Nos ordenamentos jurídicos das atuais sociedades democráticas é comum surgirem questões que, devido à grande repercussão que adquirem e até mesmo à comoção social que geram, são capazes de levar o poder público a tomar decisões as quais podem não se constituir benéficas para as sociedades de tais ordenamentos. Tais questões são, na maioria absoluta das vezes, dotadas de uma complexidade ímpar e devem ser tratadas levando-se em conta essa peculiaridade. Para ilustrar o assunto e dar-lhe um dinamismo que facilitará sua compreensão, empreender-se-á a seguir uma análise acerca de uma potencial redução da maioridade penal no Brasil.
A participação de menores de dezoito anos em crimes considerados de natureza grave e até mesmo hedionda tem crescido vertiginosamente ao longo das últimas décadas. A implementação de políticas públicas, voltadas à garantia e melhoria da educação básica para crianças e jovens, bem como a concessão de benefícios às suas famílias, com vistas a proporcionar-lhes melhores condições sócio-econômicas, não estão sendo capazes de frear o aumento da criminalidade juvenil. Destarte, quando há o envolvimento de pessoas penalmente inimputáveis em função de sua idade em delitos que ? devido a circunstâncias diversas ? geram grande comoção social, sempre surgem vozes clamando que tais infratores sejam punidos de acordo com a legislação penal comum. No entanto, a maioria daqueles que reclamam por tal mudança não levam em conta as consequências da mesma, tampouco os malefícios que acarretaria.
É lastimável e, infelizmente, inegável que o atual sistema carcerário brasileiro não oferece as mínimas condições para que aqueles que se encontram detidos possam ter uma vida digna e um gradual processo de recuperação social. Muitas vezes, o período de prisão serve apenas como um "intervalo" entre um delito e outro, sendo assustadoramente elevados os índices de reincidência. A super lotação das carceragens, bem como a falta de condições dignas de sobrevivência, contribuem para que as penas se tornem simples punições ? muitas vezes desumanas ? o que não é seu principal papel. Tal realidade contraria preceitos constitucionais, como aquele disposto no art. 5º XLIX, CR/88, segundo o qual "é assegurado aos presos a integridade física e moral". É possível perceber também que em diversas casas de detenção há criminosos com um alto grau de periculosidade dividindo o mesmo espaço com pessoas encarceradas por delitos mais simples. No art. 5º, supracitado, também há uma regulamentação a esse respeito no inciso XLVIII. Segundo tal dispositivo, "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado". A falta de esforços para a reversão desta situação pode ser vista como um caso de inconstitucionalidade por omissão.
Como se pode ver, uma potencial redução da maioridade criminal não se trataria apenas de uma simples modificação no art. 27 do Código Penal, o qual versa que "os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial". Uma minuciosa análise sociológica, aliada a grandes melhorias no sistema prisional, far-se-ia imprescindível a redução advogada por muitos. Vale a pena destacar também que outros dispositivos legais, como os arts. 2º e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente, teriam suas redações modificadas e outros, a exemplo do art. 15 do Código de Processo Penal, passariam a ter uma interpretação diferente da atual.
O caráter reducionista que gira em torno da mudança legislativa almejada perturba aqueles que não visam apenas dar uma "solução rápida" para o problema, mas sim ambicionam agir em suas causas, por meio de um processo paulatino e gradual, com vistas a solucioná-lo da melhor forma possível. Segundo um dos maiores pensadores do Direito Penal, o italiano Cesare Beccaria, a maneira mais eficiente de se evitar crimes não está nem um pouco relacionada a medidas desse tipo. Em sua obra Dos Delitos e das Penas, esse ícone da ciência jurídica assevera que "a maneira mais segura, mas também a mais difícil de previnir crimes é o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da educação" (Ed. CD. 2006). A obra citada foi escrita em meados do século XVIII, época na qual os índices de analfabetismo eram extremamente elevados ? mesmo nas nações mais desenvolvidas e industrializadas do continente europeu ? e ainda assim, as mentes mais favorecidas já percebiam a importância da educação como meio de prevenção de delitos. Cabe aqui salientar que não se trata de um desenvolvimento da educação por meio de políticas públicas de cunho assistencialista, as quais visam unicamente manter os alunos na escola, sem a menor preocupação com o tipo de ensino que recebem ou com aqueles responsáveis por tal ensino.
Certas questões, a exemplo daquela aqui abordada, não podem ser tratadas apenas com vistas a soluções rápidas e demasiadamente simplórias. Quaisquer tipos de reducionismo sempre trazem seus riscos e acarretam consequências que podem ser, até mesmo, irreversíveis. O mais lamentável neste caso é que tais consequências ? principalmente se negativas ? acabam por atingir uma gama de pessoas bem maior do que aqueles que as causaram.