RESUMO 

Este estudo tem por objetivo, compreender a importância e a necessidade da cultura de pares infantis que valores morais podem ser evidenciados no processo de formação da criança, do seu desenvolvimento tanto na escola quanto em família e sua implicação na constituição dos valores de ordem afetiva moral e ética no processo ensino-aprendizagem, contextualizar a educação infantil, a cultura de pares e os valores morais atrelados aos precursores da educação, da história da infância e da sociologia infantil, analisar de que forma os valores vem sendo abordados dentro destas perspectivas. Conceituando os valores morais e éticos, apresentando a criança e os valores, além de mencionar um breve histórico sobre a criança, e os valores intrínsecos na cultura de pares infantis. Esta pesquisa baseasse na investigação. Observação etnográfica em uma escola da rede pública em Valença Bahia, A pesquisa pauta-se na abordagem bibliográfica, e etnográfica utilizando-se da contribuição valiosa de teóricos como Áries (1981); Piaget (1994) Oliveira (2005); Kramer (1998); Corsaro ( 2011);De Vries(1998);La Taille(2006); entre outros.


1 Introdução

Incontestavelmente nas últimas décadas do século XX e início deste século a infância tornou-se o centro de discussão para o Estado, para as políticas não governamentais, para os representantes da sociedade como todo.

O conceito de infância passou por transformações através da história. Kramer (1982, p. 18) sintetiza esse pensamento da seguinte maneira: 

A ideia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto, na sociedade burguesa ela é alguém que precisa ser  cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Este conceito de infância é, pois determinado historicamente pela modificação nas formas de organização da sociedade. (KRAMER, 1982, p. 18)

Esse novo jeito de imaginar e olhar a infância estão em concordância com a intenção desse trabalho, que é conhecer mais profundamente os modos de expressividade da criança dentro do contexto escolar, não por meio do discurso adulto, mas sim por quem a vivência no momento, a criança. Com base neste interesse em descobrir cada vez mais sobre as relações entre a criança, a educação, seus pares e seus valores é que este trabalho está sendo apresentado, com objetivo de desvendar que valores morais podem ser evidenciados na cultura de pares das crianças da Escola Municipal do Tento.

Deduz-se que a escola como um espaço puramente educacional, tem cada vez mais se tornado uma extensão da família, principalmente por ser o lugar onde a criança permanece em tempo integral, como no caso da educação infantil oferecida em creches. As finalidades da escola precisam ser redefinidas, isso é fundamental quando se deseja uma educação que dê respostas eficientes à crise da sociedade, devemos educar para que as pessoas vivam bem, o que supõe exceder a transmissão de conhecimentos e demanda também a tomada de novas iniciativas educacionais, assim a integração de valores morais e éticos como currículo é um desafio que deve ser considerado como primordial.

Assim como é primordial ensinar aos filhos o senso de ordem e de respeito, isto é um dos grandes desafios atualmente, mas não é uma tarefa impossível quando a família está em harmonia e busca o desenvolvimento progressivo da criança. É de fundamental importância que a educação oferecida às crianças seja uma incumbência partilhada entre a educação familiar e a educação institucional.

Na Escola Municipal do Tento, situada no bairro do tento, no município de Valença Bahia, onde foi realizada a pesquisa, é notório a participação dos pais não só quando convidados a participarem das reuniões, mas durante todo período,esta interação é de fundamental importância na convivência das crianças com professores, funcionários e principalmente com seus pares.

No espaço educativo citado, percebe-se que as relações de pares têm papel importante no desenvolvimento da criança e que as famílias estão inclusas neste processo direta ou indiretamente. Segundo Corsaro (2011) as famílias desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da cultura de pares e nas representações interpretativas, pois, nos primeiros anos da criança, a maioria das rotinas culturais adulto-criança acontece nas famílias decorrentes de confrontos diretos das crianças com os adultos.

À medida que as crianças se aventuram para longe de sua família, elas apontam para direções especificas, preparam-se para a interação com diferentes orientações interpessoais e emocionais e recorrem a recursos culturais particulares, todos derivados de experiências anteriores em suas famílias. CORSARO (2011, p. 130)

Assim sendo, exponho este trabalho, a fim de que contribua para o desenvolvimento das questões de valores dentro da escola de educação infantil embasado em teóricos como La Taille (2006) e De Vries e Zan (1998) que escrevem sobre os valores morais e éticos na infância, e Corsaro (2011), com sua contribuição sobre criança seu meio social, e suas relações de pares, além de Áries (1960) que traça o histórico da infância.

