Introdução

Libâneo (2001) fala claramente a respeito de o tempo atual nos colocar imergidos em uma sociedade genuinamente pedagógica e o quanto a Pedagogia experimenta hoje sua redescoberta e um grande paradoxo no que diz respeito à maior requisição de sua atuação pela sociedade, pelos meios profissionais, políticos, universitários e empresariais. Ao mesmo tempo em que vive uma limitação voltada para a docência.

Sendo a prática educativa fato da vida social e inerente ao conjunto dos processos sociais ela não se esgota nas práticas escolares, mas está presente no vasto conjunto de outras práticas, e em se tratando de interfaces diversas vale citar aqui a expressão de Fontes (2005) quando discute o papel da educação no hospital: "tanto a educação não é elemento exclusivo da escola quanto a saúde não é elemento exclusivo do hospital". Nessa linha Matos (1998) advoga o quanto a área da saúde encontra-se revestida de necessidades educacionais como o grande desafio que se apresenta aos educadores.

Conceituando Pedagogia Hospitalar

A ação pedagógica assume características múltiplas já que o pedagógico perpassa toda a sociedade e extrapola o âmbito escolar formal, aproximando escola e sociedade. Resgatar o significado amplo e globalizante, quando se recusa nutrir a Pedagogia simplista e reducionista é o que a sociedade cobra agora (Libâneo, 2001).

No contexto em que a educação é uma prática social modificadora do ser humano nos seus estados físico, mental, espiritual, cultural e configura a existência humana individual e coletiva a Pedagogia Hospitalar intervém no desenvolvimento humano visando agregar à assistência hospitalar para assegurar a oferta de uma intervenção que consiga suprir necessidades físicas, afetivas e educativas num ambiente acolhedor, oportunizando a continuidade à aprendizagem da criança e adolescente que se encontram segregados no ambiente hospitalar (Oliveira, 2000). Os aspectos contemplados pela Pedagogia no hospital ratificam a promulgação da saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999) não apenas como ausência de dor física, mas como equilíbrio entre o biológico, psicológico, mental, social e espiritual, assim como amparam a afirmativa de Pacheco (2005) sobre ser a doença mais um processo do que um estado.

O evento hospitalização descrito por Ortiz e Freitas (2001) situa a criança num espaço desconhecido e assustador, cujas rotinas não vislumbram a subjetividade e os contornos emocionais, culturais e sociais. É um processo de desestruturação do ser humano que traz à tona a fragilidade, o desconforto da dor e a insegurança. As inquietações provocadas pelo evento hospitalização sobre como a criança se instrumentaliza para enfrentar a ambiência da saúde com seu aparato terapêutico – exames bioquímicos, equipamentos cirúrgicos, punções invasivas e amputações, fazem surgir a necessidade de oportunizar à criança hospitalizada a experiência da aceitação do evento no qual ela encontra-se, deixando nela boas impressões e crescimento pessoal.

Reportando-nos as expressões de Paula (2004) a internação hospitalar assume uma característica nova, reflexo das preocupações sociais e das instituições com a criação de projetos de humanização nos hospitais, tornando esse período o momento em que a criança/ adolescente tem a possibilidade de usufruir das belezas da vida. A educação se processa como garantia dos direitos sociais, auxiliando crianças/ adolescentes na reflexão e ação no período de internação, assim como na reflexão mais profunda sobre sua condição de vida e saúde em nome da superação do paradigma de meros pacientes para se tornarem agentes do seu processo de desenvolvimento e cura.

Nessa perspectiva a Pedagogia Hospitalar milita pela qualidade de vida, pela busca de novos e específicos conhecimentos, cujo público alvo é crianças e adolescentes. Compartilhar saúde e educação torna a vida mais digna e prazerosa (Matos; Mugiatti, 2009).

