OS TRIBUNAIS DE CONTAS E O CONTROLE EXTERNO

Prefiro os que me criticam porque mecorrigem aos que me elogiam porque me corrompem.(Santo Agostinho)

Introdução

Um dos mais graves problemas que o país enfrenta atualmente é a fraude, a corrupção e o desperdício, em todos os níveis da vida nacional.

O Setor Público, em particular, tem sido sistematicamente acusado de ser a maior área de concentração desse problema.

Nesse caso, o Brasil tem ocupado uma colocação que deixa muito a desejar ou até entender, dentre os demais países. Um indicador bastante significativo mostra que temos o Produto Interno Bruto (PIB) em 11º lugar perante as outras Nações, mas em compensação somos 76º lugar em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), isso de acordo com os últimos dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Sabendo-se ainda que a carga tributária suportada pelos brasileiros gira em torno de 38%, é lícito supor que existe uma produção econômica de grande relevância, mas que esses recursos não chegam em forma de bens e serviços à população.

É de se supor que os recursos gerados endogenamente estão sendo apropriados por uma parcela pequena da população, o que gera concentração de renda, ou que os recursos produzidos estão sendo alocados, via orçamento público, para toda a população, que no entanto não aufere benefícios porum setor público ineficiente que operacionaliza o sistema com políticas públicas inadequadas.

Considerando a primeira alternativa, entende-se que o problema é exclusivamente de política de governo e seu equacionamento passa necessariamente, pela solução democrática das urnas eleitorais.

Na Segunda, entretanto, o problema é mais grave, não apenas atribuído ao governo, mas do controle que deve ser exercido das ações do governo, através de auditorias, esse sendo papel exercido pelos Tribunais de Contas.

Os Tribunais de Contas e a Sociedade

Em um regime democrático o controle é fundamental para as relações entre Estado e Sociedade.

A Sociedade é dinâmica, evoluem os costumes e as práticas, e conseqüentemente as necessidades e valores, com isso se delineiam novos panoramas administrativos, exigindo do controle uma constante atualização.

Voltando à época do Império, a conotação de controle, mesmo existente, era bem diversa da dos dias atuais. O Imperador era inviolável e os Ministros "Irresponsáveis". O exercício de controle era apenas sobre os funcionários subalternos.

Com a proclamação da República, Ruy Barbosa cria o TCU, que na época não funcionou de fato.

Em 1891, com o advento da Constituição Federal, art. 89, o TCU passa a exercer suas atividades.

Atualmente existem o TCU, os TCE's, o TCDF e alguns TCM's, esses especificamente nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, pertencentes à estrutura de governo dos próprios municípios.

Nos Estados do Ceará, Goiás, Bahia e Pará, existe um TCM, que fazem parte da estrutura d governo do Estado.

Dentre as competências vale ressaltar que os recursos federais aplicados por qualquer ente federado são auditados pelo TCU; os recursos estaduais pelos TCE's, recursos distritais, pelo TCDF e os recursos municipais pelos TCE's ou TCM's, se houver.

A expressão "todo território nacional" do art 73 da CF, não significa que o TCU pode fiscalizar sempre União, Estados, DF e Municípios, pois tudo depende da origem desses recursos.

Por força do art 75 da CF o Controle é exercido sobre as funções administrativas de Órgãos e Poderes, não controlando as atividades legislativas e judicantes.

A fiscalização se prende à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, respeitando a discricionariedade do administrador.

O art 14 da LRF (Lei nº 101/2000) dispõe sobre a renúncia de receita, deixando claro que qualquer concessão ou ampliação de incentivo de natureza tributária, do qual decorra renúncia de receita, deverá ser acompanhada da estimativa de impacto orçamentário – financeiro no exercício em que deve iniciar sua vigência e nos dois seguintes, acompanhada das medidas de compensação nesse período, que podem ser de aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

O momento da fiscalização pode ser a priori, concomitante e a posteriori, mas sempre com relação a um ato administrativo editado, relacionado com a aplicação de recursos públicos.

Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre bens ou valores públicos são passíveis de fiscalização pelo controle externo, respeitando-se a origem desses recursos.

