Os lugares de memória da cidade: os imaginários urbanos de Taquara na República Velha (1889-1930)
Jocemar Paulo de Lima
Daniel Luciano Gevehr

RESUMO: No início do século XX a cidade de Taquara passava por grandes transformações, sua reestruturação deu-se através das práticas comerciais e industriais através de produtos coloniais e manufaturados. A cidade tornou-se um espaço habitável e higiênico, além de ser capaz de absorver muitas inovações técnicas disponíveis em outras cidades do Brasil. A construção do espaço urbano da cidade, atendia aos desejos da burguesia e da política local representada pelo Partido Republicano Riograndense. As transformações urbanas em Taquara ocorreram graças aos projetos de modernização como a vinda do trem e a eletricidade, implementados no final do século XIX e início do século XX, período de grandes mudanças econômicas, políticas e sociais, que corresponde o período que vai da Proclamação da República até a década de 1930, também conhecido como Republica Velha. Para compreender as mudanças no espaço urbano e o momento histórico, pareceu-nos necessário analisar a construção dos imaginários urbanos através das representações arquitetônicas e das organizações sociais deste período.
Palavras Chaves: Imaginários urbanos, representação e República Velha.

Introdução
Ao analisarmos as produções históricas sobre as cidades, poderíamos, talvez, entender tais produções a partir de uma perspectiva que considera a sua descrição e a dinâmica que envolve o entendimento da construção dos espaços urbanos. Como resultado de tais estudos, mostrou - se a emergência de um fenômeno urbano revelado na complexidade das transformações econômicas ocorridas e no dinamismo de seus grupos sociais, que, ao longo da década de 1990. Assim, nossa investigação considera que o imaginário urbano diz respeito às diferentes formas de percepção e identificação dos quais são atribuídos significados. O que implica dizer que trata das representações construídas sobre a realidade ? que em nosso caso é a cidade de Taquara, da qual nos propomos a investigar, aqui, no recorte temporal que se inicia com a Proclamação da República e encerra com a Revolução de 1930, mais compreendido como o período da República Velha (1889 ? 1930).
Sendo assim, tal procedimento implica analisar a cidade de Taquara a partir das suas representações arquitetônicas, como uma leitura específica do espaço urbano, capaz de conferir sentidos, resgatar sensibilidades aos cenários citadinos, às ruas e formas arquitetônicas, aos monumentos, praças, seus personagens e às sociabilidades que nesse espaço têm lugar.
Neste artigo trataremos do processo histórico percorrido no Rio Grande do Sul. Consideramos fundamentais, ainda, em nosso estudo o estabelecimento das relações existentes no período entre o atual município de Taquara dois outros: São Leopoldo e a capital da Província, Porto Alegre. Uma vez que a vinda do trem - além de simbolizar o auge da modernidade de transporte na época - também facilitou o surgimento de um variado comércio e de uma nova etapa do desenvolvimento social de Taquara.
Enfim, a análise dos diferentes aspectos que constituem esses imaginários urbanos em Taquara nos permitirá compreender como a República Velha foi um período no qual se procurou consolidar ? através de representações sociais que se fazem sentir nos espaços urbanos ? uma nova dimensão do urbano. Essa nova dimensão, por sua vez, associava - se às noções de progresso, modernidade, desenvolvimento econômico e político, conforme poderemos acompanhar na análise que desenvolveremos neste artigo.

