A apropriação de terras no Brasil foi historicamente direcionada para grupos econômicos e famílias tradicionais. Paralelamente, os trabalhadores rurais, passaram a ocupar e, depois comprar, terras que não eram propícias para a agricultura exportadora. Pequenos produtores puderam concentrar-se em pequenas propriedades, geralmente voltadas para a agricultura de manutenção familiar. Ao mesmo tempo, as políticas públicas foram esvaindo-se: dificuldade de acesso ao crédito, a educação, saúde, moradia adequada. Estão em áreas rurais, os maiores índices negativos de condições de vida e, a crescente expropriação de suas pequenas propriedade. Os assalariados rurais e pequenos produtores, não podendo manter a vida no campo, tendem a abandonar as atividades agrícolas e, inchar as cidades. Ou seja, o chamado crescimento positivo existente nas áreas urbanas, seria fruto do processo crescente do êxodo rural, acentuado, no Brasil, especialmente a partir da década de 1960.

Esta situação tende a se agravar, ao contrário de vozes “reluzentes” que colocam a possibilidade do crescimento positivo das populações rurais camponesas. Acreditam alguns pensadores que grande parte dos municípios brasileiros possuiria características rurais, ou seja, não sendo urbanos em sua essência. Empregam o conceito de rurbanidade para designar tal situação. Termo possivelmente cunhado, pela primeira vez, por Gilberto Freire é atualmente apropriado e redimensionado por geógrafos. Conceito, ainda em construção, não possuiria base teórica suficiente que o apresentasse em todas as suas dimensões, tendo em vista que a suposta ruralidade existente na vida urbana, seria apenas fruto das necessidades imediatas dos envolvidos que, em pouco tempo, tende a se esvair com a emergência de novas gerações. A característica urbana vai se acentuando e prevalecendo sobre o que mantinha o homem ligado a terra. Parece-nos que não possuímos demonstração efetiva de que a rurbanidade seja algo presente na sociedade. O que temos é um capitalismo que necessitou ser redimensionado e, este em sua vertente agrária, impulsionaria mudanças para concretizar os interesses que lhes são inerentes, sem, entretanto, modificar relações que não correspondam as suas necessidade. Mesmo com o programa de Reforma Agrária do INCRA que voltou ao campo alguns camponeses, a situação não pôde ser sentida na forma de mudança frente ao processo de organização capitalista no campo. Este programa de Reforma Agrária, apenas pôde ser efetivado através de lutas camponesas, com a insurgência dos diversos movimentos em luta pela terra existente no Brasil.

Estando as condições de acesso a terra e de manutenção da vida no campo constantemente ameaçadas pela forma como o capitalismo brasileiro compreende o papel do camponês, buscaremos demonstrar como as condições apontadas acima, tende a ser parte constituinte do capitalismo e, como este dimensiona suas ações na forma de conceber as políticas públicas. A temática acima, será vista sob a demonstração de como a distribuição de mercadorias possui sobre a condição de vida do camponês, resultando no processo de exclusão social, inerente ao sistema capitalista.


Marx(1999), em Para a crítica a economia política, demonstra que não estaria na produção a regulação das atividades capitalistas, mas sim, no processo de distribuição. Este processo, estaria, em primeiro lugar, centrado na distribuição de produtos e, na distribuição de membros da sociedade pelos diferentes tipos de produção. Em suas palavras:

“ antes de ser distribuição de produtos, ela é: primeiro, distribuição dos instrumentos de produção, e, segundo, distribuição dos membros da sociedade pelos diferentes tipos de produção, o que é uma determinação ampliada da relação anterior. (Subordinação dos indivíduos a relações de produção determinadas( MARX,1999:36)”.


Esta situação, por vezes, não é percebida pelo camponês, tendo em vista que o capital expõe em constante propaganda que a produção determinaria a distribuição, com a chamada lei da oferta e da procura. Empiricamente, pode-se perceber que não poderia produzir mais se não existe procura. Assim, por essa lógica, a produção estaria vinculada tanto a comercialização de produtos como a dinamicidade da economia. Entretanto, se observarmos sob outro ponto de vista, a vida do camponês pode ser visualizada da seguinte forma: o capital distribui diferenciadamente os instrumentos de trabalho ou as formas de aquisição desses instrumentos. Assim, ao campo, resta o trabalho com técnicas rudimentares para os tratos culturais, enquanto para o latifúndio agro-exportador, a mais recente tecnologia produzida; o camponês possui, também, escolas de qualidade inferior ou mesmo a não-escola; postos de saúde pública nas áreas rurais, geralmente são insuficientes, inadequados ou não possuem capital humano para funcionar, etc. Paralelamente, o capital, distribui os membros da sociedade pelos diferentes tipos de produção, no caso aqui apresentado, o camponês. Este, não obtendo instrumentos de produção adequados, tende a não produzir satisfatoriamente nem para as necessidades pessoais nem para a própria comercialização que lhe permita sobrevida com qualidade. O que significa dizer que esta é uma determinação da distribuição de produtos, subordinando os indivíduos a relações de produção determinadas.


