INTRODUÇÃO

O patrimônio cultural de um território não se mede apenas pelo número de praças, prédios históricos ou monumentos que ela possui. À frente de tudo isso, existem pessoas: homens, mulheres e crianças que levam consigo o patrimônio vivo, uma soma de valores, que foi construída ao longo dos anos como herança involuntária dos antepassados. E estudar os antepassados é essencial, pois "o conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades humanas é de fundamental importância para a humanidade inteira, permitindo-lhes identificar suas raízes culturais e sociais." (Artigo 1º da Carta Internacional da Arqueologia, publicada pelo Icomos, em 1990).

A diversidade é o mais valioso patrimônio humano. Temos, hoje, orgulho do povo brasileiro e de sua cultura que admite diferenças e ignora fronteiras entre o popular e o erudito, mas nem sempre foi assim. Os pensadores do início do século passado consideravam inviável o país face à constituição de sua população, mestiça de indígenas, africanos e europeus.

A imigração seletiva de povos "claros" para "melhorar" nossa raça chegou a ser uma política de Estado, durante o Segundo Império. A arte brasileira era encarada com igual pessimismo, valorizando-se apenas as realizações européias ou réplicas delas feitas pelos nativos.

No final da década de 1920, com os primeiros indícios de que logo se iniciaria o processo de industrialização no país, surgiu o sentimento de necessidade de o Estado preservar, a priori, o patrimônio material brasileiro, a fim de que fossem mantidos como testemunho para o futuro uma vez que, inevitavelmente, o progresso faria desaparecer traços da história.

1. Os Primórdios da Proteção Patrimonial

Em uma época em que a categoria patrimônio imaterial não era sequer cogitada a receber fomento do Estado, o projeto de autoria de Mario de Andrade para a criação do então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), elaborado a pedido de Gustavo Capanema, então ministro de Educação e Saúde Pública, já trazia um entendimento mais abrangente de patrimônio, considerando aspectos da cultura erudita e popular e da arte ameríndia.

A concepção moderna de patrimônio associado ao processo de construção de nações foi introduzida no Brasil pelo Decreto-Lei nº 25/1937, um ano depois de a Presidência da República autorizar o funcionamento, em caráter experimental, do SPHAN.

Em 1976 o SPHAN passa a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

"A entrada em vigor do Decreto nº 3551, de 4 de agosto de 2000, com a instituição do registro patrimonial e a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) possibilitou que algumas iniciativas que já vinham sendo ensaiadas institucionalmente nessa direção ganhassem maior amplitude." (IPHAN, 2010, p.41)

O PNPI é um programa de fomento que permite viabilizar, através de parcerias com instituições públicas e provadas, atividades voltadas para a preservação, valorização e promoção do patrimônio cultural brasileiro, através de políticas e ações que promovam o fortalecimento dos grupos sociais. (IPHAN, 2010, p.94)

O registro constitui a figura jurídica de reconhecimento de um bem cultural de natureza imaterial como patrimônio nacional, quando registrados passam a ser inscritos em um dos quatros livros: Livro dos Saberes (para o registro de conhecimento e modos de fazer), Livro das Celebrações (para as festas, rituais e folguedos), Livro das Formas de Expressão (para as inscrições de manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas) e o Livro dos Lugares (destinado à inscrição de espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas). (MINC/IPHAN, 2003)

A entrada do patrimônio imaterial como objeto de estudo, reconhecimento e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) se deu tardia, visto que esse patrimônio já fazia parte da sociedade muito antes de prédios, praças, entre outros.

O que se vê é mais uma vez a valorização européia com o reconhecimento dos prédios históricos de estilos europeus. Em Belém, os primeiros patrimônios reconhecidos foram de natureza material, no primeiro momento com traços coloniais portugueses e num segundo momento, o patrimônio de inspiração francesa.

O Teatro da Paz é bom. A basílica de Nazaré é admirável no seu luxo, embora não seja nada brasileira. Em todo caso, antes ela, que a Catedral gótica pavorosa que estão construindo em São Paulo. E há um lugar sublime, que é preciso preservar de qualquer modificação: o Largo da Sé. Só mesmo a praça de São Francisco em São João Del Rei é tão bela como o largo da Sé, daqui. Nem na Bahia se encontra um conjunto tão harmonioso, tão equilibrado e sereno. É uma preciosidade. (ANDRADE, 1958, p.145-146)


2. "O Urucum é nosso noivo, se ele não aparecer, não tem casamento": práticas indissociáveis dos cotidianos indígenas.

