OS REFLEXOS JURÍDICOS DA INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA POST MORTEM: O DIREITO À FILIAÇÃO E SUCESSÃO[1]

 

                                                                                            Gabriela Felix Marão Martins

                                                                                                Myrella Mendes de S. Silva²

Ana Valéria de Miranda Araújo Cabral Marques³

Sumário: Introdução; 1. O Vínculo Jurídico Familiar: Análise Histórica; 2. Reprodução Assistida: Principais Aspectos; 2.1. Formas de Reprodução Assistida Tuteladas pelo Código Civil de 2002; 2.2.  Aspectos Legais da Reprodução Assistida; 2.3 Princípios que amparam a Reprodução Assistida 3. O tratamento jurídico da Inseminação Artificial Heteróloga Post Mortem 3.1 A filiação e os Direitos Sucessórios decorrentes da Inseminação Artificial Heteróloga Post Mortem; Conclusão.

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo analisar os efeitos jurídicos da reprodução humana assistida post mortem no direito de família e das sucessões. Destarte, primeiramente, será feita uma análise a respeito das mudanças em relação ao vínculo jurídico familiar, no que diz respeito ao conceito, características e reflexos jurídicos. Posteriormente será importante apresentar os principais aspectos da reprodução humana assistida, principalmente a heteróloga post mortem, por ser tema de grande controvérsia pois envolve a pessoa de um terceiro no processo e a questão da utilização de material genético de pessoa que já faleceu. O artigo será finalizado apresentando-se quais são e como são tratados os direitos sucessórios e de filiação dos filhos gerados por meio da inseminação artificial post mortem, além das críticas existentes sobre o fato de não haver legislação específica nesses casos e as consequências negativas para as famílias que se utilizam dessa técnica.

 

PALAVRAS-CHAVE: Vínculo Jurídico Familiar. Reprodução Humana Assistida. Inseminação Post Mortem. Filiação. Direito Sucessório.

 

INTRODUÇÃO

O conceito de família hoje em dia no Brasil, não está mais atrelado somente à ideia de descendência, de um ancestral comum e da união de laços genéticos, esse conceito se amplificou e abrangeu também a família formada por relações de afeto e em consequência disso o ordenamento jurídico brasileiro protege também os direitos e garantias dessa família nascida do afeto, além da família formada por laços genéticos.

Tendo isso em vista, e levando-se em consideração as novas técnicas de reprodução humana, como a reprodução humana assistida, houve uma maior diversidade nas formas de formação de entidades familiares, advindas desse contexto de mudança das relações familiares e do conceito de família e esse tipo de família advinda dessas novas técnicas, necessitam de um exame especial de suas particularidades. Desta forma, há uma maior preocupação quanto ao tipo de filiação, quanto aos efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais, quanto à identificação de paternidade do próprio filho, entre outros, no que diz respeito aos nascidos dessas novas técnicas de reprodução humana. Será de grande importância para o desenvolvimento do presente artigo científico, o estudo sobre a reprodução humana assistida, que surgiu com os avanços da medicina como um meio legítimo de um indivíduo que não possui condições de ter filhos pelas formas tradicionais, de tê-los. E a reprodução assistida, seja homóloga, ou heteróloga, conforme a proveniência do material genético utilizado se faz presente no Brasil por meio técnicas médicas, seguindo o regramento específico do Conselho Federal de Medicina (CFM) com a Resolução n° 1.358/92.

Existe uma relevante controvérsia no que diz respeito à reprodução assistida heteróloga, posto que existe a intervenção de um terceiro, doador, participando do processo de inseminação. A Resolução n° 1.358/92 assegura que a identidade desse doador, em tese, não pode ser revelada ao indivíduo que foi concebido por meio da técnica de reprodução assistida heteróloga.

