PELOPONESOS X ATENIENSES: TUCÍDIDES NA NARRAÇÃO DOS FATOS DA GUERRA DO PELOPONESO

Jaques Leone Matos de Oliveira¹ 

RESUMO:

Neste trabalho, serão apontadas as dificuldades encontradas por Tucídides na tentativa, bem sucedida, de narrar à história da guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). Participante da guerra, a forçada inatividade e a leitura do texto de Heródoto despertou em Tucídides a vocação de historiador e assim a narrar sobre o grande evento que acontecia na Grécia, especificamente no período clássico. 

PALAVRAS CHAVES: Guerra do Peloponeso, Tucídides.

ABSTRACT:

In this paper, pointed out the difficulties encountered by Thucydides in the attempt, successful, to narrate the history of the Peloponnesian War (431 – 404 a.C). Participant of the war, the forced inactivity and reading the text of Herodotus awakened in the vocation of historian Thucydides and so on to narrate the great event that happened in Greece, specifically in the classical period.

KEYWORDS: The Peloponnesian War, Thucydides.

De um lado a Liga de Delos, comandada pelos atenienses, confederação entre polis inicialmente aliadas para combater o domínio Persa, mas obrigadas a pagarem tributos (entregando suas naus e em espécie) que reconstruíram e acabavam com grandes problemas na cidade-estado de Atenas. E do outro, a Liga do Peloponeso, aliança estritamente militar entre Esparta e congregados, que justamente objetivavam eliminar a hegemonia ateniense. Essa ascensão de Atenas inquietou os espartanos e até mesmo os aliados da liga de Delos.Segundo Tucídides, tornando inevitável tal conflito.

Assim, simploriamente, se resume as causas da guerra. Mas o objeto desse artigo é a o autor Tucídides e como constituiu sua narração quase sem precedentes historiográficos. Após o texto de Heródoto, marcando o início da historiografia, junto a outras figuras brilhantesde sua época como: Anaxágoras, os sofistas, Antifon, Péricles, Sófocles e Eurípedes entre outros, que inspiraram Tucídides na descriçãoda guerra na qual fez parte.

Filho de Óloros e descendente de família aristocrata da Trácia tornou-segeneral das tropas atenienses contra os lacedemônios na guerra do Peloponeso, onde foi designado a defender a costa da Trácia, no decorrer da guerra. Vencido pelos espartanos foi considerado responsável,portantocondenado ao exílio pelos atenienses. Sabendo que se tratava de uma grande guerra, já não podia mais participar ativamente do conflito, então “resolve” ser o historiador da mesma. Pode-se levantar a hipótese de um sentimento nacionalista vindo de Tucídides, visto que sendo excluído da guerra, buscou uma forma indireta de participar dela.

Por que escrever a história? Impulsionada pelas questões políticas e a moralidade, a produção historiográfica grega do século V, iniciada por Heródoto, era um estudo detalhado dos acontecimentos do cotidiano da sociedade. Além disso, no caso de Tucídides, visto a característica épica na luta entre as cidades-estados, ele tinha conhecimento que ambos os lados, Esparta e Atenas, estavam bastantepreparados e por isso seria uma guerra:“(...) grande e a mais importante que todas as anteriores (...)” (TUCÍDIDES, I – 19).

Para que escrever a história? “Valeria o trabalho de toda uma vida?” (FINLEY, M. I – 1991). À posteridade era o alvo de Tucídides. Eternizou um momento da história da Grécia na qual não ansiava por reconhecimento momentâneo, mas que seus escritos fossem lidos e vistos com importância á eternidade. E conseguiu! Seus escritos são considerados uma realização, bem de todos os tempos, servindo de base para trabalhos na contemporaneidade. Ele caracteriza sua obra como um patrimônio que sempre terá utilidade, afirmando que quem recorrer aos escritos dele “julgará minha história útil, e isso me bastará” (TUCÍDIDES, I – 22), enaltecendo seu desígnio.

Como escrever a história? “Tucídides não tinha referências passadas, não tinha livros, não tinha um professor de quem pudesse aprender o ofício do historiador” (FINLEY, M. I –1991). Tudo seria novo. Sem referências de como se descreve um acontecimento, o autor decidiu se desligar da mitologia, uma história sem fantasias, sem enfeites. “A concepção de mundo característica de Tucídides ainda é primitiva, idealista, mas já não fantástica”(AZEVEDO, Vitor de). Essa ausência do sobrenatural, da intervenção divina, é uma grande marca do texto, pois quebra com os padrões da época.

