CONGREGAÇÃO SANTA DOROTÉIA DO BRASIL

FACULDADE FRASSINETI DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

EM PSICOPEDAGOGIA

 

 

 

 

 

 

 

 

LÍVERTON ROBERTO DE FRANÇA

 

 

 

 

 

 

 

PEDAGOGIA ARTÍSTICA: FORMAÇÂO DO SUJEITO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RECIFE

2015

 

LIVERTON ROBERTO DE FRANÇA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PEDAGOGIA ARTÍSTICA: FORMAÇÂO DO SUJEITO.

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Departamento de Pós-graduação da Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE, para obtenção de título de Especialização em Psicopedagogia Institucional. Orientadora: Profa. Evanice Lemos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RECIFE

2015

 

AGRADECIMENTOS

 

 

 

 

 

 

Ao corpo docente, pela competência com que ministraram os módulos, encaminhando-me para o sensível olhar psicopedagógico, especialmente aos Professores José Paulino Peixoto Filho e Evanice Lemos, que contribuíram imensamente na constituição do meu papel de psicopedagogo, destravando meus olhos, resgatando o meu coração e abrindo meus ouvidos à escuta.

Aos colegas do curso, por todos os momentos que partilhamos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DEDICATÓRIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

À minha família que, apesar das dúvidas, nunca deixou de me apoiar.

 

 

 

 

 

RESUMO

 

 

 

Este trabalho pretende lançar luz a uma pedagogia voltada para a sensibilidade, uma pedagogia artística. Pretendemos trazer à tona fatores que foram colocados de lado, devido ao modelo atual de sociedade, fatores esses relativos à afetividade e a formação do sujeito que podem ser desenvolvidos a partir de uma abordagem do currículo de artes e como a apropriação de princípios estético-éticos auxiliaria o ser humano no processo de entendimento do outro e de si mesmo. Contamos com o olhar do psicopedagogo diante disto para indicar-nos que muitas das dificuldades encontradas hoje no âmbito escolar, enquanto espaço dedicado à construção de relações sociais e de saberes se dão devido ao modelo individualista de sociedade. A partir de análise na literatura pesquisada percebemos as contribuições da arte no processo de humanização do individuo no que diz respeito às construções éticas, religiosas, sócio-afetivas e a estética, enquanto nos é sugerido à virtude humana como o nivelamento às aspirações do homem como ser ideal.

 

Palavras-chave: Educação. Arte. Humanização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

 

 

This paper aims to shed light to a focused pedagogy for sensitivity, an artistic pedagogy. We intend to bring to light factors that have been set aside due to the current model of society, factors relating to the affection and the formation of the subject that can be developed from an arts curriculum approach and as the appropriation of aesthetic and ethical principles would help the human being in the process of understanding the other and of itself. We have the look of psychopedagogists on this to tell us that many of the difficulties encountered today in the school, as an area devoted to building social relationships and knowledge are all due to the individualistic model of society. From analysis in the literature we see the art in the individual contributions of the humanization process with regard to ethical buildings, religious, socio-affective and aesthetics, as is suggested in the human virtue as leveling man's aspirations as be ideal.

 

Keywords: Education. Art. Humanization.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

 

 

1  INTRODUÇÃO...............................................................................................08

2  O CONCEITO DE ARTE................................................................................09

2.1 Breve contexto histórico...............................................................................12

2.2 O percurso do ensino da arte no Brasil.......................................................16

2.3 Humanização, cultura & subjetividade.........................................................19

2.4 Arte e ética...................................................................................................22

2.5 Arte e religião...............................................................................................24

3 A CONTRIBUIÇÃO DA ARTE NA FORMAÇÃO HUMANA............................27

3.1 Arte e estética..............................................................................................27

3.2 Arte e afetividade.........................................................................................31

3.2.1 Conceito de afetividade............................................................................31

3.3 Arte e conhecimento....................................................................................35

3.4 Arte e psicopedagogia.................................................................................37

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................38

REFERÊNCIAS.................................................................................................40

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 - INTRODUÇÃO

 

            É possível que a arte seja o instrumento que melhor potencializa a expressão humana no que entendemos uma educação para a sensibilidade. É inegável o valor fundamental da arte na vida dos seres humanos.

A arte como instrumento educacional também não é novidade: entre os povos antigos do ocidente, coube aos gregos à valorização da arte na educação e a difusão do seu ensino entre os romanos. A educação sempre exerceu um papel primordial no desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, sendo assim ela não se limita à estruturação e à apropriação de conhecimentos técnicos, históricos, matemáticos, geográficos, entre muitos outros tão necessários para a formação humana, mas compreende também o objetivo de humanizar, de favorecer o crescimento intelectual, emocional/afetivo e cultural de cada individuo no sentido de que este possa incorporar valores como solidariedade, inquietude, desejo de mudança, sensibilidade, sentido de vida.

A partir de analise na literatura pesquisada percebemos as contribuições da arte no processo de humanização do individuo no que diz respeito às construções éticas, religiosas, sócio-afetivas e a estética, quando nos é sugerido à virtude humana como o nivelamento às aspirações do homem como ser ideal. Assim sendo, a educação é fundamental para a formação do ser humano no que diz respeito a aspectos sócio-culturais.

Este trabalho pretende lançar luz, ou trazer à tona fatores que foram colocados de lado, devido ao modelo atual de sociedade, fatores esses relativos à afetividade e a formação do sujeito que podem ser desenvolvidos a partir de uma abordagem do currículo de artes e como a apropriação de princípios estético-éticos auxiliaria o ser humano no processo de entendimento do outro, por assim dizer, uma pedagogia artística.

O homem, individuo, localiza-se por meio da arte, em relação aos outros homens, indivíduos, identificando os elos que os ligam desde a essência de sua humanidade. É também através dos afazeres artísticos de anônimos, populares, gente comum que a história da arte tem sido construída, formando a cultura humana.

A arte é relevante enquanto objeto de conhecimento que amplia a compreensão do homem a respeito de si mesmo e de sua condição de ser coletivo, agente cultural no mundo.

Contribuíram muito a esta percepção os olhares privilegiados de autores como: Andrade (1997) Bosi (2006), Chauí (2001), Coli (1995), Duarte júnior (1991), Marchionni (2010), Morin (2002), Olson & Torrance (2000), Suassuna (1979), Souza (1968), Vygotsky (1984), Wallon (1975), como também o que versa nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nos fazendo perceber como é tão importante à formação do homem, a apropriação de elementos constitutivos de nossa sensibilidade, como parte do processo de autoconhecimento e de integração humanizadora em nossa sociedade.

No que diz respeito à metodologia escolhida, este trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica baseada em material já elaborado, sendo realizada leitura prévia dos conteúdos que envolvem o tema, como logo em seguida procuramos estabelecer relações, confrontar ideias, refutando ou confrontando opiniões, conforme Andrade (1997). Foi realizada a revisão da literatura onde foram sintetizadas as principais contribuições da arte no processo de formação do ser humano, dentro das delimitações permitidas no que envolve as obras pesquisadas. Esperamos que este trabalho possa contribuir para a expansão de perspectivas do individuo, no intuito da plena aceitação de que a arte em seu elemento emocional, a afetividade, é parte integrante da constituição do homem, proporcionando a este uma cidadania integrada e atuante em nossa sociedade.

2 - O CONCEITO DE ARTE

Sobre o conceito de arte, percebemos que se trata de um termo polissêmico. Não se pretende abordar neste trabalho toda a complexidade do termo, contudo pode-se dizer que como forma de produção humana arte é conhecimento.

A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação, a um estado de ser íntegro total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela própria, é uma realidade social. (FISCHER, 2007, p. 57).