Dadas as contribuições da Pedagogia Hospitalar como auxiliar nas questões de adesão do paciente ao tratamento, melhorando o contato deste com o ambiente hospitalar; colaborar para o desenvolvimento intelectual da criança/adolescente internada; explorar novas perspectivas da doença e do seu processo de cura junto ao enfermo; levar informações do mundo exterior e acrescentar àquelas do ambiente do hospital é interessante buscarmos um marco no Brasil da adoção de tal ação pedagógica que se fez na década de cinquenta com a criação da primeira classe hospitalar segundo os moldes da escola regular, no intuito de diminuir o fracasso escolar, os índices de evasão e repetência e, década de noventa com a inserção das Classes Hospitalares nas Políticas de Educação na área de Educação Especial, definindo responsabilidades no tocante à execução do direito da criança e adolescente hospitalizado à educação, bem como na estruturação de ações políticas de organização do sistema de atendimento educacional em ambientes hospitalares e domiciliares.

Nessa proposição é possível conceituar Pedagogia Hospitalar a partir das correntes teóricas que se complementam. A que defende o trabalho do professor no hospital como ação pedagógica restabelecedora das ligações com a vida em casa e na escola, mediação didática-educativa que promove o desenvolvimento da aprendizagem (Fonseca, 1999); a Classe Hospitalar como meio ratificador do direito à educação que promove educação, oportuniza o desenvolvimento e contribui para a reintegração da criança hospitalizada à sociedade e à escola após alta hospitalar (Ceccim, 1997).

A segunda corrente coloca a presença do professor em hospitais para a escolarização das crianças/ adolescentes internados segundo os moldes da escola regular traçados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) como Educação Especial em uma visão de Educação Inclusiva.

Implica esclarecer que a Pedagogia Hospitalar torna-se mais abrangente quando não exclui a escolarização da criança enferma e a incorpora dentro de uma dinâmica educativa. Assim como reforça no contexto hospitalar a multidisciplinaridade dos diversos conhecimentos científicos convergidos para a qualidade de vida, a interdisciplinaridade (contextualização) que se faz na integração e inter-relação de profissionais e a transdisciplinaridade como aquela que vislumbra além-corpo, focando olhares revestidos de valores e humanização (Matos, 1998). Acrescento ainda a definição de Simancas e Lorente:

 

Pedagogia Hospitalar é o ramo da Pedagogia, cujo objeto de estudo, investigação e dedicação é a situação do estudante hospitalizado, a fim de que continue progredindo na aprendizagem cultural, formativa e, muito especialmente, quanto ao modo de enfrentar a sua enfermidade, com vistas ao auto-cuidado e à prevenção de outras possíveis alterações na sua saúde (Simancas, 1990, p. 126)

 

As contribuições das atividades pedagógicas voltam-se para a garantia do bem-estar da criança enferma através do lúdico como canal de comunicação para que a criança esqueça por alguns instantes o ambiente agressivo, invasivo, resgatando sensações próprias da infância. Para Fonseca (2002) a Casse Hospitalar desenvolve seu papel pedagógico-educacional num espaço permeado de atividades lúdicas, escuta pedagógica que conta com familiares, acompanhantes e profissionais da saúde do hospital, bem como com a participação de estudantes e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. No intuito de evitar que efeitos negativos do período de internação causem transtornos de natureza psicológica no paciente pediátrico (Lorente, 1992)

Corroborando Pacheco (2005) nos fala da atenção que o profissional deve dispensar em ralação à forma como as pessoas falam dos seus problemas e dos seus sintomas, é nessa situação comunicativa que reside o valor fundamental que denuncia ao profissional quando se esquece do enfermo como sujeito, ao lidar com a doença e/ou a morte numa atitude de defesa, que sua postura precisa ser revista e alterada.

O professor representa com maior efeito a disponibilidade de estar com o outro e a serviço do outro (Paula, 2004). Deve ainda esse professor ser a ponte com o mundo saudável que transforma numa interação com a criança enferma os momentos hospitalares em tempo de aprendizagem, a pessoa que consegue enxergar e acreditar na criança como forma de auxiliá-la respeitosamente, compreendendo-a no seu estado de meninice.