2 Os  Valores Morais

Faz-se necessário seguir normas de convivência para se viver em sociedade, desde o nascimento os valores são ensinados, a fim de que estejam, e/ ou seja, bem sucedidos e que tenham uma vida adequada de acordo com os padrões pré-estabelecidos pela sociedade em que estão inseridos.

Partindo da etimologia da palavra, ética vem do grego ethos, que significa “modo de ser ou caráter, enquanto forma de vida também adquirida ou conquistada pelo homem” (Vásquez, 1985, p.14). Já a palavra moral vem do latim mores que significa “costumes, ou seja, o modo de como o homem se comporta na sociedade possui caráter social” (Idem, p.25). Desta forma, compreende-se que a moral não é uma manifestação de natureza humana eterna e imutável, pois sofre transformações que advém do contexto ao qual o indivíduo esteja inserido.

Vásquez (1985) ressalta ainda que a ética não cria a moral, a ética é uma serie de praticas morais em vigor e que partindo delas procura encontrar a profundeza da moral, sua ordem e qualidades objetivas e subjetivas do ato moral então, desde a infância, todo indivíduo esta  subordinado ao controle do meio social, por intermédio da família, da escola, dos amigos, dos meios de comunicação, adquirindo  aos poucos, conceitos morais.  É a aparência social da moral se revelando e, mesmo sendo criança o indivíduo se defronta com um conjunto de regras, normas e valores aceitos em seu grupo social.

Porém, algumas regras e valores são modificados de acordo a cada sociedade e então se faz necessário uma reflexão crítica sobre a moral, e a esta reflexão denomina-se ética, vale ressaltar que as crianças também são inclusas neste processo, afinal estas crescerão e se tornarão adultos com seus conflitos de valores e sendo éticas.

Uma abordagem importante a respeito do ensino dos valores morais ás crianças, foi feita por La Taille (2006) o autor afirma que as crianças por volta dos 4 ou 5 anos já distingue as normas morais da comunidade em que vive de outras relacionadas com hábitos de rotina, ressalta ainda que as crianças desta idade seguem regras morais sem que esta obediência possa ser explicada pelo medo do  castigo ou pelo medo da perda de amor e proteção, Assim sendo, os pais, responsáveis e professores podem   desenvolver uma relação de cooperação entre as instituições família e escola.

Isso  implica em colocar-se no lugar do outro, pelo bem da criança que neste momento é o elo de ligação entre a família e a escola, não apenas na troca de ideias ou favores, o propósito é que essa parceria se construa através de uma intervenção planejada e consciente, em que a escola possa criar espaços de reflexão e experiências de vida numa comunidade educativa, estabelecendo acima de tudo a aproximação entre as duas instituições (casa e escola). Reforça-se então, a necessidade dos educadores dispensarem alguns momentos da sua formação, para refletirem e reconstruírem essa relação que como se sabe é de fundamental importância.

Muitas são as discussões sobre o comportamento das crianças na atualidade, pais e educadores debatem sobre qual seria a melhor forma de educá-las, muitos levam em consideração ás inúmeras transformações no mundo, normalmente percebem que a alternativa mais viável é a educação através do carinho, respeito e disciplina.

Porém, poucos são os familiares ou profissionais da área da educação, que conseguem colocar em prática esses três pontos essenciais (carinho, respeito e disciplina) á formação do indivíduo. Conversar com as crianças e estabelecer junto á elas regras de boa convivência é uma forma de avaliar até que ponto está à compreensão do infante sobre a moralidade. Ainda que possam existir muitos conflitos na educação infantil, idade que as crianças estão formulando seus conceitos e regras é importante acreditar que elas são capazes de reconhecer, avaliar situações de conflitos, e estabelecer soluções á eles, e esses processos poderão ser mediados pelo educador, considerando a participação do grupo de crianças envolvidas no conflito.

Segundo Piaget (1994), educar moralmente não é apenas um ato de disseminar valores na criança, mas também, e principalmente, um ato de ajudá-las a compreender esses valores, tomando consciência deles. Para tanto, é necessário perceber como se dá o respeito às regras e aos valores que norteiam a vida da criança. Ainda segundo o autor no primeiro ano de vida os valores designam os meios, a ação intermediaria e os objetivos utilizados para atingir finalidades no mundo externo ao indivíduo. Assim os valores relacionam-se com os objetos, com as pessoas e com as ações pelos quais as crianças se interessam. 