As origens de Taquara

Embora a colonização oficial da região que integra a Fazenda do Mundo Novo somente tenha ocorrido a partir de 1846, com a imigração alemã, podemos dizer que Taquara, em sua origem, era formada por uma população basicamente constituída de grandes fazendeiros, lusos brasileiros com seus escravos, de indígenas e de terras de passagem dos tropeiros. Esta rota fazia ligações entre Santo Antônio da Patrulha e Passo do Mundo Novo, atual município de Taquara, daí até Lomba Grande pela margem direita do Rio dos Sinos e saindo do Passo do Mundo Novo em direção aos Campos de Cima da Serra.
Em outubro de 1846, Monteiro funda a Colônia do Mundo Novo. O local com uma extensão de cento e cinqüenta mil braçadas foi dividido em terrenos chamados de colônias. Estas colônias podiam ser vendidas por inteiro (uma colônia) ou em terrenos menores, com um quarto, ou meia colônia. Monteiro fazia esse empreendimento através de financiamentos aos novos moradores da colônia com preços acessíveis para que os colonos pudessem pagar. Enquanto isso, os colonos transformavam florestas fechadas em áreas de terras produtivas, mudando a paisagem do espaço ocupado.
Um dos grandes obstáculos para a adaptação dos imigrantes foi o choque com os indígenas conhecidos como bugres. Esses moradores nativos, apesar de estarem há muitos séculos na região, não eram reconhecidos como proprietários, sendo considerados como animais selvagens. Esse contato foi um choque cultural entre civilizações diferentes. Os relatos sobre esses contatos nos fazem perceber o choque cultural ocorrido entre indígenas e colonos em nome da superioridade racial. Muitas brutalidades vivenciadas foram sufocadas regionalmente e em nível de Império, a fim de não atrapalhar o empreendimento de Monteiro.
No entanto, iniciou - se um processo de substituição de mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre, a ponto de criar uma estrutura de trabalho em que a escravidão não seria mais interessante aos grandes latifundiários. Com a virada do século XIX para o século XX, a população de negros libertos foi removida do centro urbano de Taquara para algumas localidades que, desde esta época, já eram chamadas de Áfricas. Isto se deu para que o novo município não demonstrasse em suas ruas ou nos comércios, vestígios de um passado negro e que a cidade não viesse a ser condenada em pleno momento de seu esplendor. Assim, conforme o projeto, a Colônia do Mundo Novo passou a ser um grande exemplo de forma de trabalho, apresentando prosperidade e grandes avanços econômicos, a ponto de se tornar um dos mais importantes centros econômicos da Província do Rio Grande do Sul.

O Processo de Urbanização de Taquara

O crescimento do comércio local progrediu pela proximidade com o rio Santa Maria e posteriormente com a chegada da via férrea ao município. Desta forma, Taquara se desenvolveu economicamente com a chegada do trem e entrou no cenário comercial e industrial da Província do Rio Grande do Sul.
Porém para que possamos entender a formação histórica de Taquara e o seu desenvolvimento comercial e urbano, precisamos analisar de forma sistemática qual a importância das Picadas . Com a venda de lotes aos imigrantes alemães, oriundos, na sua grande maioria, das antigas picadas de São Leopoldo, as quais, inicialmente, eram vistas como via de acesso a uma propriedade, porém, em pouco tempo, tornaram?se núcleos urbanos.
A partir deste ideário, a picada denota sua importância em atividades comerciais. Cada picada abrigava mais que duas casas comerciais, que serviam de entrepostos, para os quais eram vendidos os excedentes de produção, entre eles milho, feijão, batata e mandioca. Além destes, Destes adquiriam mercadorias como sal, temperos, louças, chapéus e utensílios para cozinha oriundos de outras localidades.
A casa comercial, muitas vezes conhecida como Venda , era a porta de comunicação da Picada sobre os mais diversos assuntos como política e revoluções, facilitando a interação entre os colonos sobre estes e outros acontecimentos.
Pressupomos, desta forma, que as casas comerciais polarizavam na prática toda a vida e toda a atividade econômico?financeira das comunidades rurais. Entendemos aqui como um grande centro o núcleo comercial e industrial que se formou na Taquara Velha do Mundo Novo, pois no final do século XIX já se faziam presentes, neste município, grandes casas comerciais, entre elas, uma das mais famosas, o Ebling e Fleck, iniciando suas atividades no ano de 1873. Esta casa foi a pioneira no comércio de Secos e Molhados e Miudezas, tornando?se o principal fornecedor de mercadorias para as localidades de São Francisco de Paula, Vacaria, Bom Jesus, Canela, Gramado, Três Coroas e Rolante. Neste contexto, percebemos que um dos pilares que reforçaram a emancipação política de Taquara, foi o grande desenvolvimento comercial e industrial que surgira nesta época.