É oportuno colocar o que Pacheco (2005) muito bem pontua em sua análise sobre a pessoa humana e a doença, quando reúne as interpretações sobre a relação de ajuda e sua importância para as relações interpessoais e para formação do sujeito através de atitudes assumidas pelo profissional, tais como: Empatia: compreensão do outro e condição de colocar-se em seu lugar; Respeito: reconhecimento de dignidade e valor no outro; Autenticidade: dizer o que se sente com coerência; Aceitação: aceitar a pessoa tal como ela é; Escuta: saber ouvir.

O papel da escuta pedagógica aparece para oportunizar a criança se expressar, ela é caminho a ser trilhado porque através dela a criança se manifesta evidenciando suas expectativas, ansiedades, medos, experiências (Fontes, 2005).

Tais considerações remetem-nos às tentativas de Patch Adams às vezes polêmicas, outras vezes aceitas com imenso carinho pelos profissionais do hospital quando promovem ambientes lúdico-terapêutico para o enfrentamento das enfermidades, transformando o hospital em um ambiente humanizado.

Partindo da lógica de ser o ambiente frequentado e transformado pelo homem por si humanizado, nos perguntamos hoje o porquê de humanizar os ambientes de assistência à saúde.

 

Humanização: além do modismo por meio da ação solidária e apoio social

 

Como ponto de partida, resgato a frase do Dr. Patch Adams em 1993 quando publica um livro sobre seu trabalho e suas prescrições médicas inspiradas no humor e no amor, com a intenção de diminuir a ansiedade dos pacientes. “Muitas pessoas no mundo sofrem de solidão, tédio e medo, que não podem ser curadas com uma simples pílula. Médicos devem tratar as pessoas e não apenas a doença”.

Num cenário de destaque crescente em programas na área de saúde a Humanização tornou-se modismo com a padronização das ações e funcionamento sistemático, ganhando aspecto de conceito-sintoma com consequente paralisia do movimento pela mudança das práticas de saúde. Visualizando a linha do tempo, surge nos anos 70 e 80 com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), mas dez anos antes já estava em pauta em torno da saúde da mulher, em 2000 o resultado se revelou no vazio e declínio da sua força impulsionadora, refletindo práticas segmentadas por áreas e níveis de atenção, identificadas a certas profissões e gêneros e, orientadas pelo mercado – lógica capitalista (Benevides, 2005).

Então, conceituar a palavra é desvendar também sua origem nos estudos da Antropologia Médica forjada em meio às divergências no tocante aos objetivos, aos pressupostos teóricos até se firmar como ramo das ciências antropológicas voltadas ao estudo do comportamento social do homem e sua relação com a cura (Buchillet, 1991).

Em sua trajetória de sanitarista e pesquisador, Gastão Wagner nos conclama refletir sobre o real sentido da humanização na sociedade. Para o pesquisador a palavra-valor (Humanização) traduz-se em respeito à defesa da vida e Paidéia. Aquele se torna um critério norteador da avaliação das políticas públicas. Esta é o que nos movimenta de forma reflexiva às maneiras de colaborarmos para o desenvolvimento integral dos seres humanos na condição de cidadãos. Assim, o conceito se reveste de potencialidade opositora à competitividade e à violação que por ventura a organização social venha cometer (Campos, 2005).

Um alerta que o autor nos faz é quanto à tendência “pretextuosa” da sociedade em adotar uma receita simplista e medíocre de sensibilizar a trabalhadores para a adoção de posturas e comportamentos cuidadores sem considerar outras premissas.

Deve-se sim humanizar-se para conseguir tratar e olhar o outro em sua condição humana que requer cuidado, como falam Backes, Lunardi e Lunardi Filho inserido em um projeto bem mais amplo e complexo. Reforçando a premissa de que a formação profissional nas profissões de ajuda deve ter base na concepção holística (Adam, 1994 apud Pacheco, 2005).

Benavides e Passos concordam com a questão pontuada por Gastão em que os indivíduos envolvidos no contexto de assistência à saúde, tanto profissionais quanto usuários e gestores abordam a Humanização proposta pelo SUS sustentada por suas razões. Os usuários reivindicam acolhimento e resolução de seus problemas; alguns profissionais melhores condições de trabalho outros profissionais e gestores banalizam e secundarizam as iniciativas com esse intento. Como defendem, analisar o conceito-sintoma é possibilitar a revisão crítica dos processos sob diretrizes ao bem-estar e reguladoras das políticas de saúde.

