OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DO CONTROLE JURISDICIONAL SOBRE A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA[1]


 

Jannya Cássia de Sousa Lima

Raquel Guimarães Fiquene Branco[2]

Leonardo Velles Bento[3]

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Considerações gerais sobre ato administrativo vinculado e ato administrativo discricionário; 3 Controle dos atos administrativos; 4 Os limites e as possibilidades do controle judicial dos atos administrativos; 5 Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar as situações em que os atos administrativos são realizados de maneira discricionária, situações estas que não vinculam o administrador. Demonstra ainda até que ponto vai a discricionariedade do administrador. Faz também um apanhado dos mecanismos de fiscalização dos atos administrativos, focando no controle realizado pelo Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Vinculação. Discricionariedade. Controle judicial. Atos administrativos.

1      INTRODUÇÃO

O direito administrativo é ramo do direito público que rege o administrador da coisa pública no desempenho de suas funções. É dotado de princípios e regras que vinculam o administrador, dentre eles destacando-se o princípio da legalidade que vincula o administrador em todos os aspectos de sua atuação. Sendo assim, o agente público está vinculado aos ditames da lei, tanto no modo de atuação vinculado, quanto no discricionário, estando desta maneira, seus atos sujeitos ao controle de legalidade tanto interno, dentro do próprio ente, quanto externo, de onde surge o controle judicial, legislativo e popular. Destaca-se que o controle realizado pelo Poder judiciário sofre limitações no que diz respeito à atuação discricionária do administrador, focando assim o juiz, o seu controle, apenas no aspecto da legalidade e da legitimidade do ato.

2      CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO E ATO DISCRICIONÁRIO

 

Sabe-se que os atos administrativos devem ser praticados segundo os ditames extraídos dos princípios do direito administrativo. Um dos mais importantes princípios que limitam o poder de agir do administrador é o princípio da legalidade ou finalidade pública. O referido princípio vincula a autoridade administrativa em sua tomada de decisões, significando dizer, que o administrador, não dispõe dos interesses públicos, pois está vinculado pelo princípio da legalidade que lhe é imposto. Neste sentido, pontua Meirelles:

A legalidade como princípio da administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da Lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invalido expor-se a responsabilidade disciplinar civil e criminal, conforme o caso (MEIRELLES, 2006, p. 87).

Desta forma, na Administração Pública, o administrador não poderá agir com a liberdade que agiria no âmbito privado, nem segundo a sua vontade pessoal, pois o mesmo está estritamente vinculado à lei. Em síntese, estar vinculado ao princípio da legalidade, significa dizer que o poder público é submisso à lei.

Entretanto, existem alguns casos que pela própria natureza do ato demandado, atribui-se ao administrador uma margem de escolha, o que se chama de discricionariedade administrativa. Nestes casos, o agente administrativo conta com uma maior possibilidade de escolha, uma liberdade de atuação, podendo desta forma, realizar um juízo de valor, se é conveniente e oportuno a prática do ato, ou ainda escolher dentre as possibilidades a melhor forma de sua realização.

A discricionariedade é, portanto, uma atribuição legal ofertada à Administração Pública por lei, possibilitando ao agente público, a escolha da possibilidade, que mais condiz com o interesse público, dentre as possibilidades previstas em lei. Nota-se que mesmo diante da discricionariedade, é necessário que se observe e que se tenha como principal parâmetro a satisfação do interesse público. Dessa forma, dizer que o administrador fará uso do poder discricionário, não significa dizer que este desenvolverá a prática do ato administrativo da maneira que bem lhe convir, uma vez que mesmo diante da discricionariedade, ao agente é imposto limites, devendo observar, os princípios gerais do direito, como por exemplo, a moralidade administrativa, da qual deve se revestir todos os atos administrativos.

Assim, percebe-se que existem limites ao poder discricionário e a não observância de tais limites implica na arbitrariedade, ou desvio de finalidade. Nesse contexto, são balizadores da atuação do agente administrativo, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e tais princípios desempenham o papel de impor limites à atuação discricionária do administrador. Sendo assim, não é necessário apenas que o ato administrativo tenha obtido uma finalidade legítima, mas é necessário também que os meios usados pelo administrador sejam razoáveis e proporcionais.

Tais considerações são de extrema relevância tendo em vista que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade vinculam o administrador de modo a possibilitar a apreciação do Judiciário nos atos administrativos discricionários. Nesse sentido, pontua Gordillo apud Di Pietro:

A decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar se não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é irrazoável, o que pode ocorrer, principalmente quando: a) Não de os fundamentos de fato e de direito que os sustentam, ou; b) Não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; ou c) Não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e os fins que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que deseja alcançar (GORDILLO, apud DI PIETRO, 2007, p. 71).

