Os imigrantes poloneses, e a sua participação na formação do município de Cândido de Abreu[1]

                                                             Arlindo Aparecido Madoenho[2]

 

Resumo: Este trabalho objetiva apresentar alguns aspectos acerca da colonização polonesa estabelecida na região central do Estado do Paraná na primeira metade do século XX, mais especificamente, onde hoje está localizado o município de Cândido de Abreu. Será enfatizada a contribuição dos imigrantes poloneses no processo de povoamento do referido município.  Analisando a forma de organização da suas vidas familiares e a manutenção de seus traços culturais. Utilizando como fonte principal, o livro atas da Cooperativa Mista do Agricultor. A história destes colonos permite revelar os mecanismos de inserção social por meio das atividades agrícolas, ou seja, cultura e força de trabalho como formadores de um espaço no interior do Brasil meridional.

Palavras chaves: história, imigrantes, cultura, colonização.

Abstract: This paper aims to present some aspects about the Polish colonization established in the central region of the state of Paraná in the first half of the twentieth century, more specifically, where today is located the city of Cândido de Abreu. Will emphasize the contribution of Polish immigrants in the process of settlement of the said municipality. Analyzing the form of organization of their family lives and maintain their cultural traits. Using as the main source, the book of minutes of the Cooperative Farmer. The history of these settlers can reveal the mechanisms of social integration through agricultural activities, ie, culture and workforce as forming a space inside the southernBrazil.

Key words: history, immigrants, culture, colonization.

OBSERVAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho trará uma breve discussão sobre o processo de ocupação de parte da região central paranaense, onde atualmente se localiza o município de Cândido de Abreu[3].  Destacando os imigrantes poloneses, que marcaram a história deste município, como principal grupo a ocupar as terras desta região. Lembrando que o termo região não se limita apenas a um simples recorte espacial, delimitado por algumas fronteiras. Região do ponto de vista historiográfico, é algo construído, conforme argumentação de Durval M. de Albuquerque Junior, aborda em seu texto intitulado O objeto em fuga: Algumas reflexões em torno do conceito de região.

As regiões como qualquer recorte espacial, qualquer instituição ou construção espacial humana, são produto de elaborações poéticas, de elaborações que chamaríamos de ficcionais, não no sentido de que não teriam compromisso com a verdade, que seriam mentirosas, mas de que são produtos das operações de dotação de sentido com que os homens procuram dominar o caos das coisas a sua volta. As regiões nascem de investimento de sentido, da produção de sentido: nascem da busca por organizar o mundo, por ordená-lo, por esquadrinhá-lo, por classificá-lo, por dominá-lo. (Albuquerque Jr, 2008)

            Quando se fala em região, precisa ser levada em consideração a construção de região enquanto conceito. Porém, a formação de regiões está relacionada a interesses diversos, como organizar, ou dominar certos espaços. Ainda possui o lado cultural, com todos os significados construídos relacionados a este lugar, mencionados enquanto região.

 Para compreender sobre a imigração polonesa para Cândido de Abreu, vamos analisar o contexto histórico da Polônia, naquele dado momento. Quando o seu povo se viu obrigado a deixar sua terra natal, em busca de algo desconhecido até então. Haja vista, que a nação polonesa passava por sérios problemas naquele período. Os poloneses estavam vindo para o Brasil desde o final do século XIX. Ainda no começo do século XX, foi à vez da região central do Estado do Paraná receber um significativo número de imigrantes poloneses. No Brasil havia uma situação favorável a recepção de imigrantes, sobretudo, imigrantes europeus, favorecidos por uma política migratória em nível nacional.

 

1)Os imigrantes poloneses:

Trata-se de um grupo expressivo de pessoas, que fizeram opção em deixar sua terra natal, com o objetivo de melhores condições de vida em outra parte do planeta[4]. Quando no final do século XIX, e início do século XX, favorecido por um contexto social e político tanto na Polônia, que estava enviando este pessoal, assim como o Brasil que recebeu este povo na condição de imigrantes. Vale lembrar, que se tratando do termo colonização, não se aplica em casos, cujos respectivos imigrantes tenham optado por residir em espaço urbano, ou seja, já habitado, conforme a historiadora Regina Weber comenta em seu texto intitulado: Imigração e identidade étnica: temáticas historiográficas e conceituações. “Nem todos os processos de imigração resultam em colonização: os deslocamentos forçados, como a escravidão, e a fixação dos emigrantes em espaços urbanos não são usualmente reconhecidos como colonização”. (WEBER, P. 236, 237). Portanto colonização se refere à ocupação de áreas ainda não habitadas. Embora quando ouvimos falar em colonização, logo lembramos imigrantes, ou imigração, mais nem todo processo imigratório resulta em colonização. Haja vista, que pessoas podem migrar para regiões já colonizadas. Inclusive há casos dentro do contexto imigratório, que o suposto imigrante acaba sendo atraído por um parente, amigo ou conterrâneo. Assim surgindo o fenômeno conhecido como redes emigratórias, conforme argumento de Osvaldo Truzzi em seu artigo Redes em processos migratórios.

Essa tradição ou cultura da emigração, a partir da penúltima década do século XIX, facilitou o deslocamento ao Brasil nos quadros de uma emigração em cadeia, em que parentes, conterrâneos e agentes de propaganda agiam como uma corrente transmissora de informações que alimentavam os deslocamentos.(Truzzi, 2008)

Em muitas situações, pessoas decidiam atravessar o Atlântico, sob influência dos recrutadores de possíveis imigrantes, ou então, eram atraídos pelos próprios conterrâneos que tinham vindo antes, formando as chamadas redes de emigração.

 Com base nesta análise identificam-se os imigrantes poloneses que chegaram à região central do Paraná no início do século XX, como colonizadores. Uma vez que as terras deste lugar permaneciam até aquele momento, com ocupação apenas pelos indígenas. Na visão da elite branca[5], permanecia inabitada. A relação entre os diversos grupos étnicos vindos na condição de imigrantes europeus, não era nada boa, uma vez, que um grupo via o outro com certa desconfiança. Observa-se no jeito de tratamento entre povos de culturas diferentes, que se costumava fazer referência ao outro usando termos pejorativos. Boris Fausto em seu texto cujo título, Imigração: Cortes e Continuidades, presente na obra História da Vida Privada no Brasil volume 4 comenta sobre este assunto:

