Os perigos da automedicação por parte da população brasileira Dhiego Fernandes ROMERA Michael MARASSATTO Talita FANTINATI Thiago CAMILO Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP Resumo A população brasileira apresenta quase que culturalmente, o costume de freqüentar farmácias e comprar medicamentos e outros produtos destinados à saúde, sendo que essa prática se realiza sem a consulta dos devidos profissionais da área da saúde como médicos ou farmacêuticos; na procura por um padrão para se entender o paradoxo de se automedicar por parte da população brasileira, encontra-se significativa relevância na educação dos brasileiros desde a infância, assim como o fato de que a automedicação não pode ser vista somente de maneira pejorativa, e que não se trata de um ato apenas "cultural", pois os brasileiros que se automedicam também o fazem devido a influências externas. Palavras-chave: Automedicação; Perigos; Medicamentos; Saúde; Farmácia. Considerando os malefícios que afligem a população em seu dia a dia, assim como a intensa rotina que ela exerce, fica plausível que as pessoas desejem muitas vezes resolver problemas relacionados à sua saúde por conta própria, comprando e fazendo uso de medicamentos sem o consentimento de um profissional qualificado, em contraponto, a automedicação não é analisada apenas de forma pejorativa pelos especialistas. Em seu livro "Conforto da Automedicação ? Importância e perigos", o Prof. Dr. Irany Novah Moraes (2004) defende que a melhor maneira de prevenir a doença é pela educação: desde a infância, na escola e no lar, os princípios básicos de saúde devem ser ensinados, como já ocorre em países de primeiro mundo. Ele ainda diz "muito se pode ensinar ao povo para minimizar suas dores e, ensinando-o a se cuidar melhor conhecendo rudimentos da doença, terá orientação para sofrer menos." (Moraes, 2004, Índice X). Assim, pesquisam-se os reais motivos que levam uma pessoa a se automedicar. Dando ênfase à informação que é passada à população, Moraes defende a automedicação em determinados casos questionando: "Se países subdesenvolvidos preparam leigos ? médicos descalços ? para tratar seus doentes, nós ? os agentes de saúde ? para cuidar dos habitantes das regiões mais carentes por que não ensinarmos nosso povo a se automedicar, ou assistir o próximo em perigo, corretamente e sem risco?" (Capítulo II). Por sua vez, professor Valmir de Santi estuda o comportamento dos setores de marketing das empresas de medicamentos, mostrando a total inadequação de seus materiais de divulgação, que não apenas geram um consumo inconseqüente de remédios como causam danos à saúde e ao bolso dos consumidores. Acredita que "O que está em jogo no Brasil, onde a legislação não é cumprida, é o próprio papel da farmácia e da medicina." (pág. 118); "... uso racional de medicamentos em nosso país ? com especial relevância para os aspectos éticos e legais envolvidos na propaganda de medicamentos, prescritos ou não por profissionais de saúde". (página 7) Santi (1999) aponta a propaganda abusiva como o principal fator que envolve a automedicação por parte da população, e defende uma intervenção do Estado, para regulamentação mais avigorada de propagandas abusivas e muitas vezes, enganosas. Em análise de propagandas de medicamentos coletadas em revistas distribuídas às farmácias de agosto/96 a novembro/97 e sua relação com o cumprimento do Decreto 2018/96, Valmir de Santi concluiu que existem 1.608 propagandas de medicamentos de venda livre irregulares, e apenas 5 estão regularizadas. Deve-se ressaltar também a responsabilidade de médicos no processo da automedicação, durante a pesquisa de Santi, foram coletadas 509 propagandas junto à classe médica. Dessas, 337, ou seja, 66,21% do total, não traziam qualquer informação sobre contra-indicações, reações adversas, efeitos colaterais, interações ou outras informações necessárias para se buscar uma boa adesão à terapêutica e à conseqüente cura da enfermidade. Marina Soares (1992, página 1), em seu Trabalho de Conclusão de Curso, Considerando a problemática da automedicação no Brasil e sua repercussão na saúde dos indivíduos e apresentado junto aos usuários do Centro de saúde Integração PMC PUC Campinas: "Estudos dos motivos que levam as pessoas ao consumo de medicamentos sem receita médica", ressalta, dentre outras coisas, a relevância das farmácias no processo da automedicação, pois "Na farmácia o atendimento é rápido, não é preciso ausentar-se do emprego e os resultados são aparentemente satisfatórios...", (o que) "incentivou a abertura de novas farmácias e atrás dos balcões a troca