As organizações sociais também entram no rol dos fiscalizados, quando utilizam recursos públicos.

O fato de não prestar contas enseja Intervenção Federal ou Estadual, conforme previsto no art. 35 e 35 da CF.

Os Tribunais de Contas, são dotados de autonomia administrativa, orçamentária e financeira, não subordinados ou vinculados a qualquer um dos Poderes ou Órgãos de permeio (MP).

São organismos de auxílio (art. 73 c/c 96 da CF).

Da mesma forma não existe hierarquia entre os Tribunais, da União, Estados ou Municípios.

Os Tc's são Tribunais administrativos, e em conseqüência, suas decisões são administrativas respeitando DPL (devido processo legal), podendo ser apreciadas pelo Poder Judiciário, sendo esse o entendimento do STF. Algumas correntes doutrinárias (Pontes de Miranda, Seabra Fagundes e Jorge Jacobi) defendem a natureza judicante das decisões dos TC's que "julga" as contas (art. 71, II da CF.).

As decisões dos Tribunais de Contas terão eficácia de Título Executivo extrajudicial. (Art. 585, VII do CPC.)

É interessante observar que, em caso de falecimento do responsável pelo dano ao erário público, a cobrança deverá recair sobre seus sucessores, no limite do seu quinhão. (Art. 5º, XLV, da CF).

Com relação às contas dos chefes de Poder executivo, os TC's não as julgam, mas sim emitem parecer prévio, cabendo ao legislativo o seu julgamento, porém há que se notar a obrigatoriedade desse parecer.

Todos os demais responsáveis pela aplicação de recursos públicos devem prestar contas aos TC's. para o julgamento definitivo no âmbito administrativo, sejam estes da administração pública direta ou indireta.

Tribunais de Contas e Competências

Além das obrigações já descritas, os TC's também fiscalizam e apreciam a legalidade, para efeitos de registro, das admissões de pessoal de toda a administração pública direta e indireta de todos os Poderes, tanto aquelas que resultam de concurso público, como as de contratação por prazo determinado (art. 37 da CF).

Da mesma forma aprecia a concessão de aposentadorias, reformas e pensões dos servidores públicos.

Já, os cargos em comissão não são objeto de fiscalização pelos Tc's.

Também são da competência dos TC's a realização de auditorias e inspeções de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes legislativo, Executivo e Judiciário, além de outras da administração indireta, estando isso previsto no art 71 c/c 75 da CF.

Além disso, presta informações quando solicitado pelo Congresso Nacional, ou sua Comissões, ou ainda os órgãos colegiados do Poder Legislativo, não podendo apenas um parlamentar solicitar essas medidas isoladamente.

Também fiscaliza as contas nacionais de empresas supranacionais de cujo capital a União participe, nos termos de tratado constitutivo (Ex: No caso de Itaipu, o TCU fiscaliza as contas nacionais e seus dirigentes).

O importante é que nenhum recurso público deixe de ser fiscalizado.

É necessário lembrar que as transferências constitucionais tributárias, previstas na CF, não são recursos federais, são dos Estados e Municípios, devendo ser fiscalizados pelos TC's Estaduais ou Municipais quando for o caso.

Tribunais e Sanções

A aplicação de sanções a gestores, em caso de ilegalidade de despesas ou irregularidade de contas, além de outras cominações, como multa proporcional ao dano causado, também estão previstas no art. 71, VIII, c/c 75 da CF.

O STF já decidiu em RE 190.985, que a multa não está adstrita à existência de dano. Pode o TC aplicar multa por outros motivos previstos em lei, sem que necessariamente haja dano ao erário, ou ainda outras penalidades.

Também têm os Tc's o Dever de Representação (art. 71, XI c/c 75 da CF.) ao poder competente, sobre irregularidades ou abusos apurados no curso dos processos, mas que a apreciação caiba a outro Órgão ou Poder.

São exemplos disso: envio de cópias dos autos ao Ministério Público para a apuração de ilícitos penais, representar ao governador para fins de intervenção, a Câmara de vereadores para fins de cassação, etc.

