OS EFEITOS DA ANOTAÇÃO INDEVIDA NOS SISTEMAS PROTEÇÃO AO CRÉDITO E A EXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO LEGÍTIMA ANTERIOR[1]

 

Júlio Ferreira

Yure Rezek[2]

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DOS TÍTULOS DE CRÉDITO; 2. CONSEQUÊNCIAS DA ANOTAÇÃO DEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO; 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA INSCRIÇÃO INDEVIDA DE TÍTULO DE CRÉDITO NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO; 4. RELAÇÃO ENTRE A INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ORGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E A INSCRIÇÃO LEGÍTIMA ANTERIOR; Conclusão; Referência Bibliográfica.

 

RESUMO

O presente paper busca explorar as principais questões e características que envolvem a Teoria Geral dos Títulos de Crédito levando em consideração a responsabilidade civil pela inscrição indevida de título de crédito nos sistemas de proteção de crédito.

PALAVRAS-CHAVE

Títulos de Crédito; Responsabilidade Civil; Sistemas de Proteção de Crédito.

INTRODUÇÃO

A vida econômica moderna seria incompreensível com a ausência dos títulos de crédito. O crédito surgiu para facilitar a vida das pessoas, possibilitando que às obrigações de ordem financeira, tornassem as transações mais rápidas e mais amplas, principalmente pela possibilidade de uma pessoa gozar, hoje, de dinheiro cujo pagamento será feito posteriormente.

Os títulos de créditos nasceram para beneficiar pessoas, entretanto estas também possuem deveres. Aquele que se utiliza de titulo de crédito como formas de pagamento deve cumprir suas obrigações de acordo com normas vigentes, sob pena de responder civilmente, ou até penalmente, pelas condutas ilícitas.

Apesar dos benefícios trazidos pelos títulos de crédito, seu uso irresponsável motivou um excessivo número de inadimplentes, houve a necessidade de criação de órgãos como o SPC (serviço de proteção ao crédito) para cadastrar os dados destas pessoas, gerando inúmeras consequências. O sujeito que é cadastrado nos órgão de proteção ao crédito, tanto devidamente quanto indevidamente, sofre efeitos dessa inclusão, tal cadastro reflete em vários segmentos da vida, mas principalmente o que tange o lado econômico-social.

 

1. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

Os títulos de creditos foram criados para substituir o dinheiro em espécie. O termo título de credito diz respeito ao documento representativo de um crédito, ato de fé, confiança do credor de que irá receber uma prestação futura a ele devida. Os elementos fundamentais para se configurar o crédito decorrem da noção de confiança e tempo. A confiança é necessária, pois o crédito se assegura numa promessa de pagamento, enquanto a temporalidade é fundamental, visto que se subentende que o sentido do crédito é, justamente, o pagamento futuro combinado, pois se fosse à vista, perderia a ideia de utilização para devolução posterior. (MATOS; SIQUEIRA, 2010)

Verifica-se que os títulos de crédito gozam de duas características principais, quais sejam, a negociabilidade e a executividade. A negociabilidade diz respeito à facilidade com que o crédito pode circular, ou seja, à mobilização imediata de seu valor. Por isso, que quando se emite titulo de crédito, não está fazendo promessa de pagamento dirigida exclusivamente ao beneficiário original, mas para pessoa indeterminada. A executividade, por sua vez, relaciona-se com a cobrança do título. O art. 585 do CPC diz que os títulos de crédito são títulos executivos extrajudiciais. (GONÇALVES, 2011, p. 10)

A partir do conceito de Cesare Vivante, (VIVANTE apud GONÇALVES, 2011, p. 11) no qual o titulo de crédito constitui documentos necessários para o exercício de um direito literal e autônomo, nele mencionado extraímos três requisitos fundamentais dos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia.

Para Vitor Gonçalves (2011, p. 11) a cartularidade expressa à materialização do direito no titulo, documento ou cártula. Distingue a obrigação cartular de outra estranha ao documento, isto é, quando determinada obrigação gera a emissão de um título, verifica-se que, enquanto documento ou cártula corporifica o direito a um crédito, a obrigação que a ele deu origem torna-se uma relação extracartular. Segundo Amador Paes de Almeida (2007, p. 5) em razão da cartularidade, titulo e direito se confundem, tornando imprescindível o documento para o exercício do direito que nele se contém. Portanto, é evidente que o credor não pode pleitear o recebimento de seu crédito sem estar de posse do título.

