OS LIMITES IMANENTES AO DIREITO DE DISPOR DO PRÓPRIO CORPO FRENTE A PRÁTICA DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA DA "BARRIGA DE ALUGUEL[*]

 

 

Fernando Soares**

Nórton Nil Lima Clarentino***

                                                                            Sumário: Introdução; 1 O direito de dispor do próprio corpo; 2. Reflexões acerca da prática de barriga de aluguel. 2.1. Procedimentos legais e os limites impostos ao direito de dispor do próprio corpo quanto à prática da barriga de aluguel; Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

 

O Presente trabalho discutirá as formas jurídicas que dispõe à reprodução assistida, especificamente da barriga de aluguel. Esta forma de reprodução presente na sociedade brasileira, que sofre limitações pelo Conselho Federal de Medicina e descaso pelo legislador, colocando desta maneira em check o direito de dispor sobre o próprio corpo de titularidade de todos os cidadãos.

 

PALAVRAS- CHAVE

Direito ao Próprio Corpo. Dignidade da Pessoa Humana. Barriga de Aluguel.

 

INTRODUÇÃO

É inegável a importância da reprodução assistida para a sociedade, desde 1978 quando primeiro bebê proveta foi gerado, tais técnicas sofreram inúmeras mudanças que aumentaram o grau de eficácia de tais formas de reprodução. Uma delas, o ponto central deste trabalho, é a forma de reprodução por meio da barriga de aluguel em que mulheres emprestam o útero para mulheres com impedimentos naturais.

A partir disso, tal prática ocasiona uma série de discussões sobre o direito de dispor sobre o próprio corpo e o direito a reprodução frente a ordens jurídicas, morais, religiosas e culturais. Posto que a utilização de uma parte do corpo para gestar uma vida poderia incorrer numa “coisificação” da pessoa em desconformidade ao conceitos principio lógicos da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, o Conselho Federal de Medicina busca limites para a atuação dos médicos, por meio de uma resolução de 1992, que prevê a utilização de barriga de aluguel em casos necessários, e de forma solidária entre parentes. Sobre esta resolução, é perceptível a dissonância a liberdades individuais prevista legalmente, entre elas com o direito da pessoa de dispor do seu próprio corpo.

 

1 O DIREITO DE DISPOR DO PRÓPRIO CORPO

           

     Nosso ordenamendo jurídico, no campo do direito privado prevê a existência de direitos de personalidade que estão intrinsicamente ligados à pessoa e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essas duas bases se referem a capacidade de direitos do sujeito e fundamentação dos direitos personalíssimos.

Conforme o pensamento de Diniz (2000, p.) os direitos de personalidade são conceituados das seguinte forma:

“Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social)”.

Conforme citação, a priori se identifica como direitos da pessoa, alguns doutrinadores, como Tartuce (ANO), apresentam esses direitos como inatos ao cidadão, não dereivando assim de leis. Esses direitos visam proteger a vida através da intergridade física e em outros campos ligados tambem a direitos e garantias fundamentais, como os direitos autorais (REFERÊNCIA).

Dentro desse espaço de direitos, caracterizados como próprios da pessoa, está o direito de dispor sobre o próprio corpo. O Código Civil de 2002 no seu art. 13 cita o ato de disposição do corpo em sua integralidade e em partes. Contudo, uma das características dos direito de personalidade é a “intransmissibilidade” e “irrenunciabilidade”, que ocasionam divergências sobre o exercício deste direito personalíssimo (REFERÊNCIA).

Esses contrários embates sobre os limites impostos à liberdade individual, não respeitam um dos principais fundamentos constitucionais, qual seja: a diginidade da pessoa humana. Dentre esses limites pode se verificar que na própria utilização das partes do corpo, até mesmo num ato singelo de doação de órgãos, o Estado atua limitando por uma lei federal. Gagliano e Filho (2010) cita que uma dessas limitações seja a órgão duplos, e não causem deformações inaceitáveis.

Direito ao próprio corpo ainda está longe de ser conquistado e reconhecido como um direito fundamental da pessoa humana. As normas limitando a autonomia dos corpos estão por todas as partes: limitações à sexualidade, ao uso de drogas psicotrópicas, à liberdade de expressão e até mesmo à vida e à morte.  Tudo em nome de um suposto bem maior: a coletividade. A maioria destas normas de regulação dos corpos, porém, não evita que haja lesão a direito alheio, mas tão somente impõe um modelo de conduta que a maioria julga adequado- (VIANNA, 2012)

Esses limites colocam em check a automia da vontade do ser humano,  essa liberdade de dispor sobre o corpo é restriginda de várias formas, seja na ordem jurídica, seja em ordem moral ou religiosa.  O Código Penal Brasileiro –CPB, tipifica como crime condutas relacionadas a cormecialização do corpo, como manter casas de prostituição  art. 229 do CPB. Diante de tais fatos, a liberdade sobre a disposição do próprio corpo é mínima, assim como outros instituitos que garatem direitos a pessoa. (tulio)

