OS EFEITOS DA ANOTAÇÃO INDEVIDA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E A EXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO LEGÍTIMA ANTERIOR Bruna Portela Teles Pessoa Camila Maria e Silva Costa José Humberto Oliveira SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Títulos de crédito: das características em geral; 3. Cadastros legítimos nos sistemas de proteção ao crédito; 4. A anotação indevida nos sistemas de proteção ao crédito; 5. Da anotação indevida na existência de inscrição legítima anterior; 5. Anexo; 6. Considerações finais; Referências. RESUMO Serão abordadas as questões gerais em relação aos títulos de crédito, bem como a obrigação do emitente na criação do título. Ademais, será feita uma análise do que são esses sistemas de proteção o crédito e as possíveis soluções, consequências e efeitos desse ato. Será apresentada a questão da responsabilidade civil, assim como a incidência de dano moral para aquele cujo nome fora negativado. Em seguida, análise sobre a possibilidade da responsabilidade civil e dano moral, quando alguém já possui cadastro legítimo no sistema de proteção ao crédito e ocorre uma reinscrição, porém, indevida. PALAVRAS-CHAVE Títulos de crédito. Sistemas de proteção ao crédito. Inscrição ilegítima. Responsabilidade civil. Dano moral. INTRODUÇÃO Primeiramente, serão abordadas as características gerais dos títulos de crédito, a fim de possibilitar uma melhor introdução ao conteúdo do trabalho e dos institutos cambiários, apresentando seus pressupostos e critérios de validade, bem como a obrigação do emitente na criação do título. Posteriormente, será feita uma análise do que são esses sistemas de proteção ao crédito, bem como a sua finalidade e as hipóteses em que alguém pode ter seu nome submetido a esse tipo de cadastro. O presente trabalho explanará acerca da responsabilidade civil e do dano moral, questões basilares para a discussão a ser tratada. Serão apresentadas as consequências que insurgirão para a parte que anotou o nome de outrem indevidamente nesses sistemas, à luz do artigo 927 do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, os quais regulam as relações e estabelecem os efeitos desse ato, qual seja a implicação em uma responsabilidade civil, assim como a existência de um dano moral, àquele que cometeu o ilícito de cadastrar o nome de outrem de forma indevida. Entretanto, há casos em que o indivíduo já constava em cadastro preexistente de forma legítima quando teve seu nome negativado novamente, mas, dessa vez, de forma indevida. Nesse caso, há que se falar em dano moral? A abordagem, que constitui a essência do trabalho, terá direcionamento jurisprudencial e por base a sumula nº 385 do Supremo Tribunal de Justiça, a qual preceitua que não há o dano moral na inscrição ilegítima quando da existência de anotação devida anterior. 1. TÍTULOS DE CRÉDITO: DAS CARACTERÍSTICAS EM GERAL O título de crédito é um documento que materializa a promessa de pagamento da prestação futura realizada pelo devedor ao credor, está existente na sociedade há séculos, por caracterizar a representação do documento que garantia a substituição de grandes quantidades de bens, por um pequeno papel, antes chamado de cártula. Então, uma pessoa poderia realizar uma grande viagem portando consigo a cártula, exigindo dinheiro ou os bens no lugar de seu destino. Título, portanto, será o documento que inscreve o crédito de alguém a algo, pondo-o como titular dessa quota. Cesare Vivante (1934) descreve títulos de crédito como “i documenti necessari per l'esercizio di um diritto in esso letterale e autonomo.” , remetendo ao disposto pelo Código Civil Brasileiro em seu art. 888, o qual dispõe que o título de crédito constitui-se como documento apto ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, propenso a produzir efeitos quando os requisitos da lei forem devidamente preenchidos. Fran Martins (2001, p. 5) afirma que o conceito do autor supracitado é perfeitamente completo, devendo o título ser exteriorizado na forma de documento, ou seja, algo material e palpável, não na forma oral, mas escrito. Tal documento é necessário para que seja possível exigir os direitos dele decorrentes, isto é, o documento é indispensável para o exercício dos direitos. A expressão “nele mencionados” se deve ao fato de que o documento deve especificar quais os direitos que envolvem o título e a expressão “literal e autônomo” significa dizer que apenas o que está expresso no título será válido e que cada pessoa está contraindo uma obrigação autônoma, independente de realizações passadas. O ramo de normas que regem os títulos de crédito denomina-se direito cambiário, em que as obrigações estabelecidas podem apresentar origem cambial e extra-cambial. O documento do título de crédito possui segurança e circulação ágil, tornando-se meio