Temos a nosso favor nessa empreitada a adoção da mesclagem nos fundamentos teóricos do culturalismo norte-americano, desenvolvido com base na epistemologia1; nos estudos dos cuidados em instituições medicas2; no estudo dos problemas em saúde geral e na etnomedicina3, assim como das ideias da escola francesa que enfatiza a causalidade da doença segundo a racionalidade tradicional das culturas antigas e, das considerações funcionalista dos ingleses sobre as representações das doenças em uma dada sociedade (Buchillet, 1991).

Vislumbramos dessa forma uma possibilidade política de transformar a lógica utilitarista no interior das instituições e melhorar os espaços hospitalares para o amparo e sustentação da presença e ações dos profissionais de saúde e outros profissionais que tenham preparo técnico e compromisso político, gestores e pacientes. Além disso, reconhecer que durante a implementação da política de humanização poderão ocorrer desequilíbrios, afinal pendência para atender as necessidades imediatas e para gerir com autoritarismo é presente a todo instante (Reis, 2004) e funciona como termômetro na monitoração das propostas do SUS, dos acordos traçados em nome dessas propostas na Política Nacional de Humanização (PNH) cujos princípios básicos são:

 

a valorização da dimensão  subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e às populações específicas (índios, quilombolas, ribeirinhos, etc,);

fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade;

apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção política pública de saúde;

controle social frágil dos processos de atenção e gestão do SUS;

modelo de atenção centrado na relação queixa-conduta( Ministério da Saúde)

 

Chegamos assim ao ponto em que a dimensão humana deve embasar todo processo de intervenção no campo interdisciplinar da assistência ao cidadão. Considerar também, que a implementação do cuidar humanizado pauta-se não apenas no cumprimento de uma prescrição moral sob o risco da punição, mas acima de tudo na ética (Backes, 2005).

Nesse contexto podemos afirmar sem incorrermos numa atitude segmentada que a Pedagogia Hospitalar tem colaborado ainda que timidamente para a efetivação das propostas implementadas pelo SUS e pelo MEC. O pedagogo nesse espaço reforça o trabalho multi/inter/transdisciplinar no que se refere à atuação técnica e execução de programas pedagógicos.

Salta aos olhos uma realidade ainda comprometida por se alicerçar nas práticas amadoras. Tais práticas pedagógicas precisam liberta-se do amadorismo. Para tanto, cito a afirmativa de Ortiz (2002 apud Zardo; Freitas, 2007) sobre as ações que ainda se processam no imediatismo não possuírem uma proposta estruturada administrativamente, tampouco projeto pedagógico sistematizado, dificultando a creditação no trabalho dos profissionais envolvidos.

Quando Matos e Mugiatti defendem novos e específicos conhecimentos para a Pedagogia Hospitalar reforçam o pensamento de Santos (2002 apud Zardo; Freitas, 2007) quanto à superação do estado paradigmático da modernidade em crise que acredita em respostas definitivas para questões que acompanham a existência humana. Portanto, o paradigma do conhecimento elitista precisa ser superado para não comprometer o conhecimento.

 

O que revelam as pesquisas

 

Em se tratando de produções científicas que abordam o tema em questão no material elaborado por Santos e Mohr (2005) fruto de uma pesquisa sobre Educação em Ciências na Classe Hospitalar, cujo objetivo foi visualizar os trabalhos de pesquisa produzidos sobre o assunto Classe Hospitalar, foram encontradas amplas produções na área educacional e da saúde.

Essas produções representam o quanto as discussões sobre o tema têm aumentado. Por ser esse originalmente multidisciplinar os trabalhos se estendem nas distintas áreas do conhecimento, abrangendo a área educacional, médica, de enfermagem e ensino de ciências.