Em síntese, a razoabilidade, em sua gênese, trata de ponderar a necessidade e a adequação do ato administrativo. Dessa forma, o ato além de ter uma finalidade legítima, os meios empregados para realização do mesmo, devem também se revestir de adequabilidade, de tal sorte que se o modo utilizado para prática do ato for inadequado, a administração terá extrapolado seu poder discricionário, situação em que abre margem para que o Poder Judiciário entre em cena.

A proporcionalidade por sua vez, acompanha a razoabilidade e vincula o administrador, uma vez que proíbe o excesso, de tal sorte que o agente público não deve atingir o direito do particular além do necessário para realização do ato, sendo considerado o ato desproporcional, abuso de poder, implicando assim, na ilegalidade do próprio ato administrativo, também abrindo margem para controle judicial.

Por todo o exposto, conclui-se que mesmo fazendo uso da discricionariedade que lhe é atribuída, o administrador deverá sempre se ater aos princípios gerais do direto, aos costumes, e a lei, sob pena de extrapolar e cometer irregularidades.

 

3 CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

 

Em principio é importante ressaltar que apesar de o modelo adotado para instituição do nosso Estado ser o da separação dos poderes, sendo eles o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, e cada um atuando em sua esfera, dentro de suas competências, a nossa Constituição não deu poderes absolutos a nenhuma destas esferas do poder, estando todas sujeitas a controle, tanto interno quanto externo.

O controle administrativo constitui os mecanismos adotados pelo ordenamento jurídico para que os três poderes possam exercer controle uns sobre os outros. Ressalta-se que com o referido controle se mantém a autonomia dos entes, entretanto, mas se exerce uma fiscalização dos mesmos. Nesse sentido, pontua Meirelles:

A administração pública, em todas as suas manifestações, deve atuar com legitimidade, ou seja, segundo as normas pertinentes a cada ato e de acordo com a legitimidade, de acordo com a finalidade e o interesse coletivo na sua realização, até mesmo nos atos discricionários a conduta de quem os pratica há de ser legítima, isto é, conforme as opções permitidas em lei e as exigências do bem comum. Infringindo as normas legais, ou relegando os princípios básicos da administração, ou ultrapassando a competência, ou se desviando da finalidade institucional, o agente público vicia o ato de ilegitimidade e o expõe a anulação pela própria administração ou pelo judiciário (MEIRELLES, 2006, p. 662).

Destarte, um Estado Democrático de Direito pressupõe transparência dos atos administrativos, e um dos pilares deste modelo é o controle de tais atos. Nesse contexto, assume relevância o controle exercido pelo Poder Judiciário. O controle dos atos praticados pela administração pública é fundamentado na ideia de que o titular do patrimônio do público é o povo e o administrador somente está ali para exercer a vontade do povo. Sendo assim, configura este um gestor da coisa pública e deste modo, deve exercer seu encargo de acordo com os ditames da vontade popular, e, portanto, não tem como o administrador fugir do controle dos seus atos, uma vez que este não dispõe da coisa pública.

Existem formas de controle da atividade administrativa e uma delas é o controle interno. É o mais comum de todos e é exercido no interior do próprio órgão, tendo como exemplo clássico de controle interno, aquele exercido pela chefia sobre os subordinados, de modo a demonstrar a hierarquia dentro do órgão. Ressalta-se que a previsão do controle dos atos administrativos advém da própria Constituição Federal, de acordo com o dispositivo abaixo:

Art.74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão de forma integrada, sistemas de controle interno com a finalidade de:

I - Avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - Comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação dos recursos públicos por entidades de direito privado;

III - Exercer o controle das operações de credito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - Apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

Portanto, percebe-se que a própria Carta Magna consagra o controle interno institucional, o que representa uma grande relevância uma vez que dentro do próprio órgão se está mais próximo dos acontecimentos, tornando-se mais fácil perceber as irregularidades. O referido artigo preceitua também que uma vez tomando conhecimento de uma irregularidade, tem a autoridade o dever de comunicar o Tribunal de Contas da União, sob pena de estar compactuando com a ilegalidade e responder por ela também.

O controle externo por sua vez é aquele exercido por outro ente distinto daquele responsável pela prática do ato. Consigna-se neste ponto que o Tribunal de Contas é uma importante personagem deste controle, com papel atribuído inclusive pela Constituição Federal. Entretanto, não é só este órgão quem exerce tal modalidade de controle, podendo-se apontar, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, objeto principal de nosso estudo.

4 OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DO CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

O Judiciário desempenha um papel importantíssimo no âmbito do controle dos atos administrativos. Controlando desta forma a legitimidade ou a legalidade dos atos proferidos, mas mantendo a autonomia da autoridade que teve a decisão impugnada, diz-se que o administrador atua de forma ilegítima, quando o mesmo atua com desvio de finalidade, ou desvio de poder. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 84-85) “o desvio de poder pode ser entendido como a ilegitimidade que se eiva o ato comissivo ou omissivo , quando praticado em vista de finalidade diversa da acolhida pela lei, seja a fim de satisfazer intuito particular ou não”.

