeram delitos, um processo humanitário que possibilite ao sujeito a revisão da sua atitude, dos seus valores com relação à vida e respeito ao outro.

2.2) Diferença entre penas e medidas alternativas

As penas e medidas alternativas surgiram no Brasil com a reforma de 1984 de nosso código penal. Antes disso as penas de curta duração, as de delito menos graves levavam o apenado a cumprir pena em regime fechado. Mesmo que fosse uma pena de pouquíssimo tempo de duração.

No período anterior a reforma de 1984 eram inúmeras as críticas à prisão de curta duração, como exemplo pontual temos as críticas de GARCIA as penas de curta duração aplicadas na época: “... além de não servirem à reeducação, as diminutas penas privativas de liberdade concorrem, francamente, para envilecer e piorar o delinquente. São corruptoras, porque se cumprem, quase invariavelmente, em estabelecimentos em que grassa nefasta promiscuidade”.[17]

Também, é oportuno citar ROXIN sobre mesmo assunto: “... o curto tempo de estada num estabelecimento carcerário é insuficiente para uma execução ressocializadora da pena, de que se possa esperar êxito. É suficientemente longa, no entanto, para levar àquele que cometeu seu primeiro deslize, definitivamente, pelo mau caminho, em razão dos contatos com criminosos perigosos condenados a tempo mais longo... quase não é exagero dizer que a pena privativa de liberdade de curto prazo, em vez de prevenir novos delitos, os promove”.[18]

Assim, podemos perceber que das críticas as penas privativas de liberdade de curta duração, inspiraram nosso legislador na reforma de 1984. Introduzindo as penas e medidas alternativas no direito brasileiro (penas restritivas de direitos), que não foram pioneiras, mas seguiram tendência generalizada no Direito Penal moderno.

As penas e medidas alternativas só ganharam maior importância com a lei número 9.714 de 1998. Com essa lei, novas espécies de penas restritivas de direito foram criadas, e foram modificados os requisitos que possibilitavam ao juiz realizar a substituição das mesmas.

Segundo Rocha (2002), as penas alternativas propriamente ditas são as referentes à Lei 9099/95, Lei dos Juizados Especiais Criminais, pois oferecem ao réu a alternativa de não ser condenado ao regime privativo de liberdade. Ocorre quando um processo penal ainda não foi aberto e o promotor propõe uma transação penal ou suspensão condicional do processo, homologada pelo juiz, então o réu cumpre uma pena alternativa, impedindo a abertura de um processo penal. Já na Lei 9714/98, penas restritivas de direitos, os réus são, num primeiro momento, condenados à privação de liberdade, para depois, de acordo com uma série de exigências legais, ter sua pena substituída por uma pena restritiva de direitos, que também são conhecidas como penas substitutivas. Portanto, convencionou-se usar a expressão “alternativas penais” para designar essas duas modalidades de penas.             

Por outro lado, Souza Netto (2000, p. 357), pena pressupõe condenação, então as chamadas ‘penas alternativas’ seriam somente aquelas em que existissem condenação e trânsito em julgado da sentença. No caso dos Juizados, onde a maioria dos processos acaba em conciliação ou numa transação penal, não há que se falar em pena, mas em “medidas alternativas” à própria aplicação das penas alternativas, ou seja, configura-se num novo direito do acusado, como explana a seguir:                                             

O acordo é anterior à acusação, e não há reconhecimento de culpa. A culpa é pressuposto necessário, absolutamente imprescindível, para a existência de condenação. Com a aceitação do acordo por parte do envolvido, não existe a necessidade de pena, não havendo que falar na transação operada em juízo positivo de culpabilidade, sob o aspecto jurídico-penal. A medida tomada em sede de transação penal não pode ser considerada pena, e o na –cumprimento da medida ajustada consensualmente e estabelecida condicionalmente por sentença enseja a denúncia, a partir da fase em que se encontrava. Assim, não há que confundir a transação com a ação penal condenatória. Esta objetiva uma pena, e aquela, uma medida alternativa à própria pena. Desse modo, a transação é um  plus, levada a efeito em processo de outra natureza. Trata-se de um novo direito do acusado.  

Com a reforma do Código Penal de 1984, foi introduzida a lei 7.209/84 que dispõe sobre as penas restritivas de direitos em nosso ordenamento jurídico pátrio, entre elas a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana. Essas penas são de caráter substitutivo, que a sociedade apelidou de "Penas Alternativas". Quatorze anos mais tarde, a lei 9.714/98 reformulou dispositivos do Código Penal, introduzindo mais duas penas restritivas de direitos – a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Esta lei define quais são as penas alternativas:  

a) Prestação pecuniária - consiste no pagamento à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social valor em dinheiro estipulado pelo juiz, não inferior a um nem superior a 360 salários mínimos;  

b) Perda de bens e valores pertencentes ao condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional;

c) Prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas - atribuição de tarefas gratuitas ao condenado em entidades assistenciais, escolas, hospitais ou outra instituição com essas finalidades.

d) Proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; 

e) Proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação oficial, de licença ou autorização do Poder Público; 

f) Suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo; 

g) Proibição de freqüentar determinados lugares (art. 47, IV, do Código Penal);  

h) Limitação de fim de semana ou "prisão descontínua"; 

i) Multa; 

j) Prestação inominada - havendo aceitação do condenado, o juiz poderá substituir a prestação pecuniária em favor da vítima por qualquer prestação de outra natureza. 

Têm sido muito festejadas outras propostas de alternativa às penas privativas de liberdade, como, por exemplo, a imposição ao condenado de entrega de cestas básicas a entidades assistenciais. Artificialmente, fixa-se um valor à título de multa, convertendo-o  in natura. Isto vem sendo utilizado com sucesso nos Juizados Especiais Criminais, através da transação penal. Naquele Juízo, onde se trabalha com o consenso, não há dificuldade para se dar vazão à criatividade.

O Código de Trânsito Brasileiro deu um importante passo  no sentido das alternativas à pena de prisão, criando a  multa reparatória[19], que consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima ou seus sucessores, de quantia calculada com base no sistema de dias-multa do Código Penal, sempre que ocorrer prejuízo material resultante da infração penal. Esta multa, por coerência, não pode exceder ao prejuízo da vítima e, em caso de ação de indenização civil, será descontado o valor já pago. 

Segundo o Cenapa[20] (Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas), o perfil geral[21] dos beneficiários das penas e medidas alternativas são: 

1) Quanto ao sexo: Masculino: 87% -Feminino:  13% 

              2) Quanto à escolaridade: Fundamental Incompleto: 40,6%;                      Médio completo: 11,1%;Fundamental completo: 6,2%;                            Analfabeto:  3,7%. 

             3) Quanto à faixa etária: 18 a 35 anos: 61% 

              4) Quanto aos delitos predominantes:  Furto: 20%; Porte de Armas:16,2%; Lesão: 16,1%; Uso de Droga: 14,4%                                      

             5) Quanto aos benefícios predominantes: Prestação de Serviço à Comunidade: 73,4%; Prestação Pecuniária: 20%. 

 A pena alternativa a ser aplicada depende da análise de dados objetivos e pessoais do condenado. Além disso, as penas alternativas são condicionais, ou seja, só poderão ser aplicadas se os condenados realmente cumprirem as obrigações impostas.

              A pena restritiva de direitos, ao contrário daquela explicitada na parte geral do código penal, não tem por objetivo constranger a liberdade de ir e vir do cidadão, e sim provocar um abalo na posição que esta pessoa desfruta na sociedade, ou seja, visa alterar seu status perante o meio em que ele vive, sem, entretanto, removê-lo, isolá-lo daquela coletividade, pois apesar de a pena restritiva de direitos atingir o prestígio que a pessoa em questão detém, ela visa, implicitamente, proteger a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental esculpido na Constituição Federal, que observa a necessidade de proporcionar a estes condições para uma vida digna, com destaque para o aspecto econômico. 

Quanto à individualização da pena, prevista no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, encontra sua garantia e seus limites na lei ordinária, a qual prevê tipos de infrações penais, onde são estabelecidos o mínimo e o máximo de pena.

                O método está previsto no artigo 68 do Código Penal, o qual estabelece que inicialmente será fixada a pena base (dentre os seus limites mínimo e máximo previstos para a situação), atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Na primeira fase, calcula-se a quantidade de pena-base, dentre as cominadas no tipo penal, levando-se em conta as circunstâncias judiciais. Na segunda fase, consideram-se as circunstâncias legais, atenuantes e agravantes. As circunstâncias existentes não podem ser desprezadas pelo juiz, são de aplicação obrigatória. 

A necessidade e a suficiência da pena devem ser aferidas pelo julgador, com amparo nas circunstâncias judiciais (art. 59, CP). Portanto, não se trata de discricionariedade, mas de atividade vinculada ao parâmetro legal, o qual não pode ser desrespeitado, sob pena de nulidade do ato praticado, se acarretar prejuízo para o réu. O juiz tem o dever constitucional de fundamentar a sentença, revelando e especificando, destarte, o trânsito subjetivo da aplicação da pena. 

As circunstâncias permitem certa flexibilidade ao julgador, mas não são suficientes para autorizá-lo à aplicação da sanção além ou aquém da prevista na lei, esta deve ser justa. 

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 43 e seguintes, estipula as penas alternativas e suas possibilidades de aplicação:

 Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (vetado); IV – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.

Art. 44. As restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:  I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

§ 1º (Vetado)

§ 2º Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitando o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão. § 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.  

As penas restritivas de direito, introduzidas na reforma de 1984, eram três: prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos, com a lei 9714/98 foram ampliadas, constituindo cinco modalidades, a saber:

 a) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação de liberdade.

§ 1º A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.

§ 2º A prestação de serviços à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

§ 3º As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

§ 4º Se a pena substituída for superior a 1 (um) ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

Consiste na realização de tarefas gratuitas pelo condenado em hospitais, creches, escolas etc. è a mais utilizada, pois, ao passo que valoriza o condenado a desenvolver suas aptidões, mantém o condenado em sua vida normal, dando-lhe oportunidade de conviver com pessoas diversas da criminalidade, o que não ocorreria se estivesse preso.

As atribuições levam em consideração as aptidões do sentenciado, e são estabelecidas de modo que não atrapalhe suas atividades habituais. 

Cada hora de prestação de serviços equivale a um dia de condenação, o que possibilita o condenado cumprir a pena em menor prazo.

 b) Prestação pecuniária

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária;

Art. 45. §1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.   

§ 2º No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. 

Consiste no pagamento à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada de destinação social e uma importância em dinheiro a ser fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 salários.

Essa forma de “indenização à vítima” é uma forma de evitar um processo de responsabilidade civil por reparação de danos, e caso haja, o valor pago a título de tal penalidade, no caso de serem os mesmos beneficiários é descontado.

Quanto ao parágrafo 2º, também é conhecida como “prestação inominada”, onde, se houver aceitação do condenado,  o juiz pode substituir a prestação pecuniária por uma “prestação de outra natureza”, que pode ser doação de gêneros alimentícios diversos (alimentos, medicamentos etc), retomada dos estudos, tratamento de desintoxicação, entre outros. 

c) Perda de bens e valores

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

III – perda de bens e valores;

Art. 45 § 3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.

Consiste na perda de bens e valores do condenado, obtidos com os proventos do crime, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, tem como teto o montante do prejuízo causado ou o provento obtido pelo agente quanto à prática do crime.

Segundo Costa (2000, p.81) “bens são coisas corpóreas com valor econômico, como por exemplo, imóvel, veículo etc, e valores compreendem títulos ou qualquer papel que represente obrigação,  como por exemplo, apólice, cheque, nota promissória etc”.

 É pouco utilizado, por tratar a perda de bens obtidos com o crime, ocorrendo em poucos casos, como por exemplo, o do funcionário público que comete apropriação indébita.

d) Interdição temporária de direitos

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

V – interdição temporária de direitos;

Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV – proibição de freqüentar determinados lugares.

Consiste na proibição de exercer cargo ou função pública, bem como de mandato eletivo; suspensão da habilitação para dirigir veículo e na obrigação de não freqüentar determinados lugares.  A idéia básica é reprimir temporariamente a capacidade jurídica do condenado, impedindo, em caráter provisório o exercício de certas atividades.      

A interdição de exercício de cargo, função ou atividade pública possui como requisito essencial que o delito tenha sido praticado no exercício de alguma destas atividades.

Não se confunde, porém, com as privações de direito do art. 92, I do CP, que prevê a perda de cargo ou função, como efeito de condenação secundária superior a quatro anos.                                                                                                                   

A proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação (dentista, médico, advogado etc) ou alvará, concedido por órgão público (ourives, marceneiro etc), além de possuir um caráter retributivo, destaca-se sua finalidade preventiva, pois enquanto interditado gera uma repercussão na sociedade.

Quanto a proibição de freqüentar determinados lugares, busca-se ressocializar o indivíduo, mas, principalmente, como forma de prevenção, de modo que se o infrator não freqüente lugares propícios ao desenvolvimento da criminalidade, não haverá novas infrações.

e)  Limitação de fim de semana

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:  IV – limitação de fim de semana.

Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.

Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

Consiste na obrigatoriedade de permanecer aos sábados e domingos, pelo período de 5 horas, em casa de albergado ou outro estabelecimento similar. Durante a permanência nesses locais, seriam ministrados cursos ou palestras com a finalidade sócio-educativa,  é pouco utilizada pela falta  de estrutura para sua adequada aplicação, o que acabaria por constituir impunidade. 

