UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS

Discente Solineide Maria

OS ESPAÇOS DAS NARRATIVAS CORPO VIVO DE ADONIAS FILHO E FOGO MORTO DE JOSÉ LINS DO REGO

ILHÉUS/BA
2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS

Trabalho apresentado à Professora Drª Patrícia Kátia da Costa Pina, como elemento avaliativo da disciplina Literatura brasileira I do V semestre do curso de Letras.

ILHÉUS/BA
2009
OS ESPAÇOS DAS NARRATIVAS CORPO VIVO DE ADONIAS FILHO E FOGO MORTO DE JOSÉ LINS DO REGO

O espaço é bastante relevante para a narrativa. Em alguns casos, dependendo do que é contado, se faz personagem da história; noutros, é capaz de identificar um personagem específico ou, até mesmo, constituir-se na representação de lugares, realidade e culturas peculiares. A questão do espaço será assunto de nossa abordagem.
O problema que estabelecemos para a nossa investigação faz a seguinte pergunta: como os espaços destas narrativas influenciam na percepção entre o velho, e o novo regionalismo? A hipótese que propomos é a de que existem em Corpo Vivo, de Adonias Filho e Fogo Morto, de José Lins do Rego, diferentes formas de representação do espaço, que influenciam a percepção entre o velho, e o novo regionalismo. Tanto, que é possível observar em corpo Vivo, a exposição de uma mata recorrente, irmã, talvez, da que é proposta em Fogo Morto, de José Lins do Rego, mas que se desdobra em outras nuanças, traçaria outros caminhos, outros olhares.
Apesar de nordestinas, essas matas se embrenhariam por outras frinchas. A partir disso, vislumbramos como objetivo geral, identificar nestes dois romances, aspectos culturais que identifiquem e diferenciem os regionalismos presentes nas narrativas e como objetivos específicos: oportunizar a apreciação a respeito da maneira como cada autor emprega os espaços criados na intenção de realizar a construção de identidade dos regionalismos em Corpo Vivo e Fogo Morto e analisar momentos onde os autores apresentam os espaços nas obras pesquisadas.
Acerca dos regionalismos
O Brasil é um país de contrastes, tanto sociais quanto geográficos. Por isso, talvez, tenha figurado nos romances regionalistas, muitas especulações em torno de suas paisagens. Difícil mesmo, explorar com definição apropriada, tão variadas realidades, inclusive culturais. Nesse sentido, a inserção do homem longínquo, aquele de dentro do Brasil, que vivia nos rincões e nos sertões, quase desconhecidos do restante das populações, ganha espaço na década de 30.
Essa seria uma maneira de ocasionar novidade no romance brasileiro. Sabia-se que esses homens existiam: mas como, e onde, especificamente? Acontece então, o que se pode dizer a reinvenção dessas personagens brasileiras. De um lado, sandálias de couro, peles secas por conta do sol a pino: caatingas. Do outro, homens decadentes em suas vidas de moinhos que começam a esmaecer: decadência.
Para o norteamento de nossa discussão acerca do que acima expomos, propomos como tema "Os espaços nas narrativas Corpo Vivo de Adonias Filho e Fogo Morto de José Lins do Rego". Nessa intenção, atrairemos para a discussão o que viria a ser o velho e o novo regionalismo.
O velho regionalismo apresenta como grande atributo um campo altamente imaginado. Ele difere da cidade, lógico, mas difere inclusive dele próprio. Não tem a ver com o campo de fato. É tudo bastante representativo: as falas, as personagens, qual fosse para estabelecer um painel, um desenho, uma caricatura do regionalismo do interior brasileiro. Pode-se citar como exemplo desse regionalismo, o romance Inocência, de Taunay. A protagonista é filha de um matuto que mora nos confins de Mato Grosso e se apaixona por Cirino, um ambulante que mente, passando-se por médico. Há no romance um ambiente que efetivamente "representa" o campo Mato Grossense, em nada indicando o real campo daqueles rincões. Nesse regionalismo, parece, poderíamos ler a mesma paisagem tanto em José de Alencar quanto em Bernardo Guimarães, o que sugeriria que os campos dos interiores do Brasil seriam idênticos.
Tudo no começo é mais intuitivo, mas não por isso, menos verídico. O problema da verdade sugere mesmo perseguir o ser, em todas as épocas. O romance da década de 30 chega tão forte quanto inovador, mas quais são as paisagens das quais os autores fazem uso em suas narrativas? São iguais? Parecidas? Iguais, não se sabe, mas começam a denunciar de forma distinta, as histórias de seus lugares. Apenas como ilustração, citemos Raquel de Queirós e seu romance O Quinze. Tal narrativa sugere o indício da acepção do nordeste definitivo: o nordeste sertão. O sertão que range e dói de seco e longe. Nele também há mata, caatinga, pó de chão de terra.
Fogo Morto e Corpo Vivo