Os povos indígenas não podem ser considerados como uma massa amorfa e as inúmeras teorias existentes não podem ser aplicadas a esses povos como verdade absoluta, sem levar em consideração as particularidades de cada aldeia, de cada comunidade indígena.

Dizimada por cinco séculos de políticas de extinção e/ou assimilação, a população indígena no Brasil atualmente não passa de aproximadamente 500.000 (quinhentos mil), o que representa menos de 1% do total nacional. Essa população se divide em 218 povos, falantes de 180 línguas e dialetos próprios.

"Se não pela sua importância histórica, o interesse que esses povos representam para a nação está no espaço físico que lhes ? cabe legalmente ? em torno de 11% do território nacional." (GRUPIONI, 2006, p.9)
Cada aldeia é um mundo diferente que nos permite observar a organização social, o modo como a língua se mantém preservada e/ou a revitalização de costumes (fala, escrita, música, cosmologia, história, contos, arte, festas, relação com a natureza, rituais, medicina tradicional).

3. Os povos Indígenas

3.1. Krahô (Mehin)
-Tocantins e Maranhão

Os Krahô se autodenominam Mehin, que significa "gente de verdade", e em algumas aldeias se chamam por Mãkraré, "Filhos da Ema". Fazem parte do conjunto de oito povos Timbira, que compartilham a língua, o corte de cabelo, mitos, rituais e as aldeias em forma circular.

No dia-a-dia conversam na língua materna, o Timbira, pertencente ao tronco Macro-Jê. Usam o português como segunda língua, quando conversam com os "Kupen", os "brancos".

A população atual é de aproximadamente 2.200 pessoas.

Os Krahôs vivem distribuídos entre mais de dez aldeias na Terra indígena Krahôlândia, homologada em 1990. A região habitada pelos Krahô é considerada a maior área preservada de cerrado do Brasil.

Um dos principais problemas enfrentados é o alastramento da produção de soja na região, pois as plantações chegam até as margens dos rios, alterando a qualidade da água.

As principais atividades de sustento são a coleta de frutos do cerrado como bacaba, buriti e pequi, e também a agricultura de arroz, milho, fava, mandioca e batata.

O paparuto, iguaria típica dos Krahô é uma espécie de bolo em que o aipim é embrulhado por folhas de bananeiras e cozido junto a pedaços de carne.

"Cada ser do mundo tem uma cantiga própria, que cantamos durante as festas, quando queremos ouvir algo bonito ou para fazer os bebês dormirem" (Edivaldo Wakê Krahô, Aldeia Cachoeira ? TO)

A festa da esteira tradicional é chamada Cahyhit. São escolhidas duas meninas para a festa e depois os homens vão bem longe para caçar. O restante da aldeia vai pegar mandioca na roça preparar dois meninos para aprender as músicas e as danças. Todos na comunidade participam e se pintam com urucum e jenipapo. Cada família vai colher as talas do buriti para fazer as esteiras.

3.2. Krikati
-Maranhão

"Para nós, Krikati, riachos e rios são de grande importância: a vida nasce através das águas" (indígena Krikati)

Sua língua é Timbira, do tronco lingüístico Macro-jê.
A terra indígena Krikati possui campos e florestas que passam por um processo reflorestamento. Embora a comunidade tenha muitos recursos disponíveis, há alguns madeireiros e posseiros que pouco tempo atrás ocuparam a área.

Os Krikati cultivam arroz, feijão, banana, inhame, amendoim, mandioca, milho e a região também oferece bacaba, açaí, buriti, entre outros.
Em todas as famílias há um artesão. O artesanato é responsável por parte significativa de recursos para a sobrevivência da comunidade.

"Várias das inscrições revelam a situação de pobreza de algumas comunidades e a angústia com a interferência da cultura não-índia. Mesmo assim percebe-se que os povos indígenas buscam se ajustar na convivência entre modernidade e tradição." (Juca Ferreira, Ministro da Cultura, 2008)

A quantidade de mulheres artesãs é muito grande e, além dessa atividade, trabalham em casa e ajudam o homem na roça. Hoje uma mulher ensina a outra, sempre preocupadas em envolver os mais novos, pois para elas, só assim o trabalho manual não será esquecido.

3.3. Timbira Krepunkatejê
-Maranhão

"A gente tem uma fraqueza grande, que é a perda da língua, e esse é um problema que queremos resolver". (indígena Timbira Krepunkatejê)

Krepum é o nome de um lago onde as emas põem ovos. Os Krepunkatejê compartilham com os demais povos Timbira a língua materna, o corte do cabelo, a cosmologia, os rituais e a organização social.