Segundo Bosi (2006, p.13) A palavra latina, ars, matriz do português, arte, está na raiz do verbo articular, que denota a ação de fazer junturas entre partes e um todo.

A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo para a palavra, técnica, significando: O que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Em sentido lato significa habilidades, desteridade, agilidade.

Logo em seguida, nos aprofundando ainda que de forma superficial na etimologia da palavra. Veremos este mesmo autor afirmando que:

A linguística indo-europeia apurou que o termo alemão para Arte, kunst, partilha com o inglês know, como o latim cognosco e com o grego gignosco (= eu conheço) a raiz gno, que indica a ideia geral do saber, teórico ou prático. (BOSI, 2006, p. 27-8).

Vemos logo nesta definição que as artes envolvem o cozer de partes soltas em um todo, de forma a tornar possível ao artífice, artista ou Estudante (construtor de algum conhecimento) a gnosis.

É possível se dizer que artes são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo. Porém, em nossa cultura existe uma noção que domina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia. Decidimos o que é arte a partir de certos olhares de autoridades competentes, nos prendemos ao discurso que profere o crítico, o historiador de arte, o perito. Em dissonância a essas opiniões, percebemos que Arte pode ser entendida como todo elemento da construção humana ao qual está imbuído um quê de valoração emocional em sua confecção.

Para que uma pintura, um poema, uma peça musical, fossem consideradas como artísticas, elas precisariam ter sido criadas para a percepção do outro e para algum modo de prazer. Deve haver paixão de alguma espécie, qualquer coisa exceto algo mecânico ou apatia. O modelo do desejo ao que conhecemos se dá pela ou através da necessidade, regida pelo critério infalível do instinto. O trabalho artístico é um exemplo de ato de expressão e todo ato de expressão humana é movido por um impulso ou desejo que o leva a comoção. A base da ação humana se estabelece nas paixões, nos impulsos e sentimentos que nos motivam a agir. Agimos porque somos motivados a desejar algo, e isso depende menos de nosso raciocínio do que de nossos sentimentos. Não é assim que quereríamos que fossem realizados todos os construtos humanos? Esse impulso cego é transformado pelo homem em finalidade. A intenção é o que transforma o objeto em arte. Chauí (2001), afirma que:

Merleau-ponty dizia que a arte é advento, um vir a ser do que nunca antes existiu, como promessa infinita de acontecimentos” e “A unidade do eterno e do novo, aparentemente impossível realiza-se pelos e para os humanos chama-se arte. (p.314).

Quando nos reportamos às questões pertinentes ao desenvolvimento humano, percebemos que a arte aqui se traduz como uma intencionalidade.

A intencionalidade significa que toda a consciência é consciência de algo; ela não é apenas um espaço interior pleno de intuições e ideias. É orientada em todos os pontos para o mundo com o qual está em contato e isto significa o mundo físico e a sociedade humana. (OLSON 2000, p.65).

Sendo a intenção o propulsor da relação homem-sociedade, a arte é uma atividade pertinente ao homem e as suas relações com o universo exterior a si, onde é essencial o conhecimento tanto desta exterioridade, como das técnicas que envolvem a atividade artística, em sua obra o homem imprime a expressão mais profunda da sua cultura, de sua interioridade, de sua subjetividade.

As artes da Ciência, da Política, da História, da Pintura, da Poesia, tem o mesmo material, que é constituído pela interação da criatura viva com aquilo que o cerca. Elas diferem quanto aos meios pelos quais transmitem e expressam este material, mas não no material em si mesmo. O que distingue essencialmente a criação artística das outras formas de aquisição de conhecimento humano é a qualidade de comunicação entre os seres humanos que a obra de arte propicia, por uma utilização particular de linguagem, sendo um meio desimpedido de comunicação, sem barreiras ou abismos que outros símbolos ou instrumentos gerariam. A forma artística fala por si mesma, independe e vai além das intenções do artista.

No processo de conhecimento artístico, o canal privilegiado de compreensão é a qualidade da experiência sensível. Diante de uma obra de arte, habilidades de percepção, intuição, imaginação e raciocínio atuam tanto no artista quanto no espectador, mediado pela percepção estética da obra de arte, percepção estética tal que é onde encontramos a chave da comunicação artística.

De acordo com a definição clássica, a arte pode ser agrupada em 7 categorias, sendo elas: Música, Dança, Pintura, Escultura, Literatura, Teatro e Cinema. Mas, além destas, há um rol de outras atividades e práticas humanas que podem ser enquadradas como trabalho artístico, tais como: Arquitetura, Circo, Ópera, Desenho, Gravura, Colagem, Fotografia, Graffiti etc.

2.1 - Breve contexto histórico

            Desde o inicio da humanidade a arte sempre esteve presente em praticamente todas as formações culturais. Os seres humanos sempre organizaram e classificaram os fenômenos da natureza, os astros no céu, as relações sociais, para compreender seu lugar no mundo, buscando significado para a vida. Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade, mediante a construção do conhecimento. As duas primeiras manifestações culturais foram, historicamente, o trabalho e a religião. Ambos instituíram as primeiras formas de sociabilidade. As relações sociais, políticas, econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. As belas artes, como nós as conhecemos, nascem a partir das artes mecânicas que gradativamente ornamentavam locais cerimoniais e templos no interior de cultos com fins religiosos. Ciências e artes são, assim, produtos que expressam as representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana.

O homem que desenhou o bisão numa caverna pré-histórica teve que aprender de algum modo seu oficio. E da mesma maneira ensinou para alguém o que aprendeu. Assim o ensino e a aprendizagem da arte fazem parte, de acordo com normas e valores estabelecidos em cada ambiente cultural, do conhecimento que envolve a produção artística em todos os tempos. Antes das produções escritas o homem já transmitia e perpetuava suas ideias traduzindo suas experiências de vida através da atividade criadora e por força da criação artística. A arte é o registro do desenvolvimento psíquico do homem, porque mais ainda diretamente que a linguagem escrita, a arte se relaciona com uma forma de civilização.

Embora o trabalho artístico seja tão antigo quanto à própria civilização, seu reconhecimento como fator de educação, é relativamente recente.

Platão talvez tenha sido o primeiro filósofo a preconizar um sistema de educação baseado na atividade artística. Sua tese constituiu, por muitos séculos, uma dessas “curiosidades” da história da filosofia, sem, no entanto, ter um emprego prático. Os estudiosos da matéria, contudo, jamais deixaram de reconhecer a beleza das conclusões do filosofo grego e a lógica que alicerçam seus preceitos. Ele não distinguia a arte da ciência nem da filosofia, uma vez que estas são atividades humanas ordenadas e regradas.

A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura. Nesse sentido, qualquer atividade humana, desde que conduzida regularmente a um fim, pode chamar-se artística. Para Platão exerce a arte tanto o músico encordoando a sua lira quanto o político manejando os cordéis do poder ou, no topo da escala dos valores, o filósofo que desmascara a retórica sutil do sofista e purga os conceitos de toda ganga de opinião e erro para atingir a contemplação das Ideias. (BOSI, 2006, p. 13)

Platão em sua tese afirmava que o individuo poderia e deveria ser educado através da arte, ele discutia sobre a construção de uma pedagogia política na qual as artes só valem enquanto concorrem para formar as virtudes do cidadão, serenando lhes as paixões e elevando os sentimentos humanos para o BEM. Dentro do que formulou Platão considerava que a beleza de um ser material qualquer depende da maior ou menor comunicação que tal ser possua com a beleza absoluta, que subsiste pura imutável e eterna, no mundo suprassensível das ideias. Sua concepção pedagógica era de que a dança e música são disciplinas fundamentais na formação do corpo e da alma, isto é, do caráter da criança e dos adolescentes. A pedagogia artística se efetua sendo meio para a educação moral da sociedade, pela maneira como destrói a brutalidade da matéria, impondo-lhe pureza de forma, sugerindo uma catarse ao homem, educa a sociedade para passar do artístico à espiritualidade, passando-o assim do visível e natural, para o absoluto da interioridade, da razão e da verdade. No século XVII Spinoza se referia a palavra razão como uma atitude em relação à vida na qual a mente humana unia as emoções às finalidades éticas, diferente de hoje que quase se trata de implicitar ao sujeito uma cisão da personalidade.

