1. OS PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL

 Sinteticamente, não basta existir uma norma, ela deverá ser sempre aplicada. Na seara do Processo Penal, os princípios são comumente invocados para salvaguardar uma série de direitos constitucionais dos apenados, de modo que eventuais abusos de poder não ocorram[1].

Ainda, impieroso salientar a necessidade do surgimento de um processo de execução[2] como meio de viabilizar a aplicabilidade das regras dispostas no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, onde tais princípios devem ser taxativamente observados, além é claro, das demais garantias constitucionais.

De modo abrangente, a doutrina tem admitido uma grande quantidade de princípios no condizente ao estudo da execução da pena, dentro os quais, serão listados os mais citados:

 2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 Sendo este um princípio acima de tudo orientador e regulador da norma penal, o mesmo serve como base para uma série de outros princípios, pois ele garante que nenhum fato será considerado crime sem uma lei anterior que o defina[3], conforme preconiza o artigo 1º do Código Penal. Nestes termos:

 Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

 Isto igualmente significa que qualquer crime deverá ser previamente identificado como um ato antijurídico, com a devida instrução em lei do seu respectivo tipo penal e a sua previsão de pena, não sendo isto nenhuma novidade, pois tal princípio é aplicado no Brasil pelo menos desde 1824 [4].

 1.2.            PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 O principio da isonomia está positivado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, e igualmente no artigo 3º da LEP, que dispõe:

 Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único - Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

 Portanto, este princípio visa tão somente à garantia de que todos os apenados sejam efetivamente tratados sem diferenças, proibindo qualquer forma de discriminação[5].

 1.3.            PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

 Segundo este princípio, o Direito Penal só deverá intervir na hipótese de um grave ou relevante ataque a um bem jurídico[6], sendo desnecessário o seu uso em situações menos importantes, existindo outros ramos do direito para isto.

O princípio da intervenção mínima é, portanto, uma ferramenta utilizada como modo de impedir que quaisquer condutas sem critérios de periculosidade ou impacto social venham a ser consideradas como crimes, evitando o uso desproporcional e nocivo da norma penal nestes casos.

 1.4.            PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

 Este princípio[7] possui grande aplicação na execução da pena, uma vez que a pena não poderá em hipótese alguma ser superior a dimensão do ato praticado pelo condenado, ou seja, há do mesmo modo a anuência do princípio da culpabilidade neste viés, devendo a pena atender aos parâmetros da culpa.

Assim, importante mencionar o disposto no artigo 185 da LEP, nestes termos:

 Art. 185 - Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

 Portanto, a proporcionalidade da pena deverá ser estabelecida consoante a classificação do condenado [8], de modo que se possa identificar a exata correspondência entre a fixação da mesma, a gravidade do delito, e a personalidade do reeducando, de modo que haja uma adequação proporcional.

 1.5.            PRINCÍPIO DA HUMANIDADE

 O princípio da humanidade visa garantir ao preso o respeito a sua integridade física e moral[9], nos termos que preconiza o artigo 5º da Constituição Federal:

 XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

 Outrossim, o referido princípio igualmente faz referência ao tratamento dado aos reeducados, tanto a despeito da pena de morte, quanto da vedação ao trabalho forçado entre outras coisas, como bem dispõe o supracitado artigo em seu inciso XLVII:

 XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

 Assim, em que pese à extrema relevância deste princípio na ótica do cumprimento da pena, ele não deve, para todos os efeitos, diminuir a própria natureza retributiva da pena, ou seja, o condenado deverá de fato paga por seus erros através da sanção penal imposta[10].

 1.6.            PRINCÍPIO DA JURISDICIONALIDADE

 Este princípio ensina que o juiz não extinguirá a sua atuação com o trânsito em julgado da sentença condenatória prolatada em face do réu no processo de conhecimento, uma vez que deverá estender a sua função ao acompanhamento jurisdicional e administrativo da execução penal imposta posteriormente ao condenado.

Neste sentido, importante suscitar o artigo 2º da LEP, que estabelece:

 Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.