do farmacêutico por balconistas treinados para usar o método da "empurro terapia". Essa é uma história que se repete em toda parte, com pessoas de todas as idades, sexos e condições mais desfavorecidas". No que concerne à propaganda de medicamentos, se observa uma permissividade. Embora a legislação proíba a propaganda de produtos éticos , por meios de divulgação que não os dirigidos à categoria médica (revistas especializadas, mala direta para médicos, separatas, etc.), no que diz respeito aos remédios de linha popular (aqueles cuja promoção de vendas e comercialização não se submete a nenhuma proibição), a propaganda é realizada intensamente pelos meios de comunicação de maior penetração. A promoção de vendas de medicamentos de linha ética nunca é realizada diretamente ao consumidor. Nesse caso, os agentes privilegiados de comercialização são as drogarias (ou "farmácias") e os médicos; que de fato são considerados, sempre, os "alvos lógicos" da promoção de medicamentos, segundo a própria linguagem da indústria farmacêutica. Segundo Soares (1992, página 15), dados e opiniões de especialistas "(...) provam o uso sistemático no Brasil de bulas com excesso de indicações terapêuticas para cada produto e minimização, ao mesmo tempo se não omissão completa, das referencias e efeitos colaterais ou contra-indicações". Seu estudo conclui também que "De trinta medicamentos mais vendidos de um grupo de dez empresas verificou-se que apenas dois apresentavam bulas fiéis aquelas exigidas em seus países de origem. Dessas duas, uma se refere a produto de venda exclusiva em hospitais." Em relação à importância da propaganda no ato de se automedicar, Soares tem opinião que se assemelha a de Santi, alegando que atualmente a publicidade farmacêutica conseguiu distorcer a visão médica e também do público que descobriu uma maneira mais fácil, rápida e barata de se tratar. "Hoje ninguém pode escapar dela (a propaganda), através de cartazes, rádio, televisão, jornais e revistas, isto tudo com o objetivo de assegurar que todos sejam informados sobre o maior numero de diferentes produtos, que se definam ao consumo de massa, sendo que estes medicamentos podem ser facilmente comprados nas farmácias sem receita médica". (Pág. 18). Tendo uma visão pejorativa da automedicação, Marina Soares defende mais rigor em relação à apresentação de receituário no ato da compra dos medicamentos, pois segundo ela, se as farmácias só vendessem remédios com a apresentação de uma receita médica, como manda a legislação, os riscos da interação dos remédios diminuiriam bastante, porque cessaria também a automedicação. Acredita que o atendimento médico precário incentiva que os doentes busquem soluções caseiras para seus males, ou seja, procuram farmácias e drogarias, abastecem-se de remédios recomendados por balconistas, e essa situação se torna possível devido à má fiscalização das autoridades e, muitas vezes, com o incentivo financeiro dos laboratórios que costumam fornecer unidades gratuitas do produto por determinada quantidade vendida. Soares ainda defende que a pior conseqüência do consumo indevido desses remédios é a tendência a ficarem menos efetivos à medida que são repetidamente usados, já que novas bactérias resistentes surgem como reação aos antibióticos e se elas chegarem a desenvolver um quadro patológico ao organismo, o mesmo medicamento já não surte efeito. Assim o médico perde um dos seus maiores trunfos. Já o Dr. Landmann (1988 página 21) explica que essa é a razão da virulência das chamadas infecções hospitalares: "É lá que se encontram as bactérias mais resistentes, por ser o lugar onde mais se administram antibióticos". Soares diz que é possível ver em Landmann (1978) que frisa, quando fala em automedicação, que existe também "o remédio mal receitado pelos próprios médicos". Considera como causas principais desse problema a fraca formação farmacológica de grande parte deles, e principalmente, a própria estrutura da medicina na nossa sociedade, que privilegia os lucros e não a saúde da população. (página 25). Pesquisa, realizada junto aos universitários da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), mostra os hábitos dos jovens em relação aos medicamentos que consomem, em análise de dados revela-se que dos estudantes entrevistados, 90% alegam se automedicar, sendo que 54% o fazem ocasionalmente, considerando que 93% deles estocam medicamentos em casa, sendo a maioria deles analgésicos e antibióticos com 85% e 75% respectivamente. Em contraponto às idéias de Valmir de Santi, os universitários alegam não serem influenciados pela propaganda, mas