À medida que nos tornamos familiarizados com os códigos estéticos, nossa própria maneira de sentir vai se refinando, ou seja, tornando-nos progressivamente mais sensíveis às sutilezas de nossa vida interior, aos meandros do mundo de nossos sentimentos e esta é a razão da necessidade de uma educação estética no interior das escolas.

O individuo nasce com determinadas potencialidades de valor positivo para ele próprio e que seu destino adequado consistirá em desenvolver suas potencialidades, de valor positivo para ele próprio paralelamente com sua consciência social. Assim educado será aquele que realize plenamente sua individualidade, dentro da totalidade orgânica da sociedade, a que pertence.

Depois de Platão, foi Comênio o primeiro filósofo e educador a proclamar as vantagens pedagógicas da atividade artística, ainda que sob o caráter de jogos. A primeira tentativa realizada no sentido de conferir a criação artística feição de aprendizagem metódica e sistemática cabe, no entanto, a Pestalozzi, onde sua visão era oposta à natureza e a psicologia da criança. No final do século XIX e durante o século XX, a arte passa a ser percebida como forma de conhecimento técnico e expressão criadora, isto é como uma transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da linguagem, dos gestos em obras artísticas. As artes tornam-se trabalho de expressão e mostram que, desde que surgiram pela primeira vez, foram inseparáveis da ciência e da técnica. Assim por exemplo, a pintura e a arquitetura da renascença são incompreensíveis sem a matemática e a teoria da harmonia e das proporções, a pintura impressionista, incompreensível sem a física e a óptica. Desde então a atividade artística na escola passou a ser compreendida como um processo ou conjunto de processos que permitem não só a avaliação do desenvolvimento mental do individuo como também estimula a sua capacidade criadora além de constituir-se num fator poderoso de disciplina, precisão e segurança para a inteligência.

2.2 - O percurso do ensino da arte no Brasil

Em 1816, D. João VI trouxe a Missão Francesa com o intuito de formar uma Escola de arte, que teve os seus trabalhos iniciados dez anos mais tarde, mas devido ao custo elevado, eram poucos que tinham a oportunidade de estudar arte.

Entre 1890 e 1920 predominavam, aqui no Brasil, a cópia de quadros e o desenho geométrico. A partir de 1920, a Arte passa a ser incluída no currículo escolar como atividade integrativa, apoiando o aprendizado de outras disciplinas, porém, os exercícios de cópia são mantidos. “O ensino de arte concentra-se no desenho como linguagem da técnica e da ciência, valorizadas como meio de redenção econômica do país e da classe obreira, que engrossara suas fileiras como recém-libertos”. (BARBOSA, 2002, p.30).

Em 1922, com a Semana de Arte Moderna, a Arte-Educação no Brasil teve um grande impulso, com as ideias de livre expressão, trazido por Mário de Andrade e Anita Malfatti que acreditavam que a arte tinha como finalidade principal permitir que a criança expressasse seus sentimentos e também tinham a ideia de que ela não é ensinada, mas, expressada.

Vemos que em 1948, como cita Azevedo (2000), o artista plástico Augusto Rodrigues, resolveu criar a Escolinha de Arte no Rio de Janeiro, juntamente com Margaret Spencer e Lúcia Valentim onde era valorizada a capacidade criadora da criança, que posteriormente se tornaria o MEA (Movimento de Escolinhas de Arte) um conjunto de 140 escolinhas de arte espalhadas por todo território nacional. O MEA tinha a proposta de educar através da Arte.

A partir dos anos 50, além de Desenho, passaram a fazer parte do currículo escolar as matérias: Música, Canto Orfeônico e Trabalhos Manuais, que mantinham de alguma forma o caráter e a metodologia do ensino artístico anterior. O ensino e a aprendizagem estavam concentrados na transmissão de conteúdos a serem reproduzidos, não se preocupando com a realidade social e nem com as diferenças individuais dos alunos, ou seja, a chamada Pedagogia Tradicional. Já neste período de nossa história a insatisfação com os moldes acadêmicos possibilitaram ideias integradoras que possibilitassem articular diversos cursos de forma humanística. Como o projeto de Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília, relatado abaixo por Ana Mae Barbosa:

Tencionava-se começar a Escola de Educação a partir de um Departamento de Arte-Educação. E, na realidade, a primeira entidade a estudar educação organizada na Universidade de Brasília foi uma escola de arte para crianças e adolescentes. Sua organização envolveu durante quase um ano o trabalho de diferentes especialistas (arte-educadores, arquitetos, psicólogos, artistas, educadores, químicos etc.) Pretendia-se começar as pesquisas e estudos de educação através da arte-educação, refletindo uma abordagem fiel à ideia de educação através da arte. (BARBOSA, 1982, p.20)

O Brasil ainda passou nas décadas de 50, 60 e início da década de 70, pela fase da Pedagogia Nova, que tinha como ênfase a livre expressão e a espontaneidade e pela Pedagogia Tecnicista, onde o aluno e o professor tinham um papel secundário, tendo como elemento principal, o sistema técnico de organização. Neste período, nas aulas de arte, os professores enfatizavam um saber construir reduzido dos aspectos técnicos e do uso diversificado de materiais, caracterizando pouco compromisso com o conhecimento da linguagem artística.

A Lei de Diretrizes e Bases de (1961), eliminando a uniformização dos programas escolares, permitiu a continuidade de muitas experiências iniciadas em 1958, mas as ideias de introduzir arte na escola comum de maneira mais extensiva não frutificou. (BARBOSA, 2011, p.26).

Nos anos 70 percebemos os discursos direcionados a uma Pedagogia Libertadora, graças aos ideais de Paulo Freire, voltada para uma perspectiva de consciência crítica da sociedade.

A arte foi incluída no currículo escolar, desde 1971, com o nome de Educação Artística, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ainda como "atividade educativa" e não como disciplina, sofrendo em 1988, a ameaça de ser excluída do currículo, a partir das discussões sobre a Nova Lei de Diretrizes e Bases.

A partir dos anos 80, passamos a discutir novas técnicas educacionais, o ensino da arte deve seguir o que ela chama de Metodologia Triangular que é composta pela História da Arte, pela leitura da obra de arte e pelo fazer artístico, ou seja, a pessoa que aprende arte deve saber, não apenas fazer algo, mas, também saber de onde veio àquilo que ela está fazendo, o que levou aquelas pessoas a fazerem aquela obra, para assim, fazerem à leitura da obra, podendo perceber a mensagem o que o artista quis passar através da sua obra. Além disso, ao criarem suas obras artísticas, poderão criar algo que transmita uma mensagem, dando sentido à arte. Isso não significa que a técnica deva ser deixada de lado, é importante que o aprendiz venha a conhecê-las para aprimorar cada dia mais o seu trabalho, mas, a técnica sozinha, não dá sentido à obra. Até o surgimento da nova LDB e dos novos PCN's, prevalecia o ensino das artes plásticas.

Com a LDB de 1996 (lei no. 9.394/96), revogam-se as disposições anteriores e a arte é considerada disciplina obrigatória na educação básica conforme o seu artigo 26, parágrafo 2° que diz que o ensino de arte constituiria componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, visando o desenvolvimento cultural dos alunos.

