PELOS DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS
Geraldo Barboza de Carvalho

As Igrejas cristãs têm visão moralista dos homossexuais e condenam in limite quem vive esta condição. Consideram falta ética gravíssima a união de pessoas do mesmo sexo, em interferencia abusiva na vida afetiva delas. Não enxergam que, para lá do conúbio sexual homo ou heterossexual está a busca sincera das pessoas por carinho, companhia, cumplicidade, partilha, amor, que a vida sexual saudável pode propiciar. Mas, hipocritamente, não condenam a infidelidade conjugal, desvios morais do clero, os crimes hediondos de políticos que visam interesses próprios, enricam com dinheiro dos cidadãos posto em paraísos fiscais, não são condenados, nem como Zaqueu, se penitenciam devolvendo a grana de saúde, educação, das obras públicas e merenda escolar. Tais desvios são eticamente mais graves que os impostos aos homossexuais. Tal moralismo carola, que vê sexualidade como mal maior, não se origina na fé cristã, ainda que incorporado e ensinado como verdade de fé, geradora de culpa patológica, opressão psicológica, baixa auto-estima. Ele se origina em filosofias dualistas, que concebem o ser humano como duas substâncias incomunicáveis: espírito e matéria, alma e corpo. O espírito, a alma é a substância boa que se salva na morte, a matéria, o corpo é substância má que se perde na morte. A perfeição consiste em cuidar do espírito, da alma, desprezar, castigar o corpo, a matéria. Esta antropologia dualista de substâncias antagônicas origina-se na teoria da metempsicose, transmigração das almas do filósofo grego Pitágoras (570-497 a.C). Pra ele, a essência do ser humano é a alma. O corpo é antinatural ao ser humano, passageiro. Só a alma permanece. As almas viviam felizes no uranós (céu). Um dia, elas se rebelaram contra Deus e o céu virou inferno. Para puni-las, Deus as expulsou do céu pra terra, e deu a cada uma um corpo material como castigo. No corpo, elas poderiam ser dóceis ás leis do céu ou seguir as leis da matéria. A alma obediente castigará seu corpo até torná-lo imune aos desejos. A perfeição consistia na apatia, ausência de desejo e paixões que fazem sofrer e destruir a alma. A alma que atinge o desprezo perfeito do corpo retornará ao uranós, deixando para trás o corpo onde estava aprisionada. Esta teoria foi adotada e ampliada por Platão, ilustrada pelo mito da caverna (livro VII da República). A caverna é o corpo onde o ser humano está aprisionado. Por frestas, raios do sol entram na caverna e refletem as sombras das coisas e dos homens, que acham ser a realidade. Um dia, alguém sai da caverna e vê que a verdade são as coisas iluminadas pelo sol: as trevas são o mal, a luz, o bem. É preciso sair da caverna (trevas, lugar do mal, corpo) e conquistar a luz (alma, lugar do bem). A perfeição consiste em evitar contato com os corpos materiais, sobretudo o corpo da mulher. Amor ideal é o de um homem por um menino, é pedofilia (paidós, criança) que não teve contato sexual com mulher. Contato sexual com mulher é o maior delito moral que se pode cometer na vida corporal. O casamento heterossexual é mal necessário para perpetuar a espécie humana. O papel da mulher finda na procriação, reza o maniqueísmo (Mani,Irã) e o neoplatonismo (Plotino, Egito).
Por 12 séculos, a Igreja usou a antropologia dualista como princípio hermenêutico (interpretativo) pra elaborar a teologia oficial (ciência da fé). O argelino S Agostinho (354-430 d.C) fez a primeira síntese teológica de porte e usou neoplatonismo, o platonismo e o maniqueísmo por princípio hermenêutico da sua teologia. O bispo de Hipona foi ideólogo da Igreja por 800 anos, fez a cabeça dualista dos clérigos. Mal informados, mal formados, eles tomaram com casca e tudo o princípio hermenêutico filosófico como princípio de verdade da fé cristão e ensinaram por séculos (e ainda hoje) que o importante é salvar a alma (?dai-me almas?, diz Pe Jonas Abib, Canção Nova), o corpo é mau, a mulher é fonte do pecado, o amor ascético casto é condição da santidade. Nada mais radicalmente contra á fé cristão, cujo dogma básico é a ressurreição da carne, a fragilidade do corpo e da alma humana. Nada é descartável, tudo é resgatado no ser humano na ressurreição da carne, desde a encarnação do Verbo: "O Verbo se fez carne e mora conosco": é parte da nossa condição frágil, pra elevá-la á imortalidade. Em vez de ser desprezado e descartado, o corpo humano ganha status de eternidade. A ressurreição torna o corpo frágil (corpo e alma) em corpo espiritual, inclusive a sexualidade, hétero e homo, pois "Deus não faz acepção de pessoas", diz sabiamente Paulo a Timóteo.
Mas a Igreja parece não se convencer disto. Os teólogos da Unisinos /RS, Dominique Foyer e Jacques Arènes, porta-vozes do moralismo careta, resumem o pensamento extemporâneo da Igreja Católica: "As pessoas homossexuais são chamadas a viver o amor casto, de abstinência, até quando vivem sob o mesmo teto que um cônjuge. No nosso mundo fragmentado onde a solidão é difícil de ser suportada, isto exige virtudes heróicas e graças particulares".