Os títulos de crédito também são literais na medida em que só terá validade naquilo que estiver expresso diretamente no título. E também são autônomos, pois cada um dos intervenientes assume obrigação relativa ao título. (ALMEIDA, 2007, p. 3-4)

Vitor Gonçalves (2011, p. 13), acrescenta que o título é autônomo na medida em que torna o portador da cártula titular de um direito autônomo em relação ao direito que tinha seus predecessores. O que efetivamente circula é o titulo e não o direito abstrato que nele se contém, ou seja, o possuidor exerce direito próprio que não se vinculas às relações entre os possuidores anteriores e o devedor. Podemos concluir que não poderão ser opostas ao portador de boa fé as exceções pessoas referentes ao credor originário, veja que se uma das obrigações representadas pelos títulos for considerada nula ou anulável, tal defeito não poderá influir na validade e eficácia das obrigações a ela subsequente.

2. CONSEQUÊNCIAS DA ANOTAÇÃO DEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO

Aquele que se utiliza de titulo de crédito, ou qualquer outra forma de pagamento, para sanar uma dívida, mas não honra com sua obrigação, estará sujeito a ter seu nome registrado nos cadastros de proteção ao crédito. As consequências da anotação devida nesses órgãos de proteção estão diretamente ligadas à falta de pagamento, de modo que o sujeito será negativado, impossibilitando-o de realizar determinadas atividades, principalmente econômicas, comuns na vida cotidiana.      

As primeiras consequências são que o devedor não terá mais crédito no mercado, geralmente é barrado ou proibido de tentar novo financiamento, a abrir conta em bancos, ter talão de cheque ou cartão de crédito. A pessoa negativada não realizará compras com boletos e muito menos com cheques. Tais sanções acontecem, pois é uma forma de evitar que o mercado perca seu equilibro natural. Os órgãos de proteção ao crédito exercem importante função social e econômica, surgiram justamente para não deixar que pessoas já negativadas aumentassem suas dívidas, funcionando como obstáculos para os endividados.

Outras consequências, cada vez mais constantes, são verificadas no momento da contratação de pessoas por grandes empresas. Algumas delas usam como critério de seleção a “fama de bom pagador”, pois a pessoa que possui o nome inserido no cadastro de proteção ao crédito reflete a ideia de irresponsabilidade, de não cumprimento de suas obrigações, além de que o nome negativado poderá ser vinculado ao nome da empresa, tornando-a duvidosa. Contudo, há quem diga que esta proibição pelas empresas é uma conduta inconstitucional e discriminatória, contrariando princípios da Carta Magna.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA INSCRIÇÃO INDEVIDA DE TÍTULO DE CRÉDITO NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO

O principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito. Ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o direito, reprime a conduta daquele que o contraria. (DANTAS apud CAVALIERI FILHO, 2011, p. 1)

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano e, eventualmente, indenizar o prejuízo. Aqui entra a noção de responsabilidade civil, pois em seu sentido etimológico exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação, e no seu sentido jurídico designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Assim, a função da responsabilidade civil seria o anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo, inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima de modo que há uma necessidade fundamental de restabelecer esse equilíbrio, recolocando o prejudicado à situação anterior a lesão. (CAVALIERI FILHO, p. 2, 13, 2008).

Visto que o ato ilícito é o fato gerador da responsabilidade civil, e responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico, a inscrição indevida de título de crédito nos órgãos de proteção ao crédito, tornando a pessoa negativada, é um ato ilícito, é passível de responsabilidade civil. Portanto, aquele que se utiliza de um título de crédito, como cheque, cartão de crédito, etc para efetuar o pagamento de uma dívida, extinguindo a sua obrigação legalmente, mas indevidamente é inserido no sistema de proteção ao crédito, poderá reivindicar seus direitos, isto é, responsabilizar civilmente o agente causador da lesão buscando uma indenização proporcional ao dano sofrido.

Os órgãos de proteção ao crédito prestam um serviço muito importante para o comércio em geral, e por consequência, para a economia do país.  O SPC (serviço de proteção ao crédito) e Serasa, por exemplo, são empresas prestadoras de serviços de informações de crédito, cuja função é armazenar dados negativos informados pelos diversos órgãos, instituições financeiras, estabelecimentos comerciais, prestadores e serviços e outros diversos segmentos da economia. No banco de dados do SPC e Serasa estão registradas as informações de dívidas vencidas, ainda que o cidadão não tenha sido protestado ou sofrido cobrança judicial. O não-pagamento de título de crédito, título que representa dívida líquida e certa (cheque, nota promissória, letra de câmbio, etc.), e outros documentos de dívida, dá direito ao credor de cobrar, isto é, receber o pagamento ou indicar o nome do devedor aos bancos de dados de proteção ao crédito, ou protestar o título de crédito não pago e até mesmo cobrar na Justiça, por meio de ação de execução, ação ordinária de cobrança e ação monitória. No entanto, existem direitos e obrigações para ambos os lados. Os credores juntamente com os bancos de dados e cadastros de consumidores devem obedecer ao Código de Defesa do Consumidor, à Constituição Federal e às leis específicas.