 Desta feita, percebe-se nitidamente a complexidade do processo de execução da pena, fundamento que elimina qualquer discussão acerca do caráter meramente administrativo do juiz no acompanhamento deste processo, uma vez que a execução penal não pode prescindir da capacidade jurisdicional do magistrado frente a uma gama de particularidades que ocorrem neste tipo de processo, como as próprias questões incidentais[11].

 1.7.            PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

 Este princípio, também conhecido como princípio da pessoalidade, determina que as penas impostas a diferentes condenados por um mesmo crime não sejam idênticas, pois cada agente possui uma peculiaridade singular, onde através do regramento da individualização[12], cada um receberá a sanção correspondente, sem prejuízo de comparações ou analogias prejudiciais. Neste sentindo:

 XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

 Neste campo, a pena tão somente poderá quedar-se restrita ao âmbito do sentenciado, sendo absolutamente inadmissível a extensão dos seus efeitos criminais para parentes ou familiares do condenado, consoante preconiza o inciso XLV:

 XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

 Com relação à aplicação prática das regras da individualização da pena e dos demais princípios da execução penal no caso da concessão de prisão domiciliar para condenados, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem sido bem específico neste sentido:

 AGRAVO EM EXECUÇÃO. PRISÃO DOMICILIAR PARA APENADO QUE CUMPRE PENA EM REGIME ABERTO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. I. Embora o art. 117 da Lei de Execução Penal elenque hipóteses para a concessão de prisão domiciliar, o rol não é taxativo, devendo ser incluídos casos excepcionais, quando os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da razoabilidade indicarem a necessidade de concessão do benefício. II. Cabe ao Estado construir e manter os estabelecimentos prisionais adequados ao cumprimento da pena. A manutenção de presos em regime mais rigoroso caracteriza arbítrio, excesso de execução, que deve ser corrigido mediante a interpretação dos dispositivos legais incidentes na espécie, à luz dos princípios que norteiam o Direito Penal. III. A manutenção de presos com direito à progressão em regime mais rigoroso caracteriza arbítrio, excesso de execução, que deve ser corrigido mediante a interpretação dos dispositivos legais incidentes na espécie, à luz dos princípios que norteiam o Direito Penal. Precedentes do STF e do STJ. IV. Pedido alternativo de conversão em pena restritiva de direitos ou restrição das condições da prisão domiciliar não conhecido. AGRAVO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo Nº 70055513253, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz John dos Santos, Julgado em 07/08/2013)

 Por fim[13], cumpre salientar que a individualização da pena terá um papel bem mais amplo do que tão somente limitar seu alcance a transcendência e a pessoalidade da pena, uma vez que há a anuência da individualização da pena em pelo menos três grandes momentos, quer seja na individualização legislativa (consagrada pela singularidade de cada pena consoante a gravidade de cada tipo penal), ou ainda na individualização judicial (através fixação da pena conforme as características pessoais do agente), ou ainda na individualização executória, tendo a sentença condenatória uma natureza dinâmica e não estática, pois o titulo executivo nascido a partir da homologação da condenação será sempre mutável, atendendo a própria finalidade da individualização na conduta de cada apenado, razão pela qual, por exemplo, um réu condenado ao cumprimento da pena de reclusão de dezoito anos em regime inicial fechado, poderá cumprir-la integralmente dentro deste mesmo regime, sem direito a progressão ou livramento condicional, bastando para tanto, ter péssimo comportamento carcerário, recusar-se a trabalhar, entre outras coisas.

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 944.

[2] NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p.7.

[3] GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994 , p. 87.

[4] GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994 , p. 87.

[5] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. Editora Saraiva, 7ª Edição, 2009, p. 9.

[6] MUNHOZ, Apud MANÃS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Disponível em:<http://http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm> Acesso em: 01/06/2014

[7] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. Editora Saraiva, 7ª Edição, 2009, p. 4.

[8] GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994 , p. 109.

[9] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. Editora Saraiva, 7ª Edição, 2009, p. 4.

[10] LUISI, Luis. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p.50.

 [11] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. São Paulo: Atlas, 2006, p. 33.

[12] CARVALHO, Salo de. Critica à Execução Penal. Rio de janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002, p. 101.

[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 941.