Chega! Isto soa discriminação, que trata desiguais com o padrão ético dos iguais. Se somos desiguais em tudo, em tudo devemos ser tratados desigualmente. Ninguém escolhe sexualidade, temperamento, caráter, aptidões, pois nasce com estas e outras características intrínsecas ao seu ser, que marcam sua liberdade de escolha, opções livres. Ser hétero ou homossexual é herança genética, não escolha. Héteros, é obvio, podem adotar conduta homossexual por influência de costumes sociais. Mas jamais
deixarão de ser hétero. Igualmente, por ser geneticamente homo, alguém nunca escolherá ser heterossexual. Cada um acolhe sua herança genética e busca ser feliz com ela. Não adianta viver em conflito com a genética porque a maioria "normal" bitola os diferentes e os condena por não se enquadrarem no padrão moral normal. Tal moralismo hipócrita faz skinheads e preconceituosos machões espancarem os homossexuais, prostitutas e outros grupos desiguais. Vejam a que leva o radicalismo moral! Ora, se os homossexuais são instados a aceitar as regras do jogo dos héteros, estes são também instados a aceitar as regras do jogo dos homossexuais. Sem isto, a minoria será esmagada pela maioria "sexualmente normal", que se acha no direito de impor regras moralistas aos que não se enquadram na sua "normalidade". Ora, pra ser universal e justa, a moral ceve se aplicar a todos e cada um no que é humano universalmente e individualmente aos desiguais. Também, ser humano algum precisa ser herói para ser feliz; basta ser apenas humano, levar vida trivialmente humana, seja ele hétero ou homossexual. Qualquer que seja a herança genética de cada um, há valores éticos universais inalienáveis: liberdade de escolha e profissão, ideologia e credo, etc. Além da ética universal, há deontologias, códigos éticos específicas pra os desiguais. Isto vale pra pessoas e profissões. Cada atividade humana produtiva tem sua ética profissional, diferente da ética de outros grupos. Mas, na sua peculiaridade, indivíduos e profissões submetem-se a valores universais nas escolhas livres, sempre pessoais, mesmo tendo em vista a sociedade ou um grupo menor. O amor dito casto também.
Amor casto é opção livre de cada um, não imposição de normas exógenas de grupos dominantes, inclusive Igreja Católica, que se arvoram no direito de outorgar regras pra seres livres. A Igreja Católica impõe a castidade forçada, o celibato aos clérigos, absolutamente contra a natureza e a vontade do Criador, Deus bom, ético e livre: "Não é bom que o homem esteja só. Vou lhe dar uma auxiliar que lhe corresponda. Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou. Por isto, o homem deixa seu pai e sua mãe e se une a uma mulher, os dois se tornam uma só carne" Gn 1,27; 2,18. Ora, o celibato imposto é fachada, pro forma. De fato, não funciona, pois clérigos levam vida sexual irregular e, não raro, criminosa. Padres, bispos, abades, frades, monges homossexuais têm amantes; os héteros são pedófilos, amantes, amásios. Mas a Igreja não se rende: Continua a exigir castidade dos padres, a Cúria Romana não larga o osso do cesaropapismo. Mas, por muitos anos, séculos fez que não sabia de nada da vida sexual irregular dos clérigos. Em boa hora, Bento XVI ordenou que os padres pedófilos sejam tratados sem privilégios, não acobertados pela nuvem de fumaça da impunidade clerical, que se acha acima do bem e do mal. Contra o costume arraigado na Igreja, padres não serão mais mudados de paróquia para disfarçar crimes, mas entregues á polícia e aos rigores da lei civil. Pois, os milhares de pessoas molestadas e ofendidas por clérigos inescrupulosos vivem submissas às leis civis no mundo. Por que o clero têm direito à imunidade eclesiástica? Não se pode identificar a pessoa com a função que exerce. Como cidadão, padres, bispos, freiras, deputados, juízes, presidente da República todos são regidos pelas leis do País, pois todos os cidadãos são iguais perante a lei. Ainda que, no exercício de suas funções, tenham a garantia da lei para exercê-la. Mas, fora do tribunal, das câmaras, do altar etc todos se igualam diante da lei.
Por isto, pessoa alguma é dona de valores, que são conaturais, manam da estrutura ontológica do ser humano. O ser humano é dotado de valores éticos que balizam, sem impor, suas escolhas. Sendo livre, ele pode escolher o certo ou errado. Mas, a escolha livre não é fim em si, estática, mas dinâmica, têm conseqüências. Liberdade é gêmea
xifópaga da responsabilidade: não atuam em paralelo, mas na convergência: Cada pessoa livre decide e responde por seus atos. A liberdade não é jogo de caprichos, mas afirmação pessoal de cada um. Ninguém pode impedir alguém de ser livre, nem impor a outros suas decisões boas ou más. Se é assim, temos o paradoxo: ditadura da liberdade insensata. Nela se enquadram os que impõem regras morais universais aos diferentes, sem respeitar as idiossincrasias. Os homossexuais têm direito de viver o amor da forma que podem e lhes convém, sem isto ser desbunde pra patologia moral dos senhores dos destinos alheios.
Faço minhas as palavras do iluminista Voltaire: "Posso não concordar com nada que você diz, mas morrerei defendendo o direito que você tem dizê-lo". Eu não sou homossexual, mas defenderei firmemente o direito dos que o são de conduzirem suas vidas em plena liberdade e consciência dos seus atos. Sem culpa nem patologia moralista.
Menos moralismo, mais humanidade. Eis a lei da perfeição, do equilíbrio instável, dialético dos opostos. Sem platitude nem enfado moralista.
Geraldo Barboza de Carvalho