Outra medida alternativa prevista no Código Penal é a Suspensão Condicional da Pena (art.77, CP) conhecido como “sursis”, é aplicado nos casos em que a pena não for superior a 2 (dois)  anos, mas por algum motivo, não seja recomendada a substituição por uma pena restritiva de direitos, e consiste na suspensão da pena (pelo prazo de 2 a 4 anos), para tanto, devendo o sentenciado cumprir certas condições estabelecidas pelo juiz. 

            Como exemplo dessas condições pode-se citar o comparecimento mensal em juízo, a entrega de cestas básicas a instituições de caridade e até a prestação de serviços comunitários.

Embora assim não denominada pela legislação, a pena de multa substitutiva – art. 60 § 2º, do Código Penal, também pode ser considerada como pena alternativa à privativa de liberdade.  

2.3. Juizados Especiais Criminais 

Dentro desta mesma perspectiva, a Lei nº 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais) veio esboçar um modelo alternativo de Justiça Penal para o Brasil, baseando-se numa política criminal onde há uma intervenção mínima do Estado nos casos de menor potencial ofensivo, conforme definição do artigo 61 da referida lei:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.[22]

A Lei 9099/95 instituiu no ordenamento jurídico brasileiro quatro medidas despenalizadoras[23]: a composição dos danos civis, a representação a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Um dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais é a reparação dos danos sofridos pela vítima, através de um procedimento mais rápido e com o mínimo de formalidade, onde será oportunizada a composição dos danos materiais e/ou morais, denominada de composição civil (art. 74 da Lei 9099/95).

Essa reparação fica a critério das partes e havendo um acordo deverá ser reduzido a termo e homologado pelo próprio juiz penal. A sentença homologatória tem eficácia de título executivo e se não for cumprida, poderá ser executado no juízo cível competente (artigo 74), podendo ser o juízo cível comum, bem como os Juizados Especiais Cíveis.

Quando se tratar de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada, a homologação do acordo civil acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação (artigo 74, §único), extinguindo-se assim, a punibilidade do autor do fato.

             A composição dos danos civis com a vítima (a conciliação também é possível), poderá ocorrer quando a ação penal for de iniciativa pública incondicionada - titularidade do Ministério Público - mas pela natureza da ação penal, o procedimento não será encerrado, passando-se para uma segunda fase onde poderá ocorrer o arquivamento do procedimento, propor a transação penal ou fazer a denúncia oral. 

Na ação penal pública condicionada, não havendo composição dos danos civis na audiência conciliatória o prosseguimento do feito só ocorrerá se o noticiante (vítima) oferecer a representação (artigo 65), ou seja, uma autorização para a persecução penal.

O ofendido poderá representar verbalmente, porém se este direito de representação não foi exercido na audiência preliminar, poderá fazê-lo a qualquer momento desde que se respeite o prazo legal de seis meses, nos termos dos artigos 103 do Código Penal ou art. 38 do Código de Processo Penal, após este período ocorrerá a decadência e a extinção da punibilidade do agente (artigo 103, IV do Código Penal).

Uma vez oferecida a representação, a audiência prosseguirá nos termos do artigo 76 da Lei 9.099/95.

Conforme a redação do artigo 76 da Lei 9.99/95, a transação penal constitui-se em um instituto através do qual o representante do Ministério Público propõe ao autor de uma infração de menor potencial ofensivo a “aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta” excetuando-se as situações previstas no §2º do artigo 76. Esta medida despenalizadora tem sido objeto de polêmica na doutrina e na jurisprudência. 

Uma grande inovação da Lei 9.099/95 foi a suspensão condicional do processo, pois a sua aplicação abrange os Juizados Especiais Criminais como também, crimes de competência da justiça comum. 

Faz-se necessário diferenciá-la da suspensão condicional da pena (“sursis”), prevista nos artigos 77 e 82 do Código Penal Brasileiro, onde se suspende a execução da pena privativa de liberdade em concreto, que seja igual ou inferior a dois anos e não superior a quatro anos quando o acusado tiver mais de 70 anos. 

Pela Lei 9.099/95 poderá haver a suspensão condicional do processo, nos delitos em que a pena mínima for igual ou inferior a 1 (um) ano, caso seja revogada, o processo prosseguirá seu trâmite regular. O juiz declarará extinta a punibilidade do acusado após o período probatório sem revogação.  O diferencial na suspensão condicional do processo é que não haverá condenação e o acusado continuará réu primário, cumprindo as mesmas condições do sursis.  

No cenário dessa nova concepção de política criminal, exigida pelo Direito Penal moderno, as alternativas penais ganharam um grande destaque, o que implica de efeito, numa grande reflexão por parte dos operadores do Direito. De um lado para se aplicarem as sanções substitutivas, sem desprezar os fins das penas, devem-se analisar com prudência os requisitos de admissibilidade, sem ampliá-losou restringi-los.

 É igualmente de capital importância o envolvimento da sociedade como um todo, na execução das penas alternativas. A sociedade não pode ignorar que ela exerce um duplo papel no cenário do crime, posto que é sujeito passivo e ativo ao mesmo tempo. De outra parte, não se questiona que as novas alternativas procuram punir o infrator da lei penal com sanções sensivelmente úteis a ela mesma, quer seja na modalidade de prestação de serviço à comunidade, quer seja na forma de prestação pecuniária, quer seja em cestas básicas, logo, cabe aos responsáveis pelas entidades beneficiárias a obrigação de receberem os condenados encaminhados e fiscalizarem adequadamente a prestação de serviço. 

A propósito, é oportuna a advertência de Dotti (1998, p.94) quando afirma que "... a adoção dessas novas frentes de reação contra o delito pressupõe a conjugação de esforços entre os órgãos públicos, a iniciativa privada e os setores da comunidade envolvidos com os problemas da execução".

Em seu Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social, Silva (2003) procura buscar qual a representação social dos apenados que cumprem pena alternativa. A autora procurou identificar a realidade vivenciada pelos sujeitos no cumprimento da pena e analisar se havia controvérsia entre a teoria acerca das Penas Alternativas e a representação social dos sujeitos que as cumprem.

Sua pesquisa revelou que a maioria dos entrevistados afirma que cumprir pena alternativa foi uma experiência positiva, embora tenha percebido que a representação dos sujeitos é de vê-la positiva “pelo fato de cumprirem a pena em liberdade, como uma questão de sorte, não conseguem enxergá-la como direito, como um dispositivo legal” (SILVA, 2003, p. 85).

Embora as penas alternativas geralmente se apresentem como um benefício, uma “chance“ dada ao sujeito, que em caso de descumprimento perderá essa “oportunidade”, a realidade é que as penas alternativas não é uma “benfeitoria”, mas um direito. O apenado cometeu uma infração e tem o dever decumprir sua pena, mas também tem o direito de ter sua pena substituída por uma restritiva de direitos, quando se fizerem presentes os requisitos constantes da lei.   

Outro ponto que Silva destaca é que os apenados, na sua maioria, não possuem qualificação profissional, e aqueles que possuem, não conseguem exercê-la no cumprimento da prestação de serviços, porque as instituições receptoras de serviços não estão preparadas para recebê-los. E também porque a CEPA não faz nenhum trabalho nesse sentido, destaca a autora que estagiou no local por dois anos: “Quando acontece do serviço prestado ser condizente com a profissão do sujeito é um caso isolado”. (p.91)

França (1999) em sua dissertação de mestrado em psicologia, intitulada “Prestação de serviços à comunidade: um recurso de punição ou de desenvolvimento humano?”, busca entender a pena de prestação de serviços à comunidade para além de sua função punitiva, pois nesse tipo de sanção penal, diverso da pena privativa de liberdade, pressupõe-se que o apenado irá encontrar oportunidades para desenvolver atributos pessoais ao realizar o trabalho comunitário e dessa maneira voltar-se para a vida comunitária, o que seria extremamente benéfico para a sua recuperação.

Na dissertação, o referencial teórico é a obra de Michel Foucault, em especial “Vigiar e Punir” e “A verdade e as formas jurídicas”. A autora nos faz uma ressalva, afirmando que “embora reconheça que o tema de penalidades não se refere somente a fatores econômicos e disciplinares como postula esse autor; do que existe outro fator extremamente importante para a compreensão do temário que é o cultural” (p.1). Portanto, ela está questionando a predominância dos fatores econômicos, tal como apontado por Foucault. Indica que não há mera aceitabilidade de todas as idéias dos referenciais teóricos, mas um diálogo e problematização do conteúdo expresso pelos autores. 

Foucault foi escolhido como principal referencial teórico porque, segundo a autora, “esse autor realizou uma análise crítica a respeito das formas de punição e, sobretudo, analisou as práticas judiciárias, explicitando a função de instrumento de controle social que tais práticas cumprem” (p. 5) e também elaborou uma análise da sociedade moderna na qual explicita o surgimento do que denominou “sociedade disciplinar”, caracterizada especialmente por “práticas que visam o controle, domesticação e manipulação dos indivíduos” (p. 6).

 Ao questionar a validade das penas alternativas, a partir de sua experiência[24], de entrevistas e dados estatísticos, a autora aponta vários fatores que, segundo ela, fazem com que tais penas não atinjam sua função educativa, a saber: o conservadorismo das instâncias formais do aparato do Estado, a pequena aplicação destas penas, dentre outras. 

Embora considere as penas alternativas “um verdadeiro avanço para o direito penal”, a autora questiona se a prestação de serviços à comunidade não seria “mera mão-de-obra gratuita”. O posicionamento da autora se justifica pela sua experiência profissional e fato de sua pesquisa de campo se restringir a entrevistas com coordenadores de programas de prestação de serviços à comunidade, estando aberta a novas concepções, verifica-se a necessidade de levantamento de dados, não só junto aos juízes e promotores, mas também com os próprios apenados e as instituições que recebem os apenados.

Rocha (2002, p.82) salienta que:

 as alternativas penais vêm sendo conceituadas e discutidas a partir do que – idealmente – podem significar em relação ao regime privativo de liberdade. Nota-se um discurso exageradamente otimista na maior parte dos autores que fazem referência às alternativas penais que, via de regra, não encontram respaldo em dados empíricos, mas em suposições, em declarações de princípios ainda não comprovadas pela prática, até mesmo pela já citada escassez de pesquisas científicas sobre sua aplicação.

O trabalho se baseia no pressuposto que as entrevistas com os apenados, defensores públicos, promotores de justiça, juízes, conselheiros da comunidade e gestores do sistema prisional são fundamentais para uma visão acerca dos benefícios da prestação de serviço à comunidade, pois sob a ótica de quem as recebe obteremos um novo olhar da realidade estudada. Tais entrevistas realizadas no âmbito da Vara Criminal, Juizado Especial Criminal, Vara de Execução Penal, Conselho da Comunidade, Ministério Público, Defensoria Pública e Penitenciária Regional, da Comarca de Barra de São Francisco, Estado do Espírito Santo.

 

Capítulo 3

As penas alternativas no mundo

Para o abrandamento da crise da superpopulação carcerária, um dos problemas mais desafiadores enfrentados pelos sistemas de justiça criminal em todo o mundo, um problema que persiste, apesar de os índices de criminalidade em queda e programas de construção de prisões, a pena alternativa é a solução.

In Europe, prison populations are on average 130 per cent of official capacity; 1 in the US the figure stands at 107 per Na Europa, a população carcerária são em média cento e trinta por cento da capacidade oficial; [25] em os EUA a situação é de cento e sete por cento. However, in Bangladesh, prison populations stand at 288 per cent of official capacity – the highest rate in South Asia. 2 In Kenya, the rate of prison overcrowding is the highest in the world, with prison occupancy at 337 per cent of capacity. 3 No entanto, em Bangladesh, a população carcerária fica em duzentos e oitenta e oito por cento da capacidade oficial -. A taxa mais elevada no Sul da Ásia [26] No Quênia, a taxa de superlotação das prisões é o mais alto do mundo, com a ocupação de trezentos e trinta e sete por cento da capacidade instalada[27]. Prison overcrowding is a consequence of criminal justice policy, not rising crime rates.

 Superpopulação carcerária é uma consequência da política de justiça criminal, não o aumento das taxas de crime. The over-use of pre-trial detention, along with strict sentencing practices, are just two contributory factors. O uso excessivo de prisão preventiva, juntamente com práticas de sentenças rigorosas, são apenas dois fatores contribuintes. In Latin America and Africa, almost half the prison population are awaiting trial; in South Asia, this proportion rises to as much as 65 per cent. 4 Imprisonment is increasingly being used for minor and petty offences. Na América Latina e África, quase metade da população prisional estão aguardando julgamento; no Sul da Ásia, essa proporção sobe para até 65 por cento. [28] Prisão é cada vez mais utilizado para os delitos menores. The mentally ill and drug users are far more likely to be detained in prison than in an appropriate care institution. Os usuários de drogas e doenças mentais são muito mais propensos a ser detido na prisão do que em uma instituição de cuidados adequados.

Overcrowding undermines the ability of prison systems to meet the basic needs of prisoners, such as healthcare, food, and accommodation.            A superlotação prejudica a capacidade dos sistemas prisionais para atender às necessidades básicas dos presos, como saúde, alimentação, alojamento e. It also compromises the provision of rehabilitation programmes, educational training, and recreational activities. Ela também compromete o fornecimento de programas de reabilitação, de formação, e atividades recreativas. A situação põe em risco os direitos básicos dos presos, incluindo o direito a um padrão adequado de vida e o direito de os mais altos padrões de saúde física e mental. These are guaranteed by Article 25 of Universal Declaration of Human Rights and Articles 11 and 12 of the International Convent on Economic Social and Cultural Rights. Estes são garantidos pelo artigo 25[29] da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 11 e 12 do Convento Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

More specifically, the Standard Minimum Rules for the Treatment for the Prisoners (Rules 9-22) makes specific provisions for prisoners with respect to accommodation, health care, ventilation, floor space, bedding, personal hygiene and room temperatures – all which can be compromised as a result of prison overcrowding.  Mais especificamente, as Regras Mínimas para o Tratamento para a Prisioneiros (Regras 22/09)[30] contém disposições específicas para os presos com respeito a alojamento, cuidados de saúde, ventilação, espaço, cama, higiene pessoal e temperatura ambiente - tudo o que pode ser comprometida como resultado da superlotação das prisões. International standards also include provisions to militate against unlawful or unnecessary imprisonment.

