Viagem à Província de Goiás
Auguste de Saint-Hilaire
Capítulo IV
Vila Boa, ou Cidade de Goiás
 
O Sertão dos Viajantes
Luiz Francisco Albuquerque de Miranda

 

            No século XVIII, entre 1740 e 1790, a descoberta de ouro na América portuguesa, provocou um aumento da população do interior do Brasil chegando a dobrar a área de exploração até então. Com esse aumento estrondoso vê-se surgir várias vilas e cidades em regiões que antes eram só passagens. Também ocorreu que pequenos arraiais atingiram rapidamente a condição de cidade. Porém, quando a exploração de ouro começa a diminuir, a população que se concentrava nestes centros apenas com a finalidade extração do metal precioso, começou a se mudar para outras localidades.

            No inicio do século XIX, começa outro tipo de exploração, segundo Luiz Francisco Albuquerque de Miranda, em “O Sertão dos Viajantes”, grandes expedições cientificas internacionais, buscavam conhecer as regiões do interior do país, com o objetivo de descobrirem que recursos naturais existiam, que poderia ser utilizado a favor da humanidade, leia-se população europeia. A América daria sua contribuição provendo os recursos naturais e em contrapartida, os europeus trariam a civilidade às populações interioranas.

            Auguste de Saint-Hilaire, em “Viagem à Província Goiás”, fez um extenso relatório, que serviu como meio avaliador do comportamento e do “grau de civilidade” existente na Província goiana. No capítulo IV, Saint-Hilaire, faz uma descrição dos costumes existentes em “Vila Boa, ou Cidade de Goiás”, no início do século XIX. Havia um sentimento ambíguo na narrativa do viajante, onde hora ele se encanta com a beleza local e em outra hora se achava totalmente entediado pela situação que visualizava e com os costumes locais tão diferentes dos da Europa.

            Miranda analisa os relatos tanto de Saint-Hilaire como também dos alemães Spix e Martius, que produziram conhecimento cientifico sobre a Província de Goiás e influenciaram na implantação definitiva do modelo civilizador europeu. Martius e Saint-Hilaire, foram correspondentes do IHGB e junto com intelectuais brasileiros produziram documentos que foram utilizados como mapa social do interior.

            Comumente utilizada pelos viajantes, a palavra “sertão”, passa a ser o identificador de regiões que careciam passar pelo processo civilizador europeu. Saint-Hilaire, Spix, Martius e os demais viajantes da época, aplicaram a palavra “sertão”, no sentido de definir áreas de população rarefeita, mas também regiões onde inexistisse a vida civilizada.

            O “sertão Goiás, portanto, embora tivesse pessoas que o habitasse e que produzisse sua cultura e tivesse seus costumes é descrito por Saint-Hilaire como um lugar que “não pode ser propício aos homens de nossa raça”, a europeia. Saint-Hilaire, fala também que os habitantes de Vila Boa e consequentemente de toda Província de Goiás, não apresentavam uma aparência de saúde, vigor e energia. Classificou a população como sendo indolente, dados a libertinagem e portadora de bócio. Se por ventura algo lhe chamasse atenção, logo este perderia o seu valor ao ser comparado com o equivalente europeu.

            No estudo que fez dos relatos dos viajantes, Miranda, reconheceu que a imagem de sertão monótono e caótico era mais que uma constatação, tratava-se de um juízo e manifestava um projeto civilizador ao modelo europeu. Ao classificar as regiões do interior como desérticas, essas áreas poderiam ser representadas como improdutivas e precárias, tornando legitima a condenação dos comportamentos  e das formas de existência de seus habitantes. Estava em andamento assim um verdadeiro projeto neo-colonizador, que utilizava a bandeira do progresso como disfarce.

            Miranda cita Pratt, em “os olhos do Império”, quando falando sobre os viajantes na África, ele os chama de: “batedores avançados do aperfeiçoamento capitalista”. Os viajantes-cientistas que percorreram o interior do Brasil demonstraram igual atitude, pois o conjunto imagético que eles produziram sobre o sertão, o tornava disponível para a ação do homem europeu, que se julgava civilizado e o único capaz de aproveitar os recursos e instaurar uma ordem regular.

            Os viajantes-cientistas não podiam suportar a idéia de que o mundo que eles consideravam marginal, misterioso, animalesco e ameaçador da boa ordem, permaneça sem alterações. Assim eles o descrevem o sertão como deserto, escamoteando a cultura e as formas de subsistência dos sertanejos, e fazem assim pelo simples fato de estes não estarem integrados às formas de produção capitalista.