Daí a hostilidades contra os de fora; a cólera nas aldeias, expressa por meio dos charivaris, se uma jovem se casa com um homem vindo de fora; o silêncio dos habitantes diante das autoridades se um dos seus maltratava um forasteiro; as rixas entre os camponeses de localidades vizinhas; a propensão a atribuir aos judeus a responsabilidade pelas epidemias. Delumeau cita um livro escrito em torno de 1450, no qual a maior parte dos europeus é apresentada de forma pejorativa: os ingleses seriam “cruéis e sanguinários, além de cúpidos”; os poloneses, “gente terrível e furiosa”; os suíços, “cruéis e rudes”; os napolitanos, “grosseiros, maus católicos e muito pecadores”; os sicilianos, “muito ciumentos”; os castelhanos, “gente de maus bofes, mal vestidos, mal calçados, maus católicos”. Em que medida essa condição de outro, estampada no estrangeiro, valeria no quadro específico da imigração em massa para o Brasil? (FAUSTO)

Dentro do contexto imigratório para as terras brasileiras, acabam por se fazerem presentes, grupos de várias partes da Europa. Estes grupos inicialmente vão olhar os outros de forma negativa, mantendo certa desconfiança. Porém, aos poucos, esta nova sociedade vai se ajustando e passando a fazer parte de um novo momento em terra diferente. Onde os caminhos percorridos os levaram a integrar-se ao que podemos chamar de habitantes da nação brasileira, mesmo preservando traços culturais próprios de suas origens. No que se refere a manutenção cultural, destes imigrantes, vale frisar que dentro de uma mesma nação é comum, se dividirem em vários grupos culturais. Cada região é possuidora de traços culturais e identitários próprios, uma vez, que de um lugar para outro, se nota costumes diferentes. Embora, etnias e aspectos culturais sejam elementos usados para pensar em identidade, mas no que se refere a identidade nacional, em todos os países sempre existe a presença de vários povos. Conforme os argumentos defendidos pelo historiador Stuart Hall em sua obra: A identidade cultura na pós-modernidade:

 A etnia é o termo que usamos para nos referirmos às características culturais – língua, religião, costumes, tradições, sentimento de “lugar” – que são partilhadas por um povo. É tentador, portanto, tentar usar a etnia dessa forma “fundacional”. Mas essa crença acaba, no mundo moderno, por ser um mito. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As nações modernas são, todas, híbridas culturais. (HALL, 2005 p.62)

Pensar no processo de formação de identidade em chão brasileiro é preciso levar em consideração, a diversidade étnica cultural de que é formada a nação brasileira, com a presença de grupos de imigrantes que vieram de várias regiões européias, somada aos africanos e aos indígenas já presentes na região. No caso dos imigrados de uma nação para outra distante, como é a situação dos poloneses vindos aqui para o sul do Brasil, é perceptível a busca da manutenção cultural. Morando em terras longínquas, prioriza-se considerar os elementos culturais que possam unir e formar a identidade do grupo. Conforme Weber:

Independentemente das vicissitudes históricas, supõe-se que os grupos mantenham elementos que permanecem os mesmos desde o ponto de partida até o momento atual (o das rememorações e comemorações) e que, portanto, garantem uma identidade ao grupo. Nessa leitura, o imigrante constitui-se num personagem, passível de mudanças no terreno econômico (desenvolvimento dos ramos das atividades a que passa a se dedicar), político (maior presença em cargos de representação política) e social (institucionalização de entidades associativas e de datas comemorativas próprias do grupo), mas mantendo traços culturais específicos. (WEBER, P. 238)

Neste caso, é natural que muitos destes imigrantes acabem por deixar aspectos importantes de sua cultura, atribuindo novas práticas, de acordo com as necessidades de adaptação, pelas quais o grupo tenha que passar. Diante desta lógica, é possível que os imigrantes polacos, na escolha dos princípios, e valores culturais que os identificavam enquanto grupo,  possam  haverem perdidos alguns costumes relacionados a cada região de suas origens. Em nova terra acabaram juntando aquilo que mais os uniam como objeto cultural e que os identificavam como povo polonês.  

1)    Os motivos que levaram os poloneses a buscar uma nova terra.

            Os poloneses estavam como que “exilados”, em sua própria terra[6], consequência da ocupação sofrida por três povos diferentes. Estes invasores tornaram a vida dos poloneses, com dias complicados, tanto no aspecto econômico, como no cultual. Toda dificuldade que lhes impuseram, fez crescer o interesse em buscar uma nova terra. Outro ponto relevante, o capitalismo estava  aproximadamente, com um século de existência,  tinha como resultado, formado uma massa de miseráveis em toda a Europa. Segundo a historiadora Maria Stela Bresciani em seu livro intitulado, Londres e Paris no século XIX, ela faz referência a (Engels 1844), conforme os seguintes argumentos:

Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos. (BRESCIANI, 2004, p. 26)

Esta realidade era sentida nas principais cidades inglesas e francesas, principalmente no século XVIII, posteriormente, espalhando-se por outras regiões européias. A crise podia provocar o desejo pela busca de algo melhor, e esta possibilidade poderia ser vista em outro continente, ou seja, a esperança podia estar além-mar. Este é um dos motivos que provocou a saída de grupos de imigrantes de várias regiões da Europa em direção ao continente americano. Bem como os países em busca de riquezas, ou então por questões culturais e políticas acabavam por não respeitar os limites territoriais dos outros. Talvez a Polônia possa ter sido “vítima” desta política de invasões, promovida pelos ideais capitalistas ou imperialistas ocorridas neste período.

2.1) A Polônia do início do século XX.

A Polônia no início do século XX, se encontrava fragmentada em três partes, que eram dominadas pela Prússia, Rússia e também pela Áustria. Porém, estas nações faziam parte das principais potências européias daquele período, Havia toda uma submissão do povo polonês aos seus dominadores, que acabavam lhes impondo suas culturas. O que era pior no momento, o povo que pertencia a uma mesma nação, estavam divididos e corriam o risco de serem postos para brigar entre eles mesmos, haja vista, que a Rússia, por exemplo, estava recrutando jovens poloneses para composição do seu exército. Conforme Leocádia Sawczuk Furman[7] comenta em seu livro Os filhos do Imigrante.

