Freqüentemente, os iniciantes no estudo da Parapsicologia se questionam a respeito da posição dessa novíssima ciência no universo do conhecimento humano.

Durante muito tempo, marginalizada do contexto da ciência oficial, a Parapsicologia escalou uma verdadeira montanha de obstáculos até ser definitivamente reconhecida na condição de ciência. Mas apesar desse reconhecimento, ainda hoje persistem idéias errôneas a respeito do objeto e do método de estudo no que concerne à fenomenologia paranormal. Neste texto, abordaremos alguns dos motivos destas idéias errôneas, demonstrando que a posição da Parapsicologia, dentro do conhecimento humano, é clara e não deve ser pervertida por grupos que tentam manipulá-la.

NO INÍCIO

Devemos recordar que até o evento de Rhine (anos 20, deste século) toda e qualquer tentativa de sistematizar o experimento paranormal foi inútil: inútil, às vezes, por não levar em consideração o aspecto quantitativo; inútil, às vezes, pelos cálculos não serem dignos de credibilidade. Esta situação afastava freqüentemente pesquisadores sérios do fenômeno considerado sobrenatural, antifísico, extranormal, enfim, todo o fenômeno que fugia aos padrões lógicos conhecidos.

Em tempos mais remotos, toda a abordagem paranormal era feita por ocultistas ou religiosos. Como nos lembra Alfred Still ("Nas Fronteiras da Ciência e da Parapsicologia", ed. Ibrasa), os primeiros acreditavam que podiam manipular forças extrafísicas e direcioná-las para seu próprio aproveitamento: enquanto os segundos, apesar de acreditarem também nestas forças superiores, sempre acreditaram que qualquer interferência dos deuses era uma mera concessão, a qual deveriam solicitar através de oferendas e orações. Destas duas óticas distintas é que se abordava o acontecimento "milagroso", "impossível" ou paranormal. Estabeleceu-se, então, que a religião e o ocultismo eram os ÚNICOS MEIOS DE RELAÇÃO ENTRE HOMEM E FENÔMENOS PARANORMAIS. Tanto assim que mesmo alguns dos homens que possuíam mentalidade analítica e espírito de experimentação não se livraram da aura de "magos", "ocultistas" ou "bruxos" somente por adentrar no terreno de ocorrências pouco comuns (Pitágoras, Paracelso, Rasputin, etc.).

Os cientistas, portanto, decidiram esquecer por um bom tempo as coisas sobrenaturais. Até que a própria ciência, trilhando seu próprio desenvolvimento, abriu uma fantástica porta de possibilidades até então pouco imaginadas: a física intra-atômica. As minúsculas partículas sub-atômicas, com seu comportamento pouco ortodoxo, mostraram que o velho determinismo não era assim tão "onipotente" e o gracioso probabilismo começou a ser encarado mais seriamente. Com esta "abertura científica", muitos cientistas começaram a desconfiar que a fenomenologia paranormal poderia não ser enfim, apenas "alucinações" ou grandes mentiras,  e que merecia trabalhos de pesquisa mais sérios. Então, homens de reputação ilibada (Richet, Crookes, etc.) colocaram seus conhecimentos e experiências na busca de "engaiolar" o fenômeno num laboratório e trazer a Parapsicologia para a ciência oficial. Esbarraram no preconceito de muitos: seus próprios colegas da comunidade científica contestavam seus métodos e, o que era pior, muitas vezes até a honestidade. Criticavam a forma da pesquisa, visto ser a mesma tão somente qualitativa; criticavam, também, a capacidade mental ou moral daquele que se aventurava neste mundo desconhecido.

Por anos persistiu o problema: como trazer para o laboratório um fenômeno geralmente espontâneo? Como repetir várias vezes uma mesma transmissão telepática? Além disso, como conjugar exigências científicas com preconceitos e suscetibilidades dos sensitivos, aqueles que manifestam o fenômeno?

As respostas surgiram do laboratório de Parapsicologia da Universidade de Duke (EUA), onde Joseph Banks Rhine desenvolveu, com uma equipe brilhante, o método estatístico de experimentação. Os famosos cartões Zenner provaram matematicamente a ocorrência de um desvio positivo (ou negativo) de acertos que não poderia ser atribuído ao acaso e nem tampouco a outros fatores (fraude, embaralhamento defeituoso, marca microscópica nos cartões, etc.) também controlados. Cumpridas as exigências dos mais ortodoxos , ou seja, de figurar em pesquisas desta natureza um método inquestionável de experimentação, ergueu-se a Parapsicologia de postulante à ciência definitiva.

Apesar de hoje arvorada na condição de ciência, algumas dificuldades persistem. Estas dificuldades têm origem na ambiguidade de sentimentos que a Parapsicologia pode gerar em grupos de religiosos, ocultistas, intelectuais em geral.

