OUVIR, REFLETIR E FALAR, UM JOGO DE PROVOCAÇÃO

Sebastião Maciel Costa*

INTRODUÇÃO

            Um dos maiores desafios do aluno do Ensino Fundamental  tem sido a apropriação de conceitos, significados e significantes dos símbolos utilizados no seu dia a dia. Se por um lado o mesmo tem excesso de informação que em uma vertiginosa velocidade vêm e no mesmo ritmo são “deletadas” para darem lugar a fatos novos; por outro, vivem na mais completa “ignorância” quanto à articulação do pensamento e concatenação das ideias.

            Assistem a um filme, um vídeo, um telejornal mas são incapazes de, por si mesmos apropriarem-se do conteúdo visto, dali tirando opiniões para futuros posicionamentos frente às atividades que a vida impõe e exige pareceres. É de se esperar que esse jovem seja capaz de falar sobre algo, porque ouviu, entendeu, interpretou, criou uma opinião sobre o mesmo a ponto de, quando solicitado, expressarem-se de forma aceitável, pelo menos.

            O professor de Produção Textual passa a ser o credor dessas posições, desse pensar, desse olhar, pela necessidade que há de “arrancar” do aluno opiniões que expressem o grau de conhecimento de mundo e capacidade reflexiva e argumentativa.  Em quaisquer disciplinas das séries finais desse nível de ensino básico se faz necessária a permanente cobrança por parte dos professores em busca de respostas e conceitos coerentes que demonstre a capacidade intelectual do aluno. Mas observa-se uma maior responsabilidade na área da produção do pensamento escrito, posto que o objetivo da disciplina perpassa pelo registro do posicionamento crítico a respeito de qualquer fato.

O ESPAÇO DO CONHECIMENTO

            Há uma tendência nos jovens da faixa etária de 13 a 15 anos que ainda lhe resta muito tempo de  estudo, e é  verdade, mas  também é verdadeiro, o fato de a base das provas de acesso a Universidades está nas séries finais do Ensino Fundamental. Infere-se, pois, que este aluno seja preparado para pensar de forma coerente, coesa e clara, valendo-se da linguagem para melhor defender espaço, ideias e pontos-de-vista. O texto opinativo é o carro-chefe da produção textual das séries finais do Ensino Fundamental prenunciando uma cobrança mais efetiva quando da produção do texto dissertativo-argumentativo.

            O jovem, como outro, tem pressa, ele não ouve, não tenta compreender plenamente, em tempo real o que lhe é apresentado, ele quer respostas, resumos, sínteses, sinopses produzidas por adultos, trechos prontos de campanhas publicitárias de sucesso... “ o ctrl c” ctrl v” passa a ser o recurso ideal para respostas que atendam ao que foi perguntado em avaliações, encerrando o compromisso com o assunto ou  objeto estudado.

            Num ensaio de novos comportamentos, foi proposto nas turmas de 8ª série de 2013 que no primeiro bimestre fosse trabalhado o trocadilho OU-RE-FA que na idade da turma caiu muito bem como uma sigla bem-humorada das palavras: ouvir, refletir e falar. Nos  combinados ficou acordado que tudo teria início no ouvir, no silenciar para ouvir, no ouvir para assimilar, no assimilar para entender a partir do exercício da reflexão, resultando em condições satisfatórias para falar. Falar com propriedade, com clareza, objetividade causando inclusive na turma, admiração em muitas situações em que o aluno conhecido por “falar bobagens” , passou a se posicionar de forma responsável e segura. Isso motivou a turma a criar uma nova etapa da proposta: escrever o que falou.  Estava implantado o trabalho.

            Quando se delimitou o BINÔMIO “UNHAS E DENTES”, uma proposta era evidente: provocar uma série de questionamentos para promover uma grande reflexão coletiva a partir de históricos pontos que nem sempre precisam ser esclarecidos mas que há uma razão de ser. Na hipótese de grandes enigmas, há um eixo pertinente aos desafios humanos: aquele que pretende superar desafios não deveria ser permitido existir um assunto, um tema, um problema, um fenômeno que não tenha sido questionado, estudado, pesquisado, respondido.

            No mundo da escrita do texto argumentativo é preciso  estar “ciente” sobre o que acontece no mundo atual, baseado em fatos e dados que povoam a mídia e a comunicação entre os povos. Não se permite, é a hipótese, que a nenhum estudante seja dado desconhecer os fatos do dia a dia. Dessa forma, melhor  fala, quem melhor sabe sobre.

            Voltando ao universo da última série do Ensino Fundamental, o binômio “unhas e dentes” se estabelece com os  questionamentos: Por que os dentes caem e as unhas não?  Por que as unhas crescem e os dentes não? É possível que surjam as mais variadas respostas. Umas com sentido, outras, nem tanto. Umas com explicações científicas, outras, nem tanto. Umas vazias, outras, nem tanto. Muitos alunos prefiram silenciar...