 A ONU, através do Penal Reform International – 6.1 Pre-trial detention shall be used as a means of last resort in criminal proceedings, with due regard for the investigation of the alleged offence and for the protection of society and the victim.
6.2 Alternatives to pre-trial dentional shall be employed at as early a stage as possible.

PRI has actively promoted and supported the implementation of community service in Zimbabwe, which was introduced as an alternative to custody in 1995. PRI[31] - tem ativamente promovido e apoiado a implementação de serviços comunitários no Zimbábue, que foi apresentado como alternativa à prisão em 1995. The model has since been launched in many countries in Africa, Eastern Europe, the Caribbean, and other regions in which PRI works. O modelo já foi lançado em muitos países da África, Europa Oriental, do Caribe e outras regiões em que o programa esta presente.

An international conference on community service orders, held in Zimbabwe in 1997, resulted in the Kadoma Declaration on Community Service Orders , signalling a growing consensus on alternative sanctions to imprisonment. Uma conferência internacional sobre as ordens de serviços à comunidade, realizada no Zimbabwe em 1997, resultou na Declaração de Kadoma em Ordens de Serviços à Comunidade, sinalizando um crescente consenso sobre sanções alternativas à prisão.

PRI's Index of good practices in reducing pre-trial detention includes a 10-point plan to reduce prison overcrowding in Africa, which is promoted across the region and beyond.           O PRI de boas práticas na redução da prisão preventiva inclui um plano de dez pontos para reduzir a superlotação das prisões na África, que é promovida em toda a região e além. Recommendations include diverting minor cases from the criminal justice system, using alternatives to pre-trial detention, reducing sentence lengths and being more consistent in sentencing, as well as developing constructive alternatives to custodial sentences. Recomendações incluem que casos menos graves do sistema de justiça criminal faça uso de alternativas para a prisão preventiva e penas privativas de liberdade.

In Malawi, PRI's Paralegal Advisory Service (PAS) has enabled prisoners to access bail, parole and community service programmes. No Malawi, o programa da ONU permitiu prisioneiros acessar programas de serviços de liberdade condicional sob fiança, e da comunidade. Our work on juvenile justice in the Middle East and North Africa region is similarly supporting the diversion of children from prisons.

The promotion of community mediation in countries across South Asia has helped to divert cases from formal criminal proceeding, thereby contributing to a reduction in the prison population. A promoção da mediação da comunidade em países de todo o Sul da Ásia tem ajudado a desviar os casos de processo criminal formal, contribuindo assim para uma redução da população carcerária. Following the implementation of community mediation in Bangladesh in 1999, more than 5,000 cases were resolved in one year. Após a implementação da mediação da comunidade em Bangladesh em 1999, mais de 5.000 casos foram resolvidos em um ano. Open prisons have similarly been promoted in India to address prison overcrowding. Prisões abertas têm igualmente sido promovidas na Índia para resolver a superlotação das prisões.

Under the Small Grants Programme, PRI has supported efforts to reduce the prison population in Russia; 350,000 prisoners were released in 2000 alone. No âmbito do Programa de Pequenas Doações, o PRI tem apoiado os esforços para reduzir a população carcerária na Rússia; 350.000 prisioneiros foram libertados em 2000.

As Regras de Tóquio[32], exige que todos os países passem a desenvolver medidas não privativas de liberdade dentro de seus sistemas legais para reduzir o uso de prisão e racionalizar as políticas de justiça criminal.

The Tokyo rules lists as the kinds of penalties that states should consider ; these include conditional discharges, status penalties, economic sanctions like fines, confiscation, restitution, suspended or deferred sentences, house arrest, probation or judicial supervision, community service/unpaid work, attendance centres, drug treatment, hospital order.            As regras de Tókio listas como tipos de sanções que os Estados devem considerar: a) Sanções verbais, como a admoestação, a repreensão e a advertência; b) Manutenção em liberdade antes da decisão do tribunal; c) Penas privativas de direitos; d) Penas econômicas e pecuniárias, como a multa e o dia de multa; e) Perda ou apreensão; f) Restituição à vítima ou indemnização desta; g) Condenação suspensa ou suspensão da pena; h) Regime de prova e vigilância judiciária; i) Imposição de prestação de serviços à comunidade; j) Afectação a um estabelecimento aberto; k) Residência fixa; l) Qualquer outra forma de tratamento em meio aberto; m) Uma combinação destas medidas.

Around the world countries have tried all kinds of alternatives some based on the list others not. Países ao redor do mundo têm tentado todos os tipos de alternativas com base em alguns dos itens propostos. Entretanto, Disturbingly there are still some countries which use physical punishments such as whipping and the cutting of limbs. preocupante ainda é que existem alguns países que utilizam castigos físicos, como chicotadas e o corte dos membros. In some countries, Penal Codes include provisions for severance of limbs and whipping. Em alguns países, os Códigos Penais incluir provisões para indenizações dos membros e chicotadas.

In other countries, particularly former Soviet ones there are provisions for offenders to undertake work for the community effectively by having parts of their salaries deducted. Em outros países, especialmente os da ex-União Soviética existem disposições para os infratores a realizar trabalhos para a comunidade de forma eficaz por ter partes de seus salários deduzidos. In high income countries there are a variety of alternatives such as electronic monitoring drug treatment and testing and a variety of psychological programmes. Em países de alta renda, há uma variedade de alternativas, como o tratamento eletrônico de monitoramento de drogas e de testes e uma variedade de programas psicológicos.

In parts of Africa there was surge of enthusiasm in the 1990's in respect of Community Service in particulaEm partes da África, houve aumento de entusiasmo na década de 1990 em relação aos Serviços à Comunidade, em particular. The Kadoma Declaration issued following a conference looking at the initial success of the schemes established in Zimbabwe noted that community service is in conformity with traditions of dealing with offenders and healing the damage caused by crime and recommended a network of national committees in a number of countries to spread best practices, supported by the UN a year later. A Declaração de Kadoma[33] emitido na sequência de uma conferência de olhar para o sucesso inicial dos esquemas estabelecidos no Zimbábue observou que o serviço comunitário está em conformidade com as tradições de lidar com criminosos e cura o dano causado pelo crime e recomendou uma rede de comitês nacionais em vários países para divulgar as melhores práticas, apoiado pela ONU, um ano depois.

4 years on the Ouagadougou conference on accelerating prison reform contained more detailed prescriptions for reducing the use of prison through diversion of minor cases from prosecution using traditional restorative approaches, reducing pre –trial detention through the deployment of paralegals and using proven sentencing alternatives such as community service partially or fully suspended sentences, probation and correctional supervision. Quatro anos depois da conferência de Ouagadougou, na Burkina Faso, sobre acelerar a reforma das prisões continha prescrições mais detalhadas para a redução do uso da prisão através de desvio de casos menos graves de perseguição usando as abordagens tradicionais restauradora, reduzindo a prisão preventiva por meio da implantação de paralegais e usando penas alternativas comprovadas, tais como serviço comunitário parcial ou total, liberdade condicional e supervisão correcional.

Conforme já mencionado as penas alternativas mais freqüentes são as de multa, as prestações de serviços à comunidade, a reparação do dano causado à vítima e a obrigação de participar de programas que incluam cursos profissionalizantes e de recuperação de drogados.

Na conferência realizada em Vancouver, Canadá[34], cujo tema era a prevenção da criminalidade, estiveram presentes quatrocentos representes de trinta países. O destaque evidente foi dado às penas alternativas à prisão, estratégias efetivas de controle de criminalidade, na qual ficou comprovada a redução de índices de reincidência.

Foi observado que países tão distintos como África do Sul e a Finlândia, Chile e os Estados Unidos, Holanda e o Brasil, buscavam soluções criativas para superar o modelo retrógrado, de elevado custo e ineficaz que é a pena privativa de liberdade.

Embora esteja previsto na Constituição Federal de 1988, no Brasil é de fácil constatação que se pouco utiliza as penas alternativas à prisão. Na Inglaterra, cerca de cinquenta por cento dos condenados pela prática de crimes recebem punições alternativas. Em alguns países da Europa ocidental este índice chega até setenta por cento das condenações. Isso mostra a grande eficácia na aplicação das penas alternativas pelo qual o índice de reincidência é também baixíssimo.

Na Holanda utilizam-se sanções alternativas com enorme sucesso, mesmo para criminosos habituais, desde que não tenham cometido crimes violentos. Nestes casos, o infrator é mantido na comunidade, sob rígido monitoramento de um assistente social e submetido a uma série de obrigações complementares. Pesquisa recente demonstra que a taxa de reincidência, em projetos como esses, é de somente dez por cento.

Na África do Sul, há drástica redução nos índices de reincidência, se comparados àqueles dos egressos penitenciários.

Na Finlândia houve uma diminuição considerável da população prisional nos últimos trinta anos. Inúmeras infrações passaram a ser punidas com multas e compensação às vítimas, e apenas cerca de dez por cento dos casos de furtos são punidos com a prisão.

Com todos esses casos de sucesso, programas alternativos bem-sucedidos nota-se que infratores contumazes transformaram-se em cidadãos produtivos e úteis para a sociedade.

Portanto, pode-se concluir que os elevados gastos com a pena privativa de liberdade, no Brasil, apenas só traz um grande ônus ao Estado. Sua razão de ser um instrumento re-socializador somente demonstra aumento das taxas de encarceramento e alto índice de reincidência.

No Brasil é necessário a aplicação do sistema de penas alternativas com maior afinco tendo em vista que é um país onde há milhões de miseráveis que mal sobrevivem ao cerco da fome e pela falta de oportunidades. Cerca de apenas 1,6% do total das condenações é para indivíduos prestarem serviços à comunidade. Um índice pouco expressivo.

Segundo Julita Lemgruber, que foi diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro por três anos, destaca um fato no qual uma pessoa foi condenada a uma pena de três anos de prisão pelo furto de fraldas descartáveis em supermercado, a um custo anual de R$ 6.720. O custo que se tem com esta condenação poderia muito bem ser utilizado com programas inteligentes que efetivamente podem reduzir a criminalidade. Isso mostra a grande falta de responsabilidade e respeito do Estado com seus cidadãos. Responsabilidade porque não se interessa pela condição do preso, que fica "jogado" em ambientes insalubres sujeitos a maus-tratos físicos e a corrupção dos presídios pelo fato de ter furtado fraldas num supermercado como mostra acima. E falta de respeito em relação aos imposto que a população paga para ter segurança e não para ter uma fabrica de pessoas revoltadas com o sistema quando saem da prisão.

O custo mensal médio é de 5,2 salários mínimos. O Brasil despende hoje R$ 6 bilhões por ano para manter cada um dos 336.358 presos existentes dentre homens e mulheres em prisões onde a regra é a superlotação, a convivência de presos perigosos com os chamados "ladrões de galinha", a conseqüente proliferação de doenças, e a ociosidade. Desses 336.358 presos, 25% a 50% são indivíduos que cometeram crimes sem gravidade ou violência. O orçamento hoje destinado à sua manutenção poderia ser redirecionado para programas que efetivamente podem reduzir a criminalidade através da geração de empregos, da profissionalização da força de trabalho, da construção de moradias populares e da melhoria dos serviços de saúde.

Condenar alguém, por exemplo, por crimes de furtos simples para sua subsistência, é um completo absurdo. Por isso temos que fazer a seguinte pergunta: Será que o legislador perguntou ao contribuinte se ele estaria disposto a pagar cerca R$ 20.000 por mês para punir alguém por um furto de R$ 15 e, além de tudo, tornar esse sujeito num criminoso pós-graduado? Claro não!

"Por tudo isto a reflexão se faz necessária. É hora de refletir sobre a necessidade de se refrear um modelo que é reprodutor da delinqüência. É hora de refletir sobre a questão custo/benefício da pena de prisão. É hora de refletir e pressionar para que as leis que já contemplam as penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, sejam utilizadas. E, mais ainda, é hora de se rever criteriosamente a atual legislação de forma a permitir que todos aqueles infratores que não ofereçam risco à sociedade, não sejam violentos ou perigosos, possam ser punidos de maneira mais inteligente, eficaz e economicamente adequada." Julita Lemgruber[35]

Capítulo 4

As possibilidades educativas das penas alternativas

            O importante das penas e medidas alternativas são as possibilidades educativas que surgem, mais precisamente, com a prestação de serviço à comunidade e entidades públicas, pois além de ser a alternativa penal mais aplicada,[36] também se entende ser a que traz melhores resultados. Seja pela possibilidade de ocorrer uma “tomada de consciência” pelo apenado, mas também pelo benéfico contato que este vivencia junto às instituições, podendo perceber uma realidade até então desconhecida.

E também destacar a importância da interação entre os atores do sistema de justiça criminal[37] para que sejam efetivadas as sanções impostas, pois, conforme depoimentos de juízes e promotores entrevistados, sem a colaboração de todos não haveria possibilidade da aplicação de penas e medidas alternativas.

A certeza de que é sempre possível evitar o cárcere com medidas que educam se extrai dos testemunhos dos apenados que cumprem prestação de serviços comunitários. Através de entrevistas com os responsáveis pela fiscalização e acompanhamento da prestação de serviços nas instituições[38] que recebem os apenados, se evidencia a importância do envolvimento destas, pois é neste espaço que se oportunizam as reflexões e a tomada de consciência dos sujeitos. 