Outra grande controvérsia e que é o principal objeto de estudo do presente artigo, é a reprodução assistida post mortem, fazendo-se necessária a realização de uma análise dos efeitos jurídicos da inseminação artificial post mortem no direito de família e das sucessões, visto que a que a legislação vigente deixa lacunas para inúmeras interpretações doutrinárias. Deste modo, a reprodução assistida seja homóloga, heteróloga, ou post mortem, sem dúvida, repercute juridicamente, visto que da ensejo a inúmeros questionamentos acerca da possibilidade de se atribuir direitos de filiação e sucessórios á pessoa nascida de inseminação artificial, pois há o direito ao conhecimento da origem genética, que se encontra garantido, de modo implícito, pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Desse modo, o objetivo do presente trabalho é analisar, primeiramente, a questão do vínculo jurídico familiar no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-se uma abordagem histórica, uma análise sobre as mudanças a respeito do conceito, das características e reflexos jurídicos do referido vínculo ao longo da história. Logo, após, discorrer-se-á sobre a reprodução assistida heteróloga e sobre a reprodução assistida post mortem, de um modo histórico no país, apontando seus reflexos jurídicos, questões testamentárias e sobre o material genético legado. E por fim, serão levantadas as principais divergências acerca da inseminação artificial post mortem e como, de fato, são tratados os direitos dos filhos gerados por meio dessa técnica, levando-se em consideração o fato de não há legislação específica nesses casos.

1 O VÍNCULO JURÍDICO FAMILIAR: ANÁLISE HISTÓRICA

  1. 1.                  REPRODUÇÃO ASSISTIDA: PRINCIPAIS ASPECTOS

A reprodução assistida é uma técnica médica para casos de infertilidade, surgindo como meio de satisfazer o anseio de ter filhos, ou construir uma família. Essa reprodução se dá por meio da intervenção humana, posto que não há possibilidade de que ocorra naturalmente. É, conforme disserta Maria Helena Diniz (2002), um conjunto de operações que, por meio da intervenção do homem, une os gametas femininos e masculinos para originar um ser humano.

2.1 FORMAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA TUTELADAS PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002 trata do tema apenas no artigo 1597, que traz três situações por meio dos incisos III, IV, V:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

No que diz respeito à conceituação, temos as palavras de Silvio Rodrigues (2002), que define a inseminação artificial homóloga como “a inseminação promovida com material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges”, a heteróloga o autor define como “fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando, ou não, os gametas dos próprios cônjuges”, quanto aos embriões excedentários define como “aqueles resultantes da inseminação promovida artificialmente, mas não introduzidos no útero”. (RODRIGUES, 2002, p. 341).

Importante salientar o grifo do inciso III, que traz o termo “mesmo que falecido o marido”, aqui denominado de “post mortem”, posto que é este o tema do trabalho.

2.2 ASPECTOS LEGAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Devido aos grandes avanços na medicina que inovam nas técnicas de reprodução assistida e ao crescimento cada vez maior de clínicas que especializadas, não existem leis que se adequem à essas técnicas e procedimentos, nem mesmo que regulem os reflexos jurídicos que surgem desses procedimentos. (CREMA, 2008).

No Código Civil Brasileiro, existe apenas um artigo que sobre o tema, e, no entanto, não traz reflexos jurídicos, apenas cita:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Luiz Gabriel Crema (2008) entende que o documento mais completo que regula sobre o assunto, existente em legislação brasileira, é a Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina. O autor afirma que essa resolução busca demonstrar caminhos a serem seguidos por médicos e clínicas, mas, ainda assim, não há um tratamento legal, é uma resolução que se propõe a traçar caminhos éticos. Há também as resoluções nº 303/00 e 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e a Lei de Biossegurança 11.105/05 que possuem o mesmo problema. (CREMA, 2008).

Em 2010 foi aprovada a Resolução CFM nº1957/2010 que, infelizmente, também não regula de maneira suficiente sobre os métodos de reprodução assisitida e seus reflexos jurídicos. Fica aqui, portanto, evidenciada a falta de legislação específica que trate sobre os reflexos jurídicos do tema e a dificuldade de consenso doutrinário a respeito deste, posto que o assunto é vagamente tratado no ordenamento jurídico brasileiro.