            Quando se discute o currículo da Educação Básica, pressupõe-se que ao final desta, o aluno comprove no vestibular, o que ele aprendeu a fazer na sua vida escolar. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), mais importante que provar o que sabe, o aluno deverá através do texto escrito, demonstrar o que ele é capaz de fazer com o que aprendeu. As chamadas “habilidades e competências” balizas da proposta do Exame Nacional do Ensino Médio impõem esse domínio.

            Se foram propostos questionamentos sobre unhas e dentes que certamente levará o aluno à pesquisa na área das ciências físicas e biológicas, novos pontos são levantados:

  1. O pássaro canta porque é feliz?  Ou ele é feliz porque canta?
  2. As marés  provocam os ventos? Ou os ventos provocam as marés?
  3. A galinha nasceu primeiro que o ovo? Ou o ovo nasceu primeiro?
  4. O medo representa um escudo? Ou o escudo representa o medo?
  5. Por que os mares não invadem a Terra? Ou  a Terra não aterra o mar?
  6. Quem existe, de fato, a escuridão ou a luz?

            Tudo o que for dito ou escrito em resposta aos questionamentos é socializado e documentado para assegurar os ganhos, avanços e conquistas.

Na estruturante corrida pelo sucesso imediato, a qualidade de vida é determinada pela capacidade de acumular mais dados e elementos tecnológicos de forças virtuais enquanto o status é simbolizado pela maior fluidez dos fatos, das noticias, da mídia, da moda... A pressa do jovem é superar-se em suas mediocridades no falar, fluidez nos conteúdos, inconsistência nos argumentos e nulidade no conhecimento. Não há tempo para o tempo, não vontade para a vontade, não sonhos para o sonho, não há atenção para o que sistematicamente representa o está cristalizado no seio da sociedade.

            Ouvir sempre representa o que há de mais distante está em termos selecionar o que fato importa. Não a cultura do falar claro, para melhor ser ouvido; o ouvir para melhor compreender. O jovem adolescente está habituado a ouvir o que lhe apraz, a curto prazo. Ele ouve o que, em princípio lhe traz retorno imediato. Se é sobre baladas, entende tudo; sobre respeito, ignora tudo; sobre verdade, procrastina; sobre educação, abomina. Ele não se permite ter tempo para ouvir uma sentença completa. Ele não domina o território da proporção entre o início, o meio e o fim de uma expressão. Ele foi treinado pela família, pela escola e pela sociedade para executar tarefas como um autômato, sem conhecimento prévio do que a mensagem, de fato, encerra. O processamento auditivo é um conjunto das habilidades específicas que a pessoa precisa para interpretar o que ouve. Saber ouvir é uma arte, é terapêutico para quem deseja ser escutado. (ERNESTO, Sérgio).  Saber ouvir é uma virtude que poucos têm. Um processo de comunicação construtivo é fazer quem lhe escuta se sentir valorizado. Pergunte a eles o que pensam e escute com atenção suas respostas. Jamais fale às pessoas como num monólogo. Ninguém tem saco de ficar escutando uma pessoa que não dá espaço para outros opinarem.

             Estas habilidades são governadas pelos centros auditivos do tronco cerebral e do cérebro. Quanto ao comportamento social essas crianças são agitadas ou muito inquietas; Têm tendência para o isolamento e são desajeitadas e desorganizadas. Quanto ao desempenho escolar, têm dificuldade na leitura, gramática, ortografia e matemática. Elementar conclusão de raciocínio: se não ouve, não compreende, não aprende, não se apropria, não reflete, não interpreta, não responde e quando o fez é de maneira equivocada. E assim, avança na  vida escolar como que nadando, à deriva.

            Refletir sobre o que se ouve é uma habilidade tão evidenciada dentre os pensadores que se chega a questionar sobre se quem pensa, precisa falar. Após compreender a sentença qualquer um se torna capaz de reproduzir toda a essência em busca das melhores respostas. A capacidade reflexiva inclui: identificar problemas, tomar decisões, planejar, manter foco em uma tarefa, flexibilidade para mudar situações, controle de impulsos, regular emoções e comportamento. Essas são características do jovem estudante do Ensino Fundamental das escolas de hoje? As experiências, pesquisas e levantamentos indicam o caminho inverso.  A mente que se amplia nunca mais volta ao tamanho original (Albert Einstein). Muitas pessoas vivem no "piloto automático" da rotina frenética e não param para refletir sobre as diferentes situações e possibilidades que sempre reservam ensinamentos preciosos. Dos mais simples aos mais complexos acontecimentos há sempre um significado. Para quem ouve e reflete sobre o que captou a distância entre a capacidade de compreender e a segurança ao se colocar sobre, se torna um detalhe. É preciso que todos os alunos se apropriem do percurso científico. Isso é indiscutível (Charles Hadji, 2006)