4.1. Programas: origens e parcerias                                     

 4.1.1. Projeto CEFOP/PAES 

Realizar acompanhamento sistemático dos internos da Penitenciária participantes dos cursos oferecidos no Centro de Formação Profissional, fundado dentro desse Presídio, bem como criar mecanismos para garantir a inserção dos formandos no mercado de trabalho.

Este projeto propõe a inclusão social para a população carcerária em regime semi-aberto, colocando à disposição cursos de Solda, Serralheria, Instalações Hidrossanitárias, Pintura, Gesso e Eletricista Instalador, que acontecem num laboratório de práticas montado dentro da Penitenciária Agrícola, inaugurado em dezembro de 2008, chamado CEFOP/PAES - Centro de Formação Profissional.

Contribuir para o processo de ressocialização e para a mudança do quadro de vulnerabilidade social da Grande Vitória por meio da capacitação dos recuperandos em regime semi-aberto do Sistema Penitenciário Estadual em Cursos de Formação Inicial para Trabalhadores e do desenvolvimento de competências em nível moral e social e o resgate da cidadania.

O projeto visa dar ênfase à cidadania, ao retorno familiar, à qualificação profissional e à colocação dos formando no mercado de trabalho.

- Desenvolver nos recuperandos em regime semi-aberto competências em nível moral e social que contribuam para a compreensão de sua existência no universo, conscientizando-os de sua capacidade produtiva, necessária para seu processo de reinserção ao convívio social;

- Trabalhar, durante a formação profissional, a autoestima, o respeito à lei, o respeito mútuo e os valores familiares, tanto com o recuperando em regime semi-aberto quanto com as pessoas de laços consanguíneos, proporcionando a ambos uma estrutura sólida para o momento da volta ao convívio familiar, após o cumprimento da sentença judicial;

- Possibilitar conhecimentos sobre as demandas do setor produtivo e a importância do desenvolvimento de posturas empreendedoras, pessoal e profissional, para garantir a entrada e permanência no mercado de trabalho.

Na última turma, foram capacitados trinta e três internos e destes oitenta por cento foram inseridos no mercado de trabalho por meio de empresas parceiras. Espera-se que este projeto seja um instrumento de mudança cultural e inclusão social e que contribua para o desenvolvimento humano e resgate da cidadania.

4.1.2- Cartilha dos direitos e deveres dos reeducandos

A Constituição e outras leis, sobretudo a Lei de Execução Penal - LEP (Lei nº 7.210/84), estabelecem os deveres e os direitos da pessoa privada de sua liberdade.

A seguir, os principais deveres e direitos do preso, provisório e condenado: conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; conservação dos objetos de uso pessoal; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; indenização à vitima ou aos seus sucessores; indenização ao Estado das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; obediência às normas disciplinares e cumprimento fel da sentença; respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; submissão à sanção disciplinar imposta; trabalho - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; urbanidade e respeito no trato com os demais condenados.

Direitos e deveres

Alimentação e vestuário;

Assistência - Assistência material, médica, jurídica, educacional, social e religiosa;

Assistência jurídica - Ao preso que não tem condições para contratar advogado, o Estado deve proporcionar defesa técnica, por meio da defensoria pública;

Atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente;

Atividades profissionais - Exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena;

Audiência - Audiência especial com o diretor do estabelecimento;

Chamamento nominal;

Comunicação - A prisão deve ser comunicada à família do preso, ao seu Advogado ou à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao juiz, podendo o preso exigir o cumprimento desse direito, no momento de sua prisão ou após;

Habeas corpus - O preso pode requerer na Justiça, sem formalidade, habeas corpus contra a prisão ilegal;

 Indulto - É o perdão da pena, que poderá ser concedido por decreto da Presidência da República, alcançando todas as sanções impostas ao condenado;

Informação - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Intimidade - Proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, bem como entrevista pessoal e reservada com o advogado;

Livramento condicional - O livramento condicional é a concessão, pelo juiz, da liberdade antecipada ao condenado, quando preenchidos os requisitos legais.

Após a soltura, este se sujeita a determinadas exigências legais ou fxadas pelo juiz durante o restante da pena que deveria cumprir preso;

São requisitos para o livramento condicional:

I - cumprimento de mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;

II - cumprimento de mais da metade da pena se o condenado for reincidente em crime doloso;

III - comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;

IV - reparação do dano causado pela infração, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo;

V  -  cumprimento de mais de dois  terços da pena, nos  casos de  condenação por  crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.

Pecúlio - O preso tem direito à poupança, desde que execute trabalho remunerado;

Previdência social - O preso segurado da previdência tem direito ao auxílio-reclusão, para sua família, e a outros benefícios previdenciários, desde que cumpridas as exigências da lei;

Progressão de regime - Ocorre quando o reeducando, condenado por crime comum ou hediondo (cometido antes de 29/03/2007) cumpre mais de 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e tenha ostentado bom comportamento carcerário, passando a cumprir a pena em um regime mais brando. Os condenados por crimes hediondos (cometidos após 29/03/2007) deverão cumprir 2/5 (dois quintos) da pena, se primários, e 3/5 (três quintos), quando reincidentes, para ter direito à progressão de regime;

Recompensas - em função do bom comportamento na prisão, tais como o elogio e a concessão de regalias;

Reinserção - O preso tem direito a programas de reinserção social;

Remição pelo trabalho- A cada 03 (três) dias de trabalho, desconta-se 01 (um) dia da pena ou do tempo necessário para progressão de regime/livramento condicional; Importante: Pode ocorrer a remição pelo estudo, segundo critérios estabelecidos pelo juiz da execução penal.

Remissão pelos estudos- A Lei de Execução Penal prevê a remição da pena pelo trabalho. O estudo é, assim como a atividade laboral, um direito do preso, e ainda, considerando a finalidade maior da execução da pena, que é recuperar e reintegrar o preso à sociedade, além do fato de que a ocupação do preso sempre foi o anseio da comunidade, reconhecer o direito à remição pelo estudo daquele que, ao ingressar ao sistema penitenciário era analfabeto e, através de seu esforço, conseguiu alfabetizar-se, nada mais é que fazer justiça. Para a concessão da remição da pena pelo estudo alguns juízes utilizam o critério da analogia, isto é, a aplicação de norma que regula hipótese semelhante. O dispositivo legal está previsto no artigo 126 da Lei de Execução Penal e o legislador não regulou o fato em questão, que é a remição pelo estudo, observando-se que são hipóteses que oferecem pontos em comum, pois são direitos dos presos e estão previstos no mesmo diploma legal. Trata-se, pois, de uma lacuna na lei, onde, através de analogia, estende-se sua aplicação aos casos que ela não regula.[39]

Representação - Representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

Saída temporária  -  Pode  ser concedida ao preso a saída temporária, sem vigilância,  para  aqueles  que  cumprem  pena no  regime  semiaberto.  Essa saída destina-se à visita familiar e à frequência a cursos supletivos profissionalizantes, instrução de segundo grau ou superior, bem como à participação de atividades que contribuam para o retorno ao convívio social;

Trabalho - Atribuição de trabalho e remuneração;

Tratamento digno - Ninguém será submetido à tortura e a tratamento desumano ou degradante;

Trabalho externo - O trabalho externo (fora do presídio) pode ser solicitado por aquele que está no regime semiaberto ou na iminência de progredir, independente do tempo cumprido, no caso de proposta de emprego particular;

Visitas  -  Visita  do  cônjuge,  da  companheira,  de  parentes  e  amigos  em  dias determinados.

Disciplina:

Faltas disciplinares  - As  faltas disciplinares classificam-se em  leves, médias e graves, e a  legislação  local especificará as  leves e médias, bem assim as respectivas sanções;

Falta grave - comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; fugir; possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar acidente de trabalho; descumprir, no regime aberto, as condições impostas; não observar os deveres de obediência ao servidor; desrespeitar qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; não se atentar à execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

            A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso (provisório ou condenado), sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado (RDD). Importante: As  faltas  disciplinares  dificultam  ou  impossibilitam  a  obtenção dos benefícios.

Faltas leves e médias serão especificadas na legislação de cada Estado, bem assim as respectivas sanções;

Sanções:

Constituem sanções disciplinares a advertência verbal, a repreensão, a suspensão ou restrição de direitos, o isolamento na própria cela ou em local adequado e a inclusão no regime disciplinar diferenciado (RDD).·····.

Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.

O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado.

O Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados surgiu em 2000, na cidade de Barra de São Francisco, sendo primeiramente chamado de “Projeto Fabrica de Blocos”, pois visava através do trabalho, beneficiar os egressos da Cadeia Pública no seu retorno junto à sociedade.

4.1.3- O Conselho da Comunidade

A composição e as incumbências do Conselho da Comunidade estão previstas nos artigos 80 e 81 da LEP. No próximo capítulo esses aspectos serão apresentados em detalhes.

Em relação às incumbências dos Conselhos da Comunidade, dispõe a LEP: “visitar, pelo menos, mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na Comarca; entrevistar presos; apresentar relatórios ao Conselho Penitenciário e relatórios mensais, com a especificação das contas, ao Juiz da Execução; e, diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou ao internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”.

Os relatórios são muito importantes para dar conhecimento da situação carcerária no Estado e para a realização de um trabalho em conjunto das esferas municipais, estaduais e federais.

O Ministério da Justiça realizou um levantamento sobre os Conselhos da Comunidade quando assessorou os Estados na elaboração do Plano Diretor do Sistema Penitenciário, em 2008. Nessa oportunidade, as Secretarias dos Estados responsáveis pelo sistema prisional informaram o número dos Conselhos existentes e a sua composição. Foram noticiados 639 Conselhos no País, com maior concentração nos Estados de Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás. Porém, nem todos os Conselhos existentes são do conhecimento do Governo do Estado e nem todos existentes estão ativos.

Nesse sentido, ainda é necessário um estudo que possa desvelar a quantidade de Conselhos e suas características.  De qualquer forma, nos locais em que estão em atividade, as experiências são positivas e estão contribuindo para a humanização das penas e a assistência ao egresso.

Os Conselhos de Comunidade são instalados pelo Juiz da Vara de Execução Criminal da respectiva Comarca.  Por previsão legal, devem ser constituídos por 3 (três) membros, no mínimo, sendo eles: um representante da associação comercial ou industrial; um advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil local e um assistente social, escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.  Todos deverão ser nomeados pelo Juiz de Execução da Comarca, que poderá também acolher outras pessoas.

A lei prevê que na falta dessas pessoas, o próprio Juiz da Execução fará, em caráter supletivo, a escolha dos integrantes do Conselho, ouvida a comunidade.

A Lei não estabelece restrição quanto ao número de pessoas nem suas qualificações. A princípio, qualquer pessoa maior de 18 anos pode ser um (a) conselheiro (a), desde que nomeado (a). Há Conselhos no Brasil que prevêem a possibilidade de pessoas presas, seus familiares e egressos (as) virem a compor o Conselho. Quanto maior for a participação popular, mais força terá o Conselho da Comunidade.

Os membros dos Conselhos de Comunidade não são remunerados e sua nomeação depende do Juiz da Execução Penal da Comarca.  É um trabalho voluntário, de interesse público.

A comunidade pode procurar o Juiz da Execução, o Ministério Público e qualquer outro órgão da execução da Comarca a fim de que esses colaborem no fomento da organização do Conselho da Comunidade, conforme previsto na LEP.

Esse movimento também pode ocorrer por iniciativa do Juiz ou do Promotor.

Em seguida, deve solicitar a colaboração do Juiz da Vara de Execução para que oficie as variadas entidades, sem fins lucrativos, assim como as previstas na LEP, das Comarcas abrangidas pelo estabelecimento penal da região, para que essas indiquem um membro de seus quadros para compor o Conselho da Comunidade.

Feito isso, as entidades que estiverem na organização podem fazer uma apresentação às pessoas indicadas, com o fim de reforçar a importância e os ganhos sociais que serão obtidos quando do envolvimento com a questão, e alertar sobre as incumbências do Conselho, previstas em lei. Logo após, devem marcar uma reunião de nomeação, assim retornarão as pessoas que realmente se dispuserem a prestar este serviço voluntário.

Nessa reunião deve ser elaborada uma ata de nomeação das pessoas indicadas, com a remição das entidades que elas representam. Após, deve-se articular uma diretoria, que será eleita na mesma reunião, composta por, no mínimo, seis (seis) pessoas que se dispuserem a representar o Conselho, de acordo com os estatutos, que deverão ser aprovados na mesma oportunidade.

Princípios e Funções     do Conselho     da Comunidade

É importante que o Conselho se oriente por princípios para garantir uma atuação consistente e ética. Destacam-se os seguintes:

             a) Respeito aos direitos humanos: construção de uma cultura de respeito aos direitos; compreensão do direito a ter direitos; conhecimento e aplicação das normativas nacionais e internacionais.

  b) Democracia: igual possibilidade de acesso aos bens socialmente produzidos a todos; direito ao acesso à Justiça; e democratização das instituições públicas.

            c) Participação social: compreensão da prisão como integrante da sociedade e da comunidade; compreensão da prisão como uma instituição pública e, portanto, permeável ao controle da sociedade.

  d) Perspectiva histórico-social do delito: compreensão do delito e do delinqüente a partir de determinações econômicas, culturais, sociais e individuais; necessidade de abordagem transdisciplinar e multifatorial no enfrentamento da violência e da criminalidade.

