PELA PORTA E PELA LÍNGUA... UMA TRALALÍNGUA...

Dizia o mestre, digo, a mestra:

- A expressão "muito obrigado" deve concordar em gênero e número com a pessoa, pois "obrigado" tem valor de adjetivo: Muito obrigado - respondeu o rapaz. Muito obrigada - respondeu a moça.

Uma senhoura observava e ouvia...

- Adjetivo posposto concorda com o substantivo mais próximo ou pode ir para o plural de bom acordo com os dois, tipo: Encontramos um menino e uma menina abandonada. / Encontramos um menino e uma menina abandonados. (o masculino, e portanto os homens, sempre tiveram prevalência e privilégios acima das frágeis mulheres, até a pouco tempo nas sociedades)

Porém, levantou a senhoura sentada ao fundo da classe e alto levantou a seguinte questão:
- Professora, não está certo o plural masculino do adjetivo concordar com menino e menina em todos os casos!
- Pode ser, disse o mestre, tem variantes a língua, mas a norma culta pede o masculino, quase sempre são os homens que mandam no mundo..., e na língua...
- Discordo profe, tá certo que ganhamos muitas vezes menos que eles, mas ouvi ontem alguém contar uma situação e vou dizer: Encontraram-se um rapaz e uma mocinha abandonadas num ponto de ônibus, um lugar ermo (ambos gays). Disse um:
- Muito obrigada pela informação, gentil mocinha.
E o outro, digo a outra, retribuiu o agrado;
- Muito obrigada, delicado senhorinho... Sabe, és belo, um rapaz que sempre quis e ora encontro, forte, agradável..., e pode ser..., bastante amado...
E declamou este poema de Almeida Garrett, "Suspiros d'alma":

"Suspiro que nasce d?alma,
Que à flor dos lábios morreu...
Coração que o não entende,
Não no quero para meu.

Falou-te a voz da minha alma,
A tua não na entendeu:
Coração não tens no peito,
Ou é dif?rente do meu.

Queres que em língua da Terra
Se digam coisas do Céu?
Coração que tal deseja,
Não no quero para meu."


O mestre retrucou: - Ai não vale filha, pela gramática eles se tornam homens!

Desafio: "Loira de tranças, morena,
Mergulhas tão bem, Lilinha!
E esses cabelos, cabelos...
São... são postiços, meu bem?"

Resposta: Loira eu sou, sou sim, mofeiro!
Bonita também, assaz!
Liane Chuchu, meu nome,
Loira de tudo..., tudinho, meu bem!" (José Maria Tibiriçá)

- Tá bem, professor, mas o preconceito e racismo da nossa língua é grande.
- Por quê?
- Não falo da língua portuguesa, mas da língua dos homens. Enquanto esperava no ponto de ônibus ouvi essa de pessoas que falavam, já de idade: - Minha avó sempre dizia: "menina, tome tento, quando crescer e mandar nessa nossa fazenda tome cuidado com os preto que hoje são escravos e amanhã podem não ser." "Por que, vó!?" Respondeu com um tanto de rabugisse: "Porque nada que dê a preto fazer essa gente de cor faz certo. E vem de longe essa ladainha nos ouvido de nossa família, que diz assim, filha: Preto quando não caga na entrada, caga na saída. E significa: Preto quando não faz algo errado quando entra faz quando sai." Ah, vó, isso é absurdo!" "Absurdo nada, tome tento!" E cresceu a menina com isso na cabeça e acabou ficando preconceituosa e racista. Quando lhe falavam: "Aquele preto é um show, um craque profissional de primeira linha, senhoura (nesse tempo ela já tinha uma fábrica para tomar conta), creio devemos elevá-lo no cargo e pagar melhor." Ela na hora congestionou o rosto de raiva, fez um gesto de banana a ele e disse: "Tome isso aqui pra ele! Preto aqui tem vez não, quando não faz errado o serviço em início de cargo, faz quando sai despedido ou quando acreditamos e confiamos a ele um novo cargo superior e de relevância. Não, ele está fazendo bem porque está nesse cargo, deixe ele assim!"