Sendo de tal modo, percebe-se a moral como  um conjunto de normas, preceitos e valores que regulamentam a conduta dos indivíduos em sociedade. Ou seja, são os limites que o homem institui para si nas suas ações e intervenções na realidade e na convivência na sociedade. O senso moral, a consciência moral, é aquilo que faz com que a minha ação tenha por parâmetro a referência, o respeito, a liberdade do outro, e a responsabilidade e consciência de que isso significa também não fazer ao outro o que não gostaria que fizesse a mim.

Deste modo, a integridade moral de uma pessoa tanto mais alta é quanto mais ela cuida e defende o exercício pleno da sua liberdade e da liberdade do outro, baseado no respeito ao outro e ao meio onde ele vive. É uma ação moralmente elevada o cuidado com a preservação e manutenção do ambiente natural, com os bens públicos, com os deveres sociais e públicos, bem como, a defesa dos direitos da pessoa instituídos pela norma jurídica (leis, regras, regulamentos), tanto quanto aqueles necessários a convivência harmônica das pessoas.


2.1  A Criança e a  Moral


Antes mesmo de entrar na dimensão que dos valores ocupam na educação, vale ressaltar novamente as definições... tais como ética, que significa um conjunto de regras de conduta herdadas culturalmente e também de moralidade, que é a organização e a relação que o indivíduo faz dos valores e regras estabelecidas na sociedade, ou seja, juízo de valor. Advertindo também, que ao tratar de moral inclui-se o ato de educar.

Um sujeito não nasce moral, torna-se moral. Conforme De Vries e Zan (1998) embora os conteúdos das questões morais da vida da criança as diferem dos adultos, estas, como pessoas formam suas próprias opiniões e ouvem as dos outros, constroem seu próprio senso moral a partir das vivências cotidianas. As crianças têm preocupação com as outras pessoas antes mesmo que compreendam a chamada “regra de ouro” ou seja fazer ao próximo o que gostaria que fosse feito a você.

É imprescindível que os princípios morais seja ensinado, corrigido, aclarado dos conceitos sociais e principalmente de conviver com ações de moralidade. Bons exemplos como gentilezas, respeito e responsabilidade  são mais valiosos que o próprio ato de educar. Seja na sala de aula/escola, ou ainda, em qualquer contexto social onde encontram esses pequenos indivíduos i moral.

A orientação paralela de pais e professores acompanhados de ações dignas, amor e atenção tornam-se uma rica relação que só tem á somar. São nessas vivências e experiências do cotidiano, que a criança observa e aprende a ser um cidadão pleno e autônomo e a ter atitudes de integridade e solidariedade. Quando exercemos a cidadania, por exemplo, estamos cooperando para uma convivência harmônica entre os indivíduos e também estamos exercendo democracia.

Na educação, exercer a cidadania é construir a partir do que se sabe e da realidade que se têm indivíduos capazes de serem bons cidadãos e que principalmente sejam capazes de exercer a democracia. Um professor moral de nossa sociedade educa para criar indivíduos críticos, autônomos e cidadãos de bem. Valorizando e estimulando a capacidade humana, para transformar o mundo num lugar de direitos iguais á todos.

A educação da Ética como um tema transversal proposto pelos PCNs foi, no entanto, pouco assimilado pelas escolas públicas brasileiras e Educação Moral continuou ou não se fazendo de maneira expressa e planejada ou acontecendo ao sabor de preferências pessoais de professores.

No início dos anos 2000, começaram a surgir novas iniciativas governamentais para estabelecer metas e meios para uma educação voltada aos valores éticos ou morais. Como exemplo mais recente, apontamos os cursos e materiais sobre Educação para os Direitos Humanos produzidos pelo Ministério da Educação (MEC) e divulgados por Secretarias Estaduais e Municipais. Estes, em consonância com demandas mundiais e da globalização buscam fortalecer o conhecimento e a adesão aos princípios e os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) 

Programas como esse chegam, gradualmente, às escolas brasileiras e parecem influenciar, mesmo que lentamente, o cenário da Educação Moral Escolar.

