A tentativa de definição do termo "estética" há de ser sempre um desafio, uma abertura de sentido múltiplo e difuso no âmbito das artes. Os preceitos que compreendem a natureza e a tarefa da estética são de caráter filosófico e se diferenciam dos conceitos de poética e de crítica de arte.

É precisamente isso que mostra a obra Os problemas da poética, de Luigi Pareyson, particularmente no Capítulo I – Natureza e tarefa da estética. O livro foi publicado pela editora Martins Fontes, em 2001.

Nesse estudo, o autor afirma que para explicar o significado de "estética" não se poderá fazer grandes avanços partindo da etimologia do termo, adotado no século XVIII, pela influência do romantismo alemão que evidencia a relação entre o belo e o sentimento. O conceito de estética desde então foi construído, tendo como ponto de reflexão o surgimento da arte moderna,segundo a qual o belo, no sentido clássico, não era mais objeto da arte. Logo, esta reflexão levou a idéiade que a beleza não estaria no objeto, mas no resultado da arte. Esse processo levou-nos a entender hoje o termo estética como toda a teoria que, de qualquer modo se refira ao belo, num sentido amplo,onde quer que ele se expresse, seja no mundo sensível ou inteligível.

A maneira com que Pareyson desenvolve o assunto nos traz um claro entendimento dequestões que costumam promover diversas dúvidas, principalmente ao discutir a natureza e o caráter da estética, que, para ele, trata-se de uma reflexão filosófica ou reflexão empírica.

Após apresentar os argumentos dos que defendem a filosofia "no sentido de definir o que é ou deve ser a arte" (p.2), ou que a filosofia tem um caráter especulativo e a estética, como a filosofia, tem também um caráter especulativo não necessitando da experiência direta do crítico ou do artista. Observa-se, também, os que acreditam que a estética não é filosofia, por ser intermediária entre a filosofia e a história da arte, ou "por não se encarregar de dar uma definição geral da arte" (p.3).

É por meio desse embate que Pareyson direciona seu pensamento sobre a estética, ao mostrar que a filosofia não traz normas, mas sim especulações que emergem da experiência estética, isto é, faz uma reflexão sobre os problemas da beleza e da arte, reflexão essa que se constrói sobre a experiência estética. Nesse sentido, a estética não terá normas. Ela se servirá da poética e da crítica para direcionar normas e regras à arte.

Vale dizer que o autor apresenta a tese de que "a estética é e não pode deixar de ser filosofia" (p.4), por manter sua autonomia de reflexão sobre a experiência estética.

Com efeito, é partindo da experiênciasempre aberta e histórica que a filosofia se renova continuamente estimulada pelos problemas que ela faz surgir da experiência.

É por isso que a natureza da estética é ampla, na medida em que não é normativa, como o faz a poética, e não agrega diferentes preceitos a fim de julgar o que é arte, papel da teoria de arte e da crítica.

A estética abre a discussão sobrea relação do leitor com a obra, para alcançar por meio da experiência estética conclusões teóricas universais.

Indubitavelmente, a estética não está preocupada com uma obra específica, mas sim com um conjunto de obras que permitam ao teórico criar teorias.

Aspecto da relevância da estética, segundo Pareyson é que esta não quer ser normativa, enão é. Ela especula sobre a experiência concreta da arte, e precisa da poética para normativizar e explicitar as leis e regras de determinada arte. Dessa forma, Pareyson nos apresenta a questão da experiência estética como ponto fundamental para discutir o caráter especulativo daestética.

No que concerne ao caráter concreto da estética, o autor aprofunda a relação da estética com a experiência concreta, considerando-as indissoluvelmente unidas, de forma que a especulação sem base na experiência torna-se estéril abstração. Ao mesmo tempo, a análise dos objetos estéticos sem o aprofundamento filosófico torna-se mera descrição.

O autor também aponta dois caminhos diferentes, porém convergentes para se chegar à questão da estética: o primeiro por meio do filósofo que dedica seu pensamento à arte, e o segundo investigando a própria arte. Portanto, quando da experiência concreta com a arte surge uma consciência crítica sobre a própria atividade artística, desde que os dois caminhos passem por examinar a própria obra de arte em si mesma e por um aprofundamento especulativo, como é mais da especificidade da estética.