O art. 72 c/c 75 da Cf, prevê auxílio do TC às Comissões mistas Permanentes (art 166, § 1º da CF), quando de indícios de despesas não autorizadas, sejam essas de que naturezas forem, ficando, porém ao cargo do Congresso Nacional a sustação das despesas não esclarecidas nos prazos estabelecidos em lei.

Com relação às despesas infraconstitucionais, as leis que as previrem devem estar em sintonia com a Constituição Federal.

Tribunais de Contas e Denúncias

O artigo 74, §2º da CF preconiza que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legitima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU.

Todos os controles internos dos organismos que administram recursos públicos deverão, ao tomarem conhecimento de irregularidades ou ilegalidades, dar ciências ao TC, sob pena de responsabilização solidária.

O TCU é composto por 09 (nove) Ministros, escolhidosconforme prevêem os artigos 73, 75 c/c 52, III da Constituição Federal.

Já os TCE'S ou TCM's terão 07 (sete) Conselheiros, escolhidos da mesma forma.

É importante lembrar que para ocupar o cargo, o Ministro ou Conselheiro pode ser brasileiro nato ou naturalizado (art 12, CF).

No Estado o Governador indica 03 Conselheiros e a Assembléia indica os outros quatro.

Conclusão

O controle é parte integrante e essencial de qualquer processo de produção de bens e serviços. Não deve ser diferente com os bens e serviços públicos.

Além do controle da legalidade, economicidade, ênfase maior deve ser dada nos resultados e na efetividade dos programas de governo que carreiam para si os recursos públicos.

Para poder contribuir de forma efetiva para o êxito dos empreendimentos públicos, o controle precisa atuar nas diversas etapas, desde a sua concepção, como o acompanhamento da sua execução, detectando desvios e anomalias em tempo compatível com a introdução de medidas corretivas e preventivas, realimentando sempre o processo.

O controle só pode ser considerado efetivo quando contribui de modo tempestivo na consecução dos objetivos propostos por uma política de programas governamentais. Pronunciar-se depois do dano causado, limitando-se a identificar os responsáveis e o montante dos prejuízos não basta, é uma disfunção em termos de atuação esperada pelo controle.

Sabe-se também que, afinal, nem todo ato de má gestão é ilícito, que até os empreendimentos patrocinados pelo poder público também envolve riscos, mas se se entender o controle como instrumento de pronta ação em atitudes corretivas, pode-se minimizar os efeitos nocivos das decisões que se mostram equivocadas.

Também vale ressaltar que a incompetência administrativa, na maioria das vezes não constitui ato ilícito e a aferição de responsabilidades, de natureza eminentemente jurídica, deveria ser a exceção e não a regra.

Na prática, contudo, as ações de controle exibem inúmeras deficiências. O acompanhamento físico da execução de projetos públicos se dá por amostragem e é limitado por inúmeras variáveis, sejam de cunho político ou simplesmente técnico. O excesso de formalidade carece de tempo e produz bases frágeis de análise, que ficam à mercê de validação técnica específica.

Quando as falhas não são eventuais, mas sim provocadas por imperícia e observam-se danos intencionais e danos ao erário, ainda na nossa prática atual e legal, o controle pode apurar e recomendar, mas não executar propriamente, sua atuação é essencialmente coadjuvante, auxiliar daqueles que detêm a competência.

Entende-se que o controle é um instrumento gerencial, mas ao reforçar, no contexto brasileiro, o papel de nossas Cortes de Contas, pouparia esforço e tempo, dando-lhe maior capacidade técnica e operacional, minimizando os resultados nefastos da má aplicação dos dinheiros públicos.

Bibliografia

Rocha, C. Alexandre Morim. http: // www.planalto.gov.br/CCIVIL/consulta pública/agencia nacional.htm.

Fernandes, Valdecir Sistemas de Controle Externo. www.Resumos Concursos.hpg.com.br.

Toledo Jr, Flávio C. de. Rossi, Sérgio Siqueira .Manual Básico da Lei de Responsabilidade Fiscal.. http://www.tce.sp.gov.br

Autora: Julia I. Koster

Advogada, Professora e doutoranda em 
    Ciências Jurídicas e Sociais.