A primeira dificuldade reside nos fatos que integram a essência do estudo parapsicológico. Enfim, o que procura o parapsicólogo? Procura as telepatias, as clarividências, as precognições, os poltergeists ("casas mal assombradas"), etc. E todos estes fenômenos nunca deixaram de ser abordados pelos religiosos ou ocultistas. Daí criou-se o que, aparentemente, seria um "conflito de jurisdição": uma cura paranormal deveria ser atribuída a divindades superiores ao ser humano e explorada apenas pelo conhecimento da fé ou também a ciência, através da recém- incorporada Parapsicologia, deve pesquisar o fato e, se possível, integrá-lo ao grupo de fenômenos conhecidos? Muitos religiosos e ocultistas, receando perder o domínio de seus bem conhecidos "mundos", passaram também a exercer a atividade de "parapsicólogos". Aqui no Brasil é interessante notar a existência de dois grupos distintos empenhados neste tipo de situação curiosa: padres católicos que se afirmam "parapsicólogos", que exploram a Parapsicologia para "provar" que os fenômenos paranormais têm origem no inconsciente e, portanto, não existem os "espíritos" pregados pelos espíritas. Já estes, que também possuem seus próprios "parapsicólogos", manipulam , à vontade, informações e as apresentam como uma "prova científica" da existência dos fenômenos espíritas. Isto contribui para que o povo em geral e até as camadas mais intelectualizadas acabem por atribuir à Parapsicologia uma falsa identidade, ou seja, a de uma ciência lacaia dos interesses "católicos" ou "espíritas" de acordo com o "parapsicólogo" que ouvem falar ou lêem.

Outros grupos, dos "parapsicólogos ocultistas", vêem na Parapsicologia um excelente meio de transmissão de suas idéias. Estes ensinam "técnicas parapsicológicas"incríveis, e centenas de cursos de exploração do potencial psíquico são divulgados todo ano como sendo de "Parapsicologia". Outro erro que precisamos desmitificar: chamem de ocultismo, de técnicas de desenvolvimento psíquico, de poder mental, etc. mas jamais de Parapsicologia que apóia suas bases em premissas bem diferentes.

A Parapsicologia é uma ciência que segue métodos próprios e se baseia no conhecimento racional. Portanto, independe do conhecimento que estrutura as religiões, que é a fé. Não fosse somente isso, a Parapsicologia é uma ciência humana e, portanto, tem no homem o centro de seus estudos. Aqui se estabelece uma relação suficiente para alforriar a Parapsicologia de quaisquer vínculos religiosos ou ocultistas que se lhe queiram atribuir. Tanto a religião como o ocultista acreditam em forças sobrenaturais existentes independentemente do homem. Na maior parte dos sistemas religiosos e ocultistas, o homem ocorre como mero acidente em todo o processo cosmológico. Já na Parapsicologia, o homem é o centro e a razão de todo o fenômeno. Como o fenômeno paranormal ocorre sempre com um homem, ou na presença dele, a Parapsicologia foi organizada para buscar a relação entre um e outro.

O objeto de estudo da Parapsicologia é a capacidade psíquica ou o aparelho físico que propicia, no homem, a manifestação do fenômeno paranormal. Acreditam os soviéticos que a manifestação de ocorrências parapsicológicas está ligada a algum órgão ainda não explorado pela ciência; já os americanos crêem que esta propriedade origina-se do potencial psíquico ainda não explorado. Um outro, no futuro, possivelmente será confirmado.

A todo parapsicólogo cabe respeitar (e até exercer seu legítimo direito de cultuar a fé) todo e qualquer sistema religioso ou ocultista. Nada pode contestar aquilo que a fé traz como contribuição ao ser humano. Só não se deve misturar áreas tão diferentes como a religião ou o ocultismo e a ciência. 

Outros problemas também contribuem para a quase descaracterização da Parapsicologia como ciência. Alguns intelectuais insistem em não dar à Parapsicologia vida própria , afirmando ser a mesma de caráter interdisciplinar. Alegam que não existe o parapsicólogo e sim o engenheiro, o médico, o psicólogo, etc. que trabalham em Parapsicologia. São utilizados conhecimentos bastante diversificados, pois as áreas de atuação são amplas. Para fazer uma pesquisa a respeito da porcentagem de brasileiros que já manifestaram ou participaram de alguma ocorrência paranormal, bastaria um especialista de pesquisa de mercado, e não um parapsicólogo; para documentar um caso de poltergeist bastaria um bom fotógrafo ou cinegrafista, e o trabalho seria feito. No entanto, a figura do parapsicólogo é importante no sentido de analisar pela História, pela Física, pela Biologia, etc. todas estas informações, e sobre elas refletir e extrair qual seria o ponto máximo que a Parapsicologia ainda almeja: uma teoria. Uma teoria que possa explicar , prever e ensinar como trabalhar com o fenômeno paranormal. Que a formação do parapsicólogo deve ser ampla, isto é indiscutível. Mas roubar o caráter independente, e a própria identidade da ciência é bem diferente.

A Parapsicologia deve caminhar independentemente da Medicina, da Psicologia e de qualquer outro ramo científico. Naturalmente que interagindo-se e trocando informações preciosas em todos os terrenos, mas caminhando livre, rumo ao conhecimento paranormal. 

REFERÊNCIAS:

AMADOU, Robert. Parapsicologia.São Paulo:Ed. Mestre Jou, 1966.

RHINE, Joseph Banks. Parapsicologia Atual. São Paulo: Cultrix, 1986.

RHINE, Louisa E. Canais Ocultos do Espírito. São Paulo: BestSeller, 1966.

STILL, Alfred. Nas Fronteiras da Ciência e da Parapsicologia. 2a.ed. São Paulo: IBRASA, 1968.

SUDRE, René. Tratado de Parapsicologia.2a. ed.Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.