Daí, a produção, no caso, a própria ampliação dos serviços a toda sociedade, estaria comprometida pelo fato de que, na distribuição, já é estabelecido a quem o acesso será permitido. Não basta que existam pessoas que queiram produzir, seria necessário possuir condições econômicas e conhecimento, para que tal atividade possa ser realizada. Além disso, exclui-se anteriormente do acesso a maioria da população que não pode atender os requisitos pré-estabelecidos na distribuição.
Se atualmente houve certa ampliação de acesso, este se fez sob princípios que nortearam as relações de distribuição das mercadorias, como por exemplo, no caso camponês, atuar na produção básica de alimentos para atender a demanda de alimentação nas cidades. Atuam em áreas que não são atraentes para o capital. Esta ampliação, por outro lado, possui limites que o capital tende a tentar controlar, tanto disponibilizando créditos para a produção de alimentos, quanto cessando esses mesmos créditos, na medida em que sua satisfação esteja concretizada e, não possa competir com as ramificações capitalistas, centradas em organizações de repasse do que fora produzido, a exemplo dos supermercados, hipermercados, etc.

Para atingir as metas da distribuição da produção no sistema capitalista, são utilizadas, também, ferramentas de exclusão social. Estas podem ser representadas, como indicado acima, em formas diferenciadas de distribuir a quem os produtos deverão servir. No caso do crédito rural, educação, saúde, por exemplo, aqueles que possuem acesso, nas áreas rurais são os mesmos que não possuíram as condições de acesso dos instrumentos de trabalho. Assim, não poderá possuir máquinas porque o crédito é insuficiente ou ele não atende aos requisitos do capital financeiro previamente estabelecido. E, não possui crédito, tendo em vista que não pode armazenar o suficiente para atender os mesmos requisitos estabelecidos. Ou seja, esta relação perversa, exclui definitivamente os assalariados e pequenos produtores rurais.


No caso da educação, as escolas rurais são consideradas de forma negativa, tanto em seus resultados, como na qualificação dos professores e funcionários, estrutura física( prédios inadequados e insuficientes), acesso aos meios de comunicação de última geração (estes permanecem sob a tutela das grandes corporações) e, condições mínimas de funcionamento. A educação ao ser destinada a camponeses, no sistema capitalista brasileiro, é efetivada como inferior a da cidade, e nesta, a das escolas privadas. A distribuição de produtos passa a ser diferenciada entre os diversos membros da sociedade, em escalas que possam perpetuar a subordinação dos indivíduos a essa forma de conceber a sociedade.

No caso da saúde, semelhante à educação, os postos de saúde, não funcionam adequadamente, faltando remédios, médicos qualificados, agentes de saúde em geral. Mesmo que indivíduos possam se deslocar para as cidades para atendimento de saúde, este atendimento, também, passa a ocorrer em hospitais inadequados, com problemas semelhantes aos postos, apenas uma infra-estrutura um pouco diferenciada, não necessariamente, melhor. Entretanto, ainda existem as diversas escalas de diferenciação: desde planos de saúde (e entre estes, diversas diferenciações de qualidade), a clínicas e hospitais qualificados para o atendimento da clientela que possa pagar. Este tipo de política pública, leva em consideração a não necessidade do camponês. Este pode ser descartado, entregue ao alcoolismo, as doenças degenerativas, a morte, tendo em vista que a única preocupação do capital estaria concentrada na reposição da vida, através dos filhos dos camponeses. Não importando se estes são descartados, por qualquer que seja a forma utilizada.


