Os trabalhadores rurais, o trabalho a céu aberto e o adicional de insalubridade

(in)possibilidade do reconhecimento do dever de pagamento do adicional à trabalhadores rurais submetidos às condições do tempo

                                                              Patrícia Nunes Guimarães1 

Sumário: 1- Introdução; 2-Saúde e Segurança no trabalho rural; 3- Doenças ocupacionais causadas por agentes nocivos, aos quais se submetem os trabalhadores rurais; 4- Prova técnica: instrumento hábil para demonstrar o direito ao adicional de insalubridade; 5- conclusão

                                                                     RESUMO

Realiza-se um estudo a cerca do que caracteriza um trabalhador rural. Ressalta-se a relevância das normas regulamentadoras do trabalho a céu aberto. Destacam-se os agentes nocivos que ensejam direito à adicional de insalubridade.

                                             PALAVRAS-CHAVE

                 Trabalho rural. Insalubridade. Agentes nocivos. Prova técnica

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1 Acadêmica do 7° período do curso de Direito da UNDB ([email protected])


1-INTRODUÇÃO

Conforme o art. 2º da Lei 5.889, trabalhador rural é toda pessoa física que, em propriedade rural presta serviço de natureza não eventual a empregador rural sob a dependência deste e mediante salário. Equipara-se ao empregador rural a pessoa jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante a utilização do trabalho de outrem.A jornada do trabalhador rural é de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais.O regime de prorrogação da jornada é o mesmo aplicado ao trabalhador urbano.

O trabalhador rural não detém os meios de produção, ele vende sua força de trabalho. Logo, deve ser amparado pelo princípio protecionista. Além disso, na concessão de benefício previdenciário ao trabalhador rural, razoável se torna a aplicação do princípio do in dubio pro misero, visto que a norma regulamentadora 15 fala em limites de tolerância para a exposição ao calor. Ademais se deve atentar para o princípio da primazia da realidade, pois o que importa são as condições reais de tempo à que são submetidos os trabalhadores rurais.

2- SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO RURAL

A avaliação ambiental nas demandas judiciais de adicionais de risco apresenta as seguintes premissas:

O direito do empregado ao adicional de risco independe de ter sofrido danos pessoais. Ou seja, independe de apresentar seqüelas de acidentes ou de doenças do trabalho. A perícia judicial trata da caracterização de uma situação de trabalho em condição insalubre, baseando-se nos critérios técnicos legais;

A caracterização da condição insalubre restringe-se às situações definidas pelas NR 15, não prevalecendo conceitos genéricos e subjetivos de risco,pois não foi intenção do legislador englobar todos os riscos de acidentes ou à saúde para garantir o adicional de risco;

A perícia técnica de insalubridade não deve ser feita em cima de princípios subjetivos de inspeções de segurança.

Além da NR 15, é importante citar também a norma regulamentadora 21, que trata especificamente do trabalho a céu aberto, devendo ser considerados os seguintes requisitos:

  • É obrigatória a existência de abrigos, ainda que rústicos, capazes de proteger os trabalhadores contra intempéries;

  • Serão exigidas medidas especiais que protejam os trabalhadores contra a insolação excessiva, o calor, o frio, a umidade e os ventos inconvenientes;

  • Aos trabalhadores que residirem no local do trabalho deverão ser oferecidos alojamentos que apresentem adequadas condições sanitárias;

  • Para os trabalhos realizados em regiões pantanosas ou alagadiças, serão imperativas as medidas de profilaxia de endemias, de acordo com as normas de saúde pública;

  • Os locais de trabalho deverão ser mantidos em condições sanitárias compatíveis com o gênero de atividade.

3- DOENÇAS OCUPACIONAIS CAUSADAS POR AGENTES NOCIVOS, AOS QUAIS SE SUBMETEM OS TRABALHADORES RURAIS

 O artigo 189 da CLT prescreve:

Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Os agentes nocivos classificam-se em: Químicos (chumbo, poeiras, fumos, produtos químicos em geral); Físicos (calor, ruídos, vibrações, frio) e Biológicos (doenças infecto-contagiosas, bactérias, lixo urbano, bacilos). Devido à exposição a esses agentes nocivos, os trabalhadores rurais podem ser acometidos das seguintes doenças ocupacionais: (lista do Ministério da Saúde)

Queimadura Solar (L55): causada por exposição em excesso aos raios ultravioletas.

Outras Alterações Agudas da Pele devidas a Radiação Ultravioleta (L56.): Dermatite por Fotocontato (Dermatite de Berloque) (L56.2); Urticária Solar (L56.3);

4- PROVA TÉCNICA: INSTRUMENTO HÁBIL PARA DEMONSTRAR O DIREITO AO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

INSALUBRIDADE. PROVA TÉCNICA. VALOR. IDENTIFICAÇAO DE AGENTES. ADICIONAL DEVIDO.