propício à circulação de riquezas; este também representa o direito ao crédito, apresentando autonomia na relação jurídica em que o mesmo está sendo utilizado, possibilitando assim, sua livre transferência de um credor ao outro, ora por tradição, ou por endosso, que consiste na permissão de possuidor em favorecimento de outro. (ALMEIDA, 2007). Aquele que emite um título de crédito é o emitente, este assume a obrigação para com a dívida advinda do instrumento, ou seja, esta declarando que deve alguém, assim como que compromete-se a pagar. O Código de Processo Civil determina a executividade do título, sendo dos títulos aludidos pelo código, o que apresenta maior liquidez e certeza, além de expressar-se como um documento que goza de eficiência em sua cobrança, por tratar-se de títulos executivos extrajudiciais, de acordo com o art. 585, I, do CPC. Há três requisitos fundamentais do título de crédito, os quais funcionam como instrumento para a circulação dos direitos, quais sejam: abstração, literalidade e autonomia. O primeiro diz respeito ao fato de que os direitos oriundos do título de crédito são abstratos, ou seja, são independentes ao negócio jurídico que deu ensejo à criação do título. Na literalidade, embasa-se na linguagem utilizada para redigir o documento, então, o título irá valer pelo que está contido nele. E a autonomia, refere- se aos sujeitos envolvidos, pois quando se classifica um título como autônomo, está sendo representada a independência das obrigações assumidas pelos sujeitos da relação jurídica. (MARTINS, 2001, p. 7-10) Negociabilidade: facilidade com que o crédito pode circular. Quando alguém emite um título de crédito, não está fazendo uma promessa de pagamento dirigida exclusivamente ao beneficiário original, mas para pessoa indeterminada que, na data do vencimento, esteja com a posse do título. Executividade: os títulos gozam de maior eficiência em sua cobrança. São títulos executivos extrajudiciais (art. 585, I, do Código de Processo Civil Brasileiro). Basta, pois, sua apresentação em Juízo para que se dê início ao processo de execução (cobrança), ficando dispensada a prévia ação de conhecimento. (ALMEIDA; GONÇALVES, 2009). Por fim, cabe frisar o disposto no art. 889 CC, que elenca os requisitos essenciais que irão validar o título de crédito: “Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente”. Com relação à data da emissão – dia, mês em extenso, ano -, títulos típicos, tais como, letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata não considera data de emissão requisito essencial, podendo o portador, inseri-la a qualquer momento, porém, para os títulos atípicos, apenas após a inserção da data, o documento será considerado título de crédito. O emitente deverá assinar o título, visto que é o seu criador, e necessariamente será capaz para arcar com a obrigação, caso seja incapaz e “outra pessoa lançar a sua assinatura no título, ficará esta última obrigada perante o portador, pela obrigação de pagar o respectivo valor constante do documento”. (MIRANDA, 2009) O segundo requisito – “indicação precisa dos direitos que confere” – é entendido por Miranda (2009): Em primeiro lugar seria o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada. É necessário que no título esteja especificado o montante da importância a ser paga, de modo que se saiba exatamente o valor total que o título representa. Não é permitido que conste no título um valor indeterminado, mas sim o valor exato do montante da importância que deverá ser paga pelo devedor. Em seguida deverá conter o nome daquele que deve pagar, o devedor, que poderá ser qualquer pessoa, física ou jurídica. Há ainda um elemento preponderante para a existência do título de crédito, o formalismo; sem ele os demais princípios que envolvem os títulos não terão eficácia. A autonomia, a literalidade e a abstração apenas serão correspondidas se o documento estiver devidamente formalizado, respeitando as formalidades exigidas por lei para que tenham o valor de um título. (MARTINS, 2001, p. 11) 2. CADASTROS LEGÍTIMOS NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO Antigamente, os negócios eram feitos de forma simplória, pautados na confiança, sem garantia nenhuma às partes da relação, razão pela qual os índices de inadimplemento se tornaram cada vez maiores e incisivos. Surgiu então a necessidade de um instituto que trouxesse segurança a ambos os pólos da relação, à medida que fosse possível reconhecer a quem se vendia, por exemplo. (SOUZA JR., 2010, p. 18) João Fernando Fank e Eduardo Schmidt Jobim (2008), em artigo publicado na Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, definem os sistemas de proteção ao crédito: Consiste em um banco de dados privado, em que constam informações de crédito, com caráter público. É organizado geralmente pelas câmaras dirigentes