É possível citar as funções do Conselho organizando-as em seis divisões, com alguns exemplos específicos de ações:

  a) Representação e intermediação da comunidade: solicitação de recursos; representação nos fóruns e organizações locais e regionais; e elaboração e/ou proposição de políticas integradas de atendimento aos presos, internos e egressos.

  b) Educativa: participação e divulgação na mídia; participação em fóruns, seminários locais e regionais; e participação na formação de profissionais nas áreas de atuação de interesse do sistema prisional e em atividades junto aos presos.

             c) Consultiva: elaboração de pareceres sobre aplicação de verbas; elaboração de pareceres sobre a situação geral do presídio e dos presos; e proposição de medidas a serem tomadas pelos órgãos públicos.

            d) Assistencial: atendimento a famílias, presos, internos e egressos em situações emergenciais.

             e) Auxílio material à unidade prisional: aquisição de equipamentos; participação em reformas.

  (f) Fiscalizadora: avaliação e monitoramento do cumprimento de direitos, da aplicação de verbas e do exercício da função das diferentes instituições públicas envolvidas na execução penal.

É importante que os Conselhos assumam um papel de representação da comunidade na implementação das políticas penais e penitenciárias no âmbito municipal.  É necessário assumir uma função política, de defesa de direitos, de articulação e de participação nas forças locais pela construção de estratégias de reinserção do apenado e do egresso e não apenas uma função assistencial.

Igualmente é importante atuar, em parceria com outras instâncias, pela humanização das políticas públicas sociais e penais, inclusive em âmbito estadual e federal.

Apesar de articulados com o Poder Judiciário para a sua formação e com a administração do estabelecimento penal para a execução de suas atividades, os Conselhos devem buscar preservar sua autonomia para que possam exercer de forma independente suas funções.  Ou seja, o Conselho deve cumprir suas responsabilidades como instituição desvinculada da missão do Judiciário ou do Executivo, precisa considerar suas funções e compromissos com a execução penal como órgão autônomo que representa os interesses da comunidade sem permitir ingerências por parte de outras instâncias e nem assumir o papel delas.

As universidades podem ser parceiras importantes e trabalharem em diversas áreas em conjunto com os Conselhos, como programas de ensino, de extensão universitária e de pesquisa.  Ao mesmo tempo em que podem aportar conhecimentos e assessoria técnica, os alunos passam a conhecer na prática a problemática estudada, o que possibilita uma formação mais crítica e contextualizada na realidade.

Os meios de comunicação locais devem ser utilizados para divulgação de atividades dos Conselhos e de outros aspectos relativos às atividades realizadas nas prisões. Muitas vezes, há possibilidade de potencializar espaços subutilizados que podem ser preenchidos com pautas positivas, de forma a estimular a participação da comunidade e diminuir a carga de preconceito com os presos e egressos.

No esteio da Constituição Federal, que imprimiu uma perspectiva de descentralização e de participação social na administração e no controle das políticas sociais, os Conselhos devem estar articulados com o poder local que geri as políticas municipais. Áreas como saúde, trabalho, educação e assistência social devem se destinar, igualmente, à população encarcerada.

Os Conselhos da Comunidade devem reforçar as redes municipais de direitos humanos e ao mesmo tempo buscar a contribuição dessas para o seu trabalho.

Mesmo que as redes tenham uma perspectiva mais ampla, muitas pautas podem ser comuns e trabalho conjunto será, certamente, proveitoso.   Outra instância importante de interlocução é o Comitê Estadual Contra a Tortura que existe em todos os Estados brasileiros e é composto por pessoas da sociedade civil e do governo. Esse Comitê controla, fiscaliza e denuncia as situações de tortura, inclusive no sistema prisional. Nesse sentido, torna-se imprescindível que os Conselhos busquem conhecer, divulgar e programar os principais instrumentos e tratados de defesa de direitos, como as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos, a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura ou outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, bem como os planos federais, estadual e municipal de direitos humanos.

Os Conselhos da Comunidade, os Conselhos Penitenciários Estaduais e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária devem ser pensados como um sistema, e, por isto, as ações devem se desenvolver de forma conjunta e coordenada, de forma a superar a desarticulação existente.

O trabalho dos Conselhos não deve ficar restrito apenas ao âmbito da prisão.

As penas alternativas à prisão fazem parte do contexto da execução penal, apresentando-se como medidas mais efetivas e dignas de tratamento penal e de prevenção à criminalidade. Atuar junto à aplicação de penas alternativas à prisão significa compromisso com a cidadania e justiça, uma vez que elas demonstram serem mais condizentes com a finalidade social da pena.

No interior dos Estados é comum o estabelecimento penal receber presos de diferentes Comarcas da região. Nesse caso, sugere-se que os Conselhos sejam formados, também, com membros dessas comunidades, para ampliar a participação e o envolvimento dos demais municípios na resolução dos problemas.

O Conselho da Comunidade pode atuar em demandas de diversas ordens baseadas, inclusive, nas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

As mais comuns são quanto a:

             a) situação jurídica e processual;

             b) relacionamento da pessoa presa e seus familiares;

             c) necessidade de banho de sol;

  d) denúncias de maus tratos;

            e) condições gerais da prisão (alimentação, roupas de cama, etc.);

             f) necessidades de orientação e tratamento de saúde e medicamentos;

  g) necessidade de acompanhamento psicológico, ocupacional e social;

             h) necessidade de capacitação profissional;

  i) necessidade de programas educacionais;

            j) necessidade de atividades laborativas.

O Conselho da Comunidade deve participar ativamente das questões apresentadas pela população carcerária e algumas matérias podem ser objeto de sua própria atuação, como a articulação e realização de parcerias com universidades e empresas, apoio na gestão prisional, à arrecadação emergencial de itens de necessidade primária, tais como medicamentos e roupas, entre outras possibilidades. Com relação às demandas que implicam na atuação de outros órgãos, deve o Conselho da Comunidade relatá-las por escrito ao Juiz de Execução da Comarca, ao Promotor de Justiça, ao Conselho Penitenciário e, se necessário, à Ouvidoria da Secretaria de Estado competente e do DEPEN.

O Conselho da Comunidade deve visitar a prisão. Os principais objetivos das visitas às prisões são:

a) conhecimento das condições do sistema prisional;

b) verificação da situação de cumprimento da LEP na Comarca, verificando especialmente infrações dos direitos dos presos, que ali estão reclusos;

c) divulgação do papel e das atuais diretrizes do Conselho da Comunidade;

d) encaminhamento de soluções no âmbito de ação do Conselho da Comunidade.

Os aspectos que devem ser observados nas visitas são:

  a) infraestrutura geral do estabelecimento penal;

  b) situação do atendimento e dos encaminhamentos jurídicos;

  c) atendimentos prestados: saúde, psicologia e serviço social;

  d) possibilidades e condições de estudo e trabalho;

            e) visitas comuns e visitas íntimas;

             f) relacionamento do estabelecimento penal com o Poder Judiciário e com a comunidade em geral;

  g) aspectos administrativos e funcionais (número de funcionários, condições de trabalho, etc.)

Não é necessário agendar, na unidade prisional, as visitas; a não ser que o Conselho da Comunidade tenha interesse em algum aspecto em particular, que seja necessário contatar com um funcionário especificamente ou com a direção.

Deve-se procurar evitar as visitas nos dias de visita dos familiares dos presos, exceto se houver algum interesse específico com relação a essa situação.

Os (as) conselheiros (as) responsáveis pela visita deverão ficar também responsáveis pelos encaminhamentos das situações detectadas e pela apresentação do relatório na reunião do Conselho.  Poderão também ser repassados à direção da unidade prisional ou à Secretaria de Estado os encaminhamentos que forem julgados necessários.

Recursos para o Funcionamento     do Conselho

Para facilitar a obtenção e a aplicação de recursos, muitos Conselhos têm se constituído como pessoa jurídica, em geral como uma associação. Dessa forma possuem o aparato necessário para criar uma conta bancária, estabelecer convênios, executar despesas, etc.

As formas mais comuns de captação de recursos pelos Conselhos são por meio de:

             a) Penas pecuniárias;

  b) Projetos financiados por órgãos governamentais;

  c) Projetos financiados por organizações não governamentais;

             d) Convênio ou subvenção com o município onde o Conselho está localizado ou com os municípios vizinhos que não possuem estabelecimento penal;

             e) Convênio ou subvenção com o Estado;

  f) Doações

4.2) penas alternativas e educação - alento para o sistema penitenciário: visão dos sujeitos envolvidos

É possível perceber que as possibilidades educativas deste espaço, de ação da Justiça e da Universidade, têm relação com a formação dos professores e estudantes, para ação fora dos espaços universitários e a participação da sociedade civil através das instituições que recebem os prestadores de serviços à comunidade.

A dimensão educativa central do PRA – Programa de Recuperação de Apenados é a transformação que a relação entre professores, estudantes e instituições possibilita para a comunidade. Num primeiro momento, motiva o envolvimento da comunidade com as questões de cidadania, liberdade e educação. Num segundo momento de transformação, gera embriões participativos que indicam a necessidade e a relevância do envolvimento da comunidade em questões que antes eram de exclusividade do Estado. E uma terceira transformação seria o momento de formação humana prática tanto para professores, alunos, comunidade e apenados. 

Como afirma Paulo Freire (1987) quando defende uma educação transformadora, os processos de conscientização são possíveis mediante ação conjunta, em que a comunicação é o elemento que possibilita a aprendizagem e o reconhecimento do Eu e do Outro como sujeitos da ação.   

O envolvimento dos alunos e a produção monográfica que fazem a partir da atuação no Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados oportuniza os estagiários de Serviço Social vivenciar na prática, conhecimentos adquiridos teoricamente, analisando-os e aprofundando-os, fornecendo subsídios para elaboração das monografias conclusivas do curso; desenvolve junto a clientela e suas respectivas famílias, um trabalho social, conforme as necessidades, possibilitando um processo reflexivo sobre a realidade buscando seu desenvolvimento pessoal, levando-os a perceber-se enquanto cidadão, seus direitos e deveres[40]

 O educativo está expresso nas ações particulares, nas reuniões, nos documentos – boletins, folders, cursos.  É o educativo não formal que objetiva “processos de formação social e cidadã”. O conteúdo a ser discutido em tais espaços do educativo possui estreita relação com as necessidades que o programa apresenta em função do atendimento aos apenados.

O entrevistado JP1[41], promotor do Juizado Especial Criminal de Barra de São Francisco, define a importância do programa:

O Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados poderia funcionar bem melhor, ele funciona muito mais pela dedicação dos seus integrantes, do que pelo apoio que recebe (...) o projeto é excelente, de repercussão social, e se não fosse o Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados não teríamos meios de controlar essas penas, ou seja, nós não temos aquela alternativa, com ou sem Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados, sem o Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados não existe pena alternativa. O mal é que seja pouco valorizado por quem deveria, o Executivo.  E possui um custo muito barato, pelo tanto de benefícios e o reflexo social que produz.

Ao que nos parece ser consenso entre os operadores do Direito, haja vista o entrevistado JP2, confirmar a opinião acima:                                               

Eu como juiz criminal reputo o PRA de fundamental importância para nos auxiliar. Este programa funciona como o “longamanus” do Judiciário. Porque na verdade é o único que nos auxilia, dentro das suas limitações, que todos nós sabemos que existem, na fiscalização das penas alternativas. Então, se fechar, se desativar o PRA, aí sim, de vez por todas, nula qualquer pena alternativa, nula qualquer prestação de serviços imposta como medida pelo judiciário.

Ainda, o Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados desempenha o papel de fiscalizar o cumprimento das penas, função essa, de suma importância para o desenvolvimento das penas alternativas, pois, como nos relata Rocha (2002, p. 70), o juiz entrevistado pelo autor, “manifesta, no entanto, preocupação com uma execução adequada destas alternativas, para que seu descumprimento não venha a gerar para o réu e para a sociedade uma sensação de impunidade, que por sua vez contribuiria para aumentar as taxas de criminalidade”.

Este receio também é apontado pelo entrevistado JP2, que ainda afirma ser contra a aplicação da prestação de serviços à comunidade:  

No Brasil nós não temos estrutura para fazer valer essas penas alternativas. Então o que ocorre é que quando nós, cumprindo a lei, que é o nosso dever, aplicamos essa modalidade penal, ao condenado vem à sensação de impunidade. Porque quem tem o dever de fiscalizar o cumprimento dessas penas é o judiciário, que não possui estrutura (...) Então há a sensação de impunidade, porque o intuito prático disto é o estímulo do cidadão já propenso ao crime à sua ascensão, a sua escalada na criminalidade, e por essa razão, esse motivo me faz ser contra esse tipo de pena.

Neste ponto cabe-nos questionar de quem é a responsabilidade por fiscalizar o cumprimento da prestação de serviço à comunidade?  É do Judiciário tal encargo. Mas muito se houve falar da fundamental importância da participação social neste processo. No decorrer do trabalho de campo, ficou evidente que a participação da sociedade está restrita às instituições.   

Percebe-se, portanto, que o Estado está transferindo aos cidadãos uma parcela de suas obrigações:  

Então, a sociedade como um todo, acaba assumindo, trazendo para ela a responsabilidade de ações que não é dela. E trabalhou-se nisso de forma tão serena, tão amena, que os Municípios, os Estados e a União sentem-se no direito de cobrar do cidadão, da sociedade a realização disto. Mas não cabe a mim, cidadão, fiscalizar nenhum tipo de medida imposta pelo judiciário. Nos casos das penas alternativas tem que haver uma instituição, uma organização para isso.(Entrevistado JP2).