O resultado da pesquisa indicou que os periódicos da área de saúde originaram mais artigos do que da área da educação. Isso significa que não só pesquisadores da área educacional se preocupam com a questão de ensino-aprendizagem. Na saúde as produções são constantes e mais antigas.

Existem trabalhos que mostram grandes diferenças em seus enfoques, alguns dão ênfase às propostas curriculares, outros à estrutura e funcionamento, políticas públicas, fracasso e evasão escolar, humanização do atendimento e concepção da saúde e doença. Há ainda os trabalhos que enfocam temáticas sobre atividades de assistencialismo e voluntariado. Aspecto esse que as autoras apontaram como delicado e merecedor de maior atenção para que o um projeto dessa natureza (implantação e implementação das Classes Hospitalares) não seja deslocado do seu aspecto educativo-profissional para uma atividade voluntária/ afetiva.

Por conta da especificidade das atividades pedagógicas nas Classes Hospitalares os desafios didáticos são específicos e distintos da escola regular, pois essas classes são multisseriadas e a rotatividade é permanente. As pesquisadoras argumentam ser necessária a parceria com pesquisadores em ensino e metodologias de ensino específicas de cada área do conhecimento para a construção do currículo e estruturas didáticas mais flexíveis.

No que refere a aspectos a serem superados ou mesmo experiências de êxito na efetivação desse programa e projeto a primeira necessidade apontada pelos estudos de Zardo e Freitas (2007) fundamentada em Ortiz (2002) é discutir o processo de gestão e instituição das Classes Hospitalares como forma de subsidiar teoricamente e na prática o aperfeiçoamento da estruturação do ambiente hospitalar de ensino. Em resumo organizá-la e regulamentá-la, articulando educação e saúde que comporte a complexidade da criança hospitalizada e a necessidade de aprimorar os atendimentos quanto a implantação e implementação do espaço escolar nos hospitais.

 Fonseca (2002) revela em sua pesquisa resultados que denotam variação nesses dois aspectos e apontam a necessidade de unificação dos esforços para atender o doente como lhe assegura o seu direito. Creio que a unificação dos esforços não é limitar as Classes Hospitalares a um padrão, posto que cada região apresente peculiaridades apesar de se tratar da questão internação/ escolarização.

Na terceira versão da pesquisa de Fonseca (2002) a autora atualiza o quantitativo de Classes Hospitalares e caracteriza os aspectos de implantação/ implementação quanto às ofertas pela instituição em termos de aporte: administração de serviços e dos profissionais, clientela atendida, dinâmica do atendimento, espaço físico e recursos.

Considerando o primeiro aspecto da pesquisa a grande maioria das classes hospitalares não tem convênio formal e as que foram implantadas contaram com estratégias diferentes, como o caso de Santa Catarina com a publicação de uma Portaria.

Mesmo as classes que têm formalmente um documento firmado, o convênio, a maioria não apresenta clareza na designação do espaço físico, tampouco discrimina mobiliário especifico e de uso exclusivo para esse espaço. A mencionar que o número de convênios com vigência indefinida e os que estipulam duração mínima e máxima é equiparado, ou seja, metade do percentual para cada situação.

Um aspecto positivo apresentado na pesquisa trata-se da participação dos profissionais da Secretaria de Educação, do hospital e da Secretaria de Saúde durante os convênios firmados, bem como no momento de renovação desses acordos.

Outro ponto significativo diz respeito à formação dos professores que lidam com as classes. O maior número de profissionais possui graduação e alguma pós-graduação. Porém, uma percentagem considerável desses profissionais possui graduação em outras áreas, o que traduz um arranjo comprometedor do reconhecimento do trabalho do pedagogo (professor).

A faixa etária da clientela nos hospitais fica entre 6 e 12 anos na maior parte deles, outros atendem desde o nascimento até os 15 anos e idades superiores aos 18 anos.

Durante o atendimento educacional nos hospitais as metodologias utilizadas pautam-se tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996) quanto na Política de Educação Especial (Brasil, 1994; 2001) e em diretrizes específicas, perfazendo respectivamente percentuais de 38%, 24% e 22%.  Isso permite classificar as Classes Hospitalares do Brasil em duas tendências: uma lúdico-terapêutica e a outra pedagógico-educacional ligadas ou não à escola de origem.