Em Corpo Vivo, a mata é outra. A historicidade advém de maneira a introduzir individualidade. O ser do mundo de Corpo Vivo é outro, os casos são outros; não é cenário único para todos os brasileiros. Um processo interessante: cada um, com a mata que tem, vai inscrevendo e se inscrevendo no mundo literário, agora, com boa dose de veracidade. Neste romance, a narrativa denuncia como a vida de uma região começou, foi começada: sangue e morte, braços de homens brigando por pedaços de terras:
"Encontrarão o ninho, é o que pensa. Nas costas, oculta pela mata, ficara a serra. A terra devia ter se contorcido fervendo em lama, pedras e lavas em atrito, para fazê-la o aleijão medonho. Erguendo-se da chapada, montanha que sobe em desaprumo, florestas e rochedos se abraçam nas quedas dos despenhadeiros. Furacão doido e bruto que rodava a torcera, como se fosse um pano molhado e malhas são as nuvens que a rodeiam. O vento, detido pelas encostas do outro lado, não passa. Imagem nos olhos enquanto anda, João Caio sabe que ali o homem e a mulher encontrarão o ninho". (FILHO, 1997:01).

Corpo Vivo apresenta a história de Cajango, menino que sobrevive à chacina de sua família por jagunços. O menino, de oito anos, sobrevive porque se esconde na mata. A mata é seu segundo útero, quem o tira de lá é seu padrinho Abílio que o leva para o índio, tio Inuri, irmão de seu pai morto, Januário. O tio decide que o melhor lugar para Cajango continuar vivo é na mata.
Inuri criará Cajango e em verdade, Inuri incute o desejo de vingança no menino que cresce calado e com o olhar vazio, sempre na mata, sempre fugindo, ao mesmo tempo em que caminha de encontro a um destino que, parece, nasceu para que ele o cumpra:
"Que fará ele ? e apontei cajango ? quando crescer?" O bugre encarou os olhos que brilhavam mais que fogo. "Quando crescer se crescer, tem que matar os assassinos do pai" esta foi a resposta."(FILHO, 1997:19)
São muitos os narradores. Ora é Cajango, ora é Compadre Abílio, o negro Setembro, João Caio, Dico Gaspar, homens tropeiros ou jagunços. E noutros momentos é um narrador onisciente quem se apodera do papel de levar adiante a história de Cajango. Não raro, o leitor perde o domínio espacial em algum ponto da narrativa, afinal, a mata é grande, os sentimentos se confundem, o vento é forte e a "selva cada vez mais sombria". (FILHO, 1997:40).
Tudo nos olhos do leitor se movimenta de maneira a fazê-lo voltar e seguir Cajango, em sua busca que acaba por desfigurar o caráter do protagonista. Como pode um homem fugir da morte ao mesmo tempo em que busca a vingança? Não seria morrer um pouco a cada dia, viver de tal maneira?
Pareceria loucura lembrarmos do personagem mestre José Amaro de Fogo Morto, que não teve a família morta por jagunços, mas são parecidas as feições de amargura mantida no coração deste mestre sem discípulos. Quase as mesmas feições da amargura de Cajango. Pareceria, se a amargura não fosse irmã da tristeza, do desgosto, companheira da tristeza. E José Amaro também sugere estes sentimentos.
José Lins do Rego e seu romance Fogo Morto apresentam outra visão de coisas. A decadência de uma sociedade que já foi fornalha forte, acesa, atuante. Trazem a decadência da sociedade patriarcal. Homens tristes porque empobreceram, ou trabalharam a vida inteira sem enriquecerem nunca, mulheres que vivem para parir e arrumar casa e mesa, mas que também cansam e tentam reescrever novo destino e irrompem. Como é o caso de Sinhá, esposa de mestre José Amaro, que some de casa, quando este, decide internar a única filha do casal num hospício. É um romance repleto de personagens fortes, tendo como principais: o seleiro mestre José Amaro, capitão Vitorino e coronel Lula. Nesta narrativa os espaços são as fazendas de engenho, que refletem um outro tipo de brenha, outra construção:
"O canário cantava na biqueira, na mansa manhã de sol nublado. Um bando de rolinhas corricavam por cima da grama. O bode espichado por debaixo da pitombeira, quieto. Tudo quieto, tudo na paz, menos o coração de mestre José Amaro que batia com arrancos de açude arrombado". (REGO, 1969: 47).
Note-se que há diferente natureza de gentes, de cultura, mas os sentimentos permanecem, pois são vidas:
"O seleiro estava possuído de paz, de terna tristeza; ia ver a lua por cima das cajazeiras banhando de leite as várzeas do Coronel Lula de Holanda. Foi andando de estrada afora, queria estar só, sentir tudo só. A noite convidava-o para andar" (RÊGO, 1969: 26).
O espaço criado é o de uma sociedade que já havia visto riqueza, mas que testemunhava então, tudo se apagando, sobretudo o ânimo. O narrador segue sem dar sustos, pois, não há mudança brusca de estratégia narrativa, e o fogo é baixo, já quase nenhum. O leitor sente esse apagamento: seria proposital. O que denuncia que aquela sociedade esmorecia, além do apagamento do Engenho de Santa Fé, é uma figura conhecida como Coronel Lula. Ele insiste em portar-se de maneira a sugerir que ainda estava tudo bem, mas a verdade é que: "As safras do Santa Fé não davam mais de cem pães". (RÊGO, 1969: 30).
São dois romances contando histórias de pessoas. E nestes romances acontece o desvencilhar da ditadura de um único cenário para as histórias regionais. O leitor não encontrará aquela palmeira que soa unívoca nas tramas narrativas de até então. Ocorreria a identidade geográfica através da caracterização do espaço:
"A sombra que de repente escurece, já não é a da mata. A umidade, as árvores gigantescas e o cheiro da terra molhada põem o instinto na defesa. Há sempre uma ameaça atrás da vegetação cerrada". (FILHO, 1997: 40).
Em Corpo Vivo Cajango ama Malva, amor de jagunço. Ele não sabe bem como amar, mas ama e decide ficar com ela. Malva é uma planta medicinal, que segundo os índios, curaria dentre outras coisas o nervosismo, a ansiedade, a insônia. Talvez ela fosse a única cura viável para a angústia do mais íntimo de sua alma deste homem: Malva abraçaria a sua dor e renovaria a sua vida.
Cajango manda João Caio, um dos seus, ir buscá-la em Itabuna e levá-la para perto dele: "É mais um entre os seus pertences. O rifle, a mulher, a cartucheira, a faca. (FILHO, 1997: 01)". Por causa de tal decisão matará Inuri, pois, este, é contra a idéia de Cajango arrastar uma mulher com ele: seria ainda mais perigoso. E tudo acontece por entre as brenhas de matas sul baianas, onde, Cajango acredita que com Malva: "Descobrirão cavernas, examinarão os fossos, encontrarão o ninho". (FILHO, 1997: 134). Mestre José Amaro de Fogo Morto faz o caminho inverso ao de Cajango e Malva. Em vez de vida, busca a morte: suicida-se. Feito como quem procura apagar definitivamente uma chama que já não surte mais efeito. Apaga-se, como se apaga também o Engenho Santa Fé: "_ E o Santa Fé, quando bota Passarinho? _ Capitão, não bota mais, está de fogo morto".
Pensamos que conseguimos aludir o que propomos, usando de referências que nos levam a perceber que tanto Adonias Filho, quanto José Lins do Rêgo constroem espaços para a realização da construção de identidade dos regionalismos. Dessa forma, estes autores sugerem influenciar na percepção que ocorre entre o velho, e o novo regionalismo.
BIBLIOGRAFIA

FILHO, Adonias. Corpo Vivo. 27ª Ed. ? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

RÊGO, José Lins do. Fogo Morto. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.