Atualmente o ensino de arte está voltado para as linguagens de música, dança, teatro (artes cênicas) e artes plásticas. Em 2008, com a aprovação da Lei Federal nª 11.769, o ensino de música passou a ser obrigatório, devendo ser ministrado por professor com licenciatura plena em Música, tendo os sistemas de ensino, três anos para se adequarem às mudanças.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.3 –  Humanização, cultura & subjetividade

Apenas a partir da formatação da chamada modernidade que a educação foi colocada como fundamento de nossa nova ordem social. Isso porque caberia a educação desde então a constituição do modelo civilizatório centrado na ciência e na razão para a transformação do animal humano em cidadão. O ser humano para ser de fato constituído, saindo assim de sua forma embrionária, deve ter acesso ao que constitui a subjetividade de sua espécie. Nesse sentido Scoz (2004) opina que: A subjetividade é o patamar de onde o sujeito se apropria de sua própria biografia, ressignifica os fatos, transfaz a vida, recebe e atribui sentidos ao sofrimento. A sociedade e a cultura em que vivemos são governadas por relações de poder que estão incutidas em ordenamentos discursivos que alinham e orientam a subjetividade do individuo. O que temos chamado de realidade parece ser o resultado de uma pré -programação estabelecida pelas normas do discurso das coisas, criando assim a identidade do individuo diante de uma subjetividade coletiva pré-estabelecida.

Conger (1993) comentando Jung e suas observações sobre sociedade e subjetividade nos informa que em vez da diferença e da singularidade, a sociedade encoraja a mediocridade do homem coletivo, e esclarece:

[...] Jung considerava que a patologia da sociedade exerce uma força coletiva massacrante contra o individuo. Grandes comunidades dominadas por preconceitos conservadores, desaprovam consistentemente as diferenças individuais. A única fonte dos  avanços morais e espirituais da sociedade, que é a visão do individuo, é repetidamente reprimida e ignorada. Os elementos individuais da personalidade presentes desde o início da infância, são empurrados para o subterrâneo nível inconsciente em que são transformados em alguma coisa essencialmente baixa, destrutiva e anárquica. (CONGER, 1993, p. 80).

As obras realizadas pelo homem trazem em si cargas de subjetividade, afetividade, e prazeres que o fator tempo não foi capaz de desconstituir, formando assim o elemento histórico chave de nossa cultura. Os objetos e expressões artísticas, além de uma história, carregam valores que formam o emaranhado de nossa sociedade, e entrelaçado a eles está embutido o fio que chamamos sensibilidade, que nos transporta meio a cultura, a cada nova geração e nos permite visitar outras, que em muitas vidas não conseguiríamos.

[...] É a subjetividade a força renovadora do sujeito, que lhe dá impulso para aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a amar, aprender a fazer, saber ver e esperar, conversar, abraçar, morrer, superar os obstáculos do cotidiano, cuidar de si, do outro e do planeta. (SCOZ, 2004, p. 36)

Segundo Morin (2002), o elemento de formação do ser humano como é ou como deveria ser, está intrinsecamente e amplamente baseado na cultura.

Ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo, no que diz respeito a cada um em si trazer toda humanidade e carregar a sua individualidade. Só a estrutura biológica, sem a interação com a cultura, não é suficiente para demonstrar homens e mulheres como produtores e produtos de seu meio social. A humanização vivencia o ser individual harmoniosamente com a cultura humana, requer uma relação como o contexto sociocultural banhado na maré de certezas e incertezas, ordem e desordem, que movem o ser humano em sua ação, Humanizar-se é um aprendizado, e sem os elementos da construção de nossa identidade que chamamos de artístico, o ser humano seria embrutecido, e é contra este endurecimento do homem que devemos nos opor, por que o perceptível, o sensível, o sentimento, o sonho, são elementos indissolúveis do que é a condição humana. Charlot (2000) ao tratar de questões pertinentes a condição humana e a educação afirma:

O homem é a única criatura que precisa ser educada [...]. Por ser dotado de instinto, um animal, ao nascer, já é tudo que pode ser; porém, o homem deve servir-se de sua própria razão. Não tem instinto e deve determinar ele próprio o plano de sua conduta. (p.51)

Por sua condição, o homem é ausente de si mesmo. Carrega essa ausência em si, sob a forma de desejo. Um desejo que sempre é no fundo desejo de si, desse ser que lhe falta, um desejo impossível de saciar, pois saciá-lo aniquilaria o homem enquanto homem. Segundo esse ponto de vista, os animais são superiores ao homem, porque o animal que experimenta uma necessidade sabe exatamente do que necessita, enquanto o homem não sabe. O homem não é, deve tornar-se o que deve ser. Para isso deve ser educado, primeiro por seus pais, depois por seus mestres, depois por si mesmo. Para humanizar-se é preciso então perceber o seu próprio mundo, sentir sua realidade e olhar além, identificando as possibilidades e compreendendo as transformações que ocorrem e poderão ocorrer. E para alcançar essa percepção, o caminho inicial é “conhecer-se a si mesmo”, buscar sua identidade. Candau (2001, p.11) diz que: “A subjetividade é inequivocadamente uma das matérias primas do campo da educação, sendo em torno dela que os operadores e engrenagens deste campo giram com suas práticas e seus propósitos, em última instância”.

A educação é essa apropriação sempre parcial, de uma essência aparentemente exterior ao homem. Ela é essa busca incansável das virtudes inscritas no coração humano, latentes, mas ainda submersas na subjetividade. Essas virtudes devem ser exteriorizadas para que exista eficácia na convivência social entre os homens. As ferramentas que possuímos para produzir esta maiêutica são: a Filosofia, as Ciências e as Artes, no que concerne uma instituição chamada escola. Apesar desta credibilidade na instituição chamada escola Scoz (2004) nos adverte sobre a idealidade muitas vezes não nos permitir a visão obvia da realidade quando nos diz:

Em tempos de internet e com vistas à democratização do ensino é urgente rever o papel da escola, rever sua fundamentação e organização, alterando sua rigidez e as suas práticas de adestramento que levam a obediência, à passividade e à subordinação. (SCOZ, 2004, p.13).

Se levarmos em consideração que o currículo educacional e a própria organização escolar podem não permitir a criatividade e pode não levar os homens e mulheres a criticidade, pensamos então em qual molde de subjetividade está sendo produzido pelas práticas educativas atuais. Então acreditamos fazer-se necessário que uma revolução deva atuar nos preconceitos e proporcionar uma aceitação das diferenças individuais e a convivência com a diversidade.

Para Vygotsky (1984) a atividade humana caracterizada pelas funções superiores compõe-se de um processo interligado da memória, da percepção e da imaginação, as quais, complexamente elaboradas, desenvolvem, por meio de imagens mentais, o processo de criação se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural possibilitando a criação artística, científica e técnica.

O universo da arte, e sua capacidade de mobilização dos valores estéticos, impulsionam ao exercício de perceber, imaginar e criar, utilizando-se de recursos e referências, muitas vezes não verbais, que favorecem o diálogo interno do estudante com sua própria produção. Blavatsky (1991) nos adverte que Nada provém de nada, toda crença, todo costume desponta de fatos e de causas que lhe dão nascimento.

2.4 -  Arte e ética

Segundo Marcondes (2007, p.37), Etimologicamente, a palavra “Ética” origina-se do termo grego “éthos”, que significa o conjunto de costumes, hábitos e valores de uma determinada cultura ou sociedade. Entendemos que de certa forma este éthos é adquirido com esforço repetitivo, um estilo de pensar e agir, um modo de habitar no mundo, já que a palavra também significa habitação, aconchego. De sua influência temos então a palavra latina, mos, dos quais provém a palavra Moralis, que deu origem a palavra Moral em português que significa valores e virtudes, legado da tradição.