A pesquisa de Fonseca (2002) revelou ainda uma situação que foge ao que se considera uma classe escolar no hospital. São projetos funcionando como tal gerenciados por Universidades, envolvendo bolsistas, estagiários e voluntários de formação diversa. Na verdade as Universidades deveriam prestar apoio e não assumir a responsabilidade que não lhe É conferida. A partir desses dados a pesquisadora chama-nos a atenção às grandes diferenças que podem ser geradas na forma de conceber e desenvolver o trabalho pedagógico.

Destarte a pesquisadora conclui o quanto tem variado a implementação das classes hospitalares por ocasião das peculiaridades regionais e de necessárias adaptações que a modalidade requer. O avanço no aumento quantitativo de classes acontece a cada ano, maior intercambio entre pesquisadores e profissionais responsáveis pelas classes hospitalares, no fomento de encontros e congressos sobre atendimento escolar em hospitais, além de publicações que têm sido produzidas. Nesse panorama a Classe Hospitalar contribui para o processo de acreditação do hospital.

Noutra pesquisa realizada por Paula em 2007, objetivando descrever e analisar os impactos do trabalho do professor para as crianças e adolescentes frequentadores da escola de um Hospital Filantrópico de Salvador apontou uma realidade deficitária no que tange aos referenciais teóricos da professora. A profissional não conta com o apoio pedagógico nem acompanhamento do seu trabalho. A dificuldade encontrada por ela foi propor atividades diferenciadas por conta tanto do ambiente como das idades das crianças. Fica claro como afirma que um dos desafios dos professores é instaurar contratos didáticos e dispositivos que dêem sentido ao trabalho escolar. Alguns conseguem superar os impasses e vencer os desafios com estratégias próprias e criatividade para lidar no contexto de diversidade. Outros conciliam políticas tradicionais de ensino com práticas progressistas, ora o professor é centralizador, ora articula a participação dos alunos como agentes do processo. E aqueles professores que não conseguem superar as dificuldades impostas pelo ambiente e reproduzem práticas educativas homogeinizadoras, excludentes e segregacionistas.

Para Paula (2007) as diferentes diretrizes seguidas pelas escolas nos hospitais explicitam um problema organizacional e de identidade quanto ao sistema de educação ao qual se vinculam à formação de professores e à organização do trabalho pedagógico. Reforça os dados coletados por Fonseca sobre as instituições adotarem tanto os preceitos da LDB, da Política de Educação Especial como de diretrizes próprias.

A pesquisadora também revela em seu trabalho a necessidade de integrar esses sistemas para deixarem de ser anexos do sistema educacional sob o efeito da não validação pela escola regular de todo o trabalho realizado nas escolas dos hospitais. E através da articulação entre Educação Formal e Não Formal criar uma escola da liberdade e criatividade na qual os sujeitos contribuem para uma gestão democrática da sociedade (Gohn, 1997 apud Paula, 2007). Visto que o ambiente hospitalar possui constituição disciplinadora diferente da escola regular. A mencionar o mobiliário e sua disposição constantemente modificada, as horas com característica disciplinadora da medicação, da visitação e alta hospitalar, a sala de aula com a complexidade dos movimentos constantes de entradas e saídas de crianças, familiares e profissionais da saúde, discussões direcionadas para a necessidade do cuidado, da responsabilidade pública para com aquele ambiente, necessidades dos alunos e suas inquietações, estimulando a Pedagogia de Projetos.

Paula (2007) coloca a práxis pedagógica constituída por contratos pedagógicos negociados com a professora, os alunos, os familiares e profissionais da saúde com base no sócio-interacionismo e no currículo multicultural. Uma história que se constrói sem abandonar o romantismo nem recuar diante dos percalços e desafios, solicitando de todos os envolvidos o seu reconhecimento como uma organização emergente para contemplar os direitos das crianças e adolescentes hospitalizados.