O comércio e a indústria mudam a cidade

O comércio taquarense se consolidaria a partir do sistema de troca dos excedentes, que os imigrantes começam a desenvolver nas colônias, fossem elas particulares ou organizadas pelo Império. Neste contexto, os produtos agrícolas cultivados eram trocados por artigos de primeira necessidade, tais como: tecidos, sal, mel, banha, lã, querosene e medicamentos.
Este processo viabilizou o progresso do comércio local e, conforme, Jean Roche afirma:

"O comércio tem suas raízes nas colônias, e ao desenvolvimento destas deve sua prosperidade. Mas esse desenvolvimento somente se tornou possível através das trocas, cuja influência foi decisiva na produção e na economia das colônias. Houve, assim, simbiose entre o comércio e a agricultura". (Roche, 1969, p.403).



De acordo com a citação acima, podemos identificar que o sistema de troca estava ocorrendo na Taquara Velha do Mundo Novo, mais especificamente na sua zona central, que compreendia as ruas Júlio de Castilhos e Tristão Monteiro. Podemos observar que a consequência do sistema de troca entre mercadorias, possibilitou o rápido crescimento do centro da cidade a partir de 1910 e prolongou?se até 1930.
Como mostra a figura abaixo, onde a Rua Júlio de Castilhos formava o espaço urbano de Taquara nas primeiras décadas do século XX, dando à sociedade taquarense o sentimento de viver na cidade.
Podemos observar este fenômeno, a partir da obra de Silva , o qual buscou depoimentos orais sobre Taquara em suas décadas do século XX. A fonte destes relatos que veremos, são provenientes de um morador deste município, o senhor Jair Andrade Lemos, que assim afirmou:

??Eu gostaria de dizer o seguinte: Quando eu voltei de Porto Alegre, já tinha a firma Fleck e Ebling, tinham aberto a sociedade e foi vendida a parte de armazém para o meu avô, e parte de confecções, ferragens e tecidos para o seu Pedro Schuck. Bom! Pelo menos ouvia conversar e contar de que aquela casa é uma casa construída em 1909 a 1910, não sei quem construiu, se foi os Fleck, o seu foi o Ebling, gostaria até de saber quem foi o primeiro idealizador daquela firma, mas foi uma das principais de Taquara, e num período muito longo, trabalhou muito com a Serra, nós tínhamos um terreno muito largo, um pátio muito grande, a onde os serranos vinham com suas tropas de mulas, trazendo queijo, lã, cabelo cavalar. Traziam também às vezes mel, banha, e vinham vender em Taquara e ao mesmo tempo levavam o que precisavam para as suas necessidades, tecidos, sal, querosene, medicamentos. Então, "foi um entreposto, aquela esquina de trabalhos de compra e venda de mercadorias".



De acordo com exposto acima, podemos verificar que a Rua Tristão Monteiro estava formando uma base comercial muito forte na Taquara Velha do Mundo Novo. Porém, a franca expansão do sistema de trocas solicitava uma alternativa mais rentável para os comerciantes sediados nesta rua, pois o transporte fluvial dos produtos, que eram vendidos para as cidades de São Leopoldo e Porto Alegre, alijava praticamente todo o lucro ganho nas barganhas com os agricultores.
Diante desta realidade do comércio, e das dificuldades de transportes, Martins10 nos mostra como os imaginários urbanos de Taquara se desenvolveram sobre este novo cenário, afirma:
"Na Tristão Monteiro os comerciantes esfregavam alegremente as mãos diante do entra e sai de mercadorias de seus depósitos e aguardavam para breve a chegada da linha férrea que seria o grande impulso que tornaria Taquara o maior pólo exportador de feijão do Brasil". (Martins. 1998, p.44).


No conjunto das ações comerciais, a via férrea foi o grande impulso para projetar Taquara no cenário nacional. A Rua Tristão Monteiro entra para a história do desenvolvimento comercial da Taquara Velha do Mundo Novo, pois geograficamente, ou por interesses dos comerciantes sediados nesta rua, a mesma é contemplada com a instalação de um amplo prédio que abrigaria a Estação ferroviária.
Neste contexto, o que observamos é que o desejo da sociedade taquarense foi atendido com a inauguração da via férrea, em 15 de agosto de 1903. Este novo meio de transporte atraiu mais comerciantes à Rua Tristão Monteiro, que buscavam o aproveitamento do comércio flutuante instalado nesta via.