Nos casos em que há pedido de insalubridade, a realização da prova técnica é medida imperiosa, em consonância ao disposto no art. 195 da CLT, pelo seu imenso valor na formação do convencimento do julgador. Destarte, quando o perito faz inspeção no ambiente laboral e identifica a presença de agentes nocivos à saúde do trabalhador em níveis que ultrapassam os limites traçados na Norma Técnica respectiva, tem-se como conclusão inafastável a necessidade de ser deferido o adicional devido no grau em que vier a ser apurado.

Vejamos a seguinte jurisprudência

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PROVA TÉCNICA. O inconformismo da reclamada contra a conclusão acerca do labor sob condições insalubres, decorrentes de câmara fria, aferida em laudo realizado por Perito Engenheiro é despicienda, pois prova técnica somente comporta impugnação por outra da mesma natureza. O trabalho em baixas temperaturas impõe mesmo o pagamento do adicional de insalubridade, nos moldes do art. 192 da CLT. (TRT/SP - 00292200743302008 - RS - Ac. 4aT 20090260982 - Rel. Paulo Augusto Camara - DOE 28/04/2009) (grifo nosso)

Comparando o julgado supracitado com o caso dos trabalhadores rurais em questão, o adicional de insalubridade poderia ser aplicado por analogia, pois, a única coisa que diverge entre a jurisprudência acima e a exposição de trabalhadores rurais às altas ou baixas temperaturas, é que na jurisprudência citada trata-se de uma câmara fria, um ambiente fechado, enquanto que os trabalhadores rurais realizam suas atividades a céu aberto.

Vejamos outro julgado para posterior análise

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - TRABALHO A "CÉU ABERTO" - É notório o conhecimento dos malefícios que a exposição excessiva a raios solares podem causar à saúde humana (desidratação, insolação, danos à retina e córnea, melanomas - câncer de pele). Não obstante tal fato, não há como se enquadrar legalmente tal atividade nos quadros da NR 15, anexo 7 e muito menos nos anexos 9 e 10 da citada norma, como pretendeu o sr. Perito vez que, como constatado, a utilização de EPI's - botas, capas de chuva - afastariam o agente nocivo, no caso a chuva (umidade). Matéria exaurida pela OJ 173, SDI-I, TST. (TRT/SP - 01351200405602003 - RO - Ac. 4aT 20090487880 - Rel. Ivani Contini Bramante - DOE 03/07/2009) (grifo nosso)

Percebe-se na jurisprudência acima, que o uso de EPI (equipamento de proteção individual) afasta a insalubridade. Porém, é importante ressaltar que não basta o fornecimento do EPI ao empregado por parte do empregador, pois é obrigação deste fiscalizar o empregado de modo a garantir que o equipamento esteja sendo utilizado.

Para a Justiça do Trabalho o fato de comprovar que o empregado recebeu o equipamento (por meio de ficha de entrega de EPI), por exemplo, não exime o empregador do pagamento de uma eventual indenização, pois a norma estabelece que o empregador deva garantir o seu uso, o que se faz através de fiscalização e de medidas coercitivas, se for o caso.

Segundo Martins e a Orientação Jurisprudencial nº. 4, I, da Subseção I do TST rege o seguinte: "Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho". 2

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Logo, a prova técnica é um instrumento hábil, porém, acessório, pois o laudo pericial por si só não justifica o adicional de insalubridade, é necessário previsão legal.

De acordo com José Augusto Rodrigues Pinto a constituição da prova técnica se dá por meio da elaboração de quesitos submetidos a exame para respostas objetivas do perito, e tem por finalidade estabelecer a área de investigação e das respostas dos técnicos, e assim esclarecer os fatos para a formação da convicção do juiz. 3

Ou seja, a prova técnica trata de matéria de fato e serve para formar a convicção do juiz. Vejamos a seguinte jurisprudência

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO INSALUBRIDADE. TRABALHO A CÉU ABERTO.Ainda que a OJ-173/SDI-1/TST vede o adicional de insalubridade por exposição do trabalhador aos raios solares, um outro agente nocivo ao empregado que trabalha a céu aberto encontra previsão normativa no anexo 3 da NR-15, qual seja, a submissão excessiva ao calor em ambientes externos com carga solar. Provimento parcial. . INSALUBRIDADE OU PERICULOSIDADE (EM GERAL), Enquadramento oficial. Requisito Número: 20100201282 (grifo nosso)

5- CONCLUSÃO

Assim, conclui-se que apesar da jurisprudência majoritária vedar o adicional de insalubridade aos trabalhadores rurais, o que há na verdade é um contra senso entre matéria de fato (prova técnica) e matéria de direito (legislação).

2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

3 PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7. ed. São Paulo: LTr, 2005.

                                                              REFERÊNCIAS

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7. ed. São Paulo: LTr, 2005.