O fornecedor, o comerciante, o banco, enfim, o credor que indica e registra nome e CPF, endereço, valor, tipo e data de vencimento de eventual dívida do devedor, fazendo o registro negativo e incluindo indevidamente o nome do consumidor nos órgão de proteção, ou mantendo a restrição além do prazo legal de 5 (cinco) anos, ou quando a dívida já foi quitada, ou porque obteve de outro banco de dado a informação restritiva incorreta, responderá pelo ato ilícito sofrendo as devidas sanções. O consumidor vítima dos erros e abusos poderá responsabilizar civilmente, na Justiça, esses bancos de dados, eventualmente a empresa bancária, bem como e os empresários vendedores. A má prestação e mau funcionamento de serviço, tais como: registros irregulares, inexatos, desatualizados, falsos, afrontam direitos fundamentais da Constituição Federal, como a privacidade, a honra, a dignidade da pessoa humana, bem como viola regras do CDC.

Segundo Leonardo de Medeiros Garcia (p. 264, 2009) são direitos do consumidor garantidos pelo CDC: acesso aos dados contidos nos bancos; o direito de exigir a retificação das informações, o direito de ser comunicado previamente da inclusão de seu nome, o direito de saber sobre o conteúdo do registro, o direito de cancelar registros irregulares; e o direito à reparação econômica (indenização pelos danos materiais e morais, se houver)

Sobre o direito de acesso, o caput do artigo 43 do CDC é expresso ao obrigar os órgãos responsáveis pelo armazenamento dos dados e dos cadastros a fornecer aos consumidores, quando solicitadas, todas as informações arquivadas, assim como, a respectiva fonte. O acesso deve ser imediato, devendo ser fornecido logo após o requerimento do consumidor. A importância do acesso é de notável relevância, pois havendo qualquer irregularidade, o consumidor tem meios para solicitar a retificação (direito de retificação). Aquele que recusa ou impõe dificuldades no fornecimento de informações, ou não procede à retificação, além de responder civilmente, também responderá penalmente nos moldes do artigo 72 e 73 do CDC. (GARCIA, 2009, p. 268)

O art. 43 § 2º do CDC, por sua vez, reza que o consumidor tem o direito de ser comunicado acerca de qualquer registro ao seu respeito, o que configura uma obrigação a ser observada pelos órgãos de proteção ao crédito. Os prestadores de serviço de proteção ao crédito, bancos de dados e cadastro de consumidores têm a obrigação de comunicar por escrito ao consumidor acerca de eventuais débitos porventura existentes em se nome, de forma prévia, sendo-lhe dado prazo plausível que o permita fazer uma defesa prévia evitando sua inclusão, quando indevida, em ditos cadastros. A não observância desse preceito sujeitará o infrator à reparação integral dos danos suportados indevidamente pelo consumidor lesado através de sua indenização pelos danos morais e materiais ocorridos. (BATISTA, 2009)

A doutrina consumerista entende que a responsabilidade pela falta de notificação prévia é solidária entre o órgão responsável pelo banco de dados e o fornecedor. Todavia, o STJ considerou que a comunicação ao consumidor sobre a inscrição nos registros de proteção ao crédito é obrigação do órgão responsável pela manutenção do cadastro, e não do credor - fornecedor. (GARCIA, 2009, p. 270)

“A turma decidiu que cabe exclusivamente à Serasa a responsabilidade pela indenização por danos morais, pela ausência de comunicação ao devedor, pessoa natural ou jurídica, de inscrição em seus cadastros (CDC, art. 43, § 2º), qualquer que seja o fato daí decorrente, por ação ou omissão. No caso, o banco credor não constitui parte legítima passiva, pelos atos da administração do cadastro, em razão de lançamento de débito em cartão de crédito cancelado um mês antes.” (STJ, REsp595.170-SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em 16/11/2004, Informativo 229)

Tal entendimento legal ganhou um forte reforço com a edição da Súmula nº 359 pelo STJ, pois diz que cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.