Em site citado abaixo vem essa da língua, língua antiga...:
"Fábulas - Esopo e a Lingua
A fábula é um gênero literário que veio do conto popular. São narrativas alegóricas em prosa ou em verso próximas do mito e da poesia. A principal diferença entre o conto e a fábula é que esta transmite uma lição de moral. A tradição esópica sempre deu ênfase à moralidade que é a verdadeira função da fábula.
ESOPO E A LÍNGUA
Esopo era um escravo de rara inteligência que servia à casa de um conhecido chefe militar da antiga Grécia. Certo dia, em que seu patrão conversava com outro companheiro sobre os males e as virtudes do mundo, Esopo foi chamado a dar sua opinião sobre o assunto, ao que respondeu seguramente:
- Tenho a mais absoluta certeza de que a maior virtude da Terra está à venda no mercado. - Como? Perguntou o amo surpreso. Tens certeza do que está falando? Como podes afirmar tal coisa?
- Não só afirmo, como, se meu amo permitir, irei até lá e trarei a maior virtude da Terra. Com a devida autorização do amo, saiu Esopo e, dali a alguns minutos voltou carregando um pequeno embrulho. Ao abrir o pacote, o velho chefe encontrou vários pedaços de língua, e, enfurecido, deu ao escravo uma chance para explicar-se.
- Meu amo, não vos enganei, retrucou Esopo.
- A língua é, realmente, a maior das virtudes. Com ela podemos consolar, ensinar, esclarecer, aliviar e conduzir.
- Pela língua os ensinos dos filósofos são divulgados, os conceitos religiosos são espalhados, as obras dos poetas se tornam conhecidas de todos.
- Acaso podeis negar essas verdades, meu amo?
- Boa, meu caro, retrucou o amigo do amo. Já que és desembaraçado, que tal trazer-me agora o pior vício do mundo.
- É perfeitamente possível, senhor, e com nova autorização de meu amo, irei novamente ao mercado e de lá trarei o pior vício de toda terra. Concedida a permissão, Esopo saiu novamente e dali a minutos voltava com outro pacote semelhante ao primeiro. Ao abri-lo, os amigos encontraram novamente pedaços de língua. Desapontados, interrogaram o escravo e obtiveram dele surpreendente resposta:
- Por que vos admirais de minha escolha?
- Do mesmo modo que a língua, bem utilizada, se converte numa sublime virtude, quando relegada a planos inferiores se transforma no pior dos vícios.
- Através dela tecem-se as intrigas e as violências verbais. Através dela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinadas, podem ser corrompidas e apresentadas como anedotas vulgares e sem sentido. - Através da língua, estabelecem-se as discussões infrutíferas, os desentendimentos prolongados e as confusões populares que levam ao desequilíbrio social. - Acaso podeis refutar o que digo? Indagou Esopo.
Impressionados com a inteligência invulgar do serviçal, ambos os senhores calaram-se, comovidos, e o velho chefe, no mesmo instante, reconhecendo o disparate que era ter um homem tão sábio como escravo, deu-lhe a liberdade. Esopo aceitou a libertação e tornou-se, mais tarde, um contador de fábulas muito conhecido da antigüidade e cujas histórias até hoje se espalham por todo mundo.
O Pai das Fábulas
ESOPO O Pai das Fábulas viveu na Grécia, aproximadamente entre os anos 570 e 620 a.C., ou seja, por volta do século VI a.C. (antes de Cristo). Responsável pela transformação da fábula em gênero literário, Esopo é tido como o criador do menor texto em prosa do mundo. De origem Frígia, região da Ásia Menor na Antiguidade, foi aprisionado na guerra entre Frígios X Helenos, tornando-se escravo da nobreza grega. Deixou como legado 358 fábulas, a quem os estudiosos atribuem como de sua autoria. No mundo antigo, os povos viviam em guerras internas, e os que perdiam tornavam-se escravos. Muitos deles eram homens cultos, cientistas, letrados, que pertenciam à nobreza estrangeira e ao exército. Esopo foi um deles: culto, sábio e cientista. Era um educador e um dos primeiros pedagogos (em grego: o que leva a criança), que se tem notícia. Contava histórias em praça pública para o povo. Pequenas historietas recolhidas na Pérsia e na Frígia, sempre com um ensinamento ético e moral. Muito prestigiado pelos atenienses, foi um hóspede brilhante na cidade, o que lhe valeu uma estátua esculpida pelo célebre artista Lisipes. Era a estátua de um homem normal, contudo, há lendas que falam que o pai das fábulas era disforme, "... o mais feio de seus contemporâneos, cabeça em ponta, nariz esborrachado, pescoço muito curto, lábios salientes, tez escura, barrigudo, pernas tortas, encurvado...", Esopo foi assim apresentado pelo monge Planudes, em um texto do século XIV, em sua obra Vida de Esopo. Como quer que tenha sido a aparência de Esopo, o fato é que ele deixou 358 fábulas, uma obra monumental, moderna, que nos fornece uma visão critica extraordinária da natureza humana e lições de moral que hoje, decorridos 26 séculos, são no mínimo de rara beleza e impressionante atualidade. Há controvérsias sobre sua morte. Segundo o historiador grego da época Alexandrina, Heráclides do Ponto, e de seu contemporâneo, o escoliasta Aristófanes (século III a.C. ), Esopo havia roubado um objeto sagrado. Diz ele que "Esopo visitando Delfos, escarneceu de seus habitantes porque não trabalhavam: viviam das oferendas feitas ao deus Apolo. Irritados, colocaram uma taça sagrada entre os pertences de Esopo que, ao sair da cidade, foi apanhado e acusado de roubar um objeto sagrado. Como era costume no caso de sacrílegos, Esopo teria sido atirado do alto de um rochedo".
Fonte Usina de Letras
Heleida Nóbrega" (http://criancagenial.blogspot.com/2008/03/fbulas-esopo-e-lingua.html )

