A falta de rumo do futebol brasileiro só não é pior do que o desastre que tem sido a condução do país nos últimos anos. Mas é possível afirmar que vistas as coisas em sua justa proporção, a crise do nosso futebol é muito mais medonha. E os sinais têm vindo à luz não é de hoje. A surra impiedosa do Barcelona sobre um dos nossos melhores times da época (o Santos de Neymar e Ganso) foi um dos sinais, acionado lá do outro lado do mundo. E a coisa só desandou desde então. Uma Seleção Brasileira de campanhas patéticas, tanto na Copa América de 2011 como nos inúmeros amistosos, nos quais ficou mais de 3 anos sem vencer uma grande equipe do cenário mundial. Os melhores times do mundo, ou seja, da Europa, passaram a desprezar os jogadores canarinhos. E olha que eles –os europeus - passaram a recorrer a japoneses, coreanos, mexicanos, equatorianos, costa riquenhos, macedônios, bósnios e até chechenos e cipriotas! E o futebol de 5 estrelas de campeão do mundo simplesmente jogado às traças. O cenário não melhorou nem um pouco desde então. Só piorou. A ilusão da conquista da Copa das Confederações sobre uma cansada seleção espanhola foi menos de um ano depois dramaticamente soterrada com os 7x1 da Alemanha, em pleno Mineirão. A maior goleada sofrida pelo Brasil em toda a sua história. A maior derrota de uma seleção campeã de mundo em toda a história da Fifa. Chega? Não. Pior que não. As mazelas se sucedem. E nem é preciso se ater a questão econômica dos clubes e da parte estrutural – para quê apelar ao bizarro? Basta ter em mente alguns aspectos mais recentes: desde 2007 nenhum jogador brasileiro fica entre os tres finalistas da premiação de melhor jogador do mundo; todos os grandes jogadores que se destacam no campeonato brasileiro – portanto, estamos nos referindo aos melhores - nem de longe despertam interesse de um grande clube da Europa. Neste último, por exemplo, Ricardo Goulart, grande revelação do bicampeonato do Cruzeiro acabou indo parar na China. E assim foi com outros astros que brilharam em nossos gramados como Montillo, Conca e Tardelli; nenhum técnico brasileiro é cogitado para dirigir um clube europeu. Nenhuma Seleção que tenha participado da Copa do Mundo no Brasil, e que tenha se desfeito do seu treinador, nem no auge do desespero ousou formular essa hipótese. O que mostra a grande defasagem tática de nossos times e selecionado. E penso que este último ponto parece ser o mais viável a ser contornado a curto ou médio prazo. Reitero que os outros aspectos mais estruturais são muito mais complicados e alguns deles extrapolam em muito a seara do futebol, como a questão da gestão dos clubes, o equilíbrio financeiro ou uma política nacional de esportes. Mas a questão da formação dos jogadores e do papel dos técnicos é bem mais simples. Basta não apenas um mínimo de vontade política dos dirigentes mas também uma certa dose de conhecimento de nossa história: o futebol brasileiro não tem que criar sistemas e estratégias inovadoras e revolucionárias. Isso o Brasil nunca fez e nem por isso ele deixou de ganhar cinco títulos mundiais, alguns com sobras e com direito a coisas como “nó tático” (vide as atuações do Brasil contra a Suécia na final de 58 e o baile na Itália em 70). O livro de Detlev Claussen sobre a história do lendário treinador húngaro Béla Guttmann (editora Estação Liberdade, 2014) é bastante elucidativo. Num certo ponto do texto ficamos sabendo que Béla e muitos dos seus conterrâneos inspirariam grandes revoluções no futebol brasileiro. Esquemas como WM e 4-2-4 foram aqui introduzidos como resultado dos trabalhos de Dori Kürschner no Flamengo e Béla no São Paulo, respectivamente. Claussen acaba meio que por acaso confirmando, com testemunhos de época (lá pelos anos 40 e 50), algo que nunca foi um mistério para ninguém – que o Brasil sempre teve jogadores fabulosos, mas que taticamente sempre era um desastre, incapaz de reunidos formarem um time consistente, de jogo coletivo eficiente e envolvente. Daí que o Brasil, por exemplo, tenha sido sucessivamente surrado por um povo que sabia reunir talento e organização – os argentinos. Lá pelas tantas lemos esse interessamente trecho sobre o momento imediatamente anterior ao começo da época mais gloriosa do futebol brasileiro: Depois do fracasso da Copa de 1950, disputada em casa, e na de 1954, na Suíça – quando levaram uma verdadeira surra futebolística da Hungria -, multiplicaram-se pelo Brasil as críticas sobre o futebol que vinha sendo praticado pela seleção. O Brasil se mostrou aberto a know-how estrangeiro, e havia até mesmo a disposição de dar mais chances ao enorme potencial dos jogadores negros.(p. 12) E durante muitos anos o Brasil se manteria aberto aos técnicos estrangeiros, às suas inovações, aos seus experimentos. O nosso país se lançava ao aprendizado com prazer, sem nenhuma vergonha. E ele é o que mais ganhava com isso. Ser um atento aprendiz do que se fazia lá fora não impedia que ele reinasse e fosse admirado por todos. Os hungaros nos ensinaram isso. E com isso aprendemos a ser os melhores. Por que desaprendemos? Ou, por que não queremos aprender mais? O corporativismo de nossos fracos e limitados treinadores é um fator que em grande parte responde por isso. É preciso, portanto, derrotá-lo antes que ele acabe derrotando o Brasil – e de goleada.