A Ética é uma arte, chamamos de arte não apenas a pintura, a escultura, e a música, mas qualquer ato humano no qual reluz a sublimidade. A arte é genialidade criadora, síntese de razão-corpo-espírito, relâmpago divino, magia no estilo de pensar, falar, escrever, amar, trabalhar, educar, sorrir, semear, colher, vender, construir, inventar. Nenhuma ação humana existe que não possa ser vivida com arte. Os estóicos gregos definiam a Ética como “a arte de viver”. (MARCHIONNI, 2010, p.47)

A Ética diz respeito à determinação do que é errado ou certo, mau ou bom, permitido ou proibido, de acordo com um conjunto de normas ou valores adquiridos historicamente pela sociedade. Ela é dependente de virtudes inerentes à natureza humana, que podem ser ensinadas ou adquiridas. O individuo que age eticamente, é aquele que é capaz de autocontrole, de governar a si mesmo. As virtudes são inatas à natureza humana, porém, se encontram adormecidas em cada uma das pessoas, e o papel da arte consiste exatamente em despertá-las.

Conforme as observações de Marcondes (2007) sobre textos relacionados a Sócrates, vemos que as virtudes (areté) nós já a trazemos em nós. Assim, a virtude deve ser inata. Porém encontra-se adormecida em cada uma das pessoas e o papel do filósofo consiste exatamente em despertá-la. Na leitura de trecho da obra ética de Nicômaco, Aristóteles, o pensador grego nos faz crer que a virtude é um habito e sendo assim deve ser praticado.

A possibilidade do individuo torna-se justo e virtuoso depende de um processo de transformação pelo qual deve passar. Assim, afasta-se das aparências, rompe-se com as cadeias de preconceitos e condicionamentos e adquire o verdadeiro conhecimento. A ética aborda, centralmente, nossa vida concreta, nossa prática cotidiana. Portanto, é importante perceber que de alguma forma, se a reflexão filosófica tem sempre como ponto de partida a realidade concreta e deve também ser útil para nossa vida prática, ela não se limita apenas a esse aspecto, como também a arte, tem um alcance mais amplo. Os dotes naturais evidentemente não dependem apenas de nossa vontade consciente, quanto às palavras e à instrução, receamos que não seja eficaz a todas as pessoas, a alma de quem aprende deve primeiro ser cultivada por hábitos que induzam quem aprende a gostar e a desgostar acertadamente. Acredito ser possível perceber aqui que discernimento e talento não é a mesma coisa, mas são coisas em muito semelhantes.

Um ato ético pode ser considerado ético sempre que seu autor for capaz de explicitar seus motivos e justificá-los, assumindo integralmente sua atitude. O que se torna claro é a empatia ao outro individuo, permitindo que seja feito a mim de igual medida ao que fiz ao alheio. A arte nos permite o refinamento de nossos hábitos. Através da admiração, da percepção diante do belo, nos permitimos o processo de autotranscêndencia, com direcionamento ético, no intuito de nossa humanização.

2.5 -  Arte e religião

Desde os primórdios da humanidade, a história da “Arte” está intimamente ligada às práticas religiosas. E, surpreendentemente essa união “Arte-Religião” pode ser vista até os dias de hoje em todas as culturas, por todo o mundo, passando pelas grandes crenças universais (Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Budismo, Islamismo, etc.), como também por todos os rituais mágicos e cultos animistas e totêmicos das comunidades tradicionais e povos indígenas.

A Religião é o conjunto de crenças ligadas ao mundo metafísico, sobrenatural, divino e sagrado, bem como a soma dos rituais, práticas, ensinamentos, mandamentos e leis que estão embasadas nessas crenças.

Portanto, a “Arte Religiosa” é a manifestação humana por meio das diferentes formas artísticas que estão associadas às crenças, aos cultos espirituais ou aos inúmeros rituais dedicados aos deuses, seres ou forças sobrenaturais. De modo geral, a “Arte Religiosa” objetiva promover na pessoa ou grupo religioso sentimentos de contrição, piedade, fervor, reverência e envolvimento em cerimônias ou práticas religiosas.

No mundo ocidental, com a união do Império Romano ao Cristianismo a Arte esteve fortemente ligada à Religião até poucos séculos atrás. Durante toda a Idade Média, a “Arte Religiosa” tinha o valor de ensinamento e de exaltação dos sentimentos religiosos da Cristandade. Após o período do Renascimento, com todas as mudanças ocorridas nas Ciências e com o surgimento do Estado laico, a Arte desvencilhou-se das “Igrejas Cristãs”, surgindo daí manifestações artísticas desassociadas da Religião.

Hoje, é de consenso geral no meio artístico que a “Arte”, em todas as suas distintas áreas, possui uma produção totalmente independente do mundo religioso. Mas, mesmo assim, em muitas localidades, especialmente em pequenas cidades e em países pouco industrializados, existem poucos espaços para a promoção da “arte”, sendo que em muitos casos os “artistas” só encontram espaço para mostrar e aprimorar seus talentos artísticos nas Escolas e nas Igrejas.

Hoje, parte de toda essa produção artística está preservada em museus e instituições de pesquisa de várias partes do mundo. Vale lembrar que a sacralização da “Arte Cristã” chegou a seu apogeu no período “Barroco”, época de exaltação religiosa no Catolicismo europeu. Ressalto ainda que a espiritualidade artística estendeu-se também às diversas Colônias européias, como se pode apreciar nas catedrais barrocas. Essas últimas foram agraciadas nos séculos XVIII e XIX com o trabalho de artistas como o escultor e arquiteto Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como “Aleijadinho”. Não poderia deixar de mencionar as cenas da vida de São Francisco, que foram pintadas em meados do século passado por Portinari na pequenina e admirável igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Relembro ainda que tais manifestações artísticas não são reconhecidas pelos segmentos cristãos protestantes.

A “arte” como qualquer outra manifestação cultural humana pode ser considerada uma dádiva divina, e pode ser utilizada para união de pessoas e grupos, reafirmando valores, estabelecendo laços e concordância.

Em algumas sociedades, as pessoas consideram que a “arte” pertence à pessoa que a criou, mas geralmente entre os judeus, cristãos e mulçumanos o artista é tido como uma pessoa especial que usa seu “talento” ou “dom artístico” na produção e criação das diferentes obras de “Arte Religiosa”. Assim, enxergam que esse “talento” é um dom individual que deve servir a coletividade, levando seu grupo a ter comunhão com o sagrado.

A “arte” independente de ser “Religiosa” ou “Secular” possui por si só um valor inestimável; tem sempre uma função transcendente. É incrível como poucos rabiscos num papel, pequenas cifras ou simples versos são capazes de reunir uma gama enorme de idéias e conceitos, e de um jeito único podem tocar profundamente qualquer pessoa, independente de classe social, status econômico ou formação acadêmica.

A arte é capaz de mexer conosco de uma forma incrível, pois somos capazes de usar esses “dons divinos” para criar coisas e expressar os mais diversos estados de consciência, abrangendo percepção, emoção e razão, levando-nos assim a construção do conhecimento ao qual está baseado nossa cultura.

Produzir arte é algo que nos torna diferentes de todos os demais seres à nossa volta e é algo que nos liga a um mundo além daquele que conseguimos tocar e sentir por meio dos cinco sentidos. Por meio da “arte” viajamos por outros mundos, por lugares distantes e maravilhosos. A arte deve ser valorizada e incentivada em nossa comunidade, não só com fins imediatistas e pragmáticos, pois ela deve servir para um fim maior.