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E ASSIM É A VIDA...

Que diacho de garoto, sô! Pensei fosse rezar uma vela a Dario e o espivitado lambeu o dedo do defunto para tirar a aliança de oiro!

Santo Dios, que travessura!: Fez churrasquim de dedim do home caído...
Em Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan, temos:

1) Narrador: heterodiegético; Foco: onisciente.

2) Todos em cima do moribundo e defunto Dario:
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- O gordo de Branco: - Teve um ataque. (Ai!, moireu... Que Deus o tenha, não precisará mais das suas aquisições materiális...)
- O rapaz de bigode: - Afastem-se, deixem-no respirar! (E é!? Ainda tá bivo iesse presunto teimoso!? Prato de bactérias, que vá!)
- Chegantes curiosos na ponta dos pés...:
.. O home tá no chão... / Tá lá caído... / Tem sangue na cabeça, pingando, orso sorto? / Não, só dente de ouro na boca babando...
- Velhinha, cabelos grisalhos, de fato sentida, nada mais de material a desejar: - Acudam, gente!! Acudam ele, está morrendo!!!
- Taxista esperando algum mais do dia: - Só levo e presto socorro se pagarem. Quem tem grana? Ninguém!? Tô fora. Bye, caras.
- A polícia: Agitação geral, o morto está sendo nu, limpo e deformado, só falta alicate para arrancar o dedo da aliança; a multidão corre, pisoteia o defunto.
- Moradores conversam das portas: - Como é, compadre, arrancaste algum, uma lembrancinha do falecido? / - E ainda não, sujô...
- Crianças saem à janela de pijama, afoitas em ver a cena macabra e antisocorrista: - Tá vendo irmão, todo mundo está aproveitando, se mãe deixasse lá ia cortar um pedaço daquela calça e da camisa dele pra fazer roupinha da boneca...
*
------------- Moribundo Dario está defuntando... Ambulança era a ser chamada: - Oras, o cara já está quase morto, depois alguém chama...
*
E foi sumindo...:
- guarda-chuva e o cachimbo.
- os sapatos italianos e o alfinete de pérola na gravata.
- o relógio de pulso.
- o que havia nos bolsos - bolsos vazios.
- o paletó e a aliança de ouro.

2) personagem redonda: a velhinha de cabelos quase brancos, o rapaz de bigode, a multidão em fuga.
personagem plana: os restantes, indiferentes, alienados do Bem, de egoísmo oportunista

3) espaço físico: citadino, talvez uma periferia onde olhos de urubus seguem possíveis vítimas...
ambientação: Franca (construída por narrador descritivista, heterodiegético, que não participa da ação e vê tudo.
atmosfera: Para uns, o pasmo e tristeza da atual condição humana; para outros júbilo, alegre aventura e momento oportuno para ganhar algum, algo vendível ou usável, quase em termos doados de quem não mais precise.

4) Tempo: cronológico, a fabulação segue sem remanejos temporais.