2.3 PRINCÍPIOS QUE AMPARAM A REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Tem-se, primeiramente, o princípio que norteia o Estado Democrático de Direito: Dignidade da Pessoa Humana. Este princípio é por muitas vezes motivo de controvérsias doutrinárias, por não existir um conceito formado e unânime do que seria Diginidade da Pessoa Humana. Edinês Maria Sormani Garcia (2004) bem leciona que o termo dignidade tem origem na palavra “dignitas”, substantivo utilizado para designar o que é digno e merece respeito e reverência. GARCIA (2004) ao estudar este princípio, conclui que o mesmo surgira no cristianismo, marcado por premissas de igualdade e fraternidade.

É, pois, um princípio que afirma todos os indivíduos serem dignos de respeito, sendo tratados em igualdade. Roberto Wider (2007) ao tratar da Reprodução Assistida e de temas como Bioética e Biodireito, entende que o real valor da ética perpassa por esse princípio e este princípio, por sua vez, pela liberdade de escolha.

Da mesma forma entende SILVA (2000, p.84) ao afirmar que o reconhecimento da Dignidade da Pessoa Humana se dá no fato do indivíduo poder “se determinar, por intermédio da razão, para a ação da liberdade”. Cabe ainda aqui ressaltar o entendimento de Maria Helena Diniz (2002) ao ressaltar que a bioética e o biodireito adquirem uma face humanista e justa quando reconhecem o respeito à Dignidade da Pessoa Humana e, portanto, sua liberdade de escolha.

Nota-se, portanto, que a Reprodução Assistida, enquanto meio de criação de uma família, é justificado por um dos pilares da Constituição Federal: a Dignidade da Pessoa Humana, posto que este princípio perpassa por valores intrínsecos a qualquer ser humano, e aqui destaca-se a liberdade de escolha. A Dignidade da Pesso Humana é “o princípio vetor” do Direito da Família, garantindo que qualquer membro de qualquer família é digno de respeito e, portanto, de liberdade de escolha. (SCALQUETTE, 2009, p.282).

No que diz respeito à liberdade de escolha, mister se faz ressaltar o princípio da Liberdade do Planejamento Familiar. O Planejamento Familiar é assegurado e regulamentado pela Lei nª 9.263, de 12/01/1996. É um direito que fundamenta-se na paternidade responsável e também na dignidade da pessoa humana. É um direito de livre decisão do casal (ou dos que pretendem a formação de uma família, sendo casal, ou não), de modo que ao Estado não pode cercear a liberdade de escolha dos mesmos, interferindo apenas na medida de propiciar recursos necessários para o exercício desse direito. (GAMA, 2003).

O direito ao Planejamento Familiar garante a liberdade de escolha quanto a ter ou não ter filhos, quantos filhos, como e quando ter. (GAMA, 2003). Maria Helena Diniz argui ainda ser “o planejamento familiar responsável um direito reprodutivo, ou melhor, um direito humano básico”. (2002, p.136-137). É um princípio reconhecido pela ONU na resolução 1968 e está presente na Constituição Federal no artigo 226, §7.

Jussara Meirelles (2002, p. 394) discorre sobre o tema ao dizer que mesmo que por meios artificiais, o desejo de ter um filho e buscar os meios para isso, incluindo os recursos referentes à reprodução assistida, “estão contidos no princípio constitucional referente ao planejamento familiar”.

Aline Mignon de Almeida (2000), ao discutir bioética e biodireito, compreende também que a reprodução assistida é fundamentada pelo Direito de Disposição Ao Próprio Corpo, um direito de personalidade que, na opinião da autora, justifica temas como aborto, inseminação artificial e transplante de órgãos.

Assim, observa-se que o direito de ter um filho, seja por meio natural ou artificial, funda-se na igualdade – posto que qualquer indivíduo tem direito a reprodução, mesmo aqueles que não possuem a capacidade de reprodução por meios naturais, na Dignidade da Pessoa Humana, no princípio da Liberdade do Planejamento Familiar e até mesmo direito de Disposição do Próprio Corpo.

3.  O TRATAMENTO JURÍDICO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM

A inseminação artificial homóloga, que, como visto anteriormente, é utilizado o material genético dos cônjuges, não gera tantas divergências na doutrina quanto a inseminação artificial heteróloga, aquela que envolve material genético de um terceiro. No entanto, não há maiores discussões dentro do campo do direito e também da bioética do que quando se fala em inseminação artificial post mortem, aquela em que se utiliza sêmen ou embriões após a morte do titular do material genético. (TRES, 2011).