Nas últimas décadas, o convívio com outros povos provocou a perda da língua timbira. Hoje falam o português e estão empenhados em revitalizar a língua materna.

"Hoje ainda existem de seis a oito indígenas que têm as mesmas características de nossos avós e conhecem nossa língua materna. Não falar a nossa língua não é bom em termos de convivência entre a comunidade, e depois pela discriminação das pessoas que vêm nos visitar.
Após diversas reuniões, resolvemos realizar um encontro para fortalecer os laços entre as pessoas da comunidade. Fizemos corridas de toras, algumas apresentações culturais e decidimos que temos que fortalecer a nossa língua.

"Queremos ampliar a infra-estrutura da escola, contratar professores e capacitar uma pessoa para fazer o registro audiovisual dos conhecimentos lingüísticos dos mais velhos" (Ferailson Lindo, responsável pela aldeia Timbira Krepunkatejê, em entrevista via e-mail)

3.4. Guajajara
-Maranhão

O nome Guajajara significa "donos do cocar". Há outra denominação mais ampla, que inclui os Tembé, porém menos usada atualmente: Tenetehára, cujo significado é "ser humano verdadeiro".

No cotidiano da aldeia, a maioria dos Guajajara fala tupi-guarani e português. E a um esforço geral para manter a língua indígena, especialmente por meios das escolas diferenciadas, bilíngues que foram implantadas na aldeia.

O povo Guajajara está organizado em 49 aldeias e apesar da terra homologada, nos últimos dez anos ocorreu invasão de madeireiros e redução de recursos naturais, praticamente dizimando a pesca e a caça.

"A realização da Festa do Mel está ameaçada pela dificuldade de encontrar colméias, por causa das invasões e das queimadas." (Erisvan Guajajara)

Preocupados coma tradição, os cantores da tribo voltaram a realizar a Festa do Mel, que não acontecia há 20 anos. A festa tem um período preparatório de três meses, com a busca e identificação das colméias, coleta e armazenamento de no mínimo 25 litros de mel. Durante esse período há danças e rituais. Após a preparação, o mel é distribuído entre os participantes e convidados em cuias, nas mãos e direto na própria boca, dependendo da intimidade que o indígena tenha com o convidado.

A quantidade de mel é quem determina o encerramento da festa. Em 2010 a festa durou pouco mais de três dias, e contou com, aproximadamente, 30 litros de mel.

"A Festa do Mel é importante para o povo Guajajara para que não sejamos punidos por Maiaras, os deuses que nos acompanham e protegem."
Observa-se nesta afirmação o motivo da retomada da festa, devido ao alto índice de degradação da área indígena e dos recursos naturais.

3.5. Wajãpi
-Amapá e Pará

"Percebemos que nossos conhecimentos são muito valiosos. Estamos usando e fortalecendo nosso conhecimento para que ele não se acabe". (indígena Wajãpi)

Wajãpi é o nome da língua compartilhada por subgrupos que habitam os estados do Pará e Amapá, no Brasil e a Guiana Francesa. Esse termo foi adotado por esses grupos como autodenominação.

"Em 2002, a Arte Kusiwa, expressão oral e arte gráfica própria da população indígena Wajãpi, do Amapá, foi registrada como Patrimônio Imaterial e inscrita no livre de Registro das Formas de Expressão" (IPHAN, 2010, p.37)

Esta, todavia, é a única etnia indígena brasileira reconhecida e certificada com o título de Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade.

"Nós não vamos perder a nossa língua. Toda a comunidade fala na nossa língua. Alguns jovens falam e escrevem português. Na escola tem ensino bilingue. Primeiro as crianças aprendem a escrever na língua materna, depois continuam nas duas línguas. Temos os grupos locais, wanã kõ, que falam com sotaque e têm conhecimentos diferentes". (indígena Wajãpi em conversa informal durante os Jogos Indígenas de 2009)

3.5.1. Formação de pesquisadores Wajãpi

Um projeto que está em andamento nas aldeias de Pedra Branca e Laranjal do Jarí (Amapá) é a formação de pesquisadores Wajãpi.

Segundo José Wajãpi, os indígenas enfrentam muitos problemas com preconceitos, pois os não-índios que trabalham nas aldeias acabam não entendendo e não respeitando os seus modos de vida: organização social, jeito de ocupar a terra, jeito de casar, de curar as doenças, de fazer resguardo, de se pintar, de comer, o que gera um problema maior, que é a não valorização e o não interesse dos jovens pelas práticas ancestrais.

