OS PRESSUPOSTOS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AS POSSIBILIDADES DE INCAPACIDADE E ILEGITIMIDADE NA RELAÇÃO JURÍDICA

RESUMO

O ponto de partida desse trabalho é a relação entre as partes no direito processual, procurando conhecer seu conceito, e a partir disso envolver as questões de jurisdição, o direito de ação e os sujeitos na relação processual. Dessa forma, abordaremos um breve estudo sobre a trilogia estrutural do processo e apontaremos as possibilidades de incapacidade e ilegitimidade à luz do direito processual civil brasileiro.

INTRODUÇÃO

O Direito é uma ciência que se divide em várias vertentes, como por exemplo, o Direito Penal, Direito Civil, Direito Tributário etc. Deste modo, para cada ramo do direito existe uma peculiaridade para se começar a relação jurídica, isto é, o seu processo.  O inicio do processo é de forma gradual, uma vez que é através do envio do autor da inicial ao juiz que se provoca o Estado para que ele atenda seu pedido.

Enquanto poder, é prerrogativa do Estado ser o único que possui capacidade de decidir impositivamente sobre os conflitos no processo civil, bem como também ser o único que tem o dever de exercer a jurisdição sempre que provocado, não podendo, portanto, se eximir desta tarefa ainda que inexista o direito material afirmado. A jurisdição ocupa posição central na estrutura do Direito Processual, visto que todos os demais institutos da ciência processual orbitam em torno daquela função estatal, só há função jurisdicional quando o Estado atinge os objetivos essenciais do “Estado Democrático de Direito”.

Com isso, a relação jurídico processual se forma pela participação de três sujeitos que formam uma relação na qual o órgão jurisdicional se coloca no plano superior do Poder do Estado e a autoridade do juiz é que compete exclusivamente a solução do litígio. Vale destacar que o papel do Estado-juiz é imparcial, ou seja, é órgão que exerce suas funções sem ter interesse econômico, jurídico ou de outra natureza no resultado do exercício de sua função.

Deste modo, o vínculo das partes não é estabelecido entre si, mas entre elas e o juiz. Logo, os direitos e deveres de cada parte estão voltados para ele, onde não há comunicação direta entre os sujeitos.

  1. Desenvolvimento da Relação Processual

Primeiramente, quando se propõe uma ação judicial, inicia-se um vínculo que une os diversos atos do processo judicial, na qual os sujeitos exercem uma relação triangular. A relação processual possui diversas características que abordaremos neste capítulo, entre elas, pode-se destacar primeiramente à complexidade, que diz respeito às partes. Na relação jurídica há de existir sempre um sujeito ativo e passivo que podem ser classificados como autor/réu, demandante/demandado de acordo com o processo que está sendo julgado. Vale destacar que pode haver mais de dois sujeitos no pólo ativo ou passivo, assim como interesses diferentes. Deste modo, a expressão complexidade vem por conta do conflito que surge entre os pólos ativo ou passivo e até mesmo dentro do mesmo pólo.

A unidade far-se-á como uma característica na qual a relação processual tem um objetivo comum que é a prestação jurisdicional, em que se pressupõe um ato estatal de império ou imperativo, isto é, um ato emanado pelo Estado independente da relação entre as partes, deve ser realizado mesmo que os sujeitos não concordem, pois o Estado tem o monopólio, a legitimidade para agir e nós nos submetemos a ele.

A estrutura tríplice que está atrelada aos sujeitos da relação processual, em que o juiz garante a imparcialidade e fica eqüidistante dos conflitos. Outro aspecto é quanto à natureza pública, visto que a relação processual é de direito público, ainda que seja de interesse privado o direito que esta sendo pleiteado, pois o Estado-juiz exerce sobre quaisquer relações sua autoridade soberana, logo o vinculo entre o julgador e os sujeitos é tipicamente uma relação de direito público.

Por último há de se destacar sobre a progressividade que está relacionada ao sentido procedimental. O processo é dinâmico, caminha em busca de uma sentença, isso se dá de forma progressiva, que acaba sendo um fator obrigatório, pois o Poder Judiciário é acionado para decidir sobre o direito no caso concreto. É importante destacar que processo e procedimento são termos que não se confundem. O primeiro é a soma de atos que têm fim determinado, não importando a marcha que toma para atingi-lo. O segundo é o modo pelo qual o processo se forma e se movimenta, para atingir o respectivo fim.