O aprendizado de conceitos e valores se dá também através do que é observado, absorvido e vivenciado. Como os valores que aprendemos na infância são os que carregamos pela vida afora, é importante que os pais ou os responsáveis pela criança sejam influências positivas em seu cotidiano. Os pequenos hoje estão atentos a todos os passos dos adultos, são super antenados, e a todo o momento observam os adultos dizendo algo e tendo um comportamento incoerente com o discurso. Então, deve palavra e atitude estejam conforme a verdadeira intenção dos pais.

Não adiantará ensinar a criança a pedir, por favor,” quando solicita algo, se os pais não o fazem, mas “ordenam” a dizer “obrigado”, se eles mesmos não distinguem as gentilezas dos filhos, dizendo que não fizeram nada mais que a obrigação diante de uma atitude solidária dos pequenos. Ou pedir à criança que não grite quando ela observa seus pais gritando um com outro e assim por diante. Esses são exemplos antigos de questões simples do cotidiano, mas que ilustram como a base do caráter é formada por observação e repetição de comportamentos. 

No campo do desenvolvimento moral, as normas e os princípios morais são mecanismos que se constroem através das interações sociais do sujeito e do outro, não sendo construídas pela interiorização de regras culturais, como prevê as teorias de aprendizagem social. As regras e os princípios morais constroem-se a partir da atividade da criança, que procura organizar e estruturar a sua experiência social. Cada fase, segundo Holper (1979) representa uma construção que tem sua origem, não no próprio mundo social, mas nas ações que o sujeito executa dentro deste mundo social.

Segundo Piaget, o desenvolvimento moral e, mais ainda, as ações relacionadas a ele dependem de uma espécie de "energia motora" para que ocorram: a afetividade. Esse aspecto ganhou cada vez mais espaço nas pesquisas e, hoje, o desenvolvimento de questões ligadas a sentimentos e emoções ocupa o primeiro plano nos estudos sobre a moralidade. Esse novo olhar teve início com as pesquisas da americana Carol Gilligan, que chamou a atenção para uma forma de desenvolvimento da moralidade definida como ética do cuidado, a qual se centra na capacidade de pensar na saúde das relações entre as pessoas. Com isso, distinguir o justo do injusto passou a ser visto como apenas um dos muitos aspectos do desenvolvimento moral da criança e do adolescente. A nova perspectiva ampliou as pesquisas para o desenvolvimento psíquico de outras virtudes, como a generosidade, a compaixão e a lealdade. 

Com relação a autoridade, Piaget (1994) o classifica em dois níveis, unilateral, que implica em desigualdade entre aquele que respeita e aquele que é respeitado: é o respeito do pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho. Este respeito implica em uma coação inevitável do superior sobre o inferior e é característico de uma primeira forma de relação social, chamada de relação de coação. Este respeito parece explicar a existência de duas morais frequentemente observada em crianças que aceitam as regras dos mais velhos por respeito unilateral e a assimilam a um dever prescrito pelo próprio adulto.

Piaget (1994) adverte ainda que quando a regra é imposta é mais difícil de ser seguida, mas quando interfere como condição de colaboração, isto é, quando as crianças a praticam entre si, não somente é melhor compreendida, como também mais facilmente aproveitada.

Conforme DeVries e Zan (1998) a influência mútua com companheiros, muitas vezes é analisada  como benéfica, auxiliando as crianças a partilhar e a viver no mundo com outros.

As crianças pequenas podem ser descritas como realistas morais, porque seus julgamentos sobre o certo e errado, bom e mau, estão baseados naquilo que lhe é observável ou real. (DE VRIES E ZAM, 1998, p. 40)

Desta forma, afirma as autoras, que as crianças veem as regras morais ou outras regras como arbitrarias, são imposições dos adultos, isso ocorre quando as crianças não compreendem a posição do adulto, a criança pode tentar seguir as regras literalmente, pois o conteúdo das regras morais é lida como obrigações para com os outros.

Assim sendo, para educarmos crianças morais, antes de tudo, devemos observar o que de fato esta já sabe sobre moralidade; ou seja, a criança desde muito cedo tem noção de justiça, trapaça, honestidade, regras, liderança e outros conceitos vindos dessas ações. Ainda que possam existir muitos conflitos na educação infantil, idade que nossas crianças estão formulando seus conceitos e regras é importante acreditar que elas são capazes de reconhecer e avaliar situações de conflitos e estabelecer soluções á eles, e esse processo poderão ser mediados pelo educador, levando em consideração a participação do grupo.

