Aprendi a gostar de cantoria nas feiras-livres de Serra Talhada. Toda segunda-feira os matutos chegavam bem cedinho e eu também. Estendiam no chão suas lonas e arrumavam então as "coisas" que traziam para vender: rapadura, alfenins, candeeiros, tripés, caçarolas... As mulheres abanavam brasas e as labaredas subiam. Respingos de gordura de tripa de torresmo caiam nas brasas e faziam à fumaceira incandescente. Os pedintes se acomodavam pelos cantos das calçadas e estendendo suas cuias tirando um gemido diferente para chamar a atenção de quem passava. Eu passeava por aquele cenário tentando encontrar uma dupla de violeiro, quando dava sorte encontrava-os em pé, de viola na mão, nos pés uma bandeja para a gente deixar a paga, nos lábios os mais ricos improvisos. Cantavam "coisas " pertinentes ao nosso modo de viver, as nossas dificuldades nessa região nordestina assinalada pelo estigma da seca, marcada no quadro dantesco do sertão adusto. Nosso sofrimento era motivo de inspiração e assim, sofrendo e cantando descobri os maiores valores da nossa gente, a poesia popular, e os cantadores expoentes da inteligência, mestres consumados nos repentes, insuperáveis nos improvisos.