Além do mais, depois de estabelecida a lei do alistamento militar obrigatório, os próprios poloneses lutariam entre si, uns contra os outros, em caso de rebelião contra o jugo escravo em que viviam. À Rússia cabia a convocação de jovens poloneses para a composição de um exército cada vez mais numeroso, além da exigência da fala em russo. Tanto era a obrigatoriedade, que foram implantados os sistemas de vigias e espiões nos mais diversos setores profissionais das áreas conquistadas. Nas escolas, professores e alunos deveriam expressar-se somente na linguagem de seus dominadores. (FURMAN, 2012, P. 15)

As imposições culturais pelos dominantes, invasores das terras polonesas, se constituem no principal fator que provocou esta corrente imigratória da Polônia para o sul do Brasil. Outro ponto importante que deve ser lembrado, este contexto estava levando o povo da Polônia a um sério risco de perderem sua própria identidade. Consequência desta imposição por parte dos dominadores. Pois os mesmos estavam sendo obrigados a abandonar até suas próprias crenças, forçados a assumirem as práticas religiosas dos invasores. Conforme esta análise:

O País não mais existia, pois que, a tão cobiçada Polônia estava dividida entre as três maiores potências do século XIX, na Europa: Prússia, Rússia e Áustria. Por 123 anos, esta partilha consumou a inexistência de uma nação que, durante séculos via nascer e crescer os ideais de um povo, com suas lendas, seus costumes e valores culturais. Em torno dela e sobre ela se avultavam agora, aquelas três nações que só se desligariam em 1918, com a Proclamação de sua Independência. (FURMAN, 2012, p.15)

Percebe-se que diante da realidade enfrentada pelos poloneses, lutar contra estes invasores seria quase impossível, devido suas superioridades militares. Diante do contexto apresentado, muitos de seus habitantes preferiram deixar sua terra de origem, indo lutar por uma vida melhor, e pela sobrevivência de sua cultura em terras distantes. Assim também, com intenção de preservar neste povo, o sentimento de pertencimento, ou seja, a permanência de suas identidades enquanto povo polonês. Pressionado pelo peso da ameaça da perca de traços importantes desta cultura dentro do seu próprio território. Divididos em três partes, cada uma das partes sendo dominada por um povo diferente. Possivelmente haveria a esperança, de salvar seus valores enquanto cultura, por meio da manutenção desta, agora em outras terras, vivendo como imigrados em terras brasileiras. Porém, há um esforço da parte das próprias autoridades polacas, em garantir a permanência viva do sentimento de pertença a esta nação, que havia perdido sua independência. Há um agravante ainda maior, quando este país foi despedaçado, sendo dividido entre três diferentes nações. Então, logo a pressão sofrida seria por parte de três povos diferentes. Conforme comenta:

Exemplo disso ocorreu em 1901, na cidade de Wrzesnia, de domínio prussiano, a oeste da Polônia agora inexistente, onde os alunos se rebelaram e não rezaram o Catecismo, em especial a oração do “Pai Nosso” em alemão. Russificar e desnacionalizar os poloneses foi a meta principal da região russa, já que o decreto lei do Czar Nicolau I, editado em 1905, obrigava a população a abandonar todos os valores culturais, sociais, religiosos e econômicos, e sobretudo, a vida livre e independente que levavam desde suas origens em 966, com a dinastia dos Piast, depois a dos Jagellon. “A personalidade própria, a assimilação da civilização ocidental, eram os mais terríveis pecados de que em vão se tratava de redimir a Polônia”¹, assim tratava a Rússia, agora em seus domínios a leste. (FURMAN, 2012, P. 15 – 16) 

            Segundo o texto acima, percebe-se que principalmente as partes do território polonês que estava sobre o domínio russo e prussiano, acabaram sofrendo maior violência. Haja vista, que tais povos eram de tradição protestante. Enquanto os austríacos que dominavam a outra parte da Polônia, eram católicos, logo, não havia grande diferença entre dominadores e dominados. A imposição cultural acaba sendo predominante exatamente por meio dos diferentes credos religiosos.  Assim como a religião em certas circunstâncias acaba assumindo a função de “ferramenta de controle social”, nas mãos de lideres intencionados em dominar o povo. Outro aspecto que ajudou a aumentar o fluxo imigratório foram as grandes guerras em que a Europa foi campo de batalha[8]. Quando a Polônia acabou sendo uma das nações mais arrasadas. Antes, fugiam do risco da guerra que se anunciava, depois emigravam para escaparem dos conflitos.

2.2) O Brasil e os incentivos imigratórios no século XIX, e o início do século XX.

Constata-se, que desde o início do século XIX, a presença de um forte debate entre as autoridades no Brasil, visando à organização das ocupações de terras, e formação das colônias, conforme o historiador Sérgio Odilon Nadalin argumenta na obra, Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações. A facção governista favorável à manutenção da imigração, contudo, desde 1834 propunha que o assentamento de imigrantes não deveria ser de responsabilidade exclusiva do governo central, e sim uma realização conjunta com as províncias”. (NADALIN, 2001, p. 67) No Brasil no final do século XIX, a uma grande preocupação em trazer imigrantes para substituir a mão-de-obra cativa. Haja vista, que o tráfico de africanos para serem escravizados no Brasil estava proibido e a escravidão estava com os dias contados. Então, os governantes juntamente com a elite branca brasileira, começam a pensar em quem seria este imigrante ideal para contribuir no processo da “civilização” brasileira. Para a realização do novo projeto, almejado pela elite e as autoridades, diante de uma realidade onde os afros eram vistos como seres inferiores. Neste contexto marcado pelo preconceito, defendiam a idéia, que o branco vindo da Europa “civilizada” traria a civilização para o Brasil. Além de provocar naturalmente um “branqueamento” da população brasileira, como se civilização tivesse relacionada à cor da pele. O historiador Fábio Koifman, trata deste assunto em sua obra Imigrante Ideal.

A vasta historiografia produzida a respeito do assunto indicou que política imigratória liberal fez com que o Brasil adotasse por muitas décadas, entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX, uma prática de completa abertura e incentivo à imigração. Entre as principais preocupações das elites dirigentes e dos governos estava “o fim de encher os espaços vazios do nosso território” e o branqueamento da população. O discurso racista frequentemente atribuía o atraso e muitos dos problemas brasileiros à “má-formação étnica” da população. A vinda de novos imigrantes, de preferência de origem européia, que não fossem negros, era vista como solução. (KOIFMAN, 2012, p. 27.)

Estes imigrantes serviram para ocupar grandes extensões de terras brasileiras ainda inabitadas. Também vindo a assumir postos de trabalhos em chão brasileiro, na condição de trabalhador assalariado, devido à abolição do trabalho cativo, ocorrido no final do século XIX. Logo, as políticas imigratórias, adotadas no Brasil no final do século XIX, e inicio do século XX, foram fundamentais pelo teor de favorecimento da entrada de imigrantes europeus em nosso território. O incentivo por parte da elite branca no Brasil, também estava relacionado com as práticas capitalistas, porém, o interesse econômico aparece com força neste jogo. Justificado pelo discurso liberal que havia tomado conta de parte das lideranças políticas do Brasil. Afirmando a necessidade da “liberdade”, embasado no ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade”, construído no contexto da Revolução Francesa. Que fundamenta os alicerces do sistema capitalista. Diante desta situação, manter o trabalho cativo no Brasil tornou-se algo contraditório. Porém, um país assumindo posturas liberais, tinha a necessidade de acabar com a escravidão. Segundo  discute o historiador Nadalin:

