OS INVENTORES DOS SONHOS

Quando alguém escuta uma canção, assisti a um filme ou narra uma aventura, neste instante de cumplicidade entre a obra e o espectador, o homem cria a magia, o sonho. E o sonho é uma força arrebatadora que transcende a compreensão humana.

Diante de tantas adversidades o homem reinventa-se, transpira e inspira-se, por isso mesmo, de onde menos se espera surge as mais loucas e audaciosas experiências terrestres.

O que dizer da invenção da escrita, e consequentemente, da invenção do livro que perpetuou o conhecimento humano até os dias atuais, de google. Nessa linha de pensamento a literatura desempenha um papel extraordinário, por meio das obras de grandes escritores que se debruçam em analisar o comportamento humano, e de lá, extraem a beleza criativa da vida. Quem nunca ouviu uma bela história quando criança?

As fábulas, os contos, os romances, as novelas de cavalaria, a prosa e poesia são peças de uma grande engrenagem onírica que busca desbravar dentro de cada ser humano a capacidade de amar e compreender a essência da vida.

Nesse complexo labirinto, os escritores são os grandes construtores da humanidade. O escritor consegue entrar na alma das pessoas, pois dedica sua vida para concretizar uma ideia e compartilha-la com o outro, as futuras gerações. E quando a ideia de um escritor se junta com a visão de um diretor/roteirista de cinema, a magia sai do papel e passa para a película que enche nossas retinas com lágrimas de alegria.

Os irmãos Lumière quando criaram o cinematógrafo não tinham a dimensão da fábrica de sonhos que tinham em mãos, pensavam que aquele projetor de imagens não passaria de um modismo. Às vezes o inventor estagna diante sua obra. Porém, as crianças têm uma capacidade infinita de sonhar. Foi o que aconteceu com o francês George Meliès quando viu a máquina dos irmãos Lumière. O poder inventivo de Meliès revolucionou a sétima arte, tanto é verdade, que ele é considerado o pai da ficção cinematográfica (científica), fonte onde Stanley Kubrick, Martin Scorsese, Spielberg e muitos outros foram beber.

Essa mistura de cinema e literatura é algo transcendental, José Saramago quando viu o filme Ensaio sobre a Cegueira, título homônimo de seu livro, chorou. Em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, a galinha que aparece logo na cena inicial é a transcrição perfeita de um dos contos de Clarice Lispector; o biscoito fino na massa bruta, já diriam os críticos. O filme - Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha) assemelha-se com Vidas Secas (Graciliano Ramos) pela violência e secura da vida retratadas nas obras.

Sonho e realidade eis a questão! Orson Welles através das ondas do rádio criou um verdadeiro cataclismo com a invasão dos marcianos, depois emplacou Cidadão Kane dando um novo rumo à forma de fazer cinema. O que dizer então de Chaplin e Shakespeare, dois grandes artistas que se completam pela maestria de suas obras. Chaplin ironizou Hitler com sua arte e consagrou o vagabundo Carlitos. Shakespeare abusou do romantismo literário, da eloquência dos diálogos, dos romances palaciais proibidos, das traições e suas reviravoltas. Suas obras já foram reproduzidas e adaptadas para o cinema dezenas ou centenas de vezes.

Por fim, quando o mágico Meliès exibiu o filme Viagem à Lua, de 1902, o mundo do cinema se aliou definitivamente com a literatura, pois as histórias começaram a ter construções narrativas que atraíam os espectadores. O público começava a compreender a linearidade do enredo (roteiro) e se encantava com os personagens e demais elementos que não existiam nas primeiras experiências cinematográficas.

*Geone Angioli é especialista em Literatura Brasileira, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – Campus/Parintins.