3 - A CONTRIBUIÇÃO DA ARTE NA FORMAÇÃO HUMANA

3.1 - Arte e estética

Segundo Marilena Chauí (2001, p. 411), “Estética é a tradução da palavra grega aesthesis, que significa conhecimento sensorial, experiência, sensibilidade”. Consultando o dicionário Básico de Filosofia de Japiassu e Marcondes (1996), encontramos:

1. Estética (gr. aisthetikós, de aisthanesthai: perceber, sentir) I. Um dos ramos tradicionais do ensino da filosofia. O termo “estética” foi criado por Baumgarten (séc.XVIII) para designar “a ciência do belo” o estudo da sensação.

2. Kant emprega essa palavra num sentido diferente. A estética como uma ciência, não pode ser concebida como a ciência do belo, mas apenas uma crítica do gosto.

3. Hegel atribui a estética um sistema filosófico.

4. Na contemporaneidade, a estética assume diferentes correntes, cada uma constituindo suas teorias próprias. (JAPIASSU E MARCONDES, 1996, p.91)

Ao que parece se trata de um termo complexo de ser definido, porém desemboca no desenvolvimento esclarecido e intensificado de traços que pertencem a toda experiência normal completa, onde ocorra percepção, apreciação e prazer, não apenas o ato de executar ou fazer. Estética é uma espécie de reformulação da filosofia inteira em relação à beleza e a Arte. Conforme Banfi (1970):

O belo é, conforme já vimos, o aparecimento sensível da ideia como universal que contém em si move o particular, e não como abstração universal; é a própria unidade absoluta (a qual, em si, é processo infinito, no qual se ajusta real e racional) pelo fato de exprimir-se em forma finita de sensibilidade; ou, em outro sentido, é esse aparecimento na finitude sensível do princípio absoluto de unidade e vida do real.

A beleza tem a sua realização independente em outra esfera, na esfera da arte, que é o reino do ideal, desde que por ideal se entenda não a ideia que aparece, e sim o próprio aparecimento da pureza, a forma sensível liberta do jogo de necessidade e acidentalidade que domina a experiência natural; equilibrada conforme uma lei anterior de vida individual.

A arte, portanto, não é imitação da realidade natural; é criação de mundo ideal, que se funda no sensível, mas em que as formas sensíveis estão redimidas por virtude da sua relatividade e finitude. (BANFI, 1970, p. 241).

A verdadeira obra de arte é o resultado do que se faz com a experiência e na experiência. Numa experiência estética é que nossos sentimentos são tocados, são despertados pelas formas do objeto e então vibram dando a conhecer a nós mesmos. Conhecer algo que acontece na experiência é perceber que ideias são ordenadas e significados são formados dentro do grande sistema que liga os seres humanos a seu ambiente. Fazer novas conexões, novos padrões na experiência, e um modo de criar significados e cada experiência na aprendizagem amplia as condições para a aprendizagem subsequente. A aprendizagem significativa necessita sempre interligar natureza e humanidade, análise e síntese, conhecimento e aplicação, o ontem e o hoje. Ao revelar - nos o mundo por meio de seu próprio mundo, o artista nos mostra nós mesmos, então buscamos substituir nossos sentimentos e tentamos fazê-lo através de formas perceptivas que são capazes de vibrar outros aspectos de nosso sentir. Sem o compartilhar, nada existe, não há justificativa para o trabalho e para a busca da tão sonha felicidade, pois nos parece impossível o termo felicidade distanciado do que se entende por relações interpessoais.

A admiração é o portal para a motivação e para a curiosidade. Por isso, não apenas a arte faz explodir toda intenção redutora, normalizadora ou explicativa, como também se dá como específica, forma e conhecimento, bem diversos dos processos racionais. A arte tem assim uma função que poderíamos chamar de Conhecimento, de “Aprendizagem”. Aprendizagem se demonstra muitas vezes no transmutar parte do material bruto da experiência em novos objetos de acordo com a finalidade. O que a arte faz parece-nos muito similar, senão idêntico, não no processo mecânico de transmutação em si, mas na forma como a Arte transforma a matéria bruta no belo. Esse novo elemento inserido no mundo teria então a sua finalidade em ser pura contemplação se ai estiver à intencionalidade da peça, ou para fins mais profundos e reflexivos, se assim a interiorização do artista nos permitir uma nova contemplação dos elementos do mundo que nos cerca.

A arte é hoje indispensável para a descoberta científica, e será cada vez mais indispensável para a ciência, visto que o sujeito, suas qualidades, suas estratégias, terão nela um papel cada vez maior, cada vez mais reconhecido (MORIN, 2002, p.32).

A arte não é um elemento vital, mas um elemento da vida. Se a arte não é imediatamente vital ela representa em nossa cultura um espaço único onde às emoções e intuições do homem contemporâneo podem desenvolver-se de modo privilegiado e especifico. Isso não significa que, em nossa relação com a Arte a razão deixe de intervir. A razão está presente na fabricação do objeto artístico, pois para tanto precisamos de uma organização material e de um aprendizado técnico impossível sem ela. Dependemos também de um encadeamento lógico para ordenarmos nossas ideias quando queremos exprimir o resultado do nosso contato com a obra de arte. A razão está assim intrinsecamente presente no objeto artístico, mas a obra abrange elementos que escapam ao domínio do racional e sua comunicação conosco se faz por outros canais, os canais da emoção, do espanto, da intuição, das associações, das evocações, das seduções.

O universo é imerso em vida, vida inconsciente, pelo menos no que se trata a nossa compreensão sobre ele. Aparentemente tudo poderia estar adormecido, a um primeiro olhar desatento, ou tudo pareceria confuso, caótico, estranho, inesperado, com elementos que assombram toda mente ou todo pensamento científico quando fora do seu método regular. Temores inseridos no homem e em seus questionamentos em conhecer o mundo que o cerca, porém submerso no seu inconsciente, na sua subjetividade. Algumas vezes mesmo seguindo fielmente um método nos deparamos com o inextricável, bem, momentaneamente não temos respostas, porém, sentimos em profundidade seus significados, e de forma alguma não deixamos de aprender com eles. Ai estaria outro momento onde a arte nos auxilia como forma de conhecimento, no indizível, naquilo que ainda não podemos compreender, no imaginário.

            A ciência necessita de ordem, da clarificação, da transparência. Mesmo escapando do domínio do racional, o processo artístico utiliza à lógica, e elementos de ordenação e classificação, exemplo esse é o que vemos na teoria das cores e nos estudos de luz e sombra, no que se assemelham dos estudos da óptica moderna, como se não fossem baseados neles. O que pretendemos aqui é verificar se o conhecimento artístico além das suas constatações racionais, lógicas, ainda possui características que auxiliariam o desenvolvimento e compreensão de elementos da subjetividade humana. Pensar é construir uma arquitetura das ideias, e não ter uma ideia fixa, a inspiração não nasce de uma ideia fixa, mas nasce de a ideia for poética.

Segundo Morin (2002), O conhecimento não é o acumulo de dados ou de informações, e sim sua organização. Mesmo assim, às vezes, num primeiro momento a arte pode nos parecer obediente e mensageira, mas logo percebemos que ela é, sobretudo, portadora de sinais, de marcas deixadas pelo não racional coletivo, social, histórico. Seu domínio é o do não racional, do indizível, da sensibilidade, domínio sem fronteiras, muito diferente do mundo da ciência, da lógica, da teoria, apesar das suas familiaridades com os instrumentos da lógica, e necessidade de conhecimento técnico para sua perfeita execução. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma. O objeto artístico traz em si, habitualmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para aprender o mundo que nos rodeia. Ao proporcionar em nós o sentimento, a admiração, a arte nos propicia a alegria da permissividade, da mente sempre aberta, do novo, do desconhecido, e este é o caminho para fomentar conhecimento.

