PEDRAS PRECIOSAS


Sr. Ozias olhava para o pôr-do-sol e refletia sobre sua vida: ainda quando jovem, fez fortuna ao descobrir um veio de pedras preciosas na propriedade onde morava com seus pais. Tinha quinze anos na época, mas desde já, possuía uma visão diferenciada.
De posse daquelas pedras preciosas, tratou de escondê-las em um lugar onde jamais seria descoberto e continuou a garimpá-las em segredo, nem mesmo para seus pais revelou o achado.
Durante dois anos, o jovem Ozias revirou a terra à procura das pedras preciosas e quando achou que já tinha o suficiente, disse aos seus pais que iria sair da fazenda, afinal, não queria ser para sempre um caseiro, mas tinha sonhos de ficar rico e construir um império.
Depois de deixar seus pais, Ozias desapareceu por completo, ninguém mais teve notícias dele.
Usando toda sua malícia e esperteza, o jovem juntou seu tesouro e foi-se para a cidade grande, portando uma mochila com duas ou três peças de roupa e outra mala de couro, muito grande e pesada, a qual ele fazia um grande esforço para transportar.
Hospedou-se num hotel barato, onde permaneceu até completar a maior idade. Foi quando fez dezoito anos que procurou um avalista para se ter idéia de quanto valeria suas pedras preciosas. Ficou surpreso ao sair do pequeno estabelecimento, pois com apenas uma dúzia de pedras teria mais dinheiro do que seus pais ganhariam em um ano, o quanto não teria com as outras milhares que deixou no seu quarto de hotel?
Vendeu, então aquelas pedras e foi diretamente ao banco abrir uma conta corrente, onde investiu parte do dinheiro em algumas aplicações financeiras. Cauteloso, alugou um cofre no próprio banco, onde guardou sua mala, abarrotada de pedras preciosas.
O tempo passou e Ozias foi, aos poucos foi se destacando como um homem poderoso: comprou imóveis, montou empresas, adquiriu propriedades e tornou-se um bom administrador. Sempre atento, pagava religiosamente seus impostos, evitando sempre declarar que possuía um cem número de pedras preciosas depositadas no banco.
Cidadão modelo, ganhou destaque como empresário do ano e como solteiro mais cobiçado do pedaço. Aos trinta anos se casou com a filha de um político influente, mantendo firme seu raciocínio de fazer boas alianças, não que tivesse se casado por interesse, afinal, gostava muito da moça.
Foi feliz nos anos que se seguiram, teve três filhos: duas meninas e um menino. Aos quarenta anos tinha mais do que precisava: dinheiro, fama, amor. Era o mais feliz dos homens. Havia comprado uma grande fazenda e dado de presente aos seus pais, dizendo que poderiam desfrutar de sua velhice com tudo de bom que a vida pudesse oferecer.
Aos cinqüenta anos tornara-se avô pela primeira vez, foi uma sensação indescritível quando segurou o neto em seus braços pela primeira vez.
Ao sessenta anos, Ozias já não quis mais trabalhar, passou o comando dos negócios para seus três filhos e procurou um advogado para fazer seu testamento, lembrando-se que ainda havia muitas pedras preciosas guardadas no seu banco.
Depois de tomadas as devidas providências, Ozias estava preparado para uma longa viagem de férias, iria passar um ano viajando pelo mundo, mas seus planos tiveram que ser adiados. No fim de uma tarde de primavera, enquanto caminhava através de uma de suas propriedades, sentiu uma dor aguda no peito e não pôde dar mais nenhum passo. Fechou os olhos e perdeu os sentidos.