            Na produção textual, a ação do ouvir dá lugar à síncrese.  Segundo Paulo Freire "Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre." Nessa esteira corre a necessidade de se inteirar sobre, inquietar-se porque, prescrutar para. É o ponto de partida para a exposição de determinado assunto, sendo o momento para explicitar a visão de conjunto do todo.. Ao permitir-se ouvir, identifica-se com o tema, problema, situação. É o impacto inicial, é o começo de uma história que será fundamentada na reflexão. Após identificação do assunto, o jovem aprendente é induzido a deslindar mistérios, desafios, entraves. Na rotina diária seria apenas o ato de refletir, mas para documentar o pensamento através da escrita, já está se processando uma análise do que foi “ouvido” lido, visto, pensado. É o momento de mediação, de explorar os instrumentos teóricos na intenção de determinar conceitos, para analisar, refletir, observar, etc. A análise pressupõe ampliação, pesquisa e identificação de dados, o que termina por aumentar a abrangência sobre o assunto abordado. É preciso conter-se, é preciso objetivar-se, ser preciso, conciso e claro. Dá-se o terceiro e último estágio da dialética: a síntese. Trata-se da observação atenta do conteúdo dos documentos incorporando as reflexões obtidas durante a desconstrução/reconhecimento das partes até então estudadas isoladamente.

            Para que um determinado objeto se torne objeto de conhecimento é imprescindível que o aluno esteja mobilizado para conhecê-lo. É preciso que o aluno tenha mobilidade para tal, tendo a intenção de conhecer esse objeto desconhecido. E o ato da mobilização para o conhecimento do objeto exige do sujeito uma carga energética física e psíquica durante todo o processo: ele ouve ou mantém contato com o assunto a ser trabalhado, ele reflete sobre o mesmo, suas possibilidades e circunstâncias e se coloca para defender seus pontos de vista. Na proposta que se formula para que o aprendente, ouça e  reflita para falar, imprime-se o exercício da síncrese, da análise para enfim sintetizar-se o que acredita-se  ser o melhor a fazer para obter-se o respeito do outro pelo acúmulo de conhecimentos. Não há aprendizagem sem o interesse do aluno em aprender, não interação sem que haja interação entre o ensinante, o aprendente e o objeto de leitura e reflexão. Ao trabalhar com os educandos naquilo ainda não dominam, o professor vivencia o processo educativo como um desafio para si bem como para os aprendentes. Em outras palavras, é um incentivo, uma desinquietação confiante e positiva provocada nos alunos, para que vão além do que já sabem. Nas palavras de Vigotski (2001, p. 336)

CONSIDERAÇÕES

            Para o homem moderno, é preciso que se determinem os pontos de referência em que cada um situa o seu fazer humano. Isso passa pela identificação de áreas de interesse. Muitas vezes, somos incitados a nos posicionar sobre um determinado assunto e, por gostar ou conhecê-lo muito bem, temos grandes chances de realizar um trabalho bem fundamentado. O contrário também é um fato: por discordarmos de um determinado tema ou assunto, criamos argumentos que favorecerão uma melhor abordagem. Não temos que concordar com algo por sermos favoráveis a ele. É discordando-se que se definem os melhores posicionamentos.

            O problema não está em ser contra ou a favor de determinados valores. Mas sim, de ter a capacidade de posicionar-se criticamente sobre. O que alimenta o problema é o ignorar o assunto, é o desconhecer do que se fala, é estar alheio ao que se discute, que se fala, que se escreve.

            Assim, retomando a questão do saber ouvir, se chega ao saber refletir, se alcança o saber falar... Sicretizando-se, parte-se para a análise que nos conduz à síntese do pensamento, do posicionamento, da cristalização do conhecimento por meio da disciplina físico-mental-emocional em nome do aprender para melhor ser.  É papel da escola tomar como ponto de partida os conhecimentos prévios, com o claro objetivo de transformá-los, envolvendo-os em problematizações cujas resoluções exijam novos e, por vezes, conhecimentos mais complexos do que os iniciais. Procedimentos de ensino desta natureza favorecem a articulação entre o conteúdo que faz parte do currículo escolar e o seu uso cotidiano. Possibilitam ainda a organização de um planejamento adequado às necessidades cognitivas dos alunos. (Sforni e Galuch ( 2005. p. 7),

REFERÊNCIAS.

GALUCH, Maria Terezinha Belanda e SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem conceitual nas séries inicias do ensino fundamental. In II

HADJI, Charles. É preciso apostar na inteligência dos alunos

. Nova Escola. Ano XXI, n.198, dezembro de 2006, p.17

SAMPAIO, Maria das Mercês Ferreira e SILVA, Zoraide Faustinoni.A articulação entre ensino, aprendizagem e avaliação. In: Ensinar e aprender: reflexões e criação. 1998.

VIGOTSKI, L.S LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. A construção do pensamento e da linguagem .São Paulo: Martins Fontes, 200

(*) Mestrando em Ciên