Segundo Marshall Sahlins, Tucídides acreditava que escrevia uma história que fosse “instrutiva para todos os povos em qualquer tempo”, logo teria que minimizar as diferenças e assim favorecer as convergências da natureza humana. Hipoteticamente, o “descaso” com a mitologia grega, pode ser causado pelo desejo de transmitir uma história verídica, além disso, por ter que se desapegar da cultura grega, para assim atingir a todos, em qualquer lugar, em qualquer tempo.

Como viveu a guerra, pode captar um grande número de testemunhas de ambos os lados,já que estava em uma situação “neutra”, selecionar os dados, interrogá-los detalhadamente, observar sua veracidade contextualizando as informações reunidas, avaliar, analisar e finalmente escrever, caracterizando o ofício do historiador.Possuía um amor pelos detalhes, particularidades essas que são aspectos da obra de Tucídides (alinhamento da tropa na linha de batalha, citação de nomes, aspectos físicos do território entre outras).

Tucídides utilizou a memória em sua forma “crucial”, “fiel e móvel”assim como caracterizado por LE GOFF em seu livro História e Memória, 1996.Pois a única fonte disponívelfoi à oralidade. Observando que no período clássico grego imperava a fala, e não a escrita, onde a escrita era uma virtude de poucos.

O empenho em apurar os fatos se constitui numa tarefa laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo com suas simpatias, por um lado ou pelo outro, ou de acordo com a sua memória”. (TUCÍDIDES, I – 22)

Apontando um problema que ainda na atualidade é um obstáculo para o trabalho com a história oral. Tucídides já percebia a tendenciosidade nos depoimentos apanhados, onde cada ser elevava a história para o lado que pertencia, dissimulando a história e levantando o questionamento da subjetividade nos relatos das declarações adquiridas.Mesmo com essa preocupação, Tucídides, obviamente, não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, onde teve que usar a lógica para tentar identificar as finalizações dos acontecimentos em outros campos de batalha.  

Em sua narração, ele pouco descreve sobre seus métodos e como trabalhava na análise dos depoimentos para alcançar a precisão, mas aponta em um trecho que:

“baseia-se no que ele mesmo viu e nos relatos de outros, após uma cuidadosa pesquisa que tem como propósito obter o máximo de precisão em cada caso... Chegou a conclusões com muito esforço, uma vez que as testemunhas oculares discordam a respeito da mesma ocorrência, por uma imperfeição de memória ou por tendenciosidade”(FINLEY, M. I – 1991).

Quebrando as tradições gregas, se desligou da mitologia e buscou relatar uma história precisa, que tivesse como público alvo todas as pessoas, sem recorte de tempo e espaço. O documento História da guerra do Peloponeso, deixado por Tucídides, evidencia os primeiros passos da historiografia, além de ser uma obra detalhada que contribuiu em grande escala na descoberta dos conhecimentos que atualmente a humanidade tem a respeito do mundo grego no período clássico.

Documentação:

Tucídides. Historia da guerra do Peloponeso. 3.ed Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1987. 533 p ISBN 85-230-0204-9 (Broch.)

Bibliografia:

SOUZA, Marcos Alvito Pereira de. A guerra na Grécia Antiga. São Paulo: Ática, 1988. 88p ISBN 85-08-03078-9 (broch).

ARRUDA, Jose Jobson de A. (Jose Jobson de Andrade). Historia antiga e medieval. 12 ed. São Paulo, SP: Ática, 1990. 528p

PETIT, Paul. Historia antiga. 4.ed São Paulo: DIFEL, 1979. 343p. 

HATZFELD, Jean. Historia da Grécia antiga. 2. ed Lisboa: Publicações Europa-América, [1977]. 357 p (Coleção saber) ISBN Enc. 

FINLEY, M. I. (Moses I.). Aspectos da antiguidade. São Paulo: M. Fontes, 1991. 248p ISBN (broch.). 

LE GOFF, Jacques. Historia e memoria. 4. ed Campinas: Editora da Unicamp, 1996. 553 p (Repertórios) ISBN 8526801805

SAHLINS, Marshall David. História e cultura: apologias a Tucídides. Rio de Janeiro, RJ: J. Zahar, 2006. 331p. (Antropologia social) ISBN 8571108994 (broch.).

Estudo Crítico. Heródoto; AZEVEDO, Vitor de; BROCA, J. Brito. Historia. Rio de Janeiro: Ediouro, [ s. d. ]. 789p