5) Intriga ou enredo, a estratégia de organização dos eventos da fábula: decide narrar em tempo sequencial usando diferimentos ou suspense, segurando o leitor em saber o que ocorrerá com Dario, e aos poucos informando as surrupiações de pertences que vão sumindo, o moribundo sendo mortificado sai de dentro como Braz Cubas e pergunta-se:
*
- Deus, que fiz, guardei demais só para a mim beneficiar, só retirei dos outros e briguei feito fera para tirar alguma vantagem e guardar mais sem nada por ninguém fazer, e por mesquinharia negava até água e pão a algum passante sedento e faminto ou dava-lhes algum resto imprestável de comida em satisfazer o meu ego a esperar um obrigado?
Por que não me salvam essas tuas criaturas humanas!? Elas parecem pior do que eu, Senhor... Acaso, devo morrer de fato, sem mais uma chance, chegou minha hora? Tá certo, Senhor, que os vermes levem tudo que me deste, nada disso agora vejo não me pertencem... Tomei a consciência que esse fato pesaroso veio mensagear, porém, tenho a esperança em que o final seja presenteiro como Um Conto de Natal de Charles Dickens (http://recantodasletras.uol.com.br/natal/1343001 ), e eu, como o sovina Ebenezer Scrooge, preocupado apenas com a minha sorte e lucros, intransigente e implacável com todos sob as minhas ordens ou dependência a explodir-lhes como fera para que no grito da raiva obedeçam-me, seja eu agora um paciente e amigo de todos, e por essa intenção mande um alguém de bondade socorrer-me, faça-me viver para corrigir ainda nesta todos os erros passados...
E uma voz veio-lhe como de longe ao ouvido: - Filho, que me pedes? Esses todos são teus servos em passado longe, aqueles mesmos que roubastes a saúde e o suor de trabalho honesto!

Que narrador seja de Uma Senhora?...

- *** - Uma Senhora, de Machado de Assis...
(Uma senhora que deseja sempre ser jovem, uma deusa Hebe, mas o tempo a pega por um fio de cabelo branco, uma filha, e o neto... rsrs...)

.........................Narrador (parece saber quase tudo, mas nem tudo...)
............................................................................. /
...Amigos obsequiosos -------- (A senhora, D. Camila - uns 36 anos, depois 40, 42...) ------ o marido ruivo
............................................................................/
.........................................................................../
..................................................................(A filha Ernestina, uns 14 anos, depois 19, 20...) ------ marido (o genro)
......................................................................../
..................................................................(filho - o neto)
- *** -
Narrador? Foco?...
- A princípio um onisciente, um zeus no Olimpo a ver de longe Hércules, e a tudo sobre este semideus a saber:
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"Ela tinha trinta e seis anos" (...) aos quarenta anos (verdadeiros)" "Nisto enganavam-se. O fio branco estava ali; era a filha de D. Camila que entrava nos dezenove anos" "Ernestina, moça feita, entrou radiante no primeiro baile" "o Ribeiro viu tão-somente a rejeição, e embarcou. Assim acabou a primeira aventura." "Meses depois despontou a orelha de um segundo namorado." "Depois apareceram alguns namoricos de uma noite" "D. Camila estava ao espelho (...) os quarenta e dois anos (...) um cabelinho branco (...) um telegrama da velhice (...) corajosamente arrancou" "um terceiro candidato à mão da filha" "Crianças que ela vira ao colo, ou de carrinho empuxado pelas amas, dançavam agora nos bailes" "Que remédio, senão aceitar um genro?" "ela aguardava o neto com amor e repugnância" "D. Camila viu iminente o primeiro neto" "Enfim, avó."
*
- Agora é zeus tendo descido à terra e conversando com Hércules, passando alguns momentos como um homem quase comum e nem tudo saber:
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Ou seja, a princípio parece saber tudo, mas os trechos:
"- O quê? separar-me de minha filha? Não, senhor.
Em que e dose entrava neste grito o amor materno e o sentimento pessoal, é um problema difícil de resolver, principalmente agora, longe dos acontecimentos e das pessoas. Suponhamos que em partes iguais." "Um dia, encontrei-a ao lado de uma preta, que levava ao colo uma criança de cinco a seis meses." ...
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- Conclusão:
O final do exposto quase dá a entender que o narrador seja homodiegético, um testemunha dos fatos..., e foco ponto de vista, porém...
- * -
A impressão mais forte que dá a sentir é que este narrador quase sabe tudo ou muito de tudo, e embora sendo 3a. pessoa e em termos fora da história seja também um partícipe personagem a ter encontros fortuitos com D. Camila em alguma rua, no bond, em lugares onde ela passa ou convive..., portanto, no geral, um narrador heterodiegético e foco narrativo onisciente. A predominância, por conseguintemente, parece ser a onisciência... Embora discorde da classificação, pois não é totalmente onisciente... Poderia haver a categoria de quase-heterodiegético e quase-onisciente, um narrador que sofre de algumas perdas de memória e vez ou outra esquece fatos passados e futuros das personagens...