O camponês, sem crédito, educação e saúde, passa não poder realizar as atividades de produção que o capital diz querer ampliar. Assim, o crédito passa ser insuficiente e destinado aqueles que correspondem aos juros estabelecidos pelo capital financeiro. Com conhecimento limitado, pela educação científica insuficiente e inadequada a realidade do campo, não pode assegurar ampliação de tecnologias, a não ser aquelas que não requeiram maiores recursos ou, aquelas destinadas aos pequenos produtores, geralmente impulsionadas por Organizações não Governamentais; de políticas de desenvolvimento sustentável, criadas pelo Estado ou de organismos, também impulsionados pelo Estado, como o sistema “S”, composto por 11(onze) entidades, das quais os mais representativos são: SENAI(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), SENAC(Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio), SEBRAE(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) estão presentes desenvolvendo a suposta qualificação do trabalhador. Estas entidades, de uma forma ou de outra, demonstram qual qualificação o capital pretende para o trabalhador, especialmente, aqueles que no processo de distribuição de produtos, deverão permanecer na última escala da pirâmide social.


O SENAR, cuja “missão é desenvolver atividades de Formação Profissional Rural e atividades de Promoção Social voltadas para o "Homem Rural", contribuindo com sua profissionalização, integração na sociedade, melhoria da qualidade de vida e pleno exercício da cidadania( http://www.senar.org.br/ acessado em 30/11/2007)”, não consegue atingir os princípios que ele mesmo defende como sendo sua missão, por diversos fatores: desde os recursos insuficientes, a forma como as políticas são desenvolvidas, direcionando o “ Homem Rural”, como assim é denominado o camponês brasileiro, a técnicas de sustentabilidade sobre a lógica da submissão. O camponês que participa desses cursos, não aprende como operar tecnologias de última geração que possa possuir em suas pequenas propriedades. A tecnologias apenas são vistas sob a ótica da classe patronal, visando a formação de mão-de-obra excedente para a utilização por parte do capital quando achar conveniente.

Ou seja, tanto o sistema “S” designado assim por possuir a maioria de suas entidades iniciadas pela letra “s”, como as demais formas de organização da vida camponesa, acima explicitadas, impulsionam, através da distribuição de produtos, o processo de exploração e dominação estrutural, não importando se há "boa intenção" dos setores envolvidos, pois é além de suas forças. Assim, fortalecem as relações de subordinação as condições que o capital necessita. Se o camponês se tornar escasso o suficiente para atentar contra o sistema de exploração capitalista, este poderá ser beneficiado, como ocorre em alguns países ditos desenvolvidos. Entretanto, em economias subdesenvolvidas, de capitalismo dependente, esta situação tende a permanecer, tendo em vista que as condições objetivas, centradas na distribuição de instrumentos e de membros da sociedade nos diferentes tipos de produção, não apontam mudanças nesse sentido.

Aos movimentos sociais(e não apenas aqueles em luta pela terra, mas a sociedade civil organizada), restariam lutas políticas que colocasse em xeque a estrutura agrária brasileira, os modelos educacionais centrados no processo de exclusão e, os modelos de saúde pública, concentrado na doença e na morte dos trabalhadores. Se a questão passa pela Reforma Agrária, não pode se limitar a ela. Ou seja, continuar mantendo o trabalhador no campo, sem condições adequadas de vida que se assemelhe aqueles agrupamentos sociais que possuem tecnologias, educação e saúde em quantidade e qualidade suficientes, seria o mesmo que condenar ao trabalhador ao processo de subordinação ao capital em todas as suas modalidades, mantendo-o na última escala da pirâmide social. Seria necessária, a efetiva ampliação do processo de democratização dos meios de produção e, ao mesmo tempo, propiciar condições para que a distribuição possa ser igualitária, buscando excluir a forma de distribuição dos membros da sociedade em condições infinitamente diferenciadas daquelas que o capital diz defender. Esta situação, não pode ser respondida sob a orientação capitalista, sob a lógica de produção e de distribuição que este sistema impõe ao conjunto da sociedade. Daí, porque o chamado desenvolvimento sustentável dos camponeses não pode ser realizado. Seria o mesmo que condenar o capitalismo a sua destruição. Este desenvolvimento, dito sustentável, nesse tipo de organização social, apenas pode ser apresentado, sob a lógica da separação dos instrumentos de produção necessários para o efetivo desenvolvimento social. Separa-se também, os sujeitos envolvidos do acesso a tais instrumentos. Mais do que questionar, seriam necessárias medidas, inclusive, de não cooperação com tais formas de conceber o desenvolvimento do camponês e de confronto com as formas de distribuição.