A responsabilidade pela retirada do nome do consumidor do cadastro, quando quitada à dívida, é do fornecedor. Assim, pagado o débito que gerou a negativação no banco de dados, deve o fornecedor providenciar imediatamente a retirada da inscrição do nome do consumidor, sob pena sanção. (GARCIA, 2009, p. 270)

“Consoante entendimento firmado nesta Corte, cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem por omissão, lesão moral, passível de indenização” (STJ, REsp 777004/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 06/03/2006)

É também responsabilidade do fornecedor a inscrição indevida nos órgão de proteção ao crédito, ou seja, nos casos em que o nome do consumidor não poderia estar escrito, seja porque não está inadimplente, seja porque não foi responsável pelo débito, o STJ, deixando de lado a ideia de solidariedade entre fornecedor e orgão de proteção, vem se inclinando a admitir que apenas o fornecedor seja responsável. (GARCIA, 2009, p. 270)

“Reconhecida a responsabilidade exclusiva da empresa pela inclusão injustificada do nome da autora em cadastro negativo de crédito, caracterizadora do dano moral, a esta cabe a legitimidade passiva para a demanda e não à associação mantenedora do serviço de proteção ao crédito” (STJ, Resp. 748561/RS. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 18/09/2006)

Enfim, as consequências do registro indevido de pessoa física podem ser elencadas da seguinte maneira: a) exposição do consumidor ao ridículo, por uma dívida inexistente; b) Constrangimento do mesmo perante as pessoas presentes ao fato; c) Informações desabonadoras da índole da pessoa do consumidor; d) Restrição, bloqueio, impedimento ao acesso de novo crédito; e) Cobrança indevida de dívida. E, uma das soluções para tal ato ilícito, para ao indevido registro nos órgãos de proteção ao crédito, seria buscar uma indenização por danos morais, pois é uma forma de compensar a lesão inicialmente sofrida. (SOUZA JUNIOR, 2010, p. 27)

O Código Civil em seu art. 186 prevê que: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O art. 927 do mesmo Código diz que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.  Deste modo, a pessoa lesada, com base na responsabilidade Civil, na premissa de onde houver dano necessariamente este devera ser reparado, deverá utiliza-se de suas prerrogativas e buscar seus direitos.

4. RELAÇÃO ENTRE A INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ORGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E A INSCRIÇÃO LEGÍTIMA ANTERIOR

Os chamados bancos de dados (SPC’s, SERASA, etc.) desempenham papel de elevada importância dentro do mercado financeiro, mormente na qualidade de informadores da situação cadastral dos envolvidos em uma relação de consumo, tanto de consumidores como de fornecedores, nos termos dos já citados art. 43 e seguintes do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Ocorre que esses bancos de dados, como parte da administração pública, ao atuar na prestação desses serviços, abrangidos que são pelo CDC, têm a obrigação de prestá-los de forma adequada, eficiente e segura, sob pena de incorrer em dano ao consumidor passível de reparação civil.

Luis Henrique Herrera (2009) Trabalha com a seguinte hipótese: "A" tem um débito com "B" e, em razão de seu inadimplemento, ocorre a anotação de seu nome no cadastro de proteção ao crédito, respeitada a formalidade de notificação prévia (CDC, art. 43, §2º). Num segundo momento, "A" tem um débito com "C", e a anotação é efetivada, sem prévia comunicação do inadimplemento pelo órgão de proteção ao crédito. Ocorre que "A" nada deve; possui todos os comprovantes de pagamento. Assim, sem prévia notificação, à luz do Código de Defesa do Consumidor, ocorrerá irregularidade do registro. Resultado: "A" acaba de ter seu nome anotado indevidamente; não teve possibilidade de justificar-se antes do apontamento, nem mesmo de efetuar o pagamento, caso devido. Diante disso, qual a relação da inscrição indevida e a inscrição legítima anterior na caracterização do ato ilícito e, consequentemente, da possibilidade de indenização?

Há quem diga que Quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do nome como inadimplente em cadastros de serviços de proteção ao crédito. Com esse entendimento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a súmula de número 385, impedindo pagamento de indenização por danos morais àqueles que reclamam na Justiça a reparação pela inscrição do nome em bancos de dados.

Súmula 385: "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento".