Mas o discurso liberal assumido no Brasil não poderia desconsiderar nosso passado escravocrata. De fato, a herança escravista calava em profundidade, e a elite era dominada pelo medo. Medo alimentado pela memória dos quilombos, por um certo maniqueísmo desenvolvido em função do legado colonial, em que o cativo, de vítima do sistema, passava a ser o causador de sua violência característica. Tudo isto está na origem e alimentava os preconceitos da minoria branca. Não era só o negro mau, bruto e violento; toda a população mestiça não era confiável e, em decorrência, não tinha condições morais para cumprir os elevados propósitos nacionais de colonização e conquista do território nacional. (NADALIN, 2001, p. 74)

Percebe-se que a elite, mantinha-se preocupada com os movimentos de resistências criados a partir da organização dos escravos. Com destaque principalmente para os quilombos. O que significa que os afros não aceitavam as formas de vivências, que lhes eram impostas. Resistir a este sistema podia representar ser “mau, bruto e violento”, segundo os olhares da elite preconceituosa. A principal justificativa era: O Brasil precisava sair da condição de “atraso”, em que se encontrava. Neste momento busca-se a substituição do trabalho cativo pelo trabalho livre. Conforme a historiadora Thais Janaina Wenczenovicz argumenta em sua obra denominada Imigração Polonesa no Brasil.

A política imigratória adotada pelo Brasil tinha objetivos claros e específicos, dentre eles destacamos: substituição de mão-de-obra escrava pela livre, num momento em que ocorria a expansão do capitalismo mundial: povoamento e colonização de áreas ainda virgens com núcleos de pequenos proprietários agrícolas e diversificação da estrutura produtora, visando contribuir para o abastecimento interno do país e amenizar o desnível da balança comercial causado pelo grande peso da importação de alimentos.  (WENCZENOVICZ)

O mesmo capitalismo que havia provocado mudanças no sistema de vida da população européia, jogando uma grande porcentagem para uma situação de miséria, fruto da expulsão dos camponeses para os centros urbanos. Agora justifica os interesses por parte dos governantes brasileiros em atrair imigrantes vindos do velho continente.  Explicando a necessidade na redução, sobretudo da importação de alimentos, fator que colaboraria com o equilíbrio da balança comercial brasileira. Embora, no caso específico dos poloneses, ainda permanecessem dentro de uma realidade mais agrária neste período. Diferente da parte européia onde as grandes revoluções ocorreram mais cedo, dando uma característica mais urbana para tais regiões, com o desenvolvimento do capitalismo industrial. Conforme a historiadora Neda Mohtadi Doustdar aborda em seu livro Imigração Polonesa: Raízes Históricas de um Preconceito “especialmente a diferença entre o oeste, onde predominava o capitalismo industrial e o leste, o centro do capitalismo agrário”. (DOUSTDAR, p. 55) Esta realidade mais rural da parte do povo polonês vivida em sua terra de origem, certamente vai acabar por influenciá-los a buscar por uma vivência mais agrária em sua nova pátria.

Destacando que a partir da década de 1930, o governo brasileiro, determina o controle da entrada de estrangeiros, alegando uma série de riscos que diferentes culturas poderiam trazer. Todavia, continuaram aceitando a vinda de europeus, argumentando a possibilidade de formar uma “raça superior”, conforme os argumentos a seguir:

No limiar dos anos 1930, seja por suas próprias experiências ou por influências de ideias chegadas do exterior, setores das elites participaram de intenso debate a respeito da imigração ou, mais precisamente, do tipo de imigrante que desejavam e do que não desejavam. O estrangeiro considerado ideal ou “indesejável” para encher os imensos vazios do território nacional para contribuir para a formação do povo brasileiro conforme o que consideravam como desejável. (KOIFMAN, 2012, p.28)

Este período leva as autoridades brasileiras, a restringir a entrada de estrangeiros com culturas diferentes das do povo europeu, alegando a possibilidade de influências “negativas” na formação da cultura brasileira que tinha raízes na formação cultural européia.  Manter os traços da cultura européia por aqui era algo fundamental, uma vez que, a visão eurocêntrica era predominante em toda América.

2.3) O Paraná deste período,  política migratória e os desafios.

Em terra paranaense, o que justificava os incentivos a vinda de imigrantes para a região, seria a necessidade do desenvolvimento de sua agricultura. Porém havia o entendimento que a agricultura paranaense estava passando por uma situação extremamente decadente. Para resolver este problema, logo pensaram em algumas características, ou perfis de indivíduos que poderiam realmente contribuir para melhoria da situação observada. Conforme a seguinte argumentação:

A elaboração deste projeto passava “obrigatoriamente por um componente básico que é a questão do trabalho (...) que passa a ser visto como atributo básico da dignidade, do esforço reconhecido e da produção de riquezas. Daí a exigência no Paraná a favor dos trabalhadores imigrantes ‘laboriosos e morigerados’(...).(NADALIN, 2001, P. 73)

Então se percebe que no Paraná, criou-se uma situação favorável a recepção de imigrantes europeu, preferencialmente aqueles que viessem de uma realidade agrária em sua terra de origem. Lembrando que os imigrantes vindos da Polônia possuíam tais características, a realidade polonesa nesta época era mais rural.  Compreender o contexto que envolve a vinda deste povo para a região sul do Brasil, sobretudo, os motivos que os forçou a imigrar, sair nesta aventura de enfrentar o desconhecido. Só pode ser o difícil contexto social, político e econômico, vivido não apenas na Polônia, mas em toda a Europa. Por outro lado o Brasil contava com muitas terras ainda não habitadas e prontas para receber moradores. Os governantes brasileiros faziam propagandas para atrair gente para ocupar determinadas regiões.

A idéia do paraíso concebida ainda com a chegada dos portugueses no século XVI, pela exuberância das florestas, qualidade do solo, enfim, por todas as riquezas naturais encontradas em terras brasileiras. Esta mesma ideia continua relacionada às propagandas para atrair novos imigrantes. Muitos acabaram vindos iludidos, ao chegarem aqui tiveram que enfrentar a dura realidade, nos sertões com matas densas para serem desbravados. Embora, o Paraná deste período seja interpretado como sendo o lugar dos sonhos. Confirmando esta tese, muitos imigrantes ao chegarem à região encontrariam condições perfeitas, para desenvolverem suas vidas.  O historiador Caio Prado Junior em seu livro intitulado, Formação do Brasil Contemporâneo, comenta sobre a região:

Esta área forma uma unidade geográfica bem caracterizada. Relevo apenas ondulado, campos com vegetação de gramíneas intercalados por matas ciliares e bosques isolados em que predomina a preciosa e bela araucária. Clima ameno e temperado graças a uma altitude que oscila entre 500 e900 metros, abaixando ligeiramente para o sul, onde termina a pique na Serra Geral; abundância de águas que correm límpidas em leitos de pedras ... Conjunto admirável para o estabelecimento do homem e que fez Saint-Hilaire considerar a região o “paraíso terrestre do Brasil”. Apesar disto, o povoamento ainda é aí escasso em princípios do séc. XIX, muito mais do que o dos sertões do Nordeste, tão inferiores do ponto de vista das condições naturais.  (PRADO JUNIOR, 2004, p. 65)

O autor descreve o Paraná do século XIX, destacando suas riquezas naturais, denominando a região como “paraíso terrestre do Brasil”, com condições adequadas para ser povoado. Destacando condições geográficas, como vegetação, clima e águas abundantes. Um dos elementos que atraiu os imigrantes da Europa para o sul do Brasil foram as condições climáticas, uma vez, que o sul brasileiro é a região que apresenta climas durante as estações do ano, com características mais aproximadas com o clima europeu. O historiador Romário Martins, em seu livro História do Paraná, aborda este assunto.