É comum encontrar na doutrina a expressão “mero procedimento” que acaba sendo um termo depreciativo. Contudo, o conceito de procedimento é relativo, uma vez que este aspecto se faz essencial para a legitimação da atividade estatal. Logo, o processo é uma entidade complexa na qual o procedimento é um dos elementos formadores. Não há processo onde não houver procedimento. Mas é importante ressaltar que a existência de um procedimento não é suficiente para que exista um processo, sendo necessária a existência de outros requisitos.

Os procedimentos comuns estão regulados no CPC art. 272. A rigor falar-se-á neste artigo tão somente do procedimento ordinário, visto que é a forma vigente e mais relevante entre todos os procedimentos no sistema processual, além de ser aplicável subsidiariamente aos demais.  O estudo dos procedimentos se faz fundamental para a compreensão da forma, ou das formas de desenvolvimento aplicável a cada caso concreto. 

Primeiramente o processo se inicia pelo ato jurídico solene, realizado através de um instrumento chamado de petição inicial, que é o instrumento da demanda. Vale destacar que a demanda é o ato inicial de impulso da atividade jurisdicional do Estado, é aquilo que dá causa à instauração do processo. Por ser ato solene, há a existência de requisitos formais para o ajuizamento da demanda, são tidos como os requisitos da petição inicial os elementos que vêm quase todos enumerados no art. 282 do CPC.

A petição inicial não é dirigida a nenhum juiz, mas sim a um juízo, isto é, indica-se o órgão judiciário, e não o nome da pessoa física do juiz. A indicação do órgão é extremamente relevante para a sua regularidade, pois informa ao Estado qual o órgão que o demandante tem por competente para conhecer sua causa. Depois de dirigida a petição inicial, o autor apresentará os elementos identificadores da demanda: partes, cauda de pedir e pedido, sendo que o pedido deve ser certo e determinado.

Depois de elaborada a petição inicial, a mesma é lavada a juízo, devendo juiz fazer uma analise da observância dos requisitos formais da demanda, a fim de pronunciar-se, pela primeira vez, no processo. Três hipóteses podem, então, ocorrer: a petição inicial pode preencher todos os seus requisitos (ao menos à primeira vista), caso em que estará apta a permitir regular desenvolvimento do processo; poderá conter um vicio sanável; e poderá, por fim, conter vício insanável. Nestes dois últimos casos, há o indeferimento.

Vale destacar que o juiz não pode indeferir a petição inicial sem antes ouvir o demandante, visto que ele pode tentar convencer o juiz de que não está presente quaisquer vícios que este considerou ter encontrado. Contudo, ao indeferir a petição inicial o juiz estará extinguindo o processo que se dará sem resolução de mérito (art. 267, I, CPC). Prevê o CPC, no art. 295, as causa de indeferimento da petição inicial.

Caso deferida a petição inicial, através do provimento tradicionalmente denominado “despacho liminar positivo”, o juiz determinará a citação do demandado para responder, no prazo de quinze dias. Ao ser citado, deverá o réu ser advertido de que, não oferecendo contestação, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 285). Visto que a resposta do réu é uma reação ao estímulo externo. Desta forma, no prazo de quinze dias, poderá o demandado oferecer qualquer uma das três espécies de resposta admitidas no ordenamento processual: contestação, reconvenção e exceção.

Cada processo, em concreto, tem início quando o primeiro ato processual é praticado (CPC, art. 263; CPP, arts 24 e 29; CLT, art. 840, §§ 1º e 2º). O fim do processo ocorre ordinariamente quando a situação litigiosa é eliminada por completo, seja mediante uma sentença (constitutiva) que por si própria implantea situação desejada pelo demandante, por uma outra que declare nada ser devido (declaratória negativa) ou por um ato de satisfação do direito daquele (execução forçada, cumprimento de sentença).