Sobre a importância de se programar os serviços educativos nos hospitais para atender pessoas enfermas e do reconhecimento do papel do professor nesse espaço, Cabanas mostra a proporcionalidade entre demanda social e legitimidade. Assim, quanto maiores as demandas sociais nos hospitais maiores serão o reconhecimento e o respeito pela educação como um direito imprescindível dos seres humanos (Simancas, 1990).

Em outros trabalhos Paula (2004) cita a defesa de Kosinsk sobre necessidade de superar formas tradicionais da prática pedagógica, já que não conseguem corresponder às demandas do contexto hospitalar, para isso ela propõe a criação da Pedagogia Clínica pelo novo olhar a ser trabalhado nos profissionais de educação.

Reestruturar as práticas educacionais tanto das escolas do ensino regular como do ensino diferenciado é questão abordada no documento sobre a Política Nacional de Educação Especial e na Declaração de Salamanca como uma necessidade para acomodar todas as crianças, sem, contudo, agir de maneira discriminatória. Estaríamos discriminando e excluindo se não fossem atendidos aqueles que, por suas diferenças necessitam do tratamento diferenciado para que sejam igualmente respeitados.

A modificação na estrutura curricular dos cursos de formação de professores é aspecto importante na construção da Pedagogia Hospitalar. Até porque, mesmo não tendo nos debruçado sobre a formação pedagógica e a tarefa do pedagogo de atuar em ambientes diversos, o faremos no capítulo que segue. Como sugere Kosinsk não há como atender uma demanda diferente se nos colocarmos sempre do mesmo modo.

 

Conclusão

Medidas inovadoras no sistema educacional voltadas para a qualidade e universalidade são importantes na sociedade da informação - genuinamente pedagógica - e da inclusão. A educação inclusiva, a educação para a diversidade integra indivíduos com necessidades educativas especiais, físicas e motoras, e todo e qualquer tipo de diferença que exija do educador uma postura ética e comprometida com a atuação adequada aos novos paradigmas educacionais sugerindo um conjunto de ações que vão desde investimentos à coordenação e avaliação eficiente e contínua de sua gestão.

A contribuição do Pedagogo na ambiência hospitalar é realidade que se firma a cada momento por meio do diálogo entre escola, hospital e família, culminando numa intervenção que favoreça a aceitação e reintegração do aluno, facilita seu retorno à escola, cujo efeito principal desse encontro é a proteção do desenvolvimento da criança/ adolescente, bem como dos processos cognitivos e afetivos de construção dos aprendizados. Para além da óbvia constatação Ceccim (1999) nos fala que “o acompanhamento pedagógico e escolar favorece a construção subjetiva de uma estabilidade de vida... continuidade e segurança dos laços sociais da aprendizagem” (p. 42).

Pensar e buscar uma educação pautada na atenção à diversidade é vislumbrar essas práticas em espaços não-convencionais e um professor não-convencional. Não se coloca aqui que o profissional da educação deva ser o herói mutante que supre a sociedade, mas o professor dotado de capacidade para habitar os diversos espaços de trabalho que sua formação alcance.

*Licenciada em Pedagogia – UNEB, Fisioterapeuta – FASB, Especialista em Metodologia do Ensino Superior – UNYAHNA.

** Bacharel em Fisioterapia – FIR – Faculdade Integrada do Recife.

***Mestre em Educação, Bacharel em Direito – UNYAHNA, Filósofo, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Professor da FAAHF, UNYAHNA e Projeto Plataforma Freire.

 

  1. 1.    Ecologia médica que considera variaveis ambientais ou sócio-culturais relacionando-as às incidências e à distribuição das doenças (Buchillet, 1991);
  2. 2.    Analisa relações entre agentes de saúde e os usuários do serviço (Genest, 1978 apud Buchillet, 1991 in A antropologia da doença e os sistemas oficiais de saúde.
  3. 3.    Estudo das práticas médicas com a finalidade de relacionar representações de doenças e o seu tratamento com a cultura e conformação social da população. (Hughes, 1968apud Buchillet, 1991 in A antropologia da doença e os sistemas oficiais de saúde.

 

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