3.2 -  Arte e afetividade

 

3.2.1 - Conceito de Afetividade

            Conforme o dicionário Aurélio (1994) o verbete afeto vem do latim affectur (afetar, tocar) e constitui o elemento básico da afetividade. O que nos afeta, não pode nunca ser um monstro de fato, mais sim um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor, insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria. Desta forma podemos identificar a afetividade como um instrumento psicológico da capacidade humana que se manifesta através das emoções ligadas à satisfação, a dor ou o prazer. A questão afetiva possibilita ao homem vivenciar impressões de alegria ou tristeza em suas experiências. As artes possibilitam ao homem a transcender a si mesmo, no momento da admiração quando levado de súbito ao sentimento gerado pela união das expressões do artista com a sua própria impressão, sua própria leitura do objeto artístico.

            Segundo Wallon (1975), a afetividade é o meio que o ser humano demonstra seus desejos e vontades e revelam traços de caráter e personalidades.

            Em relação à afetividade Vygotsky (1989) ressalta que a pessoa deve ser vista como o conjunto entre cognição e afeto e que a aprendizagem está vinculada a estes aspectos. A aprendizagem parece se realizar na intersubjetividade produzida na intercomunicação e na inter-relação.

A palavra mente, significa um desígnio, memória, atenção, finalidade, cuidado, intelecto, alma, espírito, disposição, imaginação, intuito. Podemos considerar mente como um estado da consciência ou subconsciência que possibilita a expressão da natureza humana e as funções superiores do cérebro relacionadas à cognição e comportamento, intrinsecamente ligado às qualidades mais inconsciente como a intuição, a inteligência, o sonho, o sentimento. Nas obras de arte, os povos tem exprimido as suas mais ricas e profundas intuições e representações da vida.

            A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida orgânica: correspondente à primeira manifestação, pelo vínculo imediato que se instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo da sua história.

Conforme Saviani (1995, p. 66), o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação das massas. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais eles não podem valer seus interesses. Sendo assim o objeto artístico, sendo constituinte de grande parte dos elementos que se atribuem a memória cultural de uma sociedade, é um dos principais artifícios para aquisição da afetividade humana, já que no peso cultural de cada objeto de arte admirado por uma cultura, existe ali, intrínsecos, todos elementos do que é a afetividade humana, pois a intencionalidade de sua construção em todos os pontos assim o necessitou.

            A afetividade é necessária na formação de homens e mulheres felizes, éticos, seguros e capazes de conviver com o mundo ao seu redor. É coerente dizer que a afetividade auxilia no desenvolvimento cognitivo do individuo, facilitando a aprendizagem por oferecer segurança e principalmente bem estar. No entanto a ausência do afeto, ou algo que afeta o individuo e sua comunidade de forma negativa, pode desencadear em alguns indivíduos comportamentos agressivos. É a afetividade a base sobre a qual se constrói o conhecimento.

            Na visão de Vygotsky (1984), o desenvolvimento da pessoa se da por um processo simples de formação e de conexão reflexiva ou associativa pelo cérebro humano, que é um desenvolvimento social.

            Vygotsky fala sobre as relações sociais, favorecendo a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo, visto que é por meio da interação social é que aprendemos uma relação de afetividade, principalmente na infância.

            O desenvolvimento afetivo é responsável pela dinamização da atividade mental e pela seleção dos eventos sobre o qual agir, valores, sentimentos e interesses, este ocorre de modo semelhante ao desenvolvimento cognitivo.

            Segundo Wallon (1975), muito cedo na vida as crianças estabelecem laços afetivos que são tão importantes para sua sobrevivência quanto a alimentação. As primeiras relações da criança com o meio já são relações humanas de afeto, estas relações estabelecem compreensão e participação nas situações onde a criança se encontra ou poderiam estar envolvidas de forma direta ou indiretamente.

            A afetividade é a mistura de todos os sentimentos, e aprender a cuidar adequadamente de todas essas emoções, é o que vai proporcionar ao individuo uma vida emocional equilibrada.

Sentimento é sempre a primeira impressão que temos das coisas, é uma apreensão direta do mundo e de nós mesmo, ainda não interpretado pelos símbolos, pela linguagem, como é citado na obra de Duarte Junior (1991):

Sentimentos são evidencias estruturadas da realidade, são apreensões diretas da situação na qual encontramos anteriores as significações linguísticas e simbólicas que fracionam tal situação em conceito e os relacionam entre si. Não há compreensão apenas racional, pura, objetiva. O conhecimento nasce de uma articulação entre os significados sentidos e os simbolizados. Cada palavra, cada frase, cada expressão, carrega em si além do seu significado simbólico, racional, toda uma carga de sentimento de emoção mesmo. (p.22).

Chauí (2001), nos leva a compreender a sensibilidade em interligar os pontos que supostamente afastariam a percepção do senso comum, ou até mesmo do universo acadêmico, em considerar a arte como forma de aquisição de conhecimento. Entre a complexidade do mundo e a complexidade da arte existe uma grande afinidade. A arte não isola, um a um, os elementos da casualidade, ela nos explica, ela tem o poder de nos “’fazer sentir”’. Isso, evidentemente, não quer dizer que a arte substitui a casualidade científica, nem que ela se encontra em oposição à ciência. Nem explica de outro modo, nem anula a explicação científica. A arte nos mostra aquilo que não pode ser dito, que é inefável.

Defendemos então, que o Conhecimento do mundo pode ser gerado a partir de nossa percepção de mundo, e ainda somos instigados a mergulhar nesse mundo de admirações, quando Chauí (2001) nos sugere que nas artes, existem elementos constituintes da verdade, que forma o Conhecimento puro, a arte está diretamente subordinada àquilo que entendemos como valor, ela busca caminhos de acesso ao real quando nos diz:

[...] A obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ou dito, sentido ou pensado. A experiência de nascer todo dia para a eterna novidade do mundo. O artista busca o mundo em estado nascente, tal como seria não só ao ser visto por nós pela primeira vez, mas tal como teria sido no momento originário da criação. Mas simultaneamente, busca o mundo em sua perenidade e permanência. (p.316)

Bernard Charlot (2000), por exemplo, tinha plena consciência de que o homem constrói o mundo a partir do seu olhar, de suas percepções quando afirma:

A relação como o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros. É relação como o mundo como conjunto de significados, mas também, como espaço de atividades, e se inscreve no tempo. O mundo é dado ao homem somente através do que ele percebe, imagina, pensa desse mundo, através do que ele deseja, do que ele sente (p.78)

O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o ser humano produz a partir das perguntas fundamentais que desde sempre se fez com relação ao seu lugar no mundo. Sabemos que todo ato criador tem em sua gênese, uma determinada consciência de mundo, que de modo consciente ou inconsciente, interfere no ato de criação. A consciência se descobre como relação entre um objeto e um sujeito claramente distintos um do outro (tudo que não seja o próprio eu), opostos um ao outro e, ao mesmo tempo unidos um ao outro, e desta consciência resulta o Conhecimento.

2.3 -  Arte e conhecimento

 

A manifestação artística tem em comum o conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios dele emanam num constante processo de transformação do homem e da realidade circundante. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é realidade percebida de outro ponto de vista. O leitor trata de signos visuais da mesma forma que ele escuta os signos audíveis: Uns e outros trabalham com a estrutura superficial, e devem alcançar a estrutura profunda do texto ou do enunciado para compreender seu significado. A fala e a escrita parecem ser formas variantes ou alternativas da mesma língua, contrariamente a suposição generalizada que considera a escrita como transcrição por escrito da fala. O espírito humano cria continuamente, sua consciência de existir por meio de manifestações diversas.

Para crianças de certa idade desenhar não é reproduzir o que se vê tal como se vê, mas sim nosso saber sobre o objeto.