por amigos e parentes (73%), e que 67% daqueles que se automedicam nunca tiveram problemas com efeitos colaterais pelos seus atos. Contudo, quando colocados diante da tese do Prof. Irany Novaes e sua idéia de que não há perigo na automedicação para pequenos malefícios, é necessária uma conscientização da população para que tratem em casa desses pequenos males. Os estudantes da PUC concordam ao menos em partes com o autor (60%), e 47% deles acreditam que uma melhora na estrutura do serviço de saúde contribuiria para amenizar os problemas. Tendo o conhecimento sobre as doenças e sua cura, as técnicas de tratamento e o treinamento adequado, supõe-se que apenas o médico pode analisar as condições físicas do paciente e opinar sobre os benefícios e riscos apresentados pelos medicamentos. Por sua vez, os remédios da alopatia, homeopatia, florais de Bach e outros florais, a fitoterapia ou qualquer outro tipo de medicamentos, podem provocar efeitos colaterais, muitas vezes irreversíveis. Remédios populares e caseiros também podem prejudicar o organismo, se utilizados de forma incorreta. No Brasil foi iniciado em 2006 campanha denominada "A informação é o melhor remédio", através de uma parceria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa e do Departamento de Assistência Farmacêutica - DAF/MS -, com a proposta de realizar uma campanha publicitária para informar a população sobre o uso racional de medicamentos e alertar sobre os riscos das peças publicitárias de medicamentos nos meios de comunicação. O material foi produzido pela organização não governamental Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) e destina-se às unidades do Programa Farmácia Popular do Brasil, aos agentes de saúde, profissionais de vigilância sanitária, professores e órgãos de defesa do consumidor. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) existe uma farmácia para cada três mil habitantes, quando o número preconizado pela OMS é de uma para cada grupo de 8 mil habitantes. Enfatiza-se a opinião de Santi, quando devia ser creditada mais responsabilidade ao Estado em relação às atitudes da propaganda, assim como a própria influência da publicidade na automedicação; porém, fazendo uso da dialética para analisar as opiniões de especialistas e estudiosos no assunto, é perceptível, principalmente na obra de Moraes que é necessária uma conscientização da população, e que a raiz do problema está na informação, seja pela falta dela, ou simplesmente pela qualidade com que ela chega aos potenciais consumidores de produtos farmacêuticos. Relacionando a opinião dos estudantes da PUC e o resultado da pesquisa já citada, é visível que, analisando a situação acadêmica dos estudantes, assim como seu grau de escolaridade, a presença maciça de propagandas no cotidiano deles já não é de tanta relevância quando vão se automedicar. Tendo esse resultado como base, e usando de embasamento teórico as teorias de Moraes e Santi, pode se perceber um padrão em relação ao paradoxo de se automedicar e as opiniões dos autores. Explica-se o fato assim: considerando a opinião de Moraes, se bem educada em relação a benefícios e malefícios a população pode se automedicar para pequenos males; por sua vez Santi alega em sua teoria que cabe à propaganda e à falta de regulamentação dela o fato de a automedicação ser vista de maneira tão pejorativa. Colocam-se os estudantes como sendo pertencentes a uma camada da sociedade que tem mais acesso à informação e educação e tendo em vista os resultados da pesquisa realizada na PUC, aponta-se uma maioria que se automedica para pequenos males, porém que, ao menos sua maioria (67%), nunca teve problemas com efeitos colaterais, o que enfatiza a relevância da qualidade da informação que é absorvida pela população brasileira. Em síntese, Santi indica a propaganda mal feita e mal regulamentada como maior problema para a medicação sem controle e Moraes alega que a falta de informação, por sua vez é o maior desvio; com isso, pode-se concluir que os universitários sofrem menos com os malefícios da automedicação e não se influenciam pela propaganda porque têm mais acesso a educação e cultura, o que enfatiza a necessidade de uma conscientização da população brasileira. Após análise dos resultados de pesquisa de campo realizada com os universitários da PUC, os alunos responsáveis pela pesquisa desenvolveram projeto de conscientização da população usando a tecnologia da informação para atingir tal feito. Considerando a falta de informação dos brasileiros, foi criado um canal de informações que trata dos temas de saúde pública, enfatizando os