"Um jeito que pensamos para fortalecer nossa cultura foi formar jovens para pesquisarem e registrarem nossos conhecimentos".
Por isso o programa de formação é importante, pois incentiva a pesquisa e registro das atividades e conhecimentos do povo Wajãpi com recursos modernos, como o audiovisual.

3.6. Kayapó (Mebêngôkre)
-Pará

Os Kayapó autodenominam-se Menbêngôkre, que significa "os homens do buraco d?água". Receberam dos grupos vizinhos, falantes do tupi, o nome Kayapó, que significa "cabeça de macaco", referencia a um ritual em que, durante muitas semanas, os homens Kayapó dançam enfeitados com máscaras de macaco.

A língua falada por esta etnia pertence à família Jê, mas existem diferenças dialetais entre os vários grupos Kayapós e o grau de conhecimento do português deste povo varia muito de grupo para grupo, conforme antiguidade do contato e o grau de isolamento em que cada um se encontra.

Geralmente, mesmo com um bom conhecimento de português pelas aldeias, as mulheres não podem aprender tampouco falar a língua que consideram "branca". Essa tarefa é reservada aos homens quando se comunicam com os "Kupen" (não-índigenas).

3.6.1. IDJAJKÔRE: Canto de festa Kwyrkango

O canto tradicional Idjajkôre era entoado antigamente na aldeia Gorotire. As pessoas das diferentes aldeias que chegaram, como os Kubenkrãnkên, Xikrin, Mekranoti, Kokraimoro, faziam a festa de kwyrkango e cantavam. Mas com o passar do tempo essa prática foi esquecida. Em 2009, na preparação do aniversário da comunidade de Kriny, o cacique Motu decidiu ensinar para o povo da aldeia de Kôkôkuêdja um canto da festa de kwyrkangô (sumo da mandioca).

Depois que ele ensinou o canto, todos começaram a chorar. "Ficamos tristes porque antigamente a cultura era mais bonita, era mais feliz, mas com isso começou uma revalorização das festas antigas dos Kayapó, como panhte, bekwynh, ngreri, ngôre kadjy, metoro e wewere". (Mydjêre Kayapó)

1.7. Xipaia
-Pará

O nome Xipaia tem relação com um tipo de bambu que serve para fazer flechas.

Atualmente os aproximadamente 600 Xipaias, falam somente a língua portuguesa e a única falante fluente da língua xipaia tem mais de 60 anos.

"Estamos procurando absorver e conservar o máximo possível dos conhecimentos e costumes de nossos ancestrais, e de sua língua, que vêm sendo transmitidos pela minha mãe, Maria Xipaia, que é a ultima falante fluente da língua e tem mais de 60 anos. Queremos ter a gramática da língua escrita por lingüistas, e a partir daí a produção de materiais didáticos para formar professores Xipaia. Um objetivo nosso é a criação de um centro de preservação e documentação da língua e da cultura Xipaia". (Liliane Xipaia, durante a II Conferência de Cultura do Pará. Belém, 2009)

1.8. Baniwa (Walimanai)
-Amazonas

O Nome Baniwa é usado para todos os povos que falam línguas da família lingüística Aruak. Mas a autodenominação desta etnia estudada é Walimanai, que significa "Os outros novos que vão nascer".

Vivem ao longo Rio Negro, nas regiões norte e noroeste do Amazonas.

Devido à influência de missionários, militares e comerciantes brancos, os Baniwa foram se mudando de suas antigas malocas no interior da mata para as margens do Rio Içana (afluente do Rio Negro). Dividem o meio-ambiente em hamariene (campina), édzaua (terra firme), e arapê (igapó).

Os Baniwa são excelentes artesãos, fabricando raladores de mandiocas feitos de madeira e pontas de quartzo, que são distribuídos em toda a região. São também grandes produtores de cestaria, tecendo as peças nos mais diferentes tamanhos, tipos de desenho e coloração.
A cosmologia é importante para os Baniwa.
Para esta etnia o universo é composto por múltiplas camadas, associadas a várias divindades, espíritos "e outras gentes". O cosmos é basicamente composto por quatro níveis: Wapinakwa ("o lugar dos nossos ossos"), Hekwapi ("este mundo"), Apakwa Hekwapi ("outro mundo") e Apakwa Eenu ("o outro céu").

Os pajés (curandeiros das aldeias) são considerados os guardiões do Cosmos, e os rezadores benzem o mundo nos rituais de iniciação, fazendo-o seguro para as novas gerações.