De Viés (1998) afirma que para educarmos crianças morais, antes de tudo, devemos observar o que de fato esta já sabe sobre moralidade; ou seja, a criança desde muito cedo tem noção de justiça, trapaça, honestidade, regras, liderança e outros conceitos vindos dessas ações.

A criança precisa aproveitar as oportunidades de contestação e de questionamento das regras e das leis para articular seu desenvolvimento moral rumo à autonomia e tanto o ambiente doméstico quanto o ambiente escolar tem papel decisivo em incentivar ou reprimir esse aprendizado precisa questionar a existência das regras, precisa comparar as regras de sua casa com as da escola e com as regras da casa de seus colegas, mas seus julgamentos são ainda demarcados pela materialidade e pelo concreto e não por princípios.

As mentiras, por exemplo, podem se motivo de atrito entre a criança e seus pais, pois para a criança do operatório-concreto uma mentira se torna mais errada enquanto foge da sua concepção de realidade. Para a criança, dizer que ganhou um brinquedo que na verdade foi tomado sem permissão do colega não lhe parece grave, sendo compreendido apenas como uma pequena distorção. O exercício de reflexão precisa ser constantemente estimulado. A partir dos sete anos a criança já está apta a participar com os pais de reflexões sobre o mundo extra  familiar. 

Discutir com os filhos a respeito do conteúdo repleto de estereótipos e de preconceitos veiculado diariamente pelos media pode ser uma experiência rica para seu desenvolvimento moral e cognitivo.   Dificilmente uma criança chegará ao estágio de se colocar no lugar do outro para julgá-lo se esse exercício não for praticado por seus pais em seus próprios julgamentos.

Ao incentivar que a criança busque outros ângulos para compreender um mesmo acontecimento, ao incentivar que a criança se coloque no lugar daquele que está sendo julgado, proporciona-se à criança a oportunidade de desenvolver seu raciocínio moral rumo à autonomia e uma criança capaz de perceber a realidade por diversos ângulos está preparada para lidar com os cenários de diversos tipos de abuso. Os filhos são o reflexo dos pais de modo que os tem como referência, é claro que em alguns casos esta referência não seja positiva.

A escola, contudo deve estar de mãos dadas á família, e ambas precisam ter os mesmos objetivos, o de aperfeiçoar a criança ampliando aspectos que visem o sucesso na aprendizagem, bem como na construção de valores, logo, pais e escola são os agentes educativos que proporcionam alternativas de interação com a criança, organizar um espaço onde lhe será permitida expressar tudo o que é essencial ao seu desenvolvimento. CRAIDY (2008) afirma que a educação infantil deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto, para o desenvolvimento da sensibilidade e habilidades sociais. Enfim o espaço de educação infantil deve privilegiar desafios e oportunidades de crescimento moral e educacional, cultural e social.


3 Um Breve Histórico sobre a Criança


Na Idade Média a criança foi considerada como um adulto em miniatura, até executava as mesmas atividades que um adulto mais velho, e suas roupas eram como de adultos em tamanho menor, as crianças eram muito mais vulneráveis a inúmeros problemas, embora as evidências sobre as dificuldades por que passaram sejam muitas, a falta de cuidados específicos como banho, alimentação e carinho, era quase inexistente, pois, os pais não se apegavam a elas com medo de perdê-las, haja vista o número alarmante de mortalidade na época (ÁRIES, 1960).

Aos sete anos, tendo sorte de não ter morrido de inanição, doenças oportunistas e outras enfermidades os menores eram levados a casa de outras famílias para aprender os trabalhos domésticos e valores humanos através de aquisição de conhecimentos e de experiências práticas. Não que seus pais não estivessem preparados para ensinar seus filhos, afinal não há quem melhor possa fazê-lo, mas, pelo fato que as condições dos mesmos não permitissem. 

Comenius (2001, p.47), em sua Didática Magna apresenta como princípio que “aos pais incumbe cuidados com sua prole, de tal maneira que, assim como foram os autores da vida, sejam também os autores de uma vida racional, honesta e santa”. Pois os pais estão preparados para educar bem os filhos, embora seja um fato, que na Idade Média não se pensava desta forma, por uma série de fatores como a mortalidade por enfermidades, e ate mesmo a falta de afeto que  sabemos ser indispensável ás crianças. 