Então, ao falar do PRA como dimensão educativa pode-se destacar a sua relevância na formação de profissionais mais atentos à dinâmica da sociedade brasileira, sejam eles assistentes sociais ou profissionais do Direito. A possibilidade de contato direto com a realidade social discutido no PRA pode possibilitar a revisão de paradigmas por parte dos seus profissionais.

A equipe multidisciplinar do Programa busca minimizar a reincidência criminal e oferecer oportunidades de socialização do indivíduo, que embora não enfrente o estigma de ex-presidiário, “certamente traz consigo o estigma da condenação, considerada ainda, como sinônimo de delinqüência”.[42]

Após a sentença condenatória transitar em julgado, ou no caso de ser realizada a transação penal ou a suspensão condicional do processo, os apenados são encaminhados ao Programa pelas Varas Criminais, Vara de Execução Penal, Juizado Especial Criminal e Justiça Federal, munido de determinação judicial para iniciar o cumprimento de sua pena (carta de guia, onde consta o delito praticado e o prazo estabelecido para a execução da pena de prestação de serviço e demais exigências, como por exemplo, a determinação de comparecimento semanal, mensal etc).                                  

Posteriormente, as estagiárias realizam entrevista sócio-econômica, onde são obtidos dados quanto à identificação pessoal, profissional, familiar e outros relativos a vícios e uso de drogas. Também são esclarecidas dúvidas quanto à natureza da pena, suas obrigações e conseqüências do não-cumprimento da prestação de serviços.

Após verificar as aptidões do apenado, sua disponibilidade de tempo (para que não prejudique sua jornada normal de trabalho), entra-se em contato, via telefone, com uma das 153 instituições conveniadas, para averiguar a possibilidade de iniciar o cumprimento de sua penalidade. As atividades comumente destinadas aos apenados são a limpeza e serviços de jardinagem e horta. As entidades estão distribuídas da seguinte forma:

 Vinte são escolas municipais

 Quinze são escolas ou colégios estaduais

 Quinze sociedades beneficentes ou assistenciais (APAE, PESTALOZI, Asilo de Velhos, AA- Alcoólatras Anônimos, Projeto Nosso Sítio, AABB Comunidade, etc.)

 Cinco centros de educação infantil

 Dez órgãos municipais (Secretaria de Obras, de Cultura, Oficina Mecânica, Fabrica de Blocos, Ginásio de Esportes etc.)

 Cinco associações de moradores

 Quatro delegacias

 Um Batalhão Polícia Militar

 Um presídio

 Três hospitais

 Dois sindicatos 

Anualmente, o PRA – Programa de Recuperação de Apenado renova os convênios, de forma que se possa obter um levantamento acerca das vagas para possíveis encaminhamentos de prestação de serviços à comunidade ou entrega de cestas básicas. 

Em termos de controle das atividades daqueles que cumprem penas alternativas, há uma folha de controle de horário e ações desenvolvidas. O controle é feito por um coordenador da instituição que recebe o sujeito apenado. A freqüência é monitorada e, em caso de não comparecimento é feita uma notificação, realizada pela estagiária. Em caso de não comparecimento para se justificar, o apenado é notificado pessoalmente através de uma visita domiciliar, em que se procura saber os motivos da irregularidade no cumprimento. É dado um prazo para que o sujeito retorne ao Programa para continuar suas atividades, e caso isto não ocorra é oficiado aos órgãos competentes para que tomem as devidas providências, podendo em alguns casos, o benefício ser revogado.[43] 

4.3) A educação presente no cumprimento da prestação de serviços à comunidade 

Ao receber uma prestação de serviços à comunidade, espera-se que o apenado tenha possibilidade de refletir, rever suas condutas, propiciando uma tomada de consciência sobre sua vida e seu papel na sociedade. Além das instituições propiciarem um contato do apenado com uma realidade muitas vezes ignorada.

A prestação de serviços à comunidade é, conforme Mirabete (1992, p.358), ao lado de constituir um ônus, uma imposição aflitiva é também positiva à medida que o apenado se sente útil à sociedade e através do trabalho obtém reconhecimento e compreensão.  Acredita que “a realização de serviços nessas entidades fará aflorar a sensibilidade do condenado, viabilizando uma tomada de consciência das contingências humanas, das dificuldades de outrem e da sociedade, alargando horizontes e impregnando valores”.

Segundo Chauí (1997, p.335) “o senso e a consciência moral dizem respeito à valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidas ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva”. 

Para que essa reflexão aconteça, devemos levar em consideração o tipo de atividade desenvolvida e a instituição em que é realizado o trabalho. Alguns entrevistados se mostraram insatisfeitos porque a atividade desempenhada era um trabalho mecânico ou que não tinha a ver com suas aptidões, ou ainda, que só lhe davam o serviço a cumprir e não tinham nenhum outro contato com as pessoas. 

Nesses casos não ocorre nenhum processo educativo, pois educação é “o ato ou efeito de educar; processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social” (AURÉLIO, 1986). A educação deve ser vista como um processo social através do qual se busca provocar mudanças comportamentais nos sujeitos que se depararam com essas atividades.

Há necessidade de além da prestação de serviços em si, o apenado tenha oportunidade de participar de encontros onde possam desenvolver habilidades de pensar a experiência vivida através da realidade social cotidiana, buscar uma melhor qualidade de vida por meio do desenvolvimento de qualidades como afetividade e autoestima.

Nas entrevistas com os apenados, que receberam como pena uma prestação de serviço à comunidade, pudemos perceber primeiramente, como se sentem ao receber a pena.

 O Entrevistado A1 evidencia o sentimento de injustiça, pois acredita que o que fez não traz maiores conseqüências para a sociedade, foi uma coisa leve, que não deveria ser punida, já que temos notícias de crimes mais graves sem punição: “Eu senti que a pena não foi justa, porque foi uma coisa tão pequena, e a gente vê tanta injustiça, assalto e ficam impunes”.

Neste sentido, o entrevistado E1, promotor de justiça, comenta que 

“Nós temos esse problema em relação ao Juizado, porque na verdade nossas penas são pequenas porque os delitos são pequenos. Então as pessoas acham que de alguma forma o delito pequeno não deve ser punido, porque ela vê o grande delito na televisão e aquilo passa batido (...) Só que nós sabemos que não existe essa segunda fórmula , não é porque o grande delito demora mais a ser punido que vamos deixar de punir o pequeno delito”.

Esta concepção também está presente na fala do entrevistado A4: “Na época me senti bastante revoltado ao receber a pena. Não era uma coisa que fosse atrapalhar o andamento de qualquer segmento”. 

Complementando, o entrevistado A6 expressa o que sentiu ao receber a pena: “Quando recebi essa pena fiquei sem comer, nem beber. Não me fez refletir, fiquei com raiva”. 

Aspectos relacionados às dimensões sócio-educativas podem ser percebidos nas falas transcritas abaixo:  

“Não me fez repensar as atitudes, porque eu não bebo mais. Mas, eu tenho que pagar (...) não me sinto útil porque não é meu ramo de atuação, é mais obrigação mesmo. O ponto positivo desta pena é que vou pensar duas vezes antes de fazer algo errado”. (grifo nosso).(A1).

 “Cumprir essa pena fez com que eu pense mais antes de fazer algo, porque não quero ficar trabalhando de graça”. (A2).  

“Acho que por um lado é educativa, a gente aprende alguma coisa (...) vou repensar minhas atitudes, não senti preconceito, e por mim tudo bem, até me sinto útil”. (A3).

 “Mas eu cumpri direitinho, me senti útil, tanto é que eu vou continuar ajudando a instituição. Não é o caso de repensar minhas atitudes porque não tive motivo”. (A4).

“A pena fez com que eu repensasse, tanto que eu nem dirijo mais sem carteira”. (A8).

“Essa pena me fez refletir bastante. Deixei de fazer muita coisa pra mim, pra ter que fazer essa prestação de serviço e nessa eu pensava na burrada que eu fiz. Ponto positivo é que eu procuro pensar melhor no que vou fazer e o ponto negativo é conciliar as atividades, trabalhar, estudar e agora ter que cumprir a pena”. (A9).

“Eu acho que é uma forma também de se comunicar melhor com a sociedade, geralmente a pessoa sai do trabalho cansada estressada, você chega num outro ambiente, onde todos já trabalharam, mas estão ali por esforço (trabalha de porteiro noturno numa escola), faz amizades. Isso ocupa a cabeça, depois de ficar lá e ver coisas diferentes você volta pra casa tranqüilo. Eu estou pensando até em voltar a estudar, terminar o segundo grau.” (A10)

“Eu acho que pra muita gente serve, não é o meu caso, mas quando a pessoa realmente praticou, saiu da reta, é um puxão de orelha, a pena traz benefícios, pra mim não trouxe, por que eu acho que estou pagando em triplo, eu pago aqui, eu pago cesta básica e ainda me privam do meu tempo de trabalho”.

 “Eu achei que a pena que eu recebi não foi justa, porque tem gente que mata e não recebe pena nenhuma. Isso atrapalha meu trabalho, eu tenho que cumprir depois do expediente e no outro dia eu fico muito cansada. A única coisa que aprendi é que a liberdade não tem preço e que não se deve por em risco a liberdade.” (A 12)

“Eu achei que o juiz foi injusto, porque ele me deu 850h, tem pessoa que faz coisa pior que a gente e pegou três meses. Não me fez refletir porque acho que foi só um momento de bobeira.” (A 13)

“Eu achei que minha pena foi injusta, porque a maconha não era minha, era de outro rapaz. Eu estou desempregado e pra mim fica difícil de cumprir, porque meu ramo de serviço é mais pra fora, mas daí eu não posso viajar, tenho criança pequena. Pra mim não foi bom ter que cumprir essa pena, mas o erro foi da polícia. Fez-me refletir que às vezes a companhia faz mal, você não sabe as atitudes da pessoa, mas depois de cumprir me afastei deles.” (A14)

 Portanto, a principal dimensão sócio-educativa é percebida na expressão “repensar a atitude cometida”, embora a maioria negue a pena recebida. Assim, não podemos falar em ressocialização do apenado, mas pensar que a pena alternativa é um fragmento do que poderá vir a ser um processo educativo no campo das atribuições penais. A pena alternativa fica bastante limitada ao tempo de cumprimento da mesma; restringe-se a uma obrigação pontual, que não possui uma seqüência em termos dos conteúdos necessários para um aprendizado no campo da cidadania e dos direitos, especialmente o direito relacionado ao respeito ao outro. 

Porém, como afirma o entrevistado E1: “Nós temos bons exemplos aqui no Juizado, a gente trabalha com isso e vê bons exemplos. De pessoas que terminam a pena e acabam se integrando de maneira voluntária. Isso é realmente uma reformulação da forma de pena, da forma de retribuição, isso é educativo”, há outro lado da pena alternativa, pessoas que se integram nas atividades sociais. Há necessidades de mais estudos que possam demonstrar o impacto de tal integração na sociedade e na esfera do Direito Penal.

Em entrevista com a coordenadora de Serviço Social do PRA, esta expressou que percebe que o cumprimento de uma prestação de serviços à comunidade possui dois momentos que podem ser considerados educativos para o sujeito apenado. Num primeiro momento, quando o sujeito chega ao PRA e é recebido pelas estagiárias, onde tem uma conversa explicativa do programa, dos seus benefícios e da importância de “se levar à sério” o cumprimento da pena. E num segundo momento, junto à instituição em que estará cumprindo a prestação de serviço.  

Há de se atentar para o fato de que, devido aos poucos recursos, as estagiárias não recebem um treinamento adequado, que as prepare para lidar com as diferentes situações de vida que estes apenados trazem (vivenciam). O papel que estas desempenham, é quase de “psicóloga”, o que exige um cuidado com julgamentos morais ou, como disse um entrevistado, “eles querem ser o segundo juiz da gente” (E11). 

Nas instituições, que é o local onde o apenado terá um contato maior com a “sociedade” e onde terá possibilidade de vivenciar situações e conhecer realidades distintas das até então vivenciadas, a situação não é diferente.

Também seria necessário um treinamento mais frequente[44] onde os coordenadores das instituições pudessem perceber a importância do papel que desenvolvem junto aos prestadores de serviços, as diversas formas de abordagem do sujeito para que este se envolva com a atividade realizada e com a comunidade, e não veja esta prestação somente como obrigação a ser cumprida. Mais uma vez, as dificuldades financeiras do Programa são um obstáculo a uma possível ampliação do caráter educativo dessas penas, já que os recursos materiais e de pessoal especializado são escassos. 

Não podemos esquecer que é nas instituições parceiras que o apenado vai desenvolver suas atividades e estabelecer seu contato com a comunidade. Portanto, se torna imprescindível que estas estejam preparadas para receber o prestador de serviço e incentivá-lo a despertar questões reflexivas, que façam com que este repense suas atitudes. O entrevistado i1 destaca que “essas pessoas já vêm para nós com uma atitude que facilita a interação”.

Por outro lado, Rocha (2002, p. 64) aponta o risco que se corre de resvalar para “o terreno perigoso do aconselhamento moral vigente, como se as idéias dos profissionais – transmitidas aos réus – tivesse o condão de convencê-los a refletir, mudar de comportamento e deixar a vereda do crime”. 

O entrevistado E5 afirma: “Eu fui lá pra cumprir o que eles mandarem, mas se eles começarem a me “aporrinhar a paciência” eu venho aqui no Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados e peço para trocar de instituição. Tem amigos meus que já reclamaram que a instituição está querendo ser o segundo juiz”. 

Como se percebe no depoimento acima, o próprio apenado não reconhece a instituição como um espaço que possa ser educativo para ele, constituindo esta maneira, um limite à atuação do PRA. Ele reconhece o poder do judiciário e nega, se recusa ser “controlado” pela instituição.   