Os debates acerca da inseminação artificial post mortem deram início após o primeiro caso, conhecido como Parpalaix, onde discorria-se sobre a possibilidade de dispor-se do material genético, mesmo depois da morte do titular. (TRES, 2011). As opiniões doutrinárias se dividem e, na visão de Eduardo de Oliveira Leite (1995), se levarmos em consideração o viés ético, esse tipo de inseminação afasta o seu sentido inicial “negando sua razão de ser: remediar as consequências da esterilidade e da hipofertilidade”, posto que vem a causar mais do que soluções, efeitos negativos para a prole. (LEITE, 1995, p.109)

Cristiane Melara Tres (2011) afirma que a doutrina contrária a esta prática, entende esse meio de reprodução assistida ser um atentado a constituição, haja vista que não há validade constitucional nesta prática, afrontando princípios como paternidade responsável e melhor interesse dos filhos. WIDER (2007) complementa este entendimento aqui, pois defende que este tipo de reprodução assistida pode vir a causar ao filho uma situação incômoda, vez que é um tipo de reprodução determinada por uma vontade unilateral da mãe, sendo o filho concebido após a morte do pai.

Há quem entenda que a inseminação post mortem é legítima e se baseia nos princípios já elencados acima, bastando ter anuência do titular do material genético, seja o titular cônjuge ou não. De qualquer forma, para casos em que o titular era cônjuge, o consentimento faz-se necessário, de preferência de forma expressa, é o que o Enunciado nº106 do Conselho da Justiça Federal traz, afirmando que em casos de viuvez, a autorização escrita do marido é essencial. É por meio desse consentimento que o reconhecimento da paternidade e a igualdade entre os filhos advém. (TRES, 2011).

   Como já exposto anteriormente, o Código Civil em seu artigo 1597, prevê a inseminação artificial post mortem, porém traz uma matéria de Direito de Família, não tratando sobre as técnicas de reprodução assistida. Além do Código Civil, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1957/2010 também dispõe sobre a inseminação artificial post mortem, entendendo que somente com consentimento do titular é possível a utilização do sêmen. (TRES, 2011).

3.1 A FILIAÇÃO E DIREITOS SUCESSÓRIOS DECORRENTES DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA POST MORTEM

As dúvidas e divergências geradas em torno deste tema dão-se pelo fato de que trata-se de um técnica reprodutiva que utiliza-se de um gameta de apenas um, ou até mesmo de nenhum dos membros do casal, para a realização da fecundação. Dessa forma, o critério biológico existente na inseminação artificial homóloga para determinar questões de filiação sobre os filhos gerados, aqui não existe. (SANTOS, 2007.)

Quanto aos efeitos que decorrem da inseminação artificial heteróloga post mortem, Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho (2002) assinala que três correntes doutrinárias divergem sobre o assunto. A primeira corrente entende que aqueles filhos que foram gerados por meio dessa técnica após a morte do genitor não têm direito algum, pois a procriação resulta de um desejo unilateral, o que descaracteriza o projeto parental.

A segunda corrente, FILHO (2002) afirma ser denominada de corrente relativamente excludente, atribuindo a filiação ao “de cujus”, tendo um reconhecimento legal gerado, porém defende essa corrente que o filho não é herdeiro legítimo do “pai”. A terceira, por sua vez, admite todos os direitos àqueles gerados por essa técnica, haja vista que o artigo 226, §6º da Constituição Federal veda qualquer tratamento que discrimine a filiação devido a sua origem.

Mauro Nicolau Junior (2005) contribui com uma importante posição sobre o tema. Conforme o autor, ainda que essa técnica gere grandes controvérsias, já que há previsão de realização da mesma no código civil, fica óbvio que o legislador teve por intenção a garantia de que essa paternidade fosse atribuída ao “de cujus” morto, legitimando assim, a possibilidade da mulher usar esse material crio-conservado após a morte do cônjuge. JUNIOR (2005) abraça este entendimento alegando que não importa se a filiação fora atribuída antes ou pós morte de um dos membros, posto que os filhos gerados são iguais perante a lei, não importando origem. Assim sendo, o reconhecimento da filiação é do “de cujus”.