Para diferenciar aestética da crítica, oteórico afirma de forma bastante clara queaquela não pode ser confundida com a crítica, na medida em que a crítica faz parte da experiência estética como objeto de seu estudo.

O trabalho da estética não é o de estabelecer critérios de análise para o crítico, mas, à medida que analisa posteriormente os critérios usados pela crítica, revela uma reflexão que serve ao crítico e acaba por interferir decisivamenteno seu trabalho e no do artista.

Para Luigi Pareyson, estética e teoria da arte também são distintas, uma vez que a teoria desenvolve normas e regras para a arte.

De fato, o autor esclarece a diferença entre crítica e poética ao mencionar que a "poética diz respeito à obra por fazer e a crítica avalia a obra feita: a primeira tem atarefa de regular a produção da arte, e a crítica a de avaliar a obra de arte" (p.10-11).

Por essa via, entende-se que a obra dita o método de análise, pois se "a poética é designada num código de normas e preceitos, e a crítica é governada por um método declarado" (p.11), logo a própria obra é "portadora de índice do próprio valor para o qual exige e solicita reconhecimento" (p.11).

A crítica observa a obra levantando o valor que ela indicia para si mesma, na sua configuração estética, e propõe uma discussão entre o método e o fazer da obra, a partir da própria obra.

Por esse contexto, a poética diz respeito ao fazer, a fatura, a produção da obra, mas a crítica, como afirma Pareyson, já tem à mão a obra feita, basta descobrir essa produção e fazer a avaliação do poético, ou seja, a crítica poética.

Todos os problemas recolhidos nos diversos âmbitos artísticos devem ser tratados pela estética, sem deixar de levar em conta a unidade da arte, e os conceitos universais elaborados pela estética devem ser tratados nos diversos campos da arte.

Já ao diferenciar estética e poética, Pareyson nota que a estética não pode transformar em divergência filosófica as batalhas que asdiversas poéticas travam ao longo do tempo, uma vez que não se pode contrapor filosoficamente questões de arte que são, na verdade, diferenças no plano do gosto.

Uma determinada poética tem validade dentro de seu campo de atuação, mas em razão de a poética determinar normas, passa a querer definir como arte apenas as que seguem suas regras, apresentando a intenção de tornar-se estética, fugindo da sua especificidade ao considerar a experiência poética.

Nesse sentido, Pareyson afirma que uma poética é eficaz somente quando propõe normas que traduzem toda a espiritualidade de uma época transformada em expectativa de arte. É assim que Pareyson ensina ao leitor especializado como se deve ler as correntes da crítica.

Reafirmando o que já foi mencionado, a natureza e a tarefa da estética não são normativas, pois tem caráter filosófico – mantém sua autonomia de reflexão sobre a experiência estética, porém a poética e a teoria de cada arte são de caráter normativo – desenvolvem normas e regras sobre as questões da arte, estabelecem seus limites. A poética precede a obra, "obra por fazer" (p.10), regula a produção artística e a crítica analisa, avalia a obra feita. Mas a arte é um fazer, que tem um sentido mais intenso, já que não se trata do simples executar de uma atividade artística, a arte é invenção, criação, não apenas de objetos que têm vida própria, mas de formas originais que transcendem a realidade, justamente por recriá-las.

Luigi Pareyson mostra nessa obra não somente a trajetória dos estudos de crítica e estética, mas também nos oferece suporte teórico para a compreensão das diferentes correntes literárias. O teórico, de forma didática, sem perda do rigor de sua análise, apresenta-nos uma reflexão complexa e instigante, que traz com justeza informações relevantes sobre os elementos da poética, da crítica e da estética de uma obra de arte, ao mesmo tempo, caracterizando-as na sua especificidade.

Em suma, a estética é do âmbito da filosofia, mas pesquisa a expressão artística. Para tanto, terá que levar em conta outras áreas que estão intrinsecamente ligadas à arte, tais como a poética, a crítica, a teoria de cada arte, a história da arte, a experiência do artista, o leitor, embora, de acordo com Pareyson, a estética se distingade todas essas áreas. Ela vai mais fundo e mais além, pois pela sua natureza especulativa (daí ser identificada a filosofia), se propõe a chegar a conclusões mais universais sobre a arte. Parece-nos que a natureza e o caráter da filosofia se caracterizam por especular sobre tudo. Sua grande questão é: Por quê? Já a estética especula sobre a expressão artística, levando suas indagações ao seu limite.