O entrevistado I2, responsável por uma das instituições, reclama dos apenados, afirmando que “às vezes eles chegam aqui até um pouco arrogantes”.

Aqui há um limite no desenvolvimento da pena alternativa: conflito entre os participantes do processo. A instituição que recebe quer ser reconhecida; de outro lado, o apenado não reconhece o poder dela, apenas do judiciário. É importante analisar este movimento. Na verdade, a relação social é conflituosa, pois envolve dimensão de poder e reconhecimento de quem pode tê-lo.

Há um duplo desafio: as instituições reconhecerem a possibilidade de participarem de processos educativos com sujeitos que cometeram infrações “leves”; os apenados reconhecerem a instituição como um local de cumprimento de uma pena através de tarefas supervisionadas pelos seus representantes (coordenadores das instituições).

Percebe-se que há carência de um treinamento específico, e de maior duração, voltado às instituições com o intuito de esclarecer dúvidas, propiciar uma maior integração e destacar sua importância no processo educativo do apenado.

Nota-se que o PRA poderia desafiar-se na organização de atividades conjuntas com as instituições, na revisão das relações estabelecidas com os apenados; no fazer-se reconhecer como espaço possível para cumprimento de penas; como espaço para redimensionar valores e cultura – tanto das instituições quanto dos apenados. 

Entretanto, o Programa PRA -Programa de Recuperação de Apenados tenta sanar esta deficiência através do “Encontro Anual das Instituições” e também produzindo um boletim informativo destinado para se estabelecer um canal de troca de informações, conforme podemos observar: 

Este boletim informativo visa atender as instituições propiciando-lhes um espaço de reflexão sobre as atividades realizadas no cotidiano com os prestadores de serviço. Acaba por tentar suprir a necessidade existente de um acompanhamento técnico mais aproximado nas instituições, o que, infelizmente não é possível por parte da equipe técnica do Programa, pois a demanda é muito grande e os recursos de tempo e pessoal muitas vezes é insuficiente para atendê-la[45]

Quanto à receptividade das instituições, vale destacar que algumas delas não revelam nem mesmo aos seus funcionários, que possuem apenados cumprindo prestação de serviço. O entrevistado I1 comenta que: “Não costumamos divulgar aos funcionários o motivo e os detalhes que fizeram com que a pessoa estivesse em nossa Instituição. Não sabemos qual seria a reação dos funcionários se tivessem conhecimento do motivo da prestação de serviços”.

O entrevistado I4 também possui o mesmo procedimento: “Como os prestadores passam primeiro por mim, que sou a assistente social, eu não divulgo.

Ás vezes eu nem questiono o que ele fez, e falo que é um prestador de serviço voluntário, para não criar um rótulo”. Essa postura não é criticada pelo promotor do Juizado Especial Criminal: 

Não condeno os coordenadores da instituição, porque se ele não fizer isso ele acaba rotulando aquela pessoa, e eu também não o exporia dessa forma. Essa participação social na verdade, nessa recuperação seria em relação às pessoas que vão controlar a pena dele, é a aceitação da instituição, essa seria realmente a participação da instituição, a aceitação da pessoa para verificar se ela está se recuperando.  

Quanto às atividades desenvolvidas pelos prestadores de serviço, busca-se ao máximo encontrar para o apenado uma tarefa de acordo com suas habilidades, que seja num local próximo de sua casa ou trabalho, de modo a facilitar o cumprimento da pena. Estes fatores também são levados em consideração pelo entrevistado JP2 no momento de prolatar a sentença: 

            Como o objetivo maior da pena não é punir pura e simplesmente, o juiz vai ver as aptidões desse cidadão, porque não adianta impor uma PA que ele não tenha condições de cumprir. Eu tenho que procurar o máximo possível me aproximar daquilo que ele pode fazer.  Essa avaliação o juiz faz dentro do processo e também da qualificação do agente.

Mas isso nem sempre é possível, haja vista que há uma maior procura pelas instituições que oferecem horário no fim de semana (são a minoria) e nem sempre podem escolher as tarefas desempenhadas.

Num dos locais, o entrevistado I3 afirma que “os apenados fazem o trabalho administrativo, papel, distribuição, recolhimentos”, já em outro local, o entrevistado I4 esclarece que “dependendo da escolaridade dos prestadores, eles ajudam as crianças nos deveres escolares, nos serviços gerais”.

O entrevistado I1, diz que percebe que os apenados são compelidos a desenvolverem a atividade indicada, mas mesmo assim, encontra benefícios neste tipo de pena: “Eu acredito que a prestação de serviço à comunidade pode trazer ao apenado uma visão de diferentes realidades, que nem sempre ele conhece. Isso pode trazer mudanças na sua forma de se relacionar com situações reais”.

Essa possibilidade do apenado conhecer realidades diferentes, estar num ambiente que lhe propicie contatos que possam lhe acrescentar em termos de socialização. Berger & Luckmann (1991, p.173) destacam que o indivíduo “exterioriza seu próprio ser no mundo social e interioriza este último como realidade objetiva. Em outras palavras, estar em sociedade significa participar da dialética da sociedade”.  

O entrevistado I3 relata sua preocupação sobre a socialização do apenado: “Essas pessoas apenadas, por causa do tipo da pena, é difícil dizer que a cabeça dele mudou, não vai mudar em uma hora”.  Ao mesmo tempo em que expõe uma opinião divergente: “Mas ocorre uma mudança, pois só pelo fato de eles enxergarem que existe algo superior a eles, cobrando por uma coisa feita. Já se sentem bem por não estarem na cadeia. Acredito que eles se sentem úteis, mais do que por uma obrigação em cumprir”.

Percebe-se que o entrevistado, primeiramente, defende uma idéia superficial, mas ao refletir consegue enxergar mudança na maneira de pensar por se sentirem “cobrados”.

Diante de um leque de possibilidades que se apresentam com a sua aplicação, um bom exemplo é dado pelo entrevistado JP1: 

Existe um projeto no Paraná (Projeto Girassol), onde se considera a hora dedicada ao estudo como hora trabalhada, ele pode até ter que cumprir mais horas do que foi estabelecido para a PSC, mas tem que demonstrar efetividade, se ele se dispõe a completar o segundo grau, ele tem que cumprir toda a carga horária do segundo grau, mesmo que supere o valor mínimo da prestação de serviços, e se não superar ele vai ter que cumprir PSC, nós fazemos uma espécie de negócio com ele.

Como essa possibilidade não está instituída na lei, cabe a cada juiz criminal decidir se aceita essa “troca” da prestação de serviços pela volta aos estudos. O entrevistado JP2 comenta: 

Reunimos-nos com a direção do PRA, e com os representantes do Ministério Público que atuam nesta Vara, e chegamos a conclusão que a volta aos estudos seria realmente uma medida de grande valia, uma pena alternativa de grande valor. Em razão disto, nós adotamos aqui na vara criminal, esta substituição pela prestação de serviços, pela prestação pecuniária ou pela limitação de fim de semana, pela freqüência à escola.

Partindo do princípio que as penas alternativas não são a solução para a criminalidade, mas sim uma evolução do nosso ordenamento jurídico, contribuindo para a continuidade do processo de socialização dos apenados e consolidação da cidadania. O entrevistado JP1 defende:   

É óbvio que a pena alternativa deve existir e é um excelente instrumento, mas é pra delito ou pra delinqüente que merece. A pena alternativa não pode ser a solução, sob pena de banalizar a punição. Do jeito que nós estamos caminhando em ampliar o limite do menor potencial ofensivo, daqui a pouco vamos chegar numa circunstância que o delito passa a ser banalizado, e a coisa fica sem controle.

Apesar dos inúmeros benefícios das penas e medidas alternativas, também estamos diante de perigos, como o já exposto acima, da banalização dos pequenos delitos, do sentimento de impunidade, também podemos descrever o perigo de se estabelecer um tratamento diferenciado a partir das classes sociais, reproduzindo a exclusão tão enraizada em nossa sociedade.

Rocha (2002, p. 78) traz duas passagens sobre este assunto, a fala de um juiz que afirma “apesar dos diversos tipos de modalidades, a mais aplicada é a prestação de serviços à comunidade, pois nossos réus são na maioria pessoas de poucos recursos, então colocamos sua força de trabalho para gerar benefícios à toda a sociedade, favorecendo sua integração social” e transcreve a fala do Ministro Do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello que explicita “ É preciso uma triagem mais criteriosa por parte da justiça para casos como esse (de o réu possuir recursos) e as penas alternativas devem ser defendidas. Para o cidadão menos abastado, prestação de serviços à comunidade. Para o mais abastado, é preciso atingir a parte do corpo que mais lhe dói: o bolso”.

Outro ponto, comentado por este autor diz respeito à questão da discricionariedade das autoridades, principalmente no campo das alternativas penais, é muito séria. Diz respeito à capacidade que as leis conferem aos juízes (mormente no caso da lei 9099/95) para estabelecer as condições que entenderem adequadas aos casos concretos. Neste caso, a lei penal que deveria dar garantias e proteger o réu dos excessos punitivos do Estado, passa a dar plenos poderes aos juízes e promotores.

Uma crítica feita às penas alternativas é que devemos superar o discurso humanitário, centrando-se num discurso mais real. O de que as penas alternativas decorrem de uma diminuição do Estado, o que evidencia, segundo Rocha (2002, p.91), “a vantagem obtida pelo Estado através da aplicação das alternativas penais e, de fato, o discurso humanitário que as recobre deve ser reexaminado criticamente nestes tempos de hegemonia neoliberal, onde se evidencia o Estado máximo para o capital e mínimo para a proteção social”. 

Embora essa discussão seja pertinente, não podemos ver como negativa toda a delegação feita pelo Estado à sociedade civil, ainda que nos últimos anos tenha ocorrido um “enxugamento” da máquina estatal, principalmente no que diz respeito às políticas sociais, não podemos esquecer que nos anos de 1970 e 1980 houve uma demanda por parte da sociedade visando uma maior participação popular. 

O próprio aceite das instituições em receber os apenados é um indicativo de que as relações na sociedade tendem a se tornar mais democráticas. Afinal, quando a instituição se dispõe a participar, já expressa uma forma de auxílio no processo de educação no campo penal e na construção de uma sociedade mais democrática e “mais humanitária”. Até mesmo porque, como destaca JP1: “Na verdade nós sabemos pela própria história que esse endurecimento de penas ou essa criação de tipos penais mais rigorosos, isso não soluciona nenhum problema de combate à 96violência ou a criminalidade”.  A dimensão educativa é construída na prática social, no espaço público a partir do encontro entre instituições singulares que se dispõem a receber os apenados. 

Conclusão

Por tudo que foi visto, vemos que o alento para o sistema carcerário superlotado e a utilização mais recorrente das penas alternativas. É o melhor caminho para o condenado, desde que o delito que praticou comporte a substituição por essa pena mais branda e educativa.

Por todo o mundo, regimes democráticos e autoritários, reconhecem o malefício da prisão para o Estado e para a sociedade. A conclusão, pode se dizer unanime segregação da liberdade fracassou como meio de reforma e correção dos infratores.

O que se percebe, ao contrário, é sua manifesta influência na vida do condenado, como uma verdadeira escola/faculdade de criminosos.

Na esperança de alcançar a tão desejada ressociabilização, a idéia de recuperação, a reinserção e a readaptação, penetrou fortemente na consciência de nossos juristas, que procuraram alcançar uma nova forma de punição mais humana e digna e que eduque o cidadão infrator.

 A prisão é um mal necessário, mas deve ser resguardada a criminosos que realmente causem grave perigo social, ou seja, para aquele que, em liberdade, não sabe usufruir sem ocasionar danos às pessoas.

Desta forma, a punição tem a função de reintegrar o indivíduo na sociedade, não torná-lo nocivo e gerador de violência. Existem alguns caminhos a serem seguidos, é uma questão de escolhermos o melhor deles. As penas alternativas muito podem contribuir para a regeneração e educação do indivíduo.

A prevenção da criminalidade ocorrerá, em primeiro plano, quando existirem condições sociais mais favoráveis a todos os cidadãos, com acesso à educação, a saúde, ao trabalho, a uma vida digna e bem estruturada, como também, evita que criminosos primários tenham contato com outros já corrompidos pelo atual sistema prisional. A prisão deve e vem sendo combatida no decorrer dos séculos, e as formas alternativas de punição, contribuem para que dela possamos nos aproximar em período muito breve.

Na contra mão das prisões, as penas e medidas alternativas surgiram como um caminho para tentar humanizar e controlar a criminalidade, constituindo uma forma mais justa de punições.

Nesta direção, os mais conceituados penalistas brasileiros, na esteira dos questionamentos internacionais, defendem o que hoje se denomina Direito Penal Mínimo e a aplicação das Penas Alternativas, sempre no objetivo de buscar soluções para as questões criminais de nosso país, que não é diferente dos países vizinhos e até mesmo daqueles mais ricos.

O Prof. Damásio de Jesus, em seu livro  “Penas Alternativas”, afirma que apesar dos aperfeiçoamentos trazidos pela reforma do Código Penal Brasileiro, em 1984, nossa legislação penal é, ainda, inadequada às aspirações da sociedade brasileira. Outras leis foram aprovadas após a reforma do Código Penal, mas outras mudanças ainda podem ser aprovadas para ampliar o leque de aplicação das penas e medidas alternativas.

O êxito das penas alternativas dependem de sua aplicação com equilíbrio, da sua execução e da sua fiscalização adequada, do contrário podem levar à impunidade, e não cumprir o seu verdadeiro objetivo. Se a prisão perdeu sua finalidade de reintegrar, reeducar e ressociabilizar o condenado, devendo somente ser aplicada a crimes de maior gravidade, nos demais casos as penas e medidas alternativas podem substituí-la.