Por ocasião da vinda da ferrovia para Taquara, a Tristão Monteiro verificava um movimento intenso de pessoas e de carroças que carregavam e descarregavam os seus produtos nos depósitos locais. A propósito, o fluxo comercial inverteu-se, ou seja, o caminho percorrido era da Estação à rua Júlio de Castilhos.
Além disso, esta nova rede de transportes, ajudou Taquara a fazer frente aos concorrentes das cidades de São Leopoldo e Novo Hamburgo, como podemos observar na citação de Roche:

"O nascimento da nova rede de comunicações permitiu que a praça de Porto Alegre estendesse seu raio de influência direta. São Leopoldo, portanto, ameaçado de colapso e sofreu também a concorrência das casas fundadas em Novo Hamburgo, logo que a estrada de ferro aí tocou em 1876 e, depois, em Taquara em 1904." (Roche. 1969, p.430).



A via férrea não só colaborou com a baixa dos custos de transportes de mercadorias para outras localidades, como também ajudou a movimentar uma nova clientela na rua, porque o trem não transportava somente cargas, mas também passageiros provenientes de outras localidades.

O início da formação do comércio varejista e atacadista da Tristão Monteiro estaria enraizado no sistema de trocas que começou em finais do fim do século XIX. Foi despertado, pela necessidade dos colonos em armazenar produtos agrícolas, para posteriormente negociarem por mercadorias que lhes faltassem no seu dia-a-dia. A partir desta idéia, foi construída, na primeira década do século XX, a primeira casa varejista e atacadista da Taquara Velha do Mundo Novo, o "EBLING & FLECK", casa pioneira no comércio de secos e molhados e miudezas.
Esta Venda funcionava com um sistema de trocas de mercadorias oriundas da região serrana e das localidades de Rio da Ilha, Padilha e Santo Antônio da Patrulha, como já se havia comentado anteriormente. Com o decorrer do tempo, a mesma iniciou um processo de compra e venda de mercadorias e de exportação de couros, lãs e queijos para São Leopoldo e Porto Alegre. Em contrapartida, o EBLING & FLECK comprava produtos das ferrarias de São Leopoldo. Inclusive, esta casa comercial funcionou como representante, para a região, de automóveis da marca Ford com também das máquinas de costura Singer.

Com o propósito de atender o varejo, a casa comercial Dienstmann foi construída, no ano de 1913. Esta loja comercializava tecidos e aviamentos em geral. Aliás, até o presente momento ela continua atuando na venda destes produtos.
De certa forma, a Rua Tristão Monteiro não comercializava somente mercadorias, mas atendia as pessoas através da prestação de serviços, como é o caso do antigo hotel Jaeger, que hospedava os recém-chegados na nossa cidade, e cuja localização conferia-lhe uma posição estratégica devido a sua proximidade com a estação ferroviária.

No entanto, podemos perceber o processo de construção da identidade comercial, industrial e urbana da atual cidade de Taquara a partir da representatividade das ruas taquarenses, como neste caso, a Rua Tristão Monteiro, no início do século XX.
Os imaginários urbanos de Taquara e sua materialização nos lugares da cidade
Analisar o processo de urbanização de Taquara é entender a sociedade e a cidade no seu contexto histórico. A cidade tornou-se um lugar de mudança. Não somente como receptora das modernidades, mas como um produto das novas formas de sociabilidade, permitindo, assim, que os agentes econômicos e políticos pudessem reestruturá-las de acordo com seus interesses.
As reformas urbanas ocorridas em Taquara atendiam à nova concepção que a elite porto-alegrense tinha de cidade, onde o centro deveria ser um lugar de conduta "civilizada". Palavras como ordenar, intervir no espaço, pautar a conduta dos indivíduos, compõem Códigos de Posturas e Condutas municipais.
O primeiro símbolo de modernidade foi o Trem, em 1903. Além de diminuir rigorosamente o valor para transportar mercadorias das zonas coloniais, também trouxe ares de prestígio ao facilitar o acesso às cidades de Porto Alegre e São Leopoldo. Outros símbolos de modernidade são inaugurados, como o Palácio Coronel Martins Rangel, que teve sua inauguração no aniversário de emancipação política do Município. O nome dado ao Palácio para ser a nova sede Municipal foi dado pelo próprio intendente municipal de Taquara. Não bastando, o intendente por sua grande admiração pelo PRR, mais precisamente pelos feitos de Julio de Castilhos e pelo Presidente Borges de Medeiros ornamentou a Prefeitura com os bustos de ambos, personificando a política positivista em Taquara,