  1. Condições da Ação no Processo Civil

As condições da ação são requisitos para que o processo possa levar a um provimento final, de mérito. A inexistência destas condições leva a uma sentença sem resolução do mérito da causa, o que tem por conseqüência a chamada “extinção anômala do processo” (art. 267, VI, CPC). Para que ocorra a ação são necessários três os requisitos: legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica.

Na doutrina, divide-se sobre o tema em duas grandes correntes, na qual uma corrente considera que a presença das condições da ação deve ser demonstrada através da produção de provas para convencer o juiz de que as partes estão presentes. Outra corrente, chamada de “teoria da asserção” afirma que a presença das condições da ação se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial, devendo o juiz considerar a relação jurídica à vista do que se afirmou, ou seja, o julgador deve racionar admitindo que, temporariamente e por hipótese, todas as firmações do autor são verdadeiras.

A teoria da asserção é a mais adequada, visto que defende uma concepção mais abstrata do poder de ação, as condições deverão ser verificadas pelo juiz in statuassertionis, isto é, de acordo com as alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se pesquisar a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.

Desta forma, falar-se-á agora, de fato, das condições da ação. A primeira delas é a legitimidade das partes, também chamada de legitimatio ad caausam. Afirma-se que têm legitimidade para está na causa, os titulares da relação jurídica colocada, na petição inicial, pelo demandante do processo. Isto é, ao ajuizar sua demanda, o autor afirma a existência de uma relação jurídica chamada res in iudicium deducta.

Logo, ao anexar em juízo à existência de uma relação jurídica, o autor deverá indicar os sujeitos da mesma que, de acordo com o processo, terão a legitimidade para estar em juízo. Esta é tida como a legitimidade ordinária, segundo o qual será legitimado a atuar em juízo somente o titular do interesse levado a juízo pela demanda, é a regra geral em nosso ordenamento jurídico.

 Contudo, o art. 6º do CPC afirma que ninguém poderá pleitear em juízo, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, salvo se autorizado pela lei. Ou seja, poderá uma norma jurídica autorizar que alguém vá a juízo, em nome próprio, na defesa de alheio e, este indivíduo terá legitimidade de parte como alguém que não é apresentado em juízo como titular da relação jurídica deduzida no processo, esta é considerada uma exceção. Essa hipótese é chamada de legitimidade extraordinária. Como exemplo pode-se citar os sindicatos, a mãe em nome do nascituro e até mesmo o avô que paga a pensão para o neto. A legitimidade das partes é, talvez, a mais importante das condições da ação.

A segunda condição da ação é o interesse de agir, também chamado de “interesse processual”. Pode-se definir o interesse de agir como a “utilidade de provimento jurisdicional pretendido pelo demandante”. Isto é, faltando ao demandante interesse de agir, o processo deverá ser encerrado sem que se tenha um provimento de mérito.  Portanto, o Estado não pode exercer sua atividade senão quando esta atuação se mostre absolutamente necessária, caso contrário, estaria exercendo atividade de forma ineficaz ao julgar a procedência da demanda ajuizada. E ainda se pode alegar que esta atividade inútil estaria sendo realizada em prejuízo daqueles que realmente precisam da atuação estatal.  

Para o interesse de agir existir, far-se-á necessário dois elementos “necessidade da tutela jurisdicional” e “adequação do provimento pleiteado”, ou melhor, interesse-necessidade e interesse-adequação. A ausência de quaisquer desses elementos implica na ausência do próprio interesse de agir. Esta condição de ação busca um resultado útil, mas é preciso, antes de tudo, que a demanda ajuizada seja necessária. Sendo certo que, todo aquele que se considere titular de um direito lesado ou ameaçado, e que não possa valer seu interesse por ato próprio, terá de ir a juízo em busca de proteção de acordo com a tutela judicial.

Deste modo, não basta só que a ida a juízo seja necessária para que o interesse de agir esteja presente. É preciso que haja o interesse-adequação, na qual o demandante tenha ido a juízo em busca de provimento adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem narrada por ele na petição inicial, valendo-se da via processual adequada. Como exemplo, o indivíduo que vai entrar com um pedido de divórcio depois de dois anos de uma relação matrimonial, não pode alegar uma anulação de casamento, ainda que as partes estejam de acordo, uma vez que a anulação de casamento se dá somente em até 45 dias, neste caso, não ocorre uma adequação ao caso concreto.