2 REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DE BARRIGA DE ALUGUEL

 “Barriga de aluguel” é uma expressão genérica que identifica uma forma de reprodução apresentada juridicamente como reprodução assistida, ou em termos médicos como “reprodução de substituição”. Esta forma de reprodução consiste em:

“(...) introdução de esperma no interior do canal genital feminino, por processos mecânicos, sem que tenha havido aproximação sexual com o fim de originar um ser humano. O operador recolhe em uma seringa o material fecundante, injetando-o na cavidade uterina da mulher ou, não sendo isso possível, retira o óvulo da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmem do marido ou de outro homem para, depois, introduzi-lo em seu útero ou no de outra.” – site tal e ral

 

A reprodução em questão desenvolve-se através da Inseminação artificial heteróloga.

Reprodução humana assistida por gestação substituta é a técnica indicada para as mulheres impossibilitada de carregarem o embrião, isto é de ter uma gestação normal. Consiste em uma terceira pessoa emprestar o seu útero, assegurando a gestação, quando o estado do útero materno não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe genética. (nery

 

Tal prática enseja uma série de discussões no âmbito jurídico por um falta de legislação para regulamentar este ato, envolvendo sobretudo o direito de dispor do próprio corpo. Uma mulher em plena condições de gerar um filho só poderia emprestar o seu útero para uma família que deseja ter um filho, se estiver dentro dos limites legalmente permitidos.

 Em alguns casos como foi apontado numa reportagem na revista Veja em 2008, vislumbravou-se a prática da barriga de aluguel como uma mercantilização, em que algumas mulheres se submetiam à prática de inseminação, emprestando a barriga por nove meses para gestação da criança, em troca de certa quantia em dinheiro. Havia, portanto a celebração de um contrato de gestação, e, por conseguinte, levava a uma total “coisificação da pessoa”, segundo os nortes do direito de personalidade (Nery).

Ademais, como foi demonstrado no artigo trazido na revista, “gravidez a soldo”, pode ser constatado uma verdadeira “prática da comercialização do útero”. Isto porque, “dos 170 centros brasileiros de medicina reprodutiva, 10% oferecem às suas clientes um cadastro de mulheres dispostas a locar seu útero – e receber por isso.”( LOPES, 2008), isso gera o contrato de gestação, atualmente proibido no Brasil, que prevê apenas a doação solidária entre parentes (LOPES, 2008).

 Por conta disso, o Estado tem atuado para impedir essas práticas mercantis na disposição do próprio corpo. Já que,

Não se pode admitir a discussão na reprodução humana medicamente assistida, se a cessão do útero é contrato de locação de coisa ou contrato de locação de serviços, tento em vista o princípio constitucional da dignidade humana, sob pena de se admitir que (o ser humano tivesse passado a ser um objeto em um contrato). (site tal tal apud PEREIRA, 1998, p.72)

O Código Civil vigente aborda outra questão de forma superficial, em relação ao parentesco Art. 1.597. Inciso  III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido, sobre tal inciso discorre Venosa (2005, p. 256) que;

Código de 2002 não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema.

Outras questões a serem observadas  referem-se a ordem religiosa. Sobre o dogmatismo religioso segundo tal ,..,. a igreja coloca a questão da reprodução nas mãos de Deus, a vontade dele seria elemento essencial na reprodução, condenado assim outras formas de reprodução como a de bebê de proveta, pois não incluem elementos essenciais ao matrimônio como amor, sexo e reprodução dentro dos seus ditames.

Segundo Nery (2005), além da “coisificaçã da pessoa”, tal prática incorre numa exploração às gestantes pobres, sendo que as mesmas nem sempre tomarão os devidos cuidados na gestação, e além disso se od filhos nascidos forem portadores de deficiências poderão não ser aceitos pelos contratantes. Contudo, para quem defende o contrário, acredita que tal prática solucionaria o desejo de alguns casais, impossibilitados por causas naturais, de terem filhos. Compreende-se assim, que se tal “acordo” prevesse a garantia de que os contratantes assumissem o filho em quaisquer condições e que a mãe de aluguel se comprometesse a tomar os devidos cuidados, poderia sim diante das evoluções genéticas ser proveitoso para os pais e para a coletividade,  respeitando o direito do nascituro e a dignidade da pessoa humana.

Diante do exposto, obsevando ambas as partes do processo que envolve a prática da reprodução assistida, por meio da barriga de aluguel são vereficáveis como pontos positivos,  a solução da falta de filhos biológicos para um casal infértil, e como pontos negativos apontam-se a ordem religiosa e ética mediante o contrato de gestação.