1.9. Tikuna (Maguta)
-Amazonas

Os Tikuna se autodenominam Maguta, que na língua quer dizer "povo pescado". Este nome surgiu a partir da história de sua origem, que conta que o deus Yo?i pescou os Tikunas de dentro de um igarapé para viver em sua morada, em uma montanha chamada Taiwegine, lugar que se tornou sagrado para este povo.

A população desta etnia é de aproximadamente 35.000 (trinta e cinco mil) pessoas, por isso é considerado o povo mais numeroso da Amazônia.
Vivem ao longo da faixa central do estado do Amazonas, desde Manaus até a fronteira com os países: Peru e Colômbia.

1.9.1. O Clã e a Festa da Moça Nova

O clã, ou nação, para a etnia Tikuna é o instrumento prioritário para que o povo possa reconhecer quem são seus parentes de sangue. "Por meio deste conhecimento preservamos o respeito entre os clãs, e por isso os mais velhos devem passar esta tradição aos mais novos" (We?e?ena Tikuna)

Existem dois grandes clãs: o de pena e o de couro, que se subdividem em nome de animais, ou seja, nomes de pássaros (como o uirapuru) para as nações de pena e animais silvestres (como a onça) para os de couro. Cada nação é reconhecida pela pintura corporal. É proibido o casamento entre pessoas do mesmo clã.

Em comum a todos os clãs é a Festa da Moça Nova, que acontece após a primeira menstruação da menina. É um ritual que começa com o corpo da moça sendo pintado de preto, em seguida as mulheres do mesmo clã arrancam os cabelos da cabeça com a mão até que não sobre mais um fio o que "representa uma passagem de vida, onde a moça agora é nova e os cabelos arrancados são jogados no rio para que levem para bem longe, iniciando agora uma nova vida para a moça" (We?e?ena Tikuna).
Após a arrancada dos cabelos a menina fica na Okena (construção rústica de palha), por aproximadamente três meses e à moça são ensinados os valores das mulheres Tikuna, como o cuidado na casa, na plantação, o artesanato e a pintura corporal.


1.9.2. A Moça Nova de Manaus

Pela Associação Comunitária Wotchimãücu, Manaus-AM.

A comunidade Tikuna Wotchimãücu está localizada no bairro Cidade de Deus, periferia de Manaus. A busca de melhores condições de trabalho e educação formal foram as principais razões que motivaram a migração Tikuna. Mas há o problema do preconceito que sofrem na escola e na vizinhança. Hoje, o Centro Cultural dos Tikuna possui um professor indígena que realiza a educação tikuna com as crianças. Em 2002 se iniciou a demonstração do ritual da Moça Nova para os mais jovens, a partir do conhecimento das mulheres mais velhas e com a ajuda dos parentes do Alto Solimões. Organizamos a proposta de realizar o ritual não apenas para promover a valorização da culinária, das técnicas de pintura corporal e do artesanato, como também para difundir os mitos, cantos, histórias e, finalmente, para fortalecer a transmissão de conhecimento na língua materna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em todo material coletado houve um respeito para que a oralidade fosse mais importante que qualquer regra do português escrito, o tipo e a quantidade de informações variaram de acordo com o tempo de observação na aldeia e a disponibilidade dos indígenas.

Impressiona o desinteresse ou vergonha que os jovens têm das tradições, mas apresentações de danças e cantos para os não-indígenas e outros povos, confecção e venda de artesanato estão entre as principais estratégias para reverter a vergonha em orgulho e geração de renda, fazendo com que esses jovens não precisem procurar trabalho fora das comunidades, nem queiram esconder sua identidade indígena.

Espero que este trabalho seja visto como uma fotografia que recorta uma parte das pessoas e paisagens, fixando o que é movimento e simplificando o que é complexo para que possa servir como porta de entrada para conhecimentos e sensações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Prêmios Culturas Indígenas. - São Paulo: SESC, 2008.

GRUPIONI, L. A trajetória do governo federal, Povos indígenas no Brasil 2001 - 2005. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.

O Registro do patrimônio Imaterial: dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. 2ed. Brasília: MINC/IPHAN, Jul. 2003).

PEDRA E ALMA: 30 anos do IPHAN no Pará / Aldrin Moura de Figueiredo, Rosangela Marques de Britto e Maria Dorotéa de Lima ? organizadores ? Belém: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ? PHAN (PA), 2010.

ANDRADE, Mário. Carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, 1927. In: Cartas de Mario de Andrade a Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Simões, 1958, p.145-6.

IPHAN. Expressão gráfica e oralidade entre os Wajãpi do Amapá. Rio de Janeiro: Iphan, 2006.