Áries (1960) Afirma que, a história da criança é registrada a partir do olhar do adulto, pois se negava a criança o direito de contar e/ou vivenciar sua própria história, não as permitindo o seu próprio registro. Estas narrativas cheias de incompreensões sofridas, tristezas, atos de injustiça, violência física e moral além do desamparo. Sendo Philippe Áries (1960) o maior estudioso sobre o tema, vai assinalar que o conceito ou imagem que se tem da infância1  foi sendo de acordo com a história estabelecido e que a criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias e sim como um adulto em miniatura.

Ao estudar a história da infância na idade média, numa abordagem sobre as questões da aprendizagem humana já estavam pautadas sobre o prisma conceitual e social. A infância, nesta época, era vista como um estado de transição para a vida adulta, e por este motivo se dispensava tratamento especial às crianças, o que tornava sua sobrevivência difícil, percebe-se nessa atitude a ausência de humanidade, quem sabe pelo fato que as mesmas faleciam nos primeiros anos de vida, seus pais não se apegavam para não sofrerem depois com a perda.


[...] As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes aconteciam, alguns podia ficar desolado, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato (ARIÉS, 1981, p.04)


Dentro desta afirmativa mencionada pelo autor, percebe-se que a criança da era medieval naturalmente era tratada como o “bobo da corte” as pessoas adultas não lhes dispensavam cuidados e nem mesmo respeito. A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve além de imperceptível. A morte de crianças pequenas lembra o autor, era fato corriqueiro e sem muita importância, a relevância do fato não causava danos à família, pois normalmente morriam crianças, seja por falta de higiene, por doenças já que as muitas doenças da época ainda não havia cura, pela fome ou devido às intempéries. Sofria-se com tal perda, mas tratava-se de um episódio banal, passível de ocorrer em todas as casas. Outras crianças, em todo caso nasceriam e logo não se lembrariam com pesar daquela que perecera. 

Sendo o índice de mortalidade assustador e o sentimento de amor materno inexistente, foram os eclesiásticos, os homens da lei e os moralistas do século XVII que primeiro deram-se conta da necessidade de uma atenção especial a infância. Surge então tanto na França como em Portugal logo trazida depois para o Brasil no século XVIII a Roda dos Expostos; uma instituição crida por governantes com objetivo de salvar a vida de recém-nascidos abandonados para depois encaminhá-los para trabalhos produtivos e forçados, esta foi uma das iniciativas sociais de orientar a população infantil pobre utilizando-a no sentido de transformá-la em classe trabalhadora. Na verdade, nem os pais nem governantes davam a devida importância ás crianças, a prática era ilegal e quase aberta do repúdio e o fatalismo com que era aceita a mortalidade infantil expunha certa indiferença ao valor da criança até o inicio do século XIX.

Entrando na vereda da contemporaneidade nos encontramos com uma série de mudanças em curso, formando novas conjecturas e desencadeando diferentes compreensões e olhares sobre um mesmo fato ou acontecimento, sendo confirmadas e processadas algumas rupturas significativas na ordem conceitual até então em vigência.

Neste espaço mutante e transitório, a noção de infância adquiriu uma nova roupagem, incorporando uma reestruturação que lhe confere outro status. A criança desses novos tempos possui outras características, necessidades não encontradas outrora, aspirações estas fruto da recente ordem estabelecida mediante os ditames da globalização e do neoliberalismo. Para exemplificar concretamente essas alterações em relação à visão da infância, podemos recorrer às mídias como um dos elementos fornecedores de uma considerável quantidade de informações disponíveis através de diferentes suportes. Isso contribuiu, direta e indiretamente, na montagem dessa nova fase da infância, onde a criança é encarada como um sujeito receptor e consumidor em potencial.

Por muitos anos, como constatado no decorrer da historiografia levantada anteriormente, a família e posteriormente a escola permanecera como os principais espaços de socialização, considerados os agentes primários na troca de experiências. Hoje as mídias, principalmente a televisão, acabaram ocupando esse lugar e roubando a cena, constituindo-se num dos principais meios de divulgação das informações e de acesso ao mundo. Esse contato independe da classe social ou faixa etária, ocorrendo muito antes que se imagina.