Em Porto Alegre, os novos símbolos de modernidade levavam as elites a sentir-se como se estivessem num grande centro urbano e, sempre que possível, comparar as implantações das redes técnicas e as transformações do espaço urbano com as de outras cidades mundiais, como Paris e Londres.
Devido à proximidade de Taquara com Porto Alegre, na segunda década do século XX, o centro de Taquara já estava dotado de iluminação elétrica. Eletrifica-se o sistema comercial e muitas oportunidades culturais se ofereciam à elite Taquarense.
Aparecem novos espaços urbanos e novos lugares de reuniões e de consumo. Surgem as grandes casas comerciais, as confeitarias, os passeios pelas ruas comerciais, os teatros, os lugares de bailes, os lugares de reuniões como o Clube Comercial e a Sociedade 05 de Maio.
Na Rua Júlio de Castilhos, além das casas que vendiam artigos populares, existiam também as casas de alta costura, as chamadas "casas de moda", onde homens e mulheres podiam caminhar livremente olhando e desejando todos os objetos disponíveis nas vitrines. As pessoas das classes mais abastadas podiam não somente contemplar os produtos, mas, também, consumi-los. Do ponto de vista social, na rua podemos encontrar todo tipo de gente, nela se mesclam as diferentes classes e diferentes estratos sociais.
Por sua vez, VELHO (1999) analisa a rua como um espaço multifuncional, pois está associada a um movimento que revela a articulação entre o público e o privado, onde o habitar, trabalhar e circular está presente. Assinala, ainda, que uma rua pode mudar de função e de uso, podendo, de acordo com o tempo, passar de rua residencial para rua comercial. Com base nestes conceitos sobre o imaginário que é construído sobre a rua, torna-se fundamental destacar que esta rua era um verdadeiro espaço multifuncional.
Alugmas ilustrações contidas no Museu de História de Taquara, pode nos levar a entender o cotidiano do centro urbano de Taquara, onde os mais diversos grupos étnicos se cruzam e, o espaço público se encontra com o privado. Além do variado tipo de comércio, podemos perceber também os tipos de transportes urbanos que se cruzam: carro, cavalos, carroças e bicicletas.


Com a circulação de riquezas por parte da elite local, decorrente da industrialização, assegurou-se o crescimento da função comercial e bancária da cidade, e, algumas ruas foram se especializando. A Rua Julio de Castilhos era um exemplo, e simbolizou toda a pujança comercial e financeira da cidade. Ali localizou?se, como nos dias de hoje, inúmeras sedes administrativas e bancos, como a do Banco da Província situada próximo ao Clube Comercial e quase esquina com a Prefeitura Municipal.
Neste sentido, as ruas A Federação, Tristão Monteiro, Júlio de Castilhos, Marechal Floriano, Guilherme Lahn, Rio Branco, Ernesto Alves, General Frota Edmundo Saft e outras, através das suas edificações, tornaram-se símbolos de modernidade, de oportunidades culturais. Mas, com as transformações urbanas que estavam se produzindo, era também, sinônimo de oportunidades de investimentos de capitais.

A Arquitetura como representação do Imaginário

No caso de Taquara, um dos estilos mais usado foi o Neoclássico, que tem sua origem na França. Este estilo busca a perfeição do clássico fundindo o que há de melhor entre o estilo grego e romano. Tanto as construções civis como religiosas seguiu o modelo dos templos grego-romanos ou das edificações do Renascimento italiano. No entanto, segundo o arquiteto Güinter Weimer , destaca o estilo Art-Noveau, oriundo da França, inspirado nos temas e formas curvas dinâmicas da natureza, gerando um barroco característica plástica de extraordinário impacto: os caules, as flores e os insetos são elementos constantes que se entrelaçam criando morfologias complexas e refinadas.
A partir destes relatos, passamos a analisar cronologicamente algumas obras arquitetônicas de Taquara e perceber sua representatividade materializada.