No que tange aos procedimentos legais  e os limites impostos ao direito de dispor do próprio corpo quanto à prática da barriga de aluguel o Código Civil vigente trata do assunto apenas em relação ao parentesco como já citado anteriormente. Diante do previsto legalmente sobre o direito a disposição do próprio corpo e as suas limitações como “intransmissibilidade” em questão da barriga de aluguel, como forma de contrato de gestação, encontram-se alguns entraves a fim de evitar a utilização como forma de obter lucro e objetivando não “coisificar a pessoa” “Nery”.

A legislação que melhor aborda o assunto Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, não existindo outro mecanismo que regule a reprodução assistida. Destarte, a atuação dos médicos fica limitada a resolução com os seguintes ditames;

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. (grifo nosso (resolução).

Conselho de Medicina trata do assunto  desde de 1992 com este inciso que limita a atuação de dispor do próprio corpo no caso de “barriga de aluguel”. Desta feita, depreende-se que só é permitida nos casos em que a doadora genética possua algum impedimento natural e  as doadores devem ser da família da doadora genética. Percebe-se que esta limitação está em dissonância ao conceito de reprodução por substituição, não existe uma combinação de material genético da doadora genética e a doadora temporária do útero, não ocasionando um caso de incompatibilidade.

Todavia, não seria ao todo negativo essa limitação de serem da mesma família, pois segundo Paludo (2001), “olhando-se pelo lado psíquico, a quebra do vínculo surgido entre mãe gestadora e bebê durante a gravidez não seria tão intensa já que, pertencendo ambas as mães à mesma família, a criança teria sempre, de uma forma ou de outra, contato com as duas.”

Além desses regulamentações, a resolução do Conselho Federal de Medicina de modo geral aborda o assunto  quando traz em seus princípios o fato de que “as técnicas de RA, [às quais] não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doênças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”. Muito tem se observado a proteção para os casos  desse tipo de reprodução, alguns países como é caso da India (LOPES, 2008), reprodução assistida é autorizada, e ocasiona um fenômeno de “turismo da medicina reprodutiva”, no Brasil apesar da proibição, com um simples clique no computador é possível encontrar anúncios de mulheres que desejam alugar seus úteros, isso com valores de 40.000 a 100.000. (LOPES, 2008)

Há um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional sobre a reprodução assistida (RA), versando principalmente sobre o direito de filiação aos beneficiários das técnicas de Reprodução Assistida, e  visa tambem tipificar algumas condutas como crime.(PALUDO, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do exposto, pode- se tomar nota que a questão da reprodução assistida por meio da “barriga de aluguel”, tem atualmente grande importância no contexto social. Entretanto, as formas de regulamentação para esse tipo de reprodução são inexistentes. Como se mostrou, o Conselho Federal de Medicina tenta de forma tímida regulamentar o assunto, expondo o carácter de solução aos problemas da infertilidade e como vista a uma doação sem fins lucrativos entre parentes. Todavia, não é suficiente frente as exigências concretas obervadas ao longo desse trabalho.

É nítido, que mesmo com a resolução, a prática e/ou o costume é totalmente divergente, o artigo analisado publicado na Revista Veja expõem os casos de anúncio na internet de mulheres oferecendo o útero, em troca de valores substanciais, como já acontece em países, como exemplo na Índia.

Cumpre hoje, para a efetivação dos direitos de personalidade e as liberdades individuais previstos constitucionalmente, com vista ao principio da dignidade da pessoa humana, que o legislador edite uma lei específica regulamentado tal acordo, como já é de  práxis  na Sociedade Brasileira.

REFERÊNCIAS:

VIANNA, Tulio. O direito ao próprio corpo. Revista Fórum, São Paulo, ed. 106,  jan. 2012.  Disponível em: < http://www.revistaforum.com.br/conteudo/edicao_materia.php?codEdicao=106endereço eletrônico>. Acesso em: 14 abr. 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Ed. 12. São Paulo: Saraiva, 2010.

NERY, Bruna Barreto. Gestação por substituição: A ciência em busca do homem: Analisa uma das formas de reprodução assistida abordando o aspecto científico, bem como a falta de legislação pátria para nortear essa técnica. Direitonet, 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2106/Gestacao-por-substituicao-A-ciencia-em-busca-do-homem>. Acesso em: 15 abr. 2012.

PABLO

PALUDO, Anison Carolina. Bioética e direito: Procriação artificial e dilemas ético – jurídicos. In: Revista Justiça do Direito, Faculdade De Direito, V. II, n.15, p. 431-441, ano 2001. Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/bio%C3%A9tica-e-direito>. Acesso em: 03 mai. 2012.

TARTUCE,     Flávio. Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral. Ed. 6. Rio de Janeiro: Método, 2010.

Exemplo

CORDEIRO, P. S. Filhos adotados: visão sócio-jurídica.  Datavenia, São Paulo, v. 3, n. 18, ago. 1998. Disponível em: <http://datavenia.br/frameartig.html>. Acesso em: 25 set. 2002.

 

 


** Acadêmico de Direito email: [email protected]

***Acadêmico de Direito email: [email protected].