Os limites dos gestores de Segurança Pública.

Por João Silva

A construção deste trabalho fez-se possível, mediante uma "conversa" com Luiz Eduardo Soares ? por intermédio do seu livro: Meu Casaco de General: quinhentos dias no front da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Ed. Cia. das Letras, 2000) - que me possibilitou navegar pelo submundo da disputa de poder que se dá nas instituições que compõe a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Foi possível também notar que as dificuldades de ação, não estão sobre a questão da falta de aporte financeiro, mas se constituem na dificuldade relacional, interpessoal, coletiva e, sobretudo, nas lutas políticas e de poder das instituições que a compõe.

Luiz Eduardo deixa claro o quanto há de resistências à mudança, quando diz que seria romântico e ilusório considerar possível transformar espírito, valores e cultura em poucos anos. O que [...] pode e deve fazer é mudar comportamentos. (p.: 93), e completa dizendo que a mensagem que desejávamos transmitir era simples: a polícia tem de falar os dois idiomas, fazendo-os compatíveis entre si. O idioma dos direitos humanos e o idioma profissional, da técnica policial. Com um só, não se sobrevive. (pg.: 118). A necessidade de mudança na Política de Segurança e nos aparelhos policiais se expressa na fala do autor. Ele credita nesta reforma, 50% da resolução da questão da Segurança Pública ao dizer que assim como não há política séria de segurança sem reforma profunda das polícias, [...]. Reformando as polícias e controlando o comportamento dos policiais, resolve-se quase metade dos problemas de segurança das comunidades faveladas e dos bairros pobres ? toda aquela parte que resulta da corrupção, da cumplicidade com o crime e da brutalidade dos policiais. (p.: 267).

Apresenta-se aqui a tarefa mais árdua de qualquer gestor, sobretudo se levarmos em conta as dificuldades relacionais, político-ideológicas que permeiam, resistem e se contrapõem nestes ambientes corporativistas e que possuem um material humano tão heterogêneo e tão resistente a mudanças como este. Fato apresentado na fala do autor. O corporativismo era mesmo uma paixão superior a quaisquer argumentos racionais. (p.: 302). É interessante se perceber que uma das resistências que se estabelece sobre um gestor da segurança, seja qual for o escalão em que este atue se dá na condução do seu material humano. O que pede que este possua uma enorme capacidade de articulação e diálogo. Luiz Eduardo explica esta difícil tarefa para o gestor, quando fala do trabalho de cooperação num ambiente já constatado como corporativista ao ponto de superar a capacidade de racionalidade. É preciso fazer política, quer dizer, operar cooperativamente e conflitivamente na cidade, no espaço público. (...). Não há ciência mais complicada e arte mais difícil do que o ofício de agir em coletividade, quer dizer, em cooperação e também em conflito, moldando o futuro da comunidade. (p.: 100). O trabalhar em cooperação é uma ação nada fácil, pois envolve a arte política da negociação, do ceder em alguns momentos, defender ideologias e posições, aceitar ou contrapor-se ao outro.

É uma ciência e exige uma desenvoltura que só se aprende fazendo. A caminhada de construção desta política de segurança impõe "derrotas e ganhos ambíguos ", mas necessários numa comunidade democrática. A participação de todos e a importância da Sociedade Civil. Para o autor, qualquer problema na área de segurança pública é complexo, multidimensional e requer intervenções múltiplas e reiteradas, ao longo de considerável espaço de tempo... (p: 328). Sua assertiva desconstrói a falácia política que apresenta medidas rápidas de solução da questão social que se apresenta no âmbito da segurança e nos ensina que a política de Segurança Pública é complexa e precisa está estruturada em bases sólidas e em construção constante, de forma que acompanhe o movimento da sociedade. É preciso que todos, a sociedade e os policiais, compreendam que a instituição policial é, ou melhor, deve ser uma agência de democracia a serviço do processo civilizatório, cuja missão é proteger a vida e a liberdade, para cujo exercício são indispensáveis as leis formuladas por mecanismos legítimos (...).

Quando falamos de liberdade, estamos falando de direito a experimentar e viver diferenças. Estamos nos referindo, portanto, ao respeito a experimentar às diferenças. Conseqüentemente, a polícia, a boa polícia, a polícia desejável e útil à democracia, em uma perspectiva civilizatória, é aquela que serve à causa do convívio pacífico com as diferenças, é aquela que protege as diferenças. (p.: 157). Nestas linhas de Luiz Eduardo, se pode perceber que ainda que as limitações das ações do gestor se apresentem, ainda que suas possibilidades se esgotem, não significa que as coisas não possam ser mudadas. Neste instante as organizações Sociedade Civil podem, e devem fazer, com que a roda das mudanças gire. Demonstra-se então, o reconhecimento, por parte do gestor da coisa pública, da força que a Sociedade Civil possui.

Talvez agora se possa perceber o quão dificil é vencer a burocracia que impede a polícia de ocupar a cabine da Saiqui, que foi construida para ela. Um equipamento construido pela sociedade, para o poder público e que se encontra às traças, fato já denunciado algumas vezes em diversas reportagens, mas que não produziu sensibilidade no comando policial local e geral. Então, é hora da sociedade civil mobilizar-se e fazer a roda das mudanças girar.



*Bacharel em Serviço Social, Londres, abril de 2010.
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1. o autor refere-se à complexa e ambígua característica das derrotas e ganhos. (SOARES, 2000).