malefícios da automedicação, assim como seus possíveis benefícios quando essa prática é realizada sob suporte cultural e intelectual por parte da população do país. Para tanto foi criado por eles um blog informativo, que contém a opinião de profissionais da saúde das mais diversas áreas, consultando sobre os medicamentos, a importância da opinião de um médico ou farmacêutico. Contando com o poder de abrangência da informação digital, os estudantes têm o intuito de sanar as duvidas freqüentes no cotidiano das pessoas. Pode se perceber através de dados empíricos que existe uma nítida relação entre a educação absorvida e sua importância em relação não apenas ao fato de se diminuir os malefícios da automedicação, mas também ao fato de que uma conscientização da população brasileira levaria a um consumo de medicamentos mais ponderado, de maneira a redistribuir as responsabilidades no setor de saúde pública de dar suporte necessário aos brasileiros para que possam, tendo como base a opinião de Moraes, tomar as primeiras providências em relação à sua saúde e pequenos males. Anexos Questionário proposto aos alunos dos cursos de Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), no dia 29/05/2009 1. Você consome medicamentos por conta própria, sem o consentimento de um profissional da saúde? ( ) Sim ( ) Não (preencher apenas dados pessoais no final) 2. Qual a freqüência? ( ) Raramente ( ) Ocasionalmente ( ) Sempre 3. Para qual finalidade você costuma se automedicar? ( ) Dores em Geral ( ) Estimulantes ( ) Antiinflamatório ( ) Outros ( ) Anticoncepcionais 4. O que te influencia mais na automedicação? ( ) Amigos e Parentes ( ) Precariedade do Serviço Público ( ) Propaganda ( ) Outros 5. Se automedicar já te trouxe algum malefício, efeito colateral, ou escondeu um problema mais sério? ( ) Sim ( ) Não 6. Costuma estocar medicamentos em casa? ( ) Sim ( ) Não (pular para pergunta 8) 7. Quais? ( ) Analgésico ( ) Antibióticos ( ) Estimulantes ( ) Outros ( ) Medicamento para Insônia 8. Qual seria a solução mais eficaz para se evitar a automedicação e seus malefícios? ( ) Mais informação ( ) Menos propaganda ( ) Mais estrutura no serviço de saúde pública ( ) Outro: _______________________________________________________________ 9. Segundo o prof. Irany N. Moraes, em seu livro "Conforto da automedicação - Importância e Perigos", não há perigo na automedicação para pequenos malefícios, e é necessária uma conscientização da população para que tratem em casa desses pequenos males, o que ajudaria a diminuir o fluxo de pessoas nos hospitais. Você concorda com o autor? ( ) Concordo ( ) Concordo Parcialmente ( ) Não Concordo Resultado da pesquisa realizada na PUC-Campinas 90% se automedicam Com qual freqüência? sempre raramente ocasionalmente 19% 27% 54% Para qual finalidade você se automedica? antiinflamatório dores estimulante anticoncepcionais outros 60% 53% 6% 13% 13% O que lhe influência na automedicação? Amigos e Parentes Propaganda Má qualidade do Serviço Público Outros 73% 0% 0% 27% A Automedicação já provocou alguma malefício ou efeito colateral? sim não 33% 67% Tem estoque de medicamentos em casa? sim não 93% 7% Quais medicamentos estocam em casa? analgésico antibióticos estimulante insônia outros 85% 57% 7% 7% 7% Qual seria a solução para automedicação? mais informação menos propaganda mais estrutura saúde pública Outros 53% 0% 47% 27% Concorda com o autor (texto citado na pesquisa)? concordo parcialmente não concordo 33% 60% 7% REFERÊNCIAS REVISTA VEJA. Coquetel de Riscos. "Veja", São Paulo, número 14, página 60-61, 05 de abril, 1989. LANDMANN, Jayme. A indústria das drogas. "Revista Brasileira de Medicina", São Paulo, volume 35, número 11, página 11-12, novembro, 1978. REVISTA VEJA, Males Cruzados, "Veja", São Paulo, número 14, página 69, 06 abril, 1988. Os perigos da automedicação. Disponível em: . Acesso em: 14 abril 2009. AUTOMEDICAÇÃO. Disponível em: . Acesso em: 14 abril 2009. Saúde Vida On Line ? Primeiros Socorros. Disponível em: . Acesso em 14 abril 2009. Forumenfermagem ? Comunidade Online de Enfermagem ? Automedicação. Disponível em: . Acesso em: 14 abril 2009 Moraes, Irany Novah. Conforto da Automedicação: importância e perigos. 1ª Edição. São Paulo: Roca, 2004. 138 páginas. Santi, Valmir de. Medicamentos ? verso e reverso da propaganda. 1ª Edição. Ponta Grossa: UEPG, 1999. 115 páginas Soares, Marina. Estudos dos motivos que levam as pessoas ao consumo de medicamentos sem receitas médicas. Trabalho de Conclusão de Curso de Enfermagem. Campinas. 1992. 55 páginas. Os perigos da automedicação. Disponível em: . Acesso em: 14 abril 2009.