Expor que a criança é um ser social significa considerar que ela tem uma biografia, vive uma geografia, pertence a um segmento social determinado, estabelece relações definidas segundo o seu contexto de origem, apresenta uma linguagem decorrente dessas relações sociais e culturais estabelecidas e ocupa um espaço que não é só geográfico, mas também de valor, de acordo com Kramer (2002).


3.1 A Cultura de Pares e os Valores  Morais


William Corsaro (2011) define desta forma a de cultura de pares: “um conjunto de atividades ou rotinas, artefatos, valores e preocupações que as crianças produzem e partilham na interação com os seus pares.” (2011: 128). A cultura de pares é fundamental para a criança, pois lhe permite apropriar, inventar e  reinventar, produzir  e reproduzir o mundo que as rodeia, além de ser  de fundamental importância para orientar seu comportamento. A convivência com os seus pares, através do cumprimento de atividades e rotinas, permitem-lhes exorcizar medos, representar fantasias e cenas do cotidiano, que assim funcionam como terapias para lidar com experiências positivas e negativas. Esta partilha de tempos, ações, representações e emoções são necessárias para um perfeito entrosamento com mundo e faz parte do processo de crescimento e aprendizagem.

As crianças produzem e reproduzem uma série de culturas locais em suas brincadeiras e invenções que contribuem para a cultura mais ampla do mundo adulto e cujo contexto esta ligado a elas.  Esta interação é contínua e produtora de formas de superioridade dos adultos sobre as crianças, que tem como meio da sua expressão a utilização pelos adultos de meios de configuração dos mundos específicos da criança, a partir dos elementos característicos das culturas infantis. Corsaro (2011) afirma que é por meio das produções e participação coletiva nas rotinas que as crianças se tornam membros tanto da sua cultura de pares quanto do membro onde estão situadas.

 As famílias aparecem como mediadores iniciais nas rotinas das crianças, onde elas serão inseridas nos mundos dos adultos e depois, com outras crianças, constituirão as suas culturas de pares. As crianças não sendo vistas somente como receptoras das culturas dos adultos. 

Antes, era a escola que se encarregava com a transmissão da cultura  e à televisão só restava a função de entretenimento, atualmente, o papel de transmitir valores morais às crianças, antes realizados pelos pais, foi indiretamente executado pela escola e pela mídia.

Não que os pais estejam acomodados com a situação. O fato é que eles trabalham mais e passam menos tempo com os filhos. A mãe que antes ficava em casa e ensinava valores éticos agora trabalha fora e, em alguns casos, é quem sustenta a família. Esta realidade está estampada nitidamente nas escolas. Os pais, pelo fato de se sentirem culpados por essa ausência, ao chegarem do trabalho, acabam tornando-se tolerantes, deixando de ditar os limites e mostrar o que é certo ou errado.

Os pilares da educação infantil, a família, esquecem muitas vezes que educar é

Promover o crescimento e o amadurecimento da pessoa referente a todas as suas dimensões, tanto material, moral como também religiosa. Os pais esquecem que a célula mãe da sociedade é a família. Se a família não vai bem, a sociedade perece.

A principal carência dos filhos é a falta de ética dos pais, onde estes deixam de dar amor e atenção aos filhos, são omissos e estão ausentes na educação destes, e ainda muitos dizem que este papel de educadores são deles, mas sim da escola. Observa-se um dos principais erros cometidos por eles: não ter tempo para os filhos e jogar suas obrigações e responsabilidades para a escola. Os pais esquecem que educar os filhos significa estar com eles e acompanhá-los no dia a dia.

Então a escola e o  educador deverá desafiar o educando na construção de uma moralidade que seja  autônoma, assim, cada criança torna-se participante na tecelagem de um novo ambiente social. É preciso dirigir o caminhar desde cedo, pois os conflitos estarão sempre presentes, mas este desafio precisa ser encarado mais de perto e com urgência pelos pais, tanto como, a educação moral deverá ser incluso nos currículos escolares, para dar uma melhor direção e sentido ao ser humano.

Portanto, o educador possui um papel fundamental na formação ética e moral do indivíduo, principalmente na educação infantil, onde se inicia a vida escolar.

Trabalhamos a ética e a moral na educação infantil vivendo-as, demonstrando-as aos nossos alunos através dos nossos atos, da nossa postura, das atitudes e dos valores aos quais acreditamos. Não se ensina moral e ética, vivencia-se.

