Paulo Celio Duarte

Conheci Paulo Celio Duarte quando éramos ainda estudantes secundaristas e frequentávamos a igreja do Padre Rubens Chasseroux.  Lá era um ponto de encontro de vários grupos que discutiam os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais do país e, principalmente, a ditadura militar. O Pe. Rubens deu aulas de religião no meu colégio e de certa forma, foi ele quem estimulou a minha turma a se interessar por política. Da sala de aula foi um pulo para frequentarmos a igreja e participarmos das missas engajadas na perspectiva da Teologia da Libertação.

            E foi também lá que encontrei o Paulinho, pela primeira vez. Um garoto magro, quase esquelético que falava o tempo todo, apesar de ser um pouco gago. Logo ele convidou nosso grupo para participar de reuniões com um grupo de secundaristas de São Bernardo, entre eles o Silvestro Truri, hoje empresário e o Victor Palamarczuk, poeta concretista falecido precocemente. Paulinho era apaixonado por cinema, principalmente o Cinema Novo de Glauber Rocha. Estava sempre promovendo exibições de filmes com debates no final. Mesmo gago, assumia a coordenação dos debates e não se intimidava quando a platéia ria dos seus tropeços.

            Paulinho nasceu em Paula Cândido, Minas Gerais, em 1951. De uma família de fazendeiros que foram dividindo as propriedades com grandes proles, chegou a um ponto que sua família precisou partir para a cidade grande em busca de um melhor futuro para os seus quatorze filhos. Foram parar em Diadema, no Grande ABC, onde seus dois irmãos, Luiz Antonio e Belmiro começaram a atuar politicamente na Ação Popular, movimento político de tendências maoistas, no qual José Serra também militou. Influenciado pelos irmãos, Paulinho começou a militar no movimento estudantil secundarista e numa das buscas do DEOPS em sua casa, acabou sendo preso sob suspeita de atividades subversivas. Nesta primeira prisão apanhou um pouco, pois os policiais estavam mais interessados em informações  sobre seus irmãos. Mas na segunda vez Paulinho foi detido com panfletos considerados subversivos pela polícia política e por isso foi preso e barbaramente torturado durante quatro meses. Ele contava que chegou a pensar no suicídio diante das perspectivas de que a tortura não acabaria mais. Foi colocado várias vezes no pau de arara, levando choques elétricos, telefone, que provocou a ruptura de um dos tímpanos. Mas Paulinho manteve-se firme e não forneceu nenhum nome para os policiais, que pediam qualquer um, mesmo que não fosse muito importante. Com isso muitos dos seus amigos que militavam no movimento estudantil secundarista foram poupados da prisão e tortura pela sua coragem.

            Diante do marasmo político em que vivíamos na época, Paulinho não desanimou e investiu seu tempo na cultura popular, fundando o Centro Cultural Guimarães Rosa, homenagem ao escritor mineiro que ele admirava. O centro cultural dedicava-se a música, capoeira e literatura, constituindo uma biblioteca, que foi enriquecida pela doação do Tomás Padovani, outro amigo e militante antiditadura. Dedicou-se, também, à literatura, escrevendo mais de mil poemas que continuam inéditos. Sua poesia é fortemente marcada pelo movimento concretista dos irmãos Campos e também do seu grande amigo poeta Miguel Palamarczuk.

            Adorava viajar tendo visitado todos os estados brasileiros e a América do Sul. Normalmente ia de carona, situação de alto risco na época em que quase toda a América do Sul era governada por governos ditatoriais. Numa dessas viagens, foi preso no Uruguai por suspeita de atividades subversivas.

            Casou-se com Stela, também militante política com quem teve um filho, Marcel. Com sua vida um tanto errante, a vida familiar foi afetada e o casamento terminou sem mágoas ou ressentimentos. Preservacionista, militou nas causas ambientais e tornou-se apicultor e defensor de alimentação natural.

            Em 1978 resolveu entrar na política partidária, ingressando no PMDB, partido que agregava todas as correntes de oposição ao governo militar. Contrariando muitos amigos que o queriam no recém fundado Partido dos Trabalhadores, Paulo acreditava que teria maiores chances de vitória em um partido mais estruturado e com mais recursos. Fez uma campanha pobre, pois o partido não lhe forneceu recursos que eram destinados aos candidatos tradicionais. Com essa opção partidária, perdeu o apoio de suas bases que apoiaram o PT.

            Tempos depois foi atropelado em São Bernardo do Campo, provavelmente por um motorista bêbado que fugiu. Foi socorrido por pessoas inabilitadas e ficou paraplégico.  Imobilizado em uma cadeira de rodas, não perdeu sua força interior e manteve a militância pelas suas causas, principalmente o ambientalismo.  Continuou com a apicultura, sua grande paixão, produzindo mel em um sítio da família em Registro, ao sul do Estado. Como essa atividade exigia muita mobilidade, acabou abandonando-a. Ingressou depois no serviço público através de concurso, trabalhando até a aposentadoria em 2011 como agente cultural na Secretaria de Cultura de São Bernardo do Campo.

            Aposentado fazia planos para morar no interior, dedicando-se a leitura e aos seus poemas.  Meu último contato com ele foi em junho de 2012, quando pediu emprestados alguns livros para se recolher um pouco à leitura. Não houve tempo. Uma infecção oportunista o levou ao hospital e nunca mais se recuperou.  Retornou algumas vezes para casa, mas como seu estado de saúde era muito delicado, voltou a ser internado. No dia 7 de setembro de 2012, faleceu, sendo sepultado em São Bernardo do Campo.