Ebling e Fleck

A importância da construção é denotada através deste plano inclinado, onde o construtor localizava os nomes dos proprietários e a data da realização da obra. Atualmente esta data já foi retirada, mas provavelmente foi construída em 1909, pelo construtor Cel. Jorge Fleck.
Para destacarmos o estilo e suas características nesta obra, nos valeremos das avaliações realizadas por SILVA :
Com relação à fachada: sobre um arco pleno sendo emoldurado por dois arcos abatidos, capitéis com volutas jônicas, com detalhes florais coríntios. Sobre todo o conjunto encontra ? se como coroamento, um frontão redondo que abraça uma mascara feminina. Pano liso em alvenaria colocado na parte superior do edifício sugere balaustrados, elementos muito utilizados nas propostas de linguagem clássica.
As lamparinas colocadas no topo tentam enriquecer a proposta do edifício de espírito clássico. (SILVA, 2006, p.3)


Concluímos que de acordo com estas características, edificação apresenta: valor burguês e o gosto pelos valores clássicos que representam o poder, a prosperidade e a virtude do saber.

Palácio Cel. Diniz Rangel

A estrutura profundamente autoritária do governo estadual, a autoridade daquela época não se furtava em fazer altos investimentos na construção dos palácios municipais que eram projetados pelos mais renomados arquitetos da Secretaria de Obras Públicas.
O Palácio para sediar a Prefeitura de Taquara, que foi projetada pelo arquiteto militar Ildefonso Fontoura e construída por João Catani em 1808.


Esta edificação já foi projetada para além de ser sede administrativa de Taquara, seria também representação política do governo positivista Borges de Medeiros que, através do Cel. Dinis Rangel seria possível realizar as fraudes eleitorais garantindo Borges no poder.

Banco da Província

A proposta arquitetônica do edifício manifesta o interesse e as aspirações das classes sociais em ascensão. Nesta obra combinam ? se elementos clássicos manifestados pelos elementos decorativos. Das aplicações decorativas da fachada se salientam as esculturas dos três leões que suportam a sacada, dando impressão de solidez, austeridade, nobreza e poder.

No contexto social e econômico este prédio foi inaugurado em 1918, para sediar a agencia do Banco da Província, situado na Rua Júlio de Castilhos. Atualmente é sede da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Paranhana ? CICS-VP.

Considerações finais

Consideramos em nosso trabalho que a cidade não é simplesmente um fato, um dado colocado pela concretude da vida, mas como objeto de análise e tema de reflexão. Tal procedimento implicou pensar a arquitetura como uma leitura específica do espaço urbano, capaz de conferir sentidos, resgatar sensibilidades aos cenários citadinos, às ruas e formas arquitetônicas, aos seus personagens e às sociabilidades que nesse espaço teve lugar, ou seja, a arquitetura e o traçado de ruas e praças são, sem dúvida, o registro físico de uma cidade, mas também é o modo de pensar através das mais diversas linguagens.
Mas para a formação da sociedade urbana taquarense eram fundamentais as antigas práticas comerciais que os colonos exerciam nas picadas. Quando existindo o excedente levavam para vender seus produtos no núcleo urbano. Os produtos de origem colonial eram transportados, durante o século XIX, através do Rio dos Sinos, para São Leopoldo e Porto Alegre.
A República apresentava ? se como o regime político que melhor encarnava as propostas de progresso, trabalho livre, ampliação da participação política, desenvolvimento econômico, maiores oportunidades de emprego, avanço tecnológico, acesso à educação, princípios todos adequados à instalação de uma ordem burguesa.
Finalmente, após analisarmos o processo que envolveu a criação e a nomeação dos espaços urbanos de Taquara e que, assim, se manifestaram através das principais ruas do centro de Taquara, praças e monumentos, bem como a própria a arquitetura adotada na maioria das edificações, públicas ou privadas, percebemos o significado do binômio Ordem e Progresso que tornou?se forma materializada na arquitetura. Ou seja, o regime republicano possibilitou o progresso através do trabalho livre e do avanço tecnológico, mas após a consolidação deste regime, entra em cena uma nova exigência da burguesia local que é o manifestar da ordem.

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