Ana Cláudia Silva Scalquette (2009) compreende que a filiação decorrente da inseminação artificial heteróloga post mortem é um desdobramento da filiação civil, aplicando-se por analogia a filiação por adoção, e a filiação socioafetiva. Desta forma, a autora leciona que é necessário que se tenha uma legislação específica tutelando sobre este tema, para garantir a segurança de filhos havidos dessa forma.

É importante aqui chamar a atenção para algo previsto em lei: trata-se do consentimento para o reconhecimento da paternidade, elencado no inciso V do artigo 1597 do Código Civil. Não havendo prévia autorização é caso de impugnação de paternidade, por ser a manifestação da vontade requisito essencial para a realização dos procedimentos de reprodução assistida. (SCALQUETTE, 2009).

Diferentemente das posições acima expostas, Mônica Aguiar (2005) defende que nos casos em que a concepção se deu após a morte do cônjuge ou de seu companheiro, “a morte opera como revogação do consentimento prestado e, portanto, o concebido será filho apenas do cônjuge sobrevivente.” (AGUIAR, 2005, p.118). Para Mônica (2002) não há a presunção de paternidade que o inciso III do artigo 1597 traz.

No entanto, o entendimento de Mônica Pereira dos Santos (2007) parece-nos mais pertinente. Desta forma, suas palavras se fazem necessárias aqui:

Os direitos do filho gerado se amparam no que Ingo Sarlet chama de “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade”. Para o autor essa ‘qualidade’ implica um complexo de direitos e deveres fundamentais “que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante de desumano, como venham a lhe garantir as condições mínimas para uma vida saudável”.  Esta qualidade é o princípio da dignidade humana. Fato é que não se pode entender inexistir interesse em ser pai pelo simples advento da morte. Muitas vezes, sabendo da morte que se aproxima, as pessoas desejam ter filhos para completar suas famílias, para realizar o sonho de terem filhos ou para deixar àqueles que sobreviverão uma lembrança sua. Esses desejos não são objeto de estudo do Direito e talvez seja esta a razão pela qual seja tão difícil para alguns entender que um filho havido após a morte pode ser o fruto de um projeto parental interrompido, mas não abandonado. (SANTOS, 2007,  p. 52).

Destarte, sendo a filiação concebida ao cônjuge morto e ao vivo, e não ao titular do material genético doado, à eles cabem todos os deveres patrimoniais/ sucessórios e pessoais que implicam na filiação, haja vista que, ainda que morto, se houve o seu consentimento, o filho gerado por esta técnica não pode ser discriminado por sua origem, tendo os mesmos direitos de um filho gerado naturalmente ou artificialmente, ainda que esteja o cônjuge vivo ou morto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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WIDER, Roberto. Reprodução assistida. Aspectos do Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p.36.

DINIZ, Maria Helena. O Estudo Atual do Biodireito. 2.e. Aumentada e atualizada conforme o Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade – Filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

GARCIA, Edinês Maria Sormani. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Leitura do Novo Código Civil em Relação a Família. In Novo Código Civil: interfaces no ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

AGUIAR, Mônica. Direito à Filiação e Bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 04

TRES, Cristiane Melara. Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem e sua Influência no Direito Sucessório. Passo Fundo: 2011.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. (Aspectos éticos, religiosos, psicológicos éticos e jurídicos). São Paulo: Revista dos tribunais, 1995.

SANTOS, Mônica. O direito da filiação: Os efeitos da reprodução assistida heteróloga na vigência do casamento e após a morte do cônjuge varão. 2007. 92 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2007.

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NICOLAU JÚNIOR, Mauro. Inseminação artificial, clonagem do ser humano e sexualidade. Os efeitos produzidos na família, do presente e do futuro. O necessário olhar ético ante os direitos fundamentais e os princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 884, 4 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7619>. Acesso em: 25 set. 2014.

AGUIAR, Mônica. Direito à Filiação e Bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Estatuto da Reprodução Assistida. 348 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.