Nota-se que o objetivo básico das penas alternativas, como uma forma justa, humana, barata e que dê a oportunidade ao condenado de ser um cidadão em sua integralidade.

As penas e medidas alternativas, ao manterem o apenado no seu convívio social, não o afastando da família e de suas atividades laborativas (apesar de alguns entrevistados reclamarem que a prestação de serviços prejudica seu trabalho) é inegável que por si só, trazem benefícios que a prisão não proporcionaria.

Mas a questão é que quando essas alternativas penais foram introduzidas        no nosso ordenamento jurídico, foram lançadas como a solução do problema da criminalidade, esvaziamento das prisões e principalmente, que atingiriam as funções ressocializadoras de que a prisão nunca foi capaz, mas como salienta Dotti (1998, p.316), “as alternativas constituem, tão-somente, as propostas consideradas mais oportunas para a defesa avançada na luta contra a criminalidade”. 

Ao decorrer da pesquisa, ficou claro que as penas e medidas alternativas, em especial a prestação de serviços à comunidade, proporciona ao apenado um contato com uma “realidade” que até então este desconhecia.

O que se percebe é que as ações desenvolvidas são muito pontuais, para possibilitar um “processo educativo”. Podemos dizer sim, que ocorre uma “tomada de consciência” do sujeito, o que pode levá-lo a desenvolver maiores reflexões em relação à sua vida, em relação às interações sociais e a sua cota de responsabilidade perante a sociedade por seus atos.

Não podemos falar em ressocialização, mas num princípio de processo educativo, isto porque segundo Berger e Luckmann (1991, p.176) a re – socialização seria uma transformação quase total, como se o indivíduo “mudasse de mundo” e este processo se assemelha à socialização primária, porque tem radicalmente de atribuir tons à realidade e por conseguinte devem reproduzir em grau considerável a identificação fortemente afetiva com o pessoal socializante, que era a característica da infância. 

            Para se construir processos educativos é necessário um tempo somente para que o indivíduo possa estar envolvido em atividades educativas, que lhe tragam um crescimento individual e também social. Esse tempo não é aquele que o apenado foi punido, o tempo de desenvolver a prestação de serviços, pois esse é um tempo limitante.

Seria imprescindível que este tempo fosse, exclusivamente, para se desenvolver as dimensões sócio-educativas como o sujeito. O PPE poderia fazer um levantamento de temáticas que carecem de uma discussão, e assim propiciar aos apenados através de reuniões (palestras) onde grupos de apenados pudessem debater estes temas, criar uma cultura de envolvimento em práticas sociais. Para tanto devem ser estabelecidos objetivos, um cronograma a ser seguido, saber quem é o sujeito, sua formação etc.

Para Morin (2000, p. 56) “a cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se  reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social”.

Se uma pessoa passa, em média, 11 (anos) na escola para completar o Ensino Médio, não podemos esperar que o apenado apenas no momento, nas horas que passa desenvolvendo as atividades junto às entidades possam ser plenamente educativas no sentido da formação humana. Furter (1973, p. 127) destaca “a  necessidade de uma educação contínua, que seja uma constância na vida humana e que permita viver plenamente o nosso mundo planetário.” 

É preciso que além da atividade designada seja criada no sujeito uma “cultura de participação social”. Através da discussão em conjunto, com vários apenados, de temas do seu interesse, cria-se um interesse pela compreensão da sua condição humana e social. Pois como explica Morin (2000, p. 55) “a complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos elementos que a constituem: todo desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie”.

Nesse contexto, também é importante lembrar que esses apenados possuem características específicas, necessitando de uma educação voltada para a convivência comunitária, como salienta Schafranski (1996, p. 119) “a educação dos indivíduos apenados deve estar fundamentalmente comprometida com a dimensão humanizadora da cultura, possibilitando aos mesmos desenvolverem suas potencialidades latentes, de maneira a produzir benefícios a si próprios e à sociedade onde vivem”.

Esses encontros visam uma interação social dos sujeitos, portanto não devem ter o molde de uma palestra, onde uma pessoa fala sobre determinado tema que domina e os apenados apenas escutam. É necessário que os apenados troquem experiências, tragam para o debate assuntos de seu interesse. 

Desta forma os sujeitos são encorajados a dar um primeiro passo rumo à participação social, e até posteriormente, virem a se envolver em sindicatos, associação de moradores etc., ou seja, passar a fazer parte da sociedade civil organizada.   

Ao questionar se existem dimensões sócio-educativas no cumprimento dessas penas, vislumbramos alguns anúncios do que seriam essas dimensões sócio-educativas e também alguns desafios a serem superados. 

Não obstante muitos apenados se dizerem “injustiçados” ao receber uma prestação de serviço, vemos alguns indícios de que houve uma reflexão quando dizem: “vou pensar duas vezes antes de fazer algo errado”, “vou repensar minhas atitudes”, “eu nem dirijo mais sem carteira”, “eu estou pensando até em voltar a estudar”, “é uma forma também de se comunicar melhor com a sociedade”, “me fez refletir que às vezes a companhia faz mal”. Embora tentem justificar o seu ato, acabam por indicar que alguma mensagem educativa foi passada.

Tanto o juiz quanto o promotor destacam que é uma medida de grande valia a troca da prestação de serviços, prestação pecuniária ou limitação de fim de semana, pela freqüência à escola[46].           Outro ponto enfatizado é a fundamental importância do PPE, que dentro das suas limitações (pelas dificuldades financeiras e estruturais), é imprescindível para que haja possibilidade de aplicação da prestação de serviços às comunidades, ou nas palavras do entrevistado “esse programa é o longamanus do judiciário, porque é o único que nos auxilia na fiscalização das penas alternativas”.

Nesse ponto começam os desafios para o desenvolvimento das penas alternativas, que seria a dificuldade do apenado reconhecer o PPE e a instituição como espaço de controle e acompanhamento de penalidade, como se observa da fala de um apenado que diz: “tem amigos meus que já reclamaram que a instituição está querendo ser o segundo juiz”.

As instituições também precisam envolver-se no debate para que possam propiciar mecanismos educativos aos apenados, este seria um dos fatores limitantes encontrados para o desenvolvimento das dimensões sócio-educativas dessas penas e medidas, este fato aliado à falta de recursos financeiros e de infra-estrutura impedem uma maior interação entre os apenados e instituições, outro fator limitante.

O desafio central seria a questão do tempo destinado às atividades que propiciem o apenado pensar a experiência vivida através do meio e da experiência cotidiana, e que não seria o tempo destinado às atividades que normalmente o apenado cumpre nas instituições, mas um tempo para que o sujeito participe efetivamente e possa elaborar sua experiência pessoal promovendo benefícios para sua vida social. 

 

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EUGENIO RAÚL ZAFFARONI

 

PENAS ALTERNATIVAS Y EJECUCIÓN PENAL

 

 



[1]Texto completo em anexo.

[2] A cidade de Tóquio – Japão foi sede das primeiras reuniões sobre o tema através do Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e tratamento do Delinqüente. Vide JESUS, Damásio, 1995.

[3] Cabe salientar que utilizaremos o termo “penas alternativas” tanto para as penas restritivas de direitos como para as medidas alternativas, pois é este termo largamente usado pela sociedade de maneira geral. A diferenciação de cada tipo será feita no capítulo dois.

[4] Quando o sujeito comete a infração pela primeira vez.

[5] São as infrações penais que possuem pena máxima não superior a um ano

[6] Texto em anexo

[7].  Texto em anexo

 

[8] Despenalização são institutos (composição civil, suspensão condicional do processo, etc) que dificultam ou impedem a aplicação da pena. Diferente da descriminalização que é tornar lícita uma conduta anteriormente definida como crime.  

[9] As instituições foram escolhidas dentre aquelas que mais recebem os apenados. O juiz e o promotor de justiça foram escolhidos aleatoriamente dentre os cinco juízes e quatro promotores da Comarca de Barra de São Francisco-.   

[10] Texto jurídico que reúne de maneira sistemática o conjunto das disposições legislativas e regulamentares aplicáveis em determinado ramo do Direito.   

 

[11] Palavra de origem polinésia que significa sagrado e profano, a lei da divindade que não podia ser transgredida.O primeiro Tabu existente foi o incesto. Vide MACHADO, L.A. 1987.  

 

[12] Oportunidade de impor não somente a prisão ao sujeito, mas projetos que possibilitem aprendizados e reflexões sobre a própria atitude.  

[13] Suspensão condicional da pena

[14] Consiste na suspensão da ação penal durante determinado período, podendo ser aquela retomada ou extinta. Está condicionada à boa conduta do infrator, que fica sob supervisão de agentes estatais.

[15] O Código Penal de 1940, em diversos tipos penais, comina a pena de multa de forma alternada e isolada, o que demonstra que já havia no sistema, forma de punição alternada à prisão, ainda que implicitamente. Agora, de forma explícita, as punições alternativas foram introduzidas no sistema, com as reformas penais implantadas em 1984 e ampliada em 1998, e pela Lei 9099/99. 

 

[16] Por “mais humanitário” entende-se aquele que disponibiliza aos presos seus direitos básicos, ou seja, cumpre as determinações da Lei de Execuções Penais (Lei 7210/84), que em seu art. 40 impõe respeito à integridade física e moral dos presos, preservando desta forma a dignidade da pessoa humana.  

 

[17] GARCIA, Basileu. Prestação de serviços à comunidade- Análise crítica e conclusiva do art. 46 do Cp. P. 337

[18] ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena. P.17

 

[19] Vide art. 297, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997.

[20] Disponível em: http://www.mj.gov.br/snj/dados_cenapa.htm.

[21] No Capítulo quatro veremos os dados referentes à realidade local

[22] Com o advento da Lei 10.259/01 , que dispõe sobre o  Juizado Especial Criminal no âmbito da Justiça Federal, e que passou a considerar como infrações de menor potencial ofensivo, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos; estendeu-se por analogia, também aos Juizados Criminais Estaduais.

[23] A despenalização não exclui a figura delitiva, apenas evita a aplicação de uma pena privativa de liberdade ao autor de um fato delituoso, ao passo que a descriminalização de uma infração penal, significa retirar seu caráter ilícito, reduzindo-o a um evento não passível de sanção penal

[24] A pesquisa é fruto do trabalho do autor como promotor de justiça durante dez anos na área de execução de pena, portanto, junto ao Sistema Penitenciário do Estado do Espírito Santo, razão dos questionamentos a respeito da pena de prisão e do sistema judiciário como um todo.

[25] BBC news online, 'World Prison Populations', accessed 26 January 2007. BBC News Online, "Prison Populações World ',

[26]  International Centre for Prison Studies World Prison Brief, 'Prison Brief for United States of America', accessed online 26 January 2007. Centro Internacional para Prison Brief Prison Studies do Mundo, "Prison Brief para os Estados Unidos da América".

[27] BBC news online, see reference in footnote 1. BBC news online, ver referência na nota 1.

[28]  4. BBC news online, 'Hope for India's remand prisoners', published 27 June 2006, accessed online 26 January 2007. BBC news online, "Esperança para os prisioneiros da Índia prisão preventiva", publicado em 27 de junho de 2006.

[29] Artigo XXV  1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais

[30] Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.Resolução 663 C (XXIV) do Conselho Econômico e Social

[31] http://www.pri.ge/eng/PrisonOvercrowding.php

[32] Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade

[33] www.unodc.org/.../UN_Standards_and_Norms_CPCJ_

[34] www.unodc.org/documents/southerncone//.../Promovendo_final.pdf

 

[35] LEMGRUBER, Julita. Penas Alternativas: Os desafios da reflexão. Artigo publicado no site Centro de Estudos de Segurança e Cidadania  CESeC. Disponível:http://www.ucamcesec.com.br

[36] Segundo a Cenapa (Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas), a prestação de serviços à comunidade representa 73,4% dos benefícios aplicados. Disponível em: http://www.mj.gov.br/snj/dados_cenapa.htm.

[37] Sistema de justiça criminal compreende o poder executivo, o poder judiciário, o ministério público e todas as entidades ligadas a execução e fiscalização dos cumprimentos das penas.

 

[38] Embora a lei utilize o termo prestação de serviços à comunidade  ou a entidades públicas, utilizares o termo “instituição” para designar as entidades públicas (escolas, hospitais, orfanatos, entidades assistenciais, associação de moradores etc). Utilizaremos este termo por entendê-lo como o estabelecimento ou instituto dedicado às atividades sociais, educativas, religiosas, filantrópicas etc.  

[39] Creumir Guerra, Promotor de Justiça, in Parecer do Ministério Público, Promotoria Criminal de Barra de São Francisco, em diversas Guias de Execução Penal.

[40] Disponível em <http://www.uepg.br/proex/proegresso.htm>

[41] Para garantir o anonimato das declarações dos entrevistados, os depoimentos foram codificados com letras: A (apenado), I (instituições) e JP (operadores do Direito – juiz e promotor da Vara Criminal e Juizado Especial Criminal da comarca de Barra de São Francisco), sendo enumerados por ordem cronológica de entrevista.  

[42] Vide <http://www.es.gov.br/depen>

[43] “Atendimento social junto ao Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados”. Barra de São Francisco, 2003.  

[44] O PRA realiza anualmente um encontro entre as instituições cadastradas.   

[45]. Relatório final do Projeto. “Atendimento social junto ao Programa PRA- Programa de Recuperação de Apenados”.

[46] Esta medida traz grandes benefícios pro apenado, embora dependa de convênio, pois não está estabelecida na lei, ficando a cargo dos juízes e promotores de cada vara decidirem se permitem esta troca.