lojistas, associações comerciais ou outras entidades que representam comerciantes e empresários, que trocam informações relativas a todo o território nacional por meio de um sistema chamado RENIC (Rede Nacional de Informações Comerciais). Tais sistemas têm como finalidade a celeridade e fornecimento de segurança aos comerciantes e empresários, sempre no intuito de proteger as chamadas “transações comerciais”, armazenando os dados de pessoas inadimplentes e fornecendo-os àqueles que são seus associados. Estes órgãos se submetem ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e suas inscrições são oriundas de dívidas de caráter comercial, em que as pessoas cadastradas têm livre acesso às causas que ensejaram a sua negativação. (FANK; JOBIM, 2008) Os órgãos são vinculados às empresas, as quais realizam um “cadastro de compromisso”, pagando mensalidade para a garantia do direito a um pacote de consultas, por CPF, por nome, por protesto, etc., fica a critério do lojista. Após a adesão, as consultas poderão ser feitas por telefone ou via internet, através da senha pessoal de cada comerciante. A qualidade da prestação desse serviço é garantida por uma informatização e telefonia altamente avançados e funcionários bem capacitados e instruídos para atender os clientes e consumidores da melhor maneira possível. Por meio dessas consultas, os comerciantes podem assegurar uma venda segura, à medida que saberá se aquele consumidor tem um precedente positivo e se pode confiar no mesmo. Dessa forma, se o consumidor foi inadimplente em relação à quitação de dívida perante o empreendimento após 30 dias da data de vencimento, poderá ter seu nome cadastrado nesses sistemas. O registro a ser enviado pelo estabelecimento ao órgão de proteção deverá conter todos os dados do consumidor, como nome, CPF, endereço, telefone, valor do débito, número do contrato, assinatura do lojista, etc. Ao chegarem ao destinatário, serão protocoladas, expedidas em uma segunda via e está será enviada de volta àquele. O último passo é o cadastramento, feito por um funcionário cuja exclusiva tarefa é digitar estes registros, a partir desse momento o consumidor terá seu nome negativado. (SOUZA JR., 2010, p. 20) Imperioso ressaltar que, como as consultas poderão ser realizadas a qualquer momento, o sistema de proteção deverá primar pelo bem estar do consumidor, apesar de inadimplente, garantindo a ele um sigilo em relação a seus dados e situação perante o órgão, evitando o seu constrangimento. (FANK; JOBIM, 2008, p. 2) É o que prevê o artigo 42 do Código de Processo Civil: “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”. 3. DA ANOTAÇÃO INDEVIDA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO Nos dias atuais, é crescente o número de cadastros indevidos de pessoas nos chamados Sistemas de Proteção ao Crédito, decorrentes de displicência ou má-fé daqueles responsáveis por essa tarefa. Segundo Souza Jr., (2010, p. 21-25), há 6 fatores que podem dar causa à essa ilegítima inscrição, tais quais: a) alteração da data de vencimento pelo lojista; b) pagamento à vista de um produto; c) prazo inválido para negativação do órgão de proteção; d) débito não caracterizado em razão de dívida inexistente; e) troca de fichas pelo lojista ou pela recepção do sistema de proteção; f) erro de digitação. Expliquemos cada um deles. Os estabelecimentos comerciais comumente alteram as datas de vencimento do débito do consumidor, o qual já tem o seu nome cadastrado no sistema de proteção. Isso se explica pelo que se chama de prazo prescricional de 5 anos, em que o registro deve ser anulado após esse período, consoante o artigo 43 §1º e §5º do Código de Defesa do Consumidor. (SOUZA JR., 2010, p. 21) Pessoas que fazem suas compras à vista também podem ter seus nomes anotados indevidamente, sem sequer terem registro anterior, em razão do descuido dos lojistas, os quais negativam o consumidor cujo débito foi quitado no momento da realização da compra. (SOUZA JR., 2010, p. 22) Outra causa é que há um limite mínimo de 30 dias após o vencimento do débito para que se efetue o cadastro, resultante de uma “política de relacionamento de empresa”, no entanto, é perceptível, em muitos casos, que esse prazo não tem sido respeitado e a consequência disso é que os consumidores têm, cada vez mais, sofrido os efeitos da negativação. (SOUZA JR., 2010, p. 23) Há também casos em que consumidores sequer tenham constituído um negócio jurídico com o estabelecimento comercial ou que há um longo tempo não consomem nada e, ainda assim, têm seus nomes cadastrados nos órgãos de proteção. Nesse caso, não houve débito algum e, por consequência, não há obrigação alguma por parte do consumidor, mas, mais uma vez, o comerciante, por negligência, cometeu o ato ilícito. (SOUZA JR., 2010, p. 24) O cadastro ilegítimo muitas vezes ocorre por culpa