- Bem vindo, Sr. Ozias!
A voz parecia sair de um desfibrilizador, soava meio metálica e vinha de muito longe. Com os olhos fechados, ouviu novamente.
- Sr. Ozias, ainda bem que chegou! Faz tempo que o espero para um dedinho de prosa.
Ozias abriu os olhos, achou estranho o ambiente onde se encontrava: parecia um quarto de hospital, mas não havia mais nada além de sua cama. Forçou o corpo e se sentou. Procurou por alguém, mas o cômodo estava vazio. Levantou-se devagar, forçando aos poucos seu corpo, sentia um leve torpor e uma dormência nos membros.
Circulou lentamente ao redor da cama, certificando-se de que realmente não havia ninguém ali. Caminhou com cautela até a porta, girou a maçaneta e a abriu. À sua frente se descortinou um lindo vale com montanhas ao fundo e uma floresta em infinitos tons de verde. A relva estava cheia de vida, como uma planície que recebe as primeiras chuvas depois de uma estiagem. Havia borboletas, pássaros, uma cachoeira e árvores frondosas oferecendo sua doce sombra, convidando para um descanso.
Ozias imediatamente pensou que estava sonhando, mas logo a memória lhe voltou, imaginou que talvez estivesse sonhando. Foi nesse instante que ouviu novamente uma voz, só que dessa vez era doce, suave e melodiosa.
- Quem bom que já acordou!
Virando-se, Ozias deu de cara com o ser mais belo que já havia visto. Não teve dúvidas de que aqueles olhos verdes esmeralda e aqueles cachos dourados pertenciam a um anjo. E se estava diante de um anjo, era porque havia morrido.
- Eu morri?
O ser iluminado sorriu:
- É isso que você acha?
- Bem, se não for isso, o que mais poderia explicar a existência de algo tão belo?
- Você não morreu, Ozias. Sua missão ainda não acabou.
- Então onde estou? Quem é você? Qual é a minha missão?
- Não vai adiantar lhe responder nada disso, quando você acordar, não se lembrará de nada, terá apenas a sensação.
- Que sensação?
- De que ainda falta alguma coisa para se fazer.
- Não estou entendendo.
- Ozias, você foi agraciado com uma inteligência fora do comum, tirou proveito de um achado na adolescência para se enriquecer. Foste muito esperto. Administrou com sabedoria seus bens, não se deixou levar pela luxúria e não esbanjou inconseqüentemente o presente que ganhou.
Ozias não estava entendendo onde aquela conversa iria chegar.
- Mas você se esqueceu de uma coisa, da mesma forma que ganhou sua fortuna, você deveria distribuí-la.
- Mas eu dou emprego para milhares de pessoas e procuro ser um patrão justo ? interpelou Ozias.
- Sim, como eu disse antes, você é um ótimo administrador. E muito justo. Eu não discuto isso. Agora me diga: porque você tem tantos empregados?
- Porque tenho muitas empresas.
- E por que tem tantas empresas?
- Para fazer meu dinheiro render.
- Ora, então o fato de ser um patrão justo e empregar milhares de pessoas não passa de um meio para aumentar sua fortuna. Eu falo de doação espontânea, falo de fazer a diferença.
Ozias abaixou a cabeça e soube naquele momento que realmente sua vida havia sido muito curta, que ele só havia se preocupado consigo mesmo, só havia olhado para seu próprio umbigo.
- O dom que você ganhou e a sorte de encontrar aquele tesouro, que aliás não era nem seu, de nada te valerão se você não pagar por eles. E o único modo de fazer esse pagamento é não reter tudo para si só. É preciso partilhar.
Enquanto ouvia, Ozias se sentiu envergonhado, sempre pensou que tinha feito tudo certo, mas agora entendeu que deixou de fazer a diferença que realmente importava. Lentamente ergueu a cabeça, mas não havia mais ninguém ao seu lado, assim como não via mais a bela paisagem que antes emoldurava sua visão.
Sentiu-se zonzo por alguns instantes e logo estava sendo puxado para baixo, por uma força irresistível. Toda a claridade desapareceu, como se alguém houvesse apagado a luz, deixando-o na mais completa escuridão.
Forçou-se a enxergar, então tomou consciência que seus olhos estavam fechados. Lentamente os reabriu e percebeu que estava em um quarto de hospital, olhou ao redor e não pôde deixar de conter as lágrimas quando viu sua mulher, seus três filhos e mais meia dúzia de netos. Emocionou-se pela família linda que constituiu e entre abraços agradeceu a Deus por estar vivo.
Uma semana depois, Ozias deixava o hospital, mas carregava consigo a sensação de algo faltava, estava incompleto. Por mais que tentasse, não conseguia saber o que esse vazio que ocupava seu coração.
Foi quando viu, pela janela de seu carro, uma moça muito jovem, com duas crianças chorando. A moça tinha uma expressão de quem havia desistido de lutar e as crianças estavam ao seu redor, implorando por algo que ela definitivamente não poderia dar.
Ozias, surpreendendo a todos e seguindo um impulso que nem mesmo ele compreendia, pediu para que parassem o carro, desceu e ofereceu-se para ajudar a moça.
Daquele momento em diante, não parou mais. Em dois anos construiu vários centros de reabilitação social, resgatou a dignidade de milhares de pessoas, deu nova esperança a outras tantas e implantou uma nova filosofia de trabalho solidário.
O tempo passou e Ozias se sentia feliz e pleno, mesmo nos melhores anos de sua juventude não havia sentido tão bem como agora. Em seu coração havia a inabalável certeza de que havia cumprido com louvor sua missão.
Aos oitenta e cinco anos, Ozias fechou os olhos pela última vez.


- Que bom que você veio ? disse a voz doce e suave.
Ozias abriu os olhos e sorriu ao rever os cachos dourados e os olhos de esmeralda. Se sentiu pleno e realizado. Havia feito a diferença. Havia cumprido seu dever.