Portanto, a reiteração da conduta desabonadora impede que o agente seja indenizado, mesmo que tenha as anotações no sistema de proteção ao crédito tenham sido realizadas sem a prévia notificação deste. Ou seja, mesmo que tenha sido desrespeitado o teor do artigo 43 , parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor , que traz a seguinte disposição: CDC , Art. 43 . "O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. Segundo o relator, Ministro Ari Pargendler (REsp 1.004.833-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 19/8/2008), não é possível presumir que o consumidor tenha experimentado com a inscrição indevida qualquer sentimento vexatório ou humilhante anormal, porque a situação não lhe seria incomum.

Embora a Súmula seja clara no sentido de que "não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição", existem doutrinadores que se posicionam contrariamente, defendendo que o ato ilícito não se torna lícito quando preexistente legítima inscriçãocontinua ilícito. Para Luiz Henrique Herrera (2009) a súmula, além de incompatível com a tendência jurisprudencial do STJ e do STF, tutela a prática de anotações irregulares, viola o CDC e “fecha os olhos” para a moral individual, tornando-a indolor como regra.

A Súmula nº 385 do STJ, não encontra correspondência ao que enunciado nos artigos 186, 187, 188 e 927 do Código Civil, nem mesmo no art. 42, parágrafo Segundo do Código de Defesa do Consumidor. Primeiro: toda anotação irregular (ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência) viola direito e causa dano a outrem, constituindo-se, pois, ato ilícito (CC, art. 186). Segundo: toda anotação irregular constitui abuso de direito, uma vez que o ato negligente (CC, art. 187), viola os bons costumes e a boa-fé. Terceiro: por ser irregular o apontamento restritivo de crédito, nem há de se falar em exercício regular de um direito reconhecido (CC, art. 188, inciso I), tendo em vista a clara violação do disposto no art. 42, parágrafo segundo do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, é possível concluir que o fato de preexistir legítima inscrição em cadastro de proteção ao crédito, não torna a posterior anotação irregular ato lícito. (HERRERA, 2009)

Na busca de uma solução adequada para tal divergência, o STF posiciona-se afirmando que a Súmula nº 385 do Superior Tribunal de Justiça, diverge da tendência do próprio tribunal e do STF, uma vez que subtrai o caráter educativo do dano moral na hipótese do verbete. Ou seja, se por um lado a Súmula ratifica posicionamento de que não há abalo moral quando preexistente anotação regular, de outra banda, nega o caráter punitivo dos danos morais reinante nas decisões.

 

 

CONCLUSÃO

 

Os títulos de crédito surgiram é prol da sociedade, mas devem ser utilizados de maneira consciente, de forma responsável, cumprindo as normas legais, pois o não cumprimento do pagamento de um cheque, por exemplo, gera consequências que podem refletir em todo segmentos da vida em sociedade.

Em suma, a falta de pagamento dá ensejo a negativação do nome do sujeito, de forma que este será cadastrado nos órgãos de proteção ao crédito, impossibilitando-o de realizar tarefas rotineiras, contudo se a negativação mostra-se abusiva, contrária às normas do CDC, existe a possibilidade de responsabilização civil daquele que forneceu os dados para negativação, e também do próprio órgão que efetua o cadastro.

Os atos ilícitos, os danos causados a outrem, devem ser reparados. Apesar da divergência quanto a determinados casos concretos, o dever de reparação, de indenização, estão previstos no ordenamento jurídico pátrio, portanto, devem ser cumpridos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALMEIDA, Amador Paes. Teoria e prática dos títulos de crédito. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BATISTA, Thales Pontes. Responsabilidade civil dos órgãos de proteção ao crédito à luz do Código de Defesa do Consumidor e legislação correlata, além da posição doutrinária e jurisprudencial hodiernas sobre o assunto, inclusive estudo acerca da recente Súmula 359-STJ. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5868>. Acesso em 5 nov 2012.

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BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp n° 748561/RS. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, Brasília, DJ 18 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em: 5 de nov 2012.

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CAVALIERE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.


GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Títulos de Créditos e Contratos Mercantis. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

HERRERA, Luiz Henrique. Súmula nº 385 do STJ: a supressão do abalo moral e a derrocada do dano moral punitivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14n. 219030 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13070>. Acesso em: 5 nov. 2012.

MATOS, Joana Sarmento de; SIQUEIRA, Alessandro Marques de. A inoponibilidade das exceções pessoais e os títulos de crédito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15n. 266518 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17621>. Acesso em: 4 nov. 2012.
 



[1] Paper desenvolvido como requisito para aprovação da disciplina Títulos de Crédito ministrado pelo Prof. Humberto Oliveira

2 Acadêmicos do 5º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.