do próprio órgão, no manuseamento de suas fichas, tendo em vista a existência de duas delas (uma para o cadastramento e outra para o cancelamento), o que pode causar confusão por parte do funcionário no momento de cancelar, utilizando-se da ficha de cadastro, por exemplo, assim o consumidor permanecerá como inadimplente. (SOUZA JR., 2010, p. 25) O digitador recebe estas fichas para realizar o cadastramento, momento em que deve ser altamente meticuloso, para que não dê causa a enganos, uma vez que um pequeno erro em relação ao nome, CPF ou RG poderá gerar a negativação de outro consumidor, alheio àquela situação. (SOUZA JR., 2010, p. 25) Dessa forma, em decorrência de tantos erros e equívocos, a anotação indevida poderá causar danos morais imensuráveis a uma pessoa e consequentemente uma responsabilidade civil para aquele que o causou. Para Maria Helena Diniz (2006, p. 88), “o dano moral constitui a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica”. Reforçando o conceito anterior, Wilson Melo da Silva (apud, RODRIGUES, 2011, p. 188) afirma que o dano moral representa “lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”. Entende-se, portanto, como sendo um dano sem qualquer consequência patrimonial. Os afetados indiretos e a vítima podem requerer uma reparação pecuniária por conta do dano moral, não em razão de cessar por completo a dor causada pelo dano, mas simplesmente no intuito de amenizar as consequências do prejuízo sofrido por eles. (DINIZ, 2006, p. 90) Segundo Pablo S. Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012 p. 35), imprescindível é a existência de dano para a configuração de responsabilidade civil, uma vez que, sem a existência daquele, esta perderia a sua razão de ser, pois não haveria o que indenizar ou reparar. Pode-se concluir, então, que o “dano é requisito indispensável para a sua configuração, qual seja, sua pedra de toque”. O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. (...) Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa. (CAVALIERI FILHO, apud, GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 36) A priori, toda conduta que desencadear um prejuízo é capaz de gerar a responsabilidade e o dever de indenizar. A expressão ‘responsabilidade’ é cabível em qualquer circunstância em que alguém é obrigado a responder pelas consequências de um “ato, fato ou negócio danoso”. Assim sendo, é possível concluir que qualquer atividade pode ocasionar um dever de indenizar. (VENOSA, 2011, p. 1) Devemos, sobretudo, nos abster dos ensinamentos “egoísticos” advindos da teoria clássica do Direito, tendo em vista que não se trata apenas da afetação do patrimônio em seu viés econômico, mas também envolve a violação de “direitos inatos à condição de homem”, sem se falar em pecuniariedade como essencial. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 37) Há, todavia, uma dificuldade em se aferir o dano moral, uma vez que existem algumas objeções, tais quais: a) a ausência de efeitos duradouros do dano em seu viés meramente moral; b) a dificuldade em comprovar se realmente houve o dano; c) a indeterminação do número de pessoas que serão afetadas por esse dano; d) a não possibilidade de um critério seguro para estabelecer um valor equivalente à extensão do dano; e) o livre poder outorgado ao juiz para estabelecer a quantia justa a compensar o dano, podendo ocasionar uma insegurança jurídica. (RODRIGUES, 2011, p. 190) Segundo Lopes Filho (2006, p. 37), “o princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade civil, é aquele que impõe a quem causa dano a outrem o dever de repará-lo”. Isto conduz ao pensamento de que não se pode causar dano à outra pessoa, caso contrário estará cometendo um ato ilícito e será obrigado a reparar os prejuízos causados. É o que coadunam os artigos 186 e 187 do Código Civil, em que o primeiro estabelece que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; e o segundo constitui que também comete ato ilícito aquele que abusa de um direito, excedendo-se no exercício de um direito. Como consequência, o artigo 927 do referido Código prevê que aquele que comete o ato ilícito de causar dano a outrem tem o dever de indenizar o prejuízo que causou; ressaltando que só haverá o dever de ressarcimento se houver o dano, não apenas o ato ilícito. No que diz respeito à cobrança de dívida já paga, o Código Civil estabelece, em seu artigo 940, que aquele que demandar uma dívida que já foi paga, total ou parcialmente, sem descontar as quantias recebidas, ou cobrar mais do que é devido, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que foi cobrado ou o equivalente ao que exigiu, respectivamente, salvo se houver prescrição. Em se tratando de erro apenas por parte do órgão de proteção ao crédito, a ação deverá envolver apenas este como pólo passivo. Entretanto, se o equívoco for cometido por aquele que anotou indevidamente, formará, junto ao órgão de proteção, a posição de sujeito passivo da ação, haja vista que há uma responsabilidade solidária, prevista no artigo 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor: “havendo mais de um responsável pela causa do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores”. (SOUZA JR., 2010, p. 32) Segundo o artigo 101, I, do CPC, a ação de responsabilidade civil poderá ser proposta no domicílio do autor e não no domicílio daquele que causou o dano, razão pela qual deve-se preservar o que preceitua o artigo 6º, VIII, do referido Código, em relação aos direitos do consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação (...)”. 4. DA ANOTAÇÃO INDEVIDA NA EXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO LEGÍTIMA ANTERIOR Quando toma-se conhecimento sobre a inserção indevida de alguém em sistema de proteção ao crédito, a imagem primária que elucida a mente é a devida indenização acerca do dano moral, pois esta seria a forma jurídica cabível de equiparar a perda do prejuízo causado pelo lapso ocorrido. Sem delongas, cabe ressaltar o Código Civil em seu art. 186 e 927 exaltam o devido reparo àqueles que sofreram dano moral, porém, importa-se lembrar também, sobre as divergências e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o que vem a ser necessariamente um dano moral, ou seja, em quais matrizes este conceito assemelha-se e em quais casos cabe a devida reparação. Para solucionar o caso, a doutrina brasileira, bem como, os atos jurisprudenciais têm entendido de forma taxativa qual o juízo valorativo da admissão de reparação por dano moral, norteado a partir do cadastro indevido em sistemas de proteção ao crédito, mesmo depois do cadastro existir de forma devida, sendo plausível, que análise intrínseca, antes de declarar configurado o dano moral. No entanto, ainda que inexistam parâmetros legais fixados, o melhor critério é o de confiar no arbítrio dos juízes, para a fixação do quantum indenizatório. Afinal, o magistrado, no seu mister diário de julgar e valer-se dos elementos aleatórios que o processo lhe oferece e, ainda, valendo-se do seu bom senso e sentido de equidade, é quem determina o cumprimento da lei, procurando sempre restabelecer o equilíbrio social, rompido pela ação de agentes, na prática dos atos ilícitos”. (SOUZA JR., 2010) A Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça legisla acerca do cadastro indevido: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”, ou seja, o mau pagador é impedido de sentir-se moralmente ofendido, caso tenha seu nome cadastrado de forma indevida, não podendo assim, ser indenizado por danos morais. Sobre ótica divergente, seus defensores elencam que a Súmula 385 estará confrontando-se com o disposto nos artigos 186, 187, 188, e 927 do Código Civil, pois toda e qualquer anotação irregular irá violar o direito e causará dano a outrem, classificando-se como, ato ilícito; e por ser ato ilícito, será negligente e desrespeita os bons costumes e a boa-fé. Este entendimento sustenta, ainda, o debate de que a inscrição irregular, sem o devido cabimento de danos morais, “torna inconsistente a tentativa do Estado em sanar os abusos praticados no comércio, pois é notória a existência de pessoas (físicas ou jurídicas) que solicitam anotação de dívidas ilegítimas”. Ainda sobre a insatisfação referente à súmula, esta seria responsável pelo descaso de instituições financeiras e prestadoras de serviço público, que comumente e indevidamente realizam inscrições indevidas, porém, com a norma do STJ, estariam sanadas de seus erros. (HERRERA, 2009) As decisões jurisprudenciais guardam respeito à competência e ao entendimento do STJ, atentando ao disposto na súmula, e afirmando a relação com esta. Em decisão, o ministro relator Ari Pargendler afirmou não ser possível presumir que o consumidor alegue mediante a inscrição indevida sentimento vexatório, ou descaso moral, pois a situação não se caracteriza incomum. (RE, Nº 1.002.985 - RS) O acórdão está, salvo melhor juízo, a salvo de censura. Quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito. Evidentemente, o dano moral estará caracterizado se provado que as anotações anteriores foram realizadas sem a prévia notificação do interessado. Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial. (RE, Nº 1.002.985 - RS). Em outro entendimento, o Ministro João Otávio de Noronha afirma não conhecer do agravo regimental, pois afirma ser consequência natural imposta àqueles que já conhecem do cadastro em banco de dados, por não proceder ao pagamento das suas obrigações, sendo assim, o constante cadastro esperando pelo devedor, excluindo portanto, a ofensa moral. (RE, Nº 1.081.404 - RS) 5. ANEXO Apensado a análise acadêmica, encontra- se nos ANEXOS A e B, notificação da empresa, bem como, do