[...] Há dois séculos William Blake afirmou que não via com os olhos, mas através deles como de uma vidraça; segundo ele deveríamos aprender a ver criativamente, usando a visão ativa, em vez de passiva. Há cerca de trinta anos a comunidade científica descobriu que o olho não pode conduzir a luz ao cérebro. A retina não capta ondas luminosas e as envia aos receptores visuais do cérebro. A visão é uma construção do cérebro que vemos com a ajuda dos olhos quando se aplica ao mundo exterior. (PEARCE 1992, p. 76)

Com o advento da pós-modernidade, se faz necessário ampliarmos o nosso olhar para compreendermos que ser humano é parte integrante do mundo. A física moderna com o a teoria quântica aboliu a noção dos objetos fundamentalmente separados, introduziu o conceito do participante para substituir do observador e pôde, inclusive, considerar necessário incluir a consciência humana em sua descrição de mundo. Ela passou a ver o universo o universo como uma teia interligada de relações físicas e mentais, cujas partes só podem ser definidas através de seus vínculos como o todo.

A experiência nos tem mostrado que a luz e a matéria comporta-se como partículas separadas e como onda. Essa conclusão paradoxal obriga-nos a abandonar, no palco das grandezas atômicas, uma descrição casual da natureza no sistema espaço-tempo comum, e a substituí-la por campos invisíveis de probabilidade em espaço multidimensionais que, de fato, não representam o estado de nosso conhecimento atual. Na base desse esquema abstrato de explicação há uma concepção da realidade que leva em conta os efeitos incontroláveis que o observador exerce sobre o sistema observado, cujo resultado é que a realidade perde algo de seu caráter objetivo e um elemento subjetivo acrescenta-se à imagem do mundo esboçada pela física. (CONGER, 1993; apud JUNG, 1980, p.131).

Como consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o conhecimento em artes é essencial para formação do ser humano, pois o acesso à arte inclui o individuo em todo o processo histórico-social, que constitui a sua identificação com o mundo que o cerca e sua identidade como ser pensante e autônomo.

[...] O conhecimento da arte abrange perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo na qual a dimensão poética esteja presente. A arte ensina que é possível transformar continuamente a existência, que é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível. Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental para aprender [...]

[...] O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida (BRASIL, 2000).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.4 -  Arte e psicopedagogia

 

O ofício do psicopedagogo baseia-se em aspectos filosóficos e metodológicos. Colocada a serviço da educação, essa área de conhecimento, a psicopedagogia, enfoca como lidar com as dificuldades apresentadas no âmbito escolar, enquanto espaço dedicado à construção de relações sociais e de saberes.

Segundo Fagali (1987, p. 40):

A proposta da psicopedagogia é trabalhar basicamente com as relações afetivas ocorridas durante a aprendizagem, de modo a garantir que o sujeito seja criativo, espontâneo, perseverante e transformador ao trabalhar seu pensamento. Além disso, é fundamental neste trabalho, desenvolver todos os processos psicomotores e de raciocínio que estão por trás de qualquer aprendizagem.

É fundamental que o psicopedagogo tenha um olhar sensível para compreender os processos internos do individuo, para direcionar a sua prática, porque através do fazer criativo, pode-se potencializar a ação, levando a pessoa a acreditar em sua capacidade latente, resgatando sua autoestima.

A psicopedagogia encarada sob a ótica de uma pedagogia artística permite revelações internas que alimentam a centralidade do aprender de forma prazerosa. Tentamos perceber as vantagens de um processo educativo que favoreça a habilidade manual em harmonia com o prazer do sentimento, do afeto, para a construção de um mundo de significados e significantes. Através do trabalho criativo o indivíduo se envolve e se movimenta para a reconstrução do aprender, pois “O trabalho de arte passa pela mente, pelo coração, pelos olhos, pela garganta, pelas mãos; e pensa e recorda e sente e observa e escuta e fala e experimenta e não recusa nenhum momento essencial do processo poético” (Bosi,2006, p. 71).

Sugerimos assim, um trabalho centrado no aspecto afetivo visando à ampliação da consciência do indivíduo por meio do contato consigo mesmo e com o outro. De modo a proporcionar um fazer que desenvolva, aprimore e articule esquemas de ações específicos às possibilidades cognitivas dos sujeitos, numa busca por meios de diferentes estratégias que utilizem os recursos expressivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A dimensão afetiva do ser humano é o que o capacita para perceber as circunstâncias e os fatos do mundo. Somos desde o nascimento, criaturas que constroem relacionamentos interpessoais. As artes permitem ao ser humano a apropriação do conhecimento humano de uma forma singular, direcionando a formação do homem para virtudes que sendo alcançadas, instituem uma humanidade refinada, ética e democrática. A admiração humana diante do novo é principio fundamental para aguçar a curiosidade, e realizar o aprofundamento científico.

Arte é um importante trabalho educativo, pois procura através das tendências individuais ampliadas ao coletivo, estimula a inteligência e contribui para a formação da personalidade do indivíduo. No seu trabalho criador, os indivíduos utilizam e aperfeiçoam processos que desenvolvem a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio, o controle gestual, capacidade psíquica que influem na aprendizagem. No processo de criação ele pesquisa a própria emoção, liberta-se da tensão, ajusta-se, organiza pensamentos, sentimentos, sensações e forma hábitos de trabalho.

Devemos cada vez mais ter a convicção de que a constituição do ser humano, no que diz respeito a sua psique e cognição, não podem ser condicionadas pelos processos individualizantes ao qual foram direcionados os pilares de nossa sociedade. Hoje, percebemos cada vez mais, que muitas das mazelas sociais são geradas pelo individualismo, a impessoalidade e a falta de direcionamento ao bom e ao belo são geradas pela falta das conexões que muitas vezes de forma simples a arte cria no coração humano. Conhecer não basta, no que se diz respeito ao conhecimento científico, nem sempre a razão garante a prática e, apenas conhecer a virtude, não nos leva a sermos bons porque o homem possui a capacidade de distinguir o bem do mal e possui também a faculdade de não levar isso em conta. O conhecimento surge como uma ação de transvasamento enquanto ocorre uma troca, sendo assim aprender parece significar contatar, interpretar, interagir, apropriar-se e transformar o dia a dia, através de atribuições de diferentes sentidos. Temos a convicção de que nutrindo a alma humana com princípios éticos, virtudes, beleza, através de elementos que já estão inseridos dentro de nossa própria cultura. Poderemos alavancar de uma forma motivacional, a construção de uma sociedade mais igualitária, mais justa, com uma moral social inscrita no coração do homem, uma sociedade mais harmoniosa devido à benevolência de sua afetividade, e ai sim, uma sociedade verdadeiramente democrática.

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à Metodologia do trabalho científico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2ª ed. Brasília-DF: Editora Universidade de Brasília, 1985.

AZEVEDO. F. A. G. de. Movimento Escolinhas de Arte: em cena memórias de Noêmia Varela e Ana Mae Barbosa. 2000. 166f. Dissertação (Mestrado em Artes). Escola de Comunicação e Artes. Centro de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.

BANFI, Antônio. Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.

BARBOSA. A.M. Arte-Educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002.

_______. Ensino de Artes no Brasil: aspectos históricos e metodológicos. Redefor. São Paulo, 2011.

BARBOSA, R. Reforma do ensino secundário e superior: 1882. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1941. (Obras Completas, v.9, t.1).

BLAVATSKY. H. P. Ísis sem véu. Uma chave-mestra para os Mistérios da ciência e da Teologia antigas e Modernas. Volume V São Paulo: Pensamento, 1991.

BOSI, Alfredo. (org.) Cultura brasileira: temas e situações. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2006.

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