Paradoxos da Modernidade

Marcelo O. Almeida1[1]

BAUMAN, Zygmunt . Modernidade e Holocausto;Tradução, Marcus Penchel.Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed.,1998. 253p.



[1] Pós Graduando do Curso de História Contemporânea da UFF – 2008/09

Sociólogo polonês, Zygmunt Bauman iniciou sua careira na Universidade de Varsóvia, ocupando a cátedra de Sociologia Geral. Afastado da Universidade, devido à censura a livros e artigos, passou por Canadá, EUA e Austrália, fincando raízes na Grã-Bretanha, onde se tornou professor titular de sociologia da Universidade de Leeds, em 1971, ocupando por vinte anos, esse cargo.

Nesse livro de 253 páginas, o autor nos apresenta uma interessante discussão sobre a capacidade humana de auto-destruir-se enquanto que, concomitantemente, busca mecanismos de se reerguer, elencando padrões associados a sentimentos nacionalistas e anti-semitas onde, segundo Bauman "o holocausto nasceu e foi executado na nossa sociedade moderna e racional, em nosso alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento cultural humano, e por essa razão é um problema dessa sociedade, dessa civilização e cultura". A partir dessa afirmação, o autor já nos instiga a saborear, página por página, toda a complexidade inerente ao assunto, sem perder, o leitor, interesse na conclusão do trabalho. Na busca do entendimento sobre como e porque o ódio aos judeus na Alemanha hitlerista se apresentava como uma forma correta, justificada para se construir um Estado justo, que atendesse às expectativas da sociedade moderna na Alemanha, entre os anos de 1938 a 1944, tão descrentes do modelo Liberal Keynesiano, o professor Bauman mergulha no paradoxo da consciência humana. É, portanto, correto, afirmar que as concepções teóricas utilizadas em Modernidade e Holocausto, embora façam referência a um fato específico -o holocausto -, podem (e devem) ser aplicadas aos conflitos do mundo de hoje no que consistir a (busca da) compreensão da (ir)racionalidade humana.

A questão central para o autor, reside nas possibilidades variadas de se apresentar o holocausto. Seja como um fato isolado, separado, específico, direcionado aos judeus dentro de um contexto histórico que ultrapassa as questões puramente arianas de Adolf Hitler, mas que residiam no imaginário europeu desde a idade média até fins do séc. XIX, profundamente enraizados no velho mundo - tendo corroborado, e muito, o sentimento isolacionista judeu, que manteve as tradições endogamicas com o objetivo claro da não-assimilação – sendo, por esse motivo, algo a ser tratado como um estudo de caso; seja uma anomalia social do mundo moderno; comportamento patológico que, apesar de constituir uma das muitas faces da violência, torna-se algo a ser tolerado como manifestação explicita do comportamento humano. Debruçado nessa questão, Zygmunt Bauman esforça-se para associar a chacina praticada pelo Estado alemão a um suposto fracasso do sistema industrial capitalista e moderno daquele país, entrelaçando modernidade, racismo e anti-semitismo, esquadrinhados em justificativas pautadas no pressuposto da ação patriótica dos carrascos nazistas ou no desinteresse do povo alemão com a questão judaica através daquilo que ele chama de ação por omissão.

Primeiramente, Bauman apresenta a tese de que o anti-semitismo alemão era muito inferior ao de outros países europeus, embora a convivência entre judeus e católicos mantivessem caráter separatista na estrutura social da Alemanha do séc. XIX, haja vista que os hábitos de uns eram claramente reconhecidos pelos outros, ou seja, reconheciam-se facilmente porque 'toda consciência de comunidade implica a consciência de um "lado de dentro" e um "lado de fora", de um "nós" e de um "eles".'[1] Não obstante, aquela sociedade alemã os enxergava como "estranhos e perigosos"[2].

Entretanto, não fica claro durante a leitura, se o autor utilizou, como fonte de consulta, os Protocolos dos Sábios de Sião, publicação anti-semita amplamente divulgada na Europa nos fins do séc. XIX e início do XX.

A passagem do mundo pré-moderno para o moderno não livrou os judeus das acusações da sociedade européia. Ao contrário, acirrou as animosidades, uma vez que o judeu envolvido no moderno sistema industrial capitalista representava a personificação da dominação do capital sobre a tradição. Capital que preconiza o individualismo e o universalismo, tão contrários aos nacionalismos que emergiam na Europa dos XIX. Nesse ponto, Bauman recorre à professora Hannah Arendt para afirmar que o judeu era "elemento não nacional num mundo de nações já existentes ou em surgimento."[3]

Respaldado pela burocracia estatal, o nazismo pode (re)produzir sua mentalidade racista, entendendo-se o racismo como produto direto da modernidade. Nesse momento o autor expõe, de forma sintetizada, as categorias a que o racismo estaria inserido na seguinte ordem:

1 - Racismo primário: é natural a todos os que se apresentem como estranhos, estrangeiros, desconhecidos;

2 – Racismo secundário ou racionalizado: baseado numa teoria racional que o justifique,

3 -Racismo Terciário ou mistificador: utiliza-se dos conceitos anteriores complementados pela argumentação biológica.

Devidamente explicado, o racismo de Estado pode ser aplicado como forma de planejamento social; uma espécie de controle populacional distinguindo-se, na sociedade, os úteis e os inúteis. Afinal, a identidade nacional se constrói a partir das influências das outras identidades culturais e coletivas já conhecidas. Nenhuma civilização incorpora elementos estrangeiros sem que haja, de forma gradativa, uma transformação conveniente à sua própria especificidade. E, na medida em que os conceitos de identidade vão se moldando à realidade de um determinado grupo social, o senso comum entre os componentes desse grupo, passa a ser reconhecido e, ao mesmo tempo, reconhecer no outro, valores e conceitos semelhantes aos seus, constituindo uma similaridade cultural capaz de aproximar pessoas em torno de um sentimentalismo que denota alguma rejeição a tudo que se contrapor a esse sentimento. Hitler, quando se referia aos judeus falava do "vírus judaico", uma doença a ser exterminada. Era óbvia a escolha entre úteis e inúteis. Por fim, Bauman, relaciona a racionalidade e a vergonha como atos que não podem ser lidos como imorais ou desumanos, mas, sim, como comportamentos típicos do desespero pela sobrevivência e pela defesa da dignidade do outro. Denota a participação consciente e racional do oprimido no processo da tortura, numa relação direta com seu algoz escolhendo-se, a revelia, qualquer um que lhe negasse a morte.

Destarte, pode-se dizer que, em uma linguagem simples, porém esclarecedora, a obra atinge plenamente os seus objetivos acadêmicos uma vez que, não paira nenhuma dúvida de que as respostas necessárias à resolução da hipótese central satisfazem plenamente as expectativas iniciais do livro e, porque não dizer, também do leitor.



[1] Villar, Pierre. Sobre Nações e nacionalismo. Cadernos de opinião. Rio de Janeiro, Paz & Terra, nº 13, 1979, p.100.

[2] Norman Cohn, Warrant for Genocide, p.267-8.

[3] Hanna Arendt, Origins ofTtotalitarianism, p.14 -