PATRULHA !
Publicado em 03 de novembro de 2009 por Romano Dazzi
263 – PATRULHA
Os preparativos para a comemoração do Natal já estavam adiantados e os adultos, na nossa pequena cidade, empenhavam-se com afinco na decoração.
Como sempre, discutiam: O Natal se comemora, se celebra, ou se festeja?
Mas não se chegava à conclusão e a discussão ficava para o Natal seguinte.
Para nós, crianças, esses dias custavam a passar; transcorriam lentamente, porque estávamos aguardando algo, que só chegaria na noite de Natal.
Todo o ano fazíamos listas de pedidos exageradas, mas esperávamos que o Papai Noel nos trouxesse uns três presentes, ou, se não desse, pelo menos dois.
Mas naquele ano a vovó passara-nos uma descompostura, lembrando-nos das nossas traquinagens.
Que presente deveríamos ganhar, por termos amarrado a sineta de prata ao rabo do gato ? O coitado, aterrorizado, pulara por meia hora, até conseguir soltar o nó. Pela primeira vez víramos, com nossos próprios olhos, o que é o pavor.
E que prêmio mereciam as péssimas notas, o estado lastimável dos cadernos, a desordem permanente das nossas roupas, dos nossos quartos?
– “ Vou eu, falar com o Papai Noel, quando ele aparecer na esquina, na noite de Natal. Vou eu, resolver este caso! “ ameaçara apontando-nos o magro indicador.
Mamãe tinha sido mais comedida. Dizia que só crianças bem comportadas tinham direito aos presentes; muitas outras os mereciam mais do que nos.
Papai foi peremptório. Este ano o Papai Noel está muito pobre. Não conseguiu dinheiro . Assim, nada de brinquedos.
O vovô deu-nos uma carta, escrita em letra trêmula - (puxa, o Papai Noel está mesmo muito velho) – confirmando que nossos brinquedos seriam dados a três meninos: um, doente; outro,muito pobre, o terceiro, o melhor aluno da escola.
A frustração foi grande. E meu primo, alérgico às injustiças, revoltou-se
Decidimos que iríamos enfrentar o Velhinho cara a cara, numa conversa séria. Queríamos ressalvar os nossos “direitos”, brigar por nossa causa.
Já sabíamos que ele não vinha do Pólo Norte.
Devia usar um grande galpão numa vila próxima, a oito quilômetros de nossa casa; era um lugar suspeito, com caminhões entrando e saindo o tempo todo. Era a prova de que precisávamos.
Não avisamos ninguém: três moleques e duas meninas, todos entre os sete e os onze anos, encarando corajosamente a estrada de terra batida.
Depois de caminhar uns três quilômetros, paramos para descansar.
Aproximou-se um menino loiro, de modos educados e reservados, sapatos velhos, levando uma sacolinha; amistoso, querendo conversar.
Perguntou aonde íamos. Explicamos.
“ Mas sabem mesmo onde é?”
“ Por certo! Não iríamos fazer esta caminhada sem saber para onde vamos!”
“E vão sozinhos? Sem um adulto para acompanhá-los? Não é perigoso?”
“ Não, já somos grandes, sabemos cuidar de nós...”
“ Bem, vocês é que sabem. Posso ir com vocês? ”
“ Claro! É bom! Conversando, o caminho fica mais curto!”
Continuamos a caminhada, as garotas interessadas no que ele contava.
Ele foi tirando dos bolsos umas balinhas de açúcar, muito gostosas.
Depois de mais uns três quilômetros, paramos para descansar.
Ele abriu a sacola e ofereceu-nos uns sanduíches.
Precisávamos mesmo, estávamos todos com fome e ninguém tinha pensado em trazer alguma comida. Logo adiante, descobriu, sob uma moita, uma pequena fonte de água fresca, limpa, gostosa.
Agora, não tínhamos mais fome, nem sede, graças a ele.
O menino conhecia todos os truques.
Disse que morava numa vila próxima, sempre acompanhava e ajudava o pai, que era carpinteiro, para fazer serviços na casa de algum freguês.
Ninguém, entre nós, lembrava-se de tê-lo visto antes; mas naqueles dias, vinha muita gente de fora, se registrar na Prefeitura – não demos importância.
Como Deus quis, acabamos chegando, cansados e suados, ao depósito.
Todas as portas fechadas, nenhum movimento.
Foi o nosso amiguinho que encontrou a única porta aberta.
Entramos; e uma voz áspera, vinda da sombra, perguntou:
“O que querem? O que fazem aqui?”
“Queremos falar com o Papai Noel!”
“Por parte de quem?”
“Como, por parte de quem? Por nossa parte. Temos um assunto urgente.”
“Papai Noel não está. Mas podem falar com o irmão dele, que toma conta do depósito no fim do ano, quando o Papai Noel viaja..”
Logo apareceu um sósia do Papai Noel.
Tão parecido com ele, que pensamos que fosse um truque.
Mas ele foi gentil, atencioso e perguntou o que poderia fazer por nós.
Explicamos. Ele pensou um pouquinho e depois:
“Não há o que fazer, meus meninos. Vocês erraram e agora devem pagar. É a lei. Mas não é uma grande punição. E os seus brinquedos vão para meninos que precisam mais que vocês.....”
E continuou calmamente, explicando-nos, de novo, como tudo funcionava.
No fim, quando já estávamos plenamente convencidos, acrescentou:
- “Mas vai ter um pequeno prêmio de consolação para cada um, que meu irmão vai deixar lá na sua casa. Obrigado pela visita, garotos. Voltem, agora, porque a noite chega rápido e devem estar em casa antes que fique escuro.”
Até meu primo ficou tranquilo. Tínhamos errado. Não havia como discutir.
Saímos e o nosso amiguinho resolveu acompanhar-nos mais um pouco.
“Mas você não ia para casa?”
“Sim, mas vou mais tarde. Gostei muito de estar com vocês.”
“Nós também gostamos. Então vamos?”
E tomamos o caminho de volta, apressando o passo para não sermos alcançados pela escuridão.
Em nossas casas, enquanto isso, era um alvoroço total.
Tínhamos sumido todos, ninguém nos tinha visto sair.
Podia ter acontecido uma desgraça; procuraram-nos até no hospital.
Mas ai aconteceu uma coisa estranha: em um quarto de hora, menos talvez, estávamos chegando, logo antes da escuridão, sem saber como.
Já estávamos em segurança.
A família tranquilizou-se, vendo que estávamos todos juntos, e ninguém esbravejou conosco, como era de costume. Nem nos puseram de castigo.
Na porta de casa, o menino se despediu de cada um, e nos desejou boa sorte, com muito carinho. Às meninas deu, nas faces rosadas, um beijinho de adeus.
De repente, enquanto ele se afastava, lembrei que não tínhamos nem perguntado o nome dele; crianças não se apresentam formalmente, nem trocam cartões de visita, como os adultos. Os nomes vêm depois, quando se consolida a amizade.
Enquanto ele se afastava rápido; gritei, afobado:
“Eh, menino, como você se chama?”
“ Jesus!” respondeu.
E sumiu na escuridão.