Então, através deste controle é possível realizar uma checagem se o ato administrativo foi ou não praticado em conformidade com o texto legal. Faz-se uma comparação com o ato praticado e o diploma normativo, é nada mais do que a própria aplicação do controle de legalidade. Além disso, nesta modalidade de controle, observa-se a aplicação dos princípios da moralidade e da finalidade do ato administrativo. Nesse sentido pontua Carvalho Filho:

Todos os atos administrativos podem submeter-se a apreciação judicial de sua legalidade, e esse é o natural corolário do princípio da legalidade. Em relação aos atos vinculados, não há dúvida de que o controle de legalidade a cargo do judiciário terá muito mais efetividade. Com efeito, se todos os elementos do ato tem previsão na lei, bastará para o controle da legalidade, o confronto entre o ato e a lei. Havendo adequação entre ambos, o ato será válido, se não houver, haverá vício de legalidade (CARVALHO FILHO, 2012, p. 54).

Importante ressaltar, que este controle, além de ser realizado pelo Poder Judiciário, também pode ser feito pela própria administração responsável pela prática do ato, como também pelo Poder Legislativo através do Tribunal de Contas da União, configurando esta, assim como o controle judicial, modalidades de controle externo.

O desfecho do controle de legalidade se desdobra em duas possibilidades, sendo uma delas, a confirmação do ato, que implicará na homologação do mesmo por uma autoridade diversa daquela da qual emanou o ato. Ou na rejeição do ato, quando houver a constatação que houve ilegalidade no ato administrativo. Um importante efeito do ato anulado é a retroatividade dos seus efeitos, já que o ato nulo tem efeitos ex tunc, posto que o mesmo retroage a data de sua emissão, desfazendo-se todo e qualquer efeito dele advindo.

Destarte cumpre observar que existem dois aspectos do controle de atos administrativos, o controle de legalidade, sobre o qual versa os parágrafos anteriores, e o controle de mérito, que diz respeito à análise da oportunidade e da conveniência administrativas do ato controlado. Dessa forma, o controle de mérito, diz respeito aos atos discricionários da Administração Pública. Tal controle é genuinamente administrativo, ou seja, cabe a sua realização pela própria administração da qual no desempenho de sua função administrativa, emana o ato. É exatamente neste ponto que esbarra a competência da autoridade judiciária no controle administrativo.

Deste modo, via de regra, o controle exercido pelo judiciário, somente atinge a esfera da legalidade do ato, posto que o controle de mérito é feito pelo próprio ente administrativo. Assim, se o judiciário entender que o ato em análise é eivado de vício de legalidade ou de legitimidade, promoverá a sua anulação, não podendo, portanto, revogá-lo, pois a revogação somente poderá ser promovida pela própria autoridade praticante do ato. Nesse sentido destaca Carvalho Filho:

No que se refere aos atos discricionários, todavia, é mister distinguir dois aspectos. Podem sofrer controle judicial em relação a todos os elementos vinculados, ou seja, aqueles sobre os quais não tem o agente liberdade quanto a decisão a tomar. Assim, se o ato é praticado por agente incompetente, ou com forma diversa, da que a lei exige, ou com desvio de finalidade, ou com objeto dissonante do motivo.

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao administrador. Vale dizer, não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da administração, perquirindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspira a conduta (CARVALHO FILHO, 2012, p. 54).

Assim, afirma-se que o Judiciário jamais poderá revogar um ato administrativo, mas somente anulá-lo, a menos que o ato a ser revogado tenha sido emanado do próprio judiciário no desempenho de função atípica.

Conclui-se, portanto que a estrutura do controle dos atos administrativos, comporta controle do próprio ente do qual emana o ato, e também do Poder Judiciário, e que a possibilidade de controle por si, reforça a transparência dos quais devem se reverter todos os atos praticados pela Administração Pública, tanto na sua esfera de competência vinculada, quanto na esfera discricionária.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O controle dos atos administrativos é uma realidade que permeia a Administração Pública. Destaca-se, que é de imperiosa importância tal controle em um Estado que adota como princípio, uma Administração imparcial em busca da melhor solução, condizente com os interesses públicos, tendo em vista que é grande o leque de poderes conferidos ao agente, poderes estes que deverão ser utilizados para que o mesmo execute as finalidades legais, promovendo assim o interesse coletivo.

Portanto, subsiste o entendimento de que a competência do agente deverá ser exercida no sentido de satisfazer as necessidades do povo, e não as suas próprias, uma vez que o agente público não tem a disponibilidade da coisa pública. Sabendo-se que existe a possibilidade de que haja o desvio de finalidade no desempenho da atividade administrativa, possibilita-se o controle da referida atividade.


REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012.

DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Judicial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Administrativo, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Alunas do 9º período, do curso de Direito Noturno da UNDB.

[3] Professor, Doutor em Direito, Orientador.