4 Considerações Finais 

De La Taille (1996) traz uma reflexão muito importante para concluir essa discussão. Coloca que atualmente vivemos em uma sociedade com muitos problemas éticos e morais e fala-se muito em colocar limites nas crianças para que essas saibam ser bem-comportado nos padrões de moralidade. O autor teme que voltemos então a ter um caráter imperioso frente aos pequenos embasados no poder do adulto.

O autor entende que a escola e a família há tempos atrás eram “adultocêntricas”, ou seja, as crianças deviam se adaptar ao mundo adulto, realizando aquilo que os pais e professores determinavam e agora se tornaram “puericêntrica”, ou seja, são as crianças que determinam o que os pais e professores devem fazer, e esses precisam se adaptar aos pequenos.

O que temos então é uma sociedade em que não se respeita os direitos humanos mais básicos como o direito à alimentação, o direito à educação e o direito à saúde. Os princípios éticos universais, a justiça, a liberdade e a dignidade estão fragilizadas. Vivemos em uma sociedade infantilizada, fortemente marcada pela heteronomia moral. A ética, ou melhor, a falta dela.

Concluindo, faz-se urgente achar novamente o fio condutor, os trilhos que conduzem a uma sociedade ética, para que as futuras sociedades consigam viver em harmonia, ou pelo menos, em uma relação de respeito mútuo. E para tal precisa-se partir da educação de nossos pequenos, que hoje ainda estão nos bancos escolares, estando aí a verdadeira função da educação atual. Formar o homem para o mercado é ilusão, pois, se não se centrar as ações na busca do ser humano ético, corre-se o risco que o mesmo venha a por em risco sua própria existência no planeta.

Na realidade atual é possível que a educação escolar seja (re) pensada a fim de mostrar aos pequenos cidadãos, que é possível, sim,  haver mudanças no comportamento humano a partir da educação desde que esta seja oferecida para evidenciar os valores indispensáveis a vivência em sociedade.

No espaço onde foi desenvolvida esta pesquisa com um grupo de criança, foi observado que não havia desvio de conduta, ou seja, comportamento inadequado, ainda que algumas destas crianças sofram por conta dos problemas que afligem as suas famílias, são crianças, que expressam um enorme desejo de felicidade, e que possam ser bem cuidadas, mas perguntadas sobre se queriam ter uma vida de luxo e riquezas eles relutam em responder e logo afirmam que se for para viver com sua mãe, sim, eles não renunciam a sua mãe, embora alguns tenham pai, são crianças que estudam, tem um rendimento satisfatório, e alguns fazem pequenos trabalhos com a família, trabalhos estes que lhes rendem alguns reais a mais para seu lanche.


Brincam e se divertem com seus pares, e entre os grupos não existem diferenças nas brincadeiras, reflito na questão regional e cultural do seu contexto, e seus valores são incrivelmente corretos dentro da perspectiva da pesquisa, uma comunidade onde tanta violência é presenciada por estas crianças, pode-se  observar  que almejam dias melhores, porém dentro do que requer  a sociedade. 

Somente a sociedade está acima dos indivíduos. Portanto, é dela que emana toda autoridade. E ela que comunica, a tais ou quais qualidades humanas, este caráter sui generis, este prestigio que eleva acima de si próprio os indivíduos que o possui.  (PIAGET, 1994. P.264)

Nos excelentes estudos de Piaget (1994) sobre o desenvolvimento moral da criança, puderam ser pensadas agora, sugestões e indicações para a área de Educação Moral. Nessa perspectiva, Educação Moral, Educação em Valores, Ética ou Educação para a Cidadania, já mostravam suas proximidades e implicavam na educação para a reconstrução e adoção, livre e consciente, de regras, valores e princípios morais que são orientadores de uma vida harmônica em sociedade.

Autores como Piaget (1994) De Vries e Zam (1998); La Taille (2006); entre outros Afirmam, que nesta educação, regras, valores e princípios que norteiem  como viver numa sociedade justa e harmoniosa, sejam mencionados, examinados e reconstruídos, mesmo que a sociedade atual não seja, muitas vezes um espelho para tal construção. Além disso, todos concordam que essa educação se dê por meios baseados no diálogo, na participação, no respeito, enfim, procedimentos e estratégias que se coadunem com a construção de indivíduos autônomos.

REFERÊNCIAS 


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