A idéia que a Terra primitiva teve uma atmosfera redutura sempre foi um conceito fundamental subjacente à pesquisa e aos estudos teóricos sobre a origem de vida. Entretanto, os geólogos vêm repetidamente demonstrando a falta de evidências em prol desta suposição. O Modelo da Ecopoese (1) questiona as formulações tradicionais do problema e propõe que a presença de oxigênio livre teria sido uma condição prévia necessária para os primeiros passos da evolução biológica.

Svante Arrhenius, o grande químico sueco, pai da teoria da dissociação iônica, e também da idéia da Panspermia, foi provavelmente o primeiro a especular seriamente sobre a evolução da atmosfera da Terra. Ele tentou imaginar, baseado em seu conhecimento sobre os elementos químicos, quais teriam sido seus possíveis componentes, desenvolvendo assim o conceito de atmosferas redutoras e oxidantes. Além disto, propôs que a dissociação do vapor d'água pela luz ou pelo calor poderia permitir a geração de oxigênio e uma mudança gradual em sua composição, porque o hidrogênio produzido pela reação não seria retido pelo campo gravitacional da Terra.

O estudo dos planetas Jovianos, e a descoberta das suas atmosferas redutoras por espectrometria, conduziram à idéia de que a Terra poderia ter tido uma atmosfera semelhante originalmente. O fato de que o metano, encontrado nestas atmosferas como forma reduzida do carbono, também é um composto orgânico, levou o bioquímico russo Oparin a especular que deveria haver aí alguma ligação com a origem de vida. Esta idéia foi transposta ao seu famoso livro "A origem de Vida" e foi recebida entusiasticamente por cientistas do mundo inteiro.

Um de seus partidários mais ardentes era Harold Urey, descobridor do deutério e prêmio Nobel de química de 1934, que atraiu o então jovem estudante Stanley Miller para seu famoso experimento sobre a "origem da vida". Seu sucesso em obter vários aminoácidos foi rapidamente transposto à imprensa, e logo a seguir para todos os livros didáticos de biologia como uma prova conclusiva com relação à natureza da atmosfera primitiva da Terra.

Entretanto, nem todos os geólogos se convenceram e, logo, graças ao trabalho de W W Rubey, os biólogos tiveram que conceder que a atmosfera nunca poderia ter sido tão redutora como imaginaram Urey e Oparin.

Mesmo assim, o conceito de uma atmosfera (agora ligeiramente) redutora continuou a prevalecer, agora patrocinado por Preston Cloud, que foi o primeiro em propor a idéia de uma transição gradual da atmosfera de redutora para oxidante num determinado período da história geológica do nosso planeta. O hoje chamado "Grande Evento de Oxidação" (GOE) tornou-se o conceito dominante nos meios acadêmicos, e praticamente o único para encontrar eco entre biólogos.

Um bom número de geólogos, porém, seguindo a trilha de Rubey, jamais aceitou as conclusões de Cloud, constantemente apontando que suas evidências de condições redutoras eram dúbias. Uma a uma; as formações ferríferas bandadas (BIF), as piritas detritais, os conglomerados uraníferos, os leitos vermelhos, os paleossois, e o fracionamento independente de massa (MIF) dos isótopos do enxofre, estiveram no fulcro destas discussões. (2)

Nas duas últimas décadas o debate esteve polarizado principalmente entre dois grupos, ambos na Penn State University, na Pensilvânia. De um lado, os partidários do conceito da atmosfera redutora e cujo representante mais eminente é James Kasting. Seu trabalho enfoca a química atmosférica, e é firmemente baseado em modelos matemáticos computacionais e considerações teóricas. É influenciado claramente por seu desejo de ver a Terra primitiva envolvida por uma atmosfera do tipo idealizado por Miller, contendo metano, formaldeído, cianeto e uma névoa orgânica (originalmente proposta por Carl Sagan como um substituto da camada de ozônio). (3)

Por outro lado, o grupo oponente, de Hiroshi Ohmoto, é bem mais pé-na-terra. São petrologistas escrupulosos, mineralogistas e gente de laboratório. A evolução primitiva de vida é um assunto em que raramente tocam. Como uma nota lateral curiosa, eles são citados até mesmo pelos criacionistas, em conjunto com os clássicos artigos sobre a "origem da vida" onde se afirma que uma atmosfera redutora é um requisito absoluto para a formação de compostos orgânicos, "provando" assim que a origem "naturalista" de vida é "impossível" !!!.

Embora os investigadores que lidam com a origem de vida estejam quase sempre alheios a esta discussão, dogmaticamente agarrados ao conceito de uma atmosfera primitiva redutora, é muito provável que em breve sejam obrigados a rever seus conceitos.

Os recentes resultados do Archean Biosphere Drilling Project (Projeto de Perfuração da Biosfera Arqueana) no craton de Pilbara, Austrália Ocidental, que vem sendo conduzido pelo grupo de Ohmoto, tem demonstrado inequivocamente que o oxigênio era tão abundante 3,46 bilhões anos atrás como é hoje. (4)

Referências:

(1) Origem da Vida: Ecopoese. Site explicando os fundamentos teóricos do modelo da Ecopoese (Félix de Sousa, R. A., 2006), que defende uma atmosfera primitiva oxidante.

(2) Evolution of the atmospheric oxygen in the early Precambrian: An updated review of geological 'evidence'. Revisão do geólogo Kosei Yamaguchi (2005) reunindo e contrapondo os argumentos dos dois lados da polêmica.

(3) Reflections From a Warm Little Pond. Entrevista de James Kasting expondo suas idéias acerca da composição da atmosfera primitiva.

(4) Early Oxygen: Deep-sea rocks point to early oxygen on Earth. Comunicado à imprensa de resultados de análises recentes das perfurações em rochas arqueanas da Austrália, pelo grupo de Ohmoto.