Logo, terá interesse de agir aquele que apresentar necessidade da tutela jurisdicional, tendo pleiteado um provimento que se revele adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem afirmada na demanda.

Como último requisito da condição da ação ter-se-á a possibilidade jurídica, também chamada como possibilidade jurídica do pedido. Pode dizer que é a aptidão para um pedido ser acolhido, mas não só o pedido, como também seu fundamento que deve ser juridicamente possível, sob pena de se ter a “carência da ação”. Em outras palavras, toda demanda (partes, causa de pedir e pedido) deve ser juridicamente possível.

Agora, um exemplo de impossibilidade jurídica do pedido é o casamento com mais de duas pessoas, a bigamia, que não é permitido no Brasil. Desta forma, deve se considerar juridicamente impossível a demanda quando algum de seus elementos seja vedado pelo ordenamento jurídico, não podendo o Estado-juiz, ainda que os fatos narrados na inicial tenham efetivamente ocorrido, prestar a tutela jurisdicional pretendida.

1.2 Sujeitos da Relação Processual

O processo é formado a partir de três sujeitos – Estado (Juiz), autor e réu, formando assim um sistema piramidal. O autor funda a relação processual, pede a tutela jurídica o Estado e se encontra no pólo ativo da relação. O réu fica no pólo passivo e fica sujeito a relação processual fundada pelo autor.

Vale ressaltar que há uma possibilidade de ter um pluralidade de sujeitos (pessoas) para constituir os pólos, a isso dá-se o nome de litisconsórcio, por exemplo, m uma ação e alimentos pode existir uma pluralidade de pessoas no pólo passivo, contendo o pai e os avós. Entretanto, todos aqueles que direta ou indiretamente liga-se a uma ação pode ser parte, aquele que cumprirá com a obrigação concentra-se no pólo passivo da relação, e aquele que figura o pólo ativo sempre será o beneficiário.

Há outro tipo de sujeito na relação processual, denominado procurador, que no caso é o advogado. Este é quem vai representar as partes em juízo, é de grande importância destacar que há algumas exceções envolvendo esse sujeito, situações em que não é obrigatório a presença de um advogado, a primeira delas é referente às causas de pequenos valores, a segunda está ligada a justiça do trabalho onde a empresa ou o empresário podem ingressar em juízo sem está acompanhado de um advogado. Tirando as exceções, as partes sempre devem ser representadas por advogados, tanto particulares (profissional liberal), quanto públicos (procuradores do Estado, do município, etc.), habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Podemos ainda destacar o Ministério Público com mais um sujeito da relação processual, o Código de Processo Civil (CPC) em seu artigo 81 tipifica que: “O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que as partes”. É significante informar que o Ministério Público possui uma dupla função, este pode atuar como fiscal da lei, podendo opinar em alguns processos que são considerados relevantes, isto é, com um alto grau de interesse social, por exemplo, em processos que envolvem menores de idade o MP protege este indivíduo, caso exista alguma desobediência a lei tomará as devidas providências. A segunda função é quando o MP atua como parte da relação processual, sendo o “advogado da sociedade”.

Temos também os órgãos judiciários que são de extrema importância, uma vez que sem eles a relação jurídico-processual seria inviável, e os auxiliares da justiça que são aquelas pessoas que contribuem para o bom funcionamento da justiça com exceção do magistrado, há também os auxiliares permanentes.

Como um dos principais sujeitos da relação processual, temos o juiz. As diretrizes básicas de como essa parte deve atuar dentro do processo está tipificada no artigo 125 e seus respectivos incisos, do CPC afirmando que: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I- assegurar às partes igualdade de tratamento; II- velar pela rápida solução do litígio; III- prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV- tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.”

Portanto, a finalidade da relação jurídica é modificar, extinguir ou criar algum resultado jurídico. Essa relação e por vezes complexa, mas visa sempre a tutela jurídica do Estado, baseada no princípio do impulso oficial, que estabelece que o juiz deve levar o processo até seu fim.

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