O Sul de São Paulo, (diz Henrique Morize, Diretor do Observatório do Rio de Janeiro) os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, constituem a terceira grande zona do Brasil, Zona Temperada Doce. Seu clima é dos mais belos do mundo. A temperatura é muito amena, e a média se conserva sempre abaixo de 20°. Os invernos pouco intensos, que se produzem durante os meses de junho a agosto, são não só favoráveis à saúde das raças européias como ao desenvolvimento de todas as culturas do antigo continente. Assim, tem sido estes Estados preferidos pelos imigrantes. (MARTINS, 1995, p. 24-25)

Principalmente para os imigrantes vindos do Leste Europeu, região daquele continente, de onde veem maior parte deste povo, encontrando nesta região do Brasil condições climáticas mais parecidas com sua região de origem. Estas condições favoreceram a adaptação deste pessoal na nova terra. Outro elemento importante que contribuiu para a atração de imigrantes da Europa foi a política de incentivos ao recebimento de imigrantes na província paranaense que buscou valorizar ao Máximo a entrada de europeus, que viessem contribuir com sua cultura e força de trabalho, para o desenvolvimento do Paraná. Conforme:

“Promover a imigração de colonos morigerados e laboriosos”, “hoje que a salutar lei de emancipação dos escravos nos colocou na dependência do braço europeu”. Imigração de indivíduos “morigerados e laboriosos”, já que era “conhecida de todos a repugnância que mostram para esse serviços poucos sujeitos capazes de nele empregar-se”. E sobretudo indivíduos úteis para o cultivo, uma questão premente para o Paraná: dever-se-ia promover a continuidade da colonização para “salvarmos a Província do estado de decadência a que chegou sua agricultura”.  (NADALIN, 2001, P. 73)

Percebe-se então a partir dos argumentos acima, que havia certa preocupação, em garantir o desenvolvimento da Província paranaense, voltada  para a agricultura. Para isso se realizar apostava-se nos costumes dos povos vindos da Europa, uma vez, que estes poderiam trazer as técnicas utilizadas do outro lado do Atlântico.  Para as autoridades paranaenses, estava aí a oportunidade de importar práticas agrícolas, desenvolvidas na Europa, como parte dos costumes trazidos da região européia. Além do mais, era pretendido que viessem europeus trabalhadores. Partiam da idéia que estes precisavam substituir a força de trabalho, até então executada pelos escravos afros descendentes. Lembrando que o tráfico de negros para serem escravizados no Brasil, havia sido proibido e já se caminhava para a abolição. Com destaque, dentro deste contexto para o Movimento Paranista, surgido no início do século XX, que tinha como objetivo, além de formar uma identidade regional, também ajudava a fortalecer a idéia de progresso. Conforme o texto a seguir:

Conduzido, dentre a intelectualidade paranaense, por um grupo que cultuava e divulgava a história e as tradições da terra, o Paranismo incentivou a construção de uma idéia de identidade regional, impregnada pela crença no progresso e no desenvolvimento social que foram característicos da primeira república. (TRIDADE E ANDREAZZA, 2001, P.91)

Nesta ideia de progresso e desenvolvimento, defendida pelos paranistas, a vinda de europeus, era vista, como algo que poderia contribuir imensamente com este projeto de formação do Estado do Paraná. Dentro da perspectiva da construção deste indivíduo paranaense morigerado e civilizado. Estes são alguns pontos importantes que colaboraram no sentido de favorecer o processo imigratório do velho para o novo mundo.

No Paraná, os poloneses começam a chegar ao final do século XIX, com uma participação importante no processo de expansão demográfica da capital do Estado. A presença de descendentes poloneses vivendo na cidade de Curitiba é algo relevante, contribuindo economicamente e culturalmente com o desenvolvimento  de Curitiba. Frisando que nesta ocasião o Estado do Paraná ainda era novo de emancipação política, e precisava povoar seu interior, sobretudo, regiões como a região central do Estado, em que a maior parte estava coberta de matas. O Estado se destacava economicamente na produção de erva mate. Conforme o texto seguinte:

Enfim, é nessa conjuntura denominada pelas transformações relacionadas à extinção do tráfico – o que pré-anunciava o fim do regime de trabalho escravo; a expansão do comércio exterior – que no Paraná era representado pelo desenvolvimento da economia do mate; a criação de um novo regime de terras, oriundo em parte da necessidade de modernizar o regime de propriedade no país e da luta política entre os defensores da “colonização” com imigrantes estrangeiros visando à substituição do braço cativo e aqueles que preconizavam a “colonização de povoamento”; e tendo ainda como pano de fundo o desenvolvimento de uma sociedade urbana originada do desenvolvimento de uma economia mercantil e da decadência social e política dos antigos criadores de gado, é que foi criada, no território anterior da 5ª comarca da Província de São Paulo, a Província do Paraná em 1853. (NADALIN, 2001, P. 71)

De acordo com a afirmativa acima, constata-se que os elementos que estão provocando mudanças importantes, relacionados à economia da região no fim do escravismo como força de trabalho. Juntando as diferentes ideias de colonização, que dá prioridade para o imigrante branco, somado a necessidade da modernização. São os mesmos que estão empurrando o Paraná a buscar a sua emancipação política.  Diante do contexto exposto, em 1853, nasce a Província do Paraná, desmembrando-se da Província de São Paulo. Segundo comentam as historiadoras Etelvina M. de C. Trindade e Maria L. Andreazza em sua obra Cultura e Educação no Paraná. “Pela Lei 704, de 29 de agosto de 1853, foi criada a província do Paraná e, em 19 de dezembro desse ano, Zacharias Goés de Vasconcellos chegou a Curitiba na qualidade de primeiro presidente”. (TRINDADE E ANDREAZZA, 2001, P. 50).  Estava criada a Província do Paraná. Com este fato novo, cresce o interesse em colonizar cada vez mais as terras pertencentes ao território paranaense.

2)    Os poloneses em Cândido de Abreu.

Ao chegarem à região de Cândido de Abreu, a maior parte do grupo constrói a sua história ligada a agricultura, mantendo traços importantes da sua própria cultura, como língua, culinária, artes e arquitetura. Ainda é importante destacar a comunidade polonesa Morska Wolla[9] aonde estes imigrantes chegaram a sonhar com a formação de uma cidade, conforme o mapa deste projeto, elaborado pelos próprios imigrantes. Mesmo havendo todo um planejamento para a execução de tal empreendimento, na prática o mesmo não aconteceu. Mas este grupo conseguiu montar uma organização, que deu origem a uma importante cooperativa, denominada de Cooperativa Mista do Agricultor. Esta teve duração de 23 anos, conforme análise de um Livro Ata, com as atas das assembléias realizadas neste período. É lógico que Cândido de Abreu, por sua vez, localizado na região central do Estado, que na época se encontrava em total situação de isolamento, devido as distâncias, levando em consideração, a inexistência de estradas, que possibilitasse acesso mais fácil à referida região.   

3.1) Breve histórico do município de Cândido de Abreu.

 

O início do processo de ocupação por imigrantes europeus, deste município se dá com a chegada de um grupo de imigrantes franceses em meados do século XIX, sobre a liderança do médico frances Jean Maurice Faivre[10], trata- se do Distrito de Tereza Cristina localizado na região sul do município. Conforme Romário Martins aborda a seguir: 

Cândido de Abreu, situada entre os rios Ivaí, Ubazinho, Jacaré e do Baile, em terras fertilíssimas. Apucarana, à direita do rio Ivaí, a sudeste da Colônia Cândido de Abreu, constituída de 3.132 polacos, ucranianos, alemães e nacionais. Tereza, fundada em 1847 pelo médico francês dr. João Mauricio Faivre, sob os auspícios da Imperatriz Tereza Cristina Maria, com 87 franceses, dos quais a maioria não se fixou demoradamente na localidade, espalhando-se por outras regiões da Província. (MARTINS, 1995, P. 353)

Em se tratando da ocupação deste lugar, embora tenha a participação de franceses, ucranianos, alemães e outros, com destaque ainda para os indígenas, porém o povo que se destacou como principais colonizadores foram os poloneses. Pelo fato de terem participado em maior número, no processo de ocupação das terras deste município.

Avenida Visconde Charles de Laguiche (antiga Rua Paschoal Villaboim), em 1935

Em Candido de Abreu, a chegada dos imigrantes poloneses se dá no início do século XX. Há relatos que na data de 29 de junho de 1908, embarcados em um navio austríaco denominado “SOFIA HOHEMBERG”, conforme Leocádia S. Furman cita em seu livro Cândido de Abreu, Nossa Terra, Nossa Gente. Chegam ao Rio de Janeiro, alguns imigrantes poloneses, que passaram a contribuir historicamente, com o lugar que em um futuro próximo viria a ser o município de Cândido de Abreu. Dentre estes, há a presença do sobrenome Malanowski[11], se destacando como pioneiros.       

 Referente à Cooperativa fundada pelos imigrantes poloneses, na Comunidade Morska Wolla, atualmente localidade de Faxinal de Catanduvas. Percebe-se que este tipo de organização era incentivado, pois havia certa preocupação das autoridades polonesas com relação à sobrevivência de seu povo em outras terras. Eram orientados a se organizarem e a formarem cooperativas, para facilitar não apenas a sobrevivência, mas sobretudo a manutenção cultural, com destaque ainda para a educação das crianças.

No que se refere aos obstáculos enfrentados pelos colonizadores deste município durante o século passado. Além das dificuldades que uma região distante de recursos pode lhes impor, outro ponto eram os riscos de doenças. Ao chegarem ao destino em terras da região central paranaense, passaram por certas dificuldades. Destacando uma epidemia de malária ocorrida ainda na primeira metade do século passado. Quando parte significativa da população da região foi dizimada por esta doença. Conforme argumenta (FURMAN, 2010, P.15). Se andarmos pelo interior do município de Cândido de Abreu, encontraremos aproximadamente uns 15 cemitérios, só nas comunidades rurais, com mais dois na área urbana. O que provavelmente tenha provocado à proliferação de tantos cemitérios seja em função da mortalidade de pessoas por esta peste, que naquela época, a cura era quase inexistente.

A emancipação política do município de Cândido de Abreu ocorreu em 26 de novembro de 1954. Teve como primeiro prefeito o Sr. Ary Borba Carneiro. Desmembrando-se do município de Reserva, e por mais de meio século de história, este município, até os dias atuais é marcado pela presença da cultura polaca, representada pelos descendentes poloneses. O município recebeu este nome em homenagem ao engenheiro civil Cândido Ferreira de Abreu[12]. Este foi o responsável pela elaboração do projeto da estrada que ligava Ponta Grossa, a região onde se localiza o município de Cândido de Abreu. Dr. Cândido de Abreu, também se mostrou preocupado em povoar o interior do Estado.

Conforme Trindade e Andreazza citam uma afirmação feita pelo próprio Cândido de Abreu, em seu livro Cultura e Educação no Paraná, “É preciso cuidar-se seriamente em aumentar a densidade de nossa população. De que servem vastos territórios onde imperam despoticamente animais ferozes e servem de passeio temporário ao erradio aborígene?” (TRINDADE E ANDREAZZA, 2001, P. 51). Esta frase nos ajuda a compreender que os indígenas não eram vistos com bons olhos, pelos defensores destas políticas de colonização. Sendo interpretados a partir da visão européia, como indivíduos “vagabundos”, não civilizados. Lembrando da existência da Aldeia Indígena Faxinal, localizada justamente ao lado, onde os imigrantes poloneses estabelecem o empreendimento da comunidade Morska Wolla. É perceptível, por meio de foto do período que poloneses e indígenas conseguiram estabelecer um bom relacionamento.

Escola polonesa e indígena, Morska Wolla década de 1930 – fontes (FURMAN, 2010, P. 11)

 Havia o funcionamento de uma escola construída pelos imigrantes poloneses dentro da reserva indígena, naquela ocasião a comunidade polonesa se estendia sobre parte da atual área indígena. Nesta escola havia a convivência de alunos da etnia kaingang[13], polonesa e outros ditos brasileiros[14].

Ainda existem moradias antigas que trazem importantes traços da cultura européia, sobretudo da região eslava, marcada pelo inverno rigoroso. Nota-se a necessidade das construções das casas, terem o telhado com uma inclinação mais acentuada, para evitar o acúmulo de gelo em cima das coberturas. Estes tipos de construções ocorreram também nas regiões ocupada por estes colonizadores. Outro ponto importante destas construções, as casas normalmente são compostas de duas partes destacando o sótão, na parte superior, que geralmente servia de dormitório, com destaque ainda para os lambrequins[15], que se trata de mais um detalhe próprio da cultura polonesa, usados para enfeitar as varandas das residências, geralmente construídas em madeira. 

Assim o município de Cândido de Abreu chega ao século XXI, com a marca da cultura polonesa, devido à presença dos descendentes polacos que aqui vivem, contribuindo com o processo histórico deste município.  É impossível pensar em Cândido de Abreu, sem lembrar-se deste passado histórico com todos os colaboradores de todas as etnias. Dentre estes, destacando-se os poloneses que aqui chegaram para contribuírem em todos os aspectos com este pedacinho do Brasil, localizado na região central do Estado do Paraná.

 

 

1)    Espaços de Sociabilidade: Aspectos culturais e as funções da Cooperativa.

Na nova terra se busca adaptar suas vidas dentro dos costumes de origens, era o que ocorria geralmente nas colônias formadas por imigrantes vindos da Europa. Segundo Trindade e Andreazza:

A manutenção de formas ancestrais entre os imigrantes não é tributária apenas ao isolamento étnico que favorecia a permanência do idioma e das tradições. Some-se ainda o atendimento escolar, que a falta de efetiva instrução pública, normalmente era efetuado por congregações religiosas provenientes dos países de origem. (TRINDADE E ANDREAZZA, 2001, P. 54-55).

O Estado, ainda não tinha um sistema educacional capaz de atender a necessidade de aprendizagem da população aqui residente, era natural, que estes imigrados trouxessem consigo modelos europeus. Promovendo a alfabetização das crianças em suas línguas de origem. Este cenário ocasionou a busca destes novos moradores, além da terra para se viver melhor, também a manutenção de elementos fundamentais da sua cultura. Outro aspecto importante no que se refere a cultura polaca, foi a presença forte da religião católica entre os imigrados da Polônia para a região sul do Brasil. Haja vista, que a religiosidade é um dos elementos de grande relevância dentro de cada cultura. Neste momento quando a realidade vivida lhes impõe toda uma condição de fragilidade, diante dos povos invasores. Mesmo ao sair de sua terra é necessário usar como origem, a identidade de seus opressores, conforme os historiadores Jonathan de O. Molar e Roberto Edgar Lamb relatam em seu artigo denominado Imigração Polonesa: o sentimento identitário representado nas imagens da revista “Gazeta Polaca no Brasil”.

Um forte indicador da realidade enfrentada pode ser evidenciada nos documentos oficiais do período imigracional os poloneses eram registrados como russos, austríacos e prussianos, ou seja, nos censos imigracionais a nacionalidade polonesa vem a aparecer somente após a Primeira Guerra Mundial, quando a Polônia conseguiu recuperar sua “independência”. (MOLAR E LAMB, 2011, P. 3)  

Conforme análise acima se constata que o povo polonês ao embarcar para fora do país de origem acabava sendo cadastrado com nacionalidade trocada, forçados a se passarem como russos, austríacos ou prussianos. Vindo assim assumir a nacionalidade trocada. Dentro deste contexto, entra a religiosidade, não apenas na condição de apoio espiritual. Mas também apoiando enquanto guardiã dos bons costumes e da tradição polaca, funcionando como uma importante aliada na preservação da cultura destes imigrantes. Dentro deste quesito, referente ao fator religião, destaca-se o catolicismo presente em meio às famílias oriundas da Polônia. Agora vivendo em chão brasileiro, desde as primeiras comunidades polacas estabelecidas no sul do Brasil. Conforme Doustdar:

A religião como parte do universo simbólico, dimensão intrinsecamente humana da existência, é fator constituinte da cultura cuja diversidade acompanha a variedade da história dos povos. A diversidade cultural expressa possibilidades de vida social organizada e registra graus e formas diferentes de domínio sobre a natureza. Cada cultura tem sua própria verdade.  (DOUSTDAR, 1990, p. 17)

Entendendo a religião como algo presente na vida de cada povo, em qualquer parte do mundo. Também como sendo um aspecto importante de cada cultura, por meio do que a crença significa enquanto representação simbólica. Importantes “valores” de cada sociedade acabam sendo fundamentados, ou seja, ganhando significado.  Também neste sentido, a religião está presente junto aos imigrantes poloneses estabelecidos na região sul do Brasil.

 

Capela São José na antiga Morska Wolla, representada por meio de pintura a óleo, autora Leocádia Sawczuk Furman

Não apenas por ter os acompanhado, simplesmente por fazer parte da cultura deste povo, mais com a finalidade de ajudar a manter seus costumes e tradições. Também pelo fato de no Brasil haver esta tradição católica, trazida da Europa, acabou sendo um componente facilitador. Uma vez, que este ponto acaba caracterizando algo em comum, entre ambos os povos europeus estabelecidos no Brasil, pelo fato do povo brasileiro ser também de tradição católica.

Embora a partir de 1930, o governo brasileiro tenha proibido o ensinamento de outras línguas, permitindo apenas a aprendizagem do português. Mas percebe-se que existem muitas pessoas descendentes de poloneses, que ainda se comunicam em sua língua de origem. Pena que entre o público mais jovem isto vem se perdendo. Na culinária ainda se usam muitas características da cozinha polonesa. Também nas expressões artísticas, porém, o objetivo das cooperativas eram  fortalecer a arte polonesa. Conforme análise do artigo 12º do estatuto de fundação da Cooperativa Mista do Agricultor, esta por sua vez, objetivava unir os agricultores. “A Cooperativa Mista do Agricultor tem por objetivo unir os agricultores e criadores residentes em sua área de operação, recebendo as produções de todos e vendendo-as em comum, bem como adquirindo artigos necessários as suas culturas”. (ARTIGO 12º DO ESTATUTO, ATA DE FUNDAÇÃO). Ainda além de se propor em comercializar a produção dos associados e os artigos necessários para o desenvolvimento das lavouras, pretendiam dentro das possibilidades facilitar o acesso a bens de consumo. Também firmava o compromisso em financiar os empreendimentos destes produtores. Havia o projeto para a transformação da produção dos sócios agregando valor, por meio da industrialização e a conquista de mercados. Conforme o item C, da cláusula 3ª, do artigo 13º de seu Estatuto “contratar pessoal técnico e administrativo competente que possa seguir os processos da técnica industrial e conhecer a situação dos mercados”; (ESTATUTO)  O desejo de desenvolver esta localidade estava presente nas discussões realizadas nas assembléias da cooperativa. No setor social havia a preocupação com a saúde, acessoria jurídica, seguro social no caso de morte, doenças, invalidez, velhice, e natalidade. Dentro da área social estavam comprometidos com a questão educacional. Conforme item B, cláusula 6ª do artigo 20º. “Fundar, manter e auxiliar instituições escolares e de artes e ofícios, e outros, destinados ao desenvolvimento cultural dos associados e suas famílias”. (ESTATUTO) Percebe-se que educação e cultura estavam dentro das prioridades destes imigrantes.

Representação da sede da cooperativa Mista do Agricultor. (FURMAN, 2012, P. 43)

Destacando ainda a Cooperativa Mista do Agricultor, da comunidade Morska Wolla, a mesma oferecia estrutura para apresentação de danças, teatros, organização de festas e bailes naquela comunidade. Segundo o historiador Fabrício J. Nazzari Vicroski em seu artigo Estudos Culturais a Partir da Mídia Impressa Os Almanaques Polônicos no Sul do Sul do Brasil (1920 – 1937), aborda a preocupação da parte dos imigrantes poloneses em função da manutenção da sua própria cultura.

Neste cenário, pouco tempo após a chegada dos imigrantes, foram criadas muitas escolas, associações culturais, agremiações esportivas e recreativas, movimentos políticos de libertação da Polônia então ocupada, grupos folclóricos, jornais, revistas, enfim, a atividade cultural na colônia mostrava-se expressiva em fins do século XIX e início do XX. (VICROSKI, P. 29)

Conforme argumentação acima, se percebe que esta população mesmo estando distante de sua terra natal, preocupava-se com sua região de origem. A busca da preservação de suas identidades, fortalecendo aspectos culturais provavelmente seja no sentido de se valorizar enquanto uma importante etnia. Não apenas entre a população brasileira, mais pelo seguinte fato, aqui viviam vários grupos de imigrantes do mesmo continente, estes por sua vez, lhes tratavam de forma preconceituosa, os inferiorizando pela situação vivida pela Polônia naquele momento. Vicroski argumenta sobre este contexto.

Num contexto onde o país de origem encontrava-se ocupado e dividido entre nações estrangeiras, tendo assim sua soberania solapada, é compreensível o anseio dos imigrantes em fortalecer sua identidade, sobretudo ante os brados de Polacos sem pátria! Polacos sem bandeira! Muitas vezes exclamado por outros grupos étnicos europeus, um sentimento que ecoava no Brasil desde além-mar. (VICROSKI, P. 29 - 30)


            Segundo análise acima, é perceptível, que mesmo estando longe da humilhação em que viviam em sua terra natal, continuavam sendo motivo de chacota do outro lado do Atlântico, por outros imigrantes que de maneira preconceituosa, achavam motivos para fazer piadas. 

 

Considerações finais:

 

Devido a este contexto histórico acima apresentado, no caso especifico da presença polonesa na colonização do município de Cândido de Abreu, é de grande valia a compreensão deste passado. Lembrando do papel que os referidos imigrantes tiveram tanto cultural, político e econômico, se tornando parte fundamental na história do município em questão. Considerando o processo histórico de Cândido de Abreu, a partir de sua emancipação política, vale destacar a participação de vários descendentes dos imigrantes poloneses, a assumirem cargos eletivos. Tanto no poder legislativo, assim como no executivo municipal. Destacando ainda a participação da família Malanowski, na pessoa de Ferdinando Malanowski. Quando formada a então colônia de Cândido de Abreu, este assumiu a função de administrador geral, organizando os primeiros passos desta localidade em busca do desenvolvimento. Reconstruir este passado histórico é importante, porém, os habitantes desta terra precisam ter consciência histórica, conhecendo melhor a trajetória outrora percorrida pelos seus antepassados. Entender os fatos ocorridos no passado é elemento fundamental para se compreender a realidade presente.

 

Fontes:

 

- Fotos antigas;

- Mapa da cidade planejada na comunidade Morska Wolla;

- Livro atas da Cooperativa Mista do Agricultor fundada no inicio da década de 1940;

- Revista Cândido de Abreu, um município que se renova 1983;

- FURMAN, Leocádia Sawczuk – Cândido de Abreu Nossa Terra, Nossa Gente, 2ª Ed. Paraná Centro, Cândido de Abreu 2010;

- Mapa do projeto de cidade idealizado pelos imigrantes na comunidade Morska Wolla;

- Diagnóstico sócio cultural do município de Candido de Abreu, 1984/1985.

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BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.

DOUSTDAR, Neda Mohtadi - Imigração Polonesa: raízes de um preconceito. Dissertação de mestrado, UFPR, 1990.

FURMAN, Leocádia Sawczuk – Os Filhos do Imigrante – Cândido de Abreu: MR gráfica e editora 2012.

HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. 10. ed. Rio

de Janeiro: DP&A, 2005.

História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea / coordenador geral da coleção Fernando A. Novais; organizadora do volume Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 – volume 4.

KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o ministério da justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941 – 1945) – Rio de Janeiro, 2012

MARTINS, Romário, História do Paraná – Curitiba: Travessa dos Editores, 1995.

MOLAR, Jonathan de Oliveira - Imigração Polonesa: o sentimento identitário representado nas imagens da revista “Gazeta Polaca no Brasil” - Jonathan de Oliveira Molar e Roberto Edgar Lamb - Disponível em: http://www.historiaimagem.com.br/edicao12abril2011/imigracaopolonesa.pdf , acesso em 06/10/2013  

NADALIN, Sérgio Odilon: Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações, Curitiba: SEED, 2001.

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VICROSKI, Fabrício J. Nazzari - Estudos Culturais a Partir da Mídia Impressa – Os Almanaques Polônicos no Sul do Brasil, http://www.poloniapoa.org/revista/10/5_almanaques.pdf - acesso em: 06/10/2013

 

 



[1] Milton Stanczick Filho, Mestre em História pela UFPR, orientador deste trabalho.

[2] Pós graduando no curso de História, Artes e Cultura pela UEPG.

[3] Município paranaense que recebeu um grande contingente de imigrantes poloneses no início do século XX.

[4]  Trata-se  dos imigrantes poloneses vindos para o sul do Brasil.

[5] Descendente de europeus com melhor poder aquisitivo e poder político.

[6] Pelo fato de serem forçados a abandonar valores culturais próprios, em função de terem que aderir a culturas de seus invasores

[7] Graduada em 1970, no Curso Superior de Belas Artes pela Escola Superior de Belas Artes Curitiba, PR, descendente de imigrantes poloneses.

[8] Trata-se da 1ª, e também da 2ª Guerra Mundial, em que os conflitos causaram  muita destruição na Europa.

[9] Siguinifica, força além mar 

[10] Médico Frances que funda a primeira colônia de imigrantes da região em 1847, denominando-a de Tereza Cristina em homenagem a Imperatriz.

[11] Sobrenome de família pioneira de Cândido de Abreu.

[12] Engenheiro civil homenageado dando seu nome ao município de Cândido de Abreu.

[13] Povo indígena da reserva Faxinal em Cândido de Abreu.

[14] Povos que moravam na região, detentores de cultura diferente dos indígenas e dos poloneses.  

[15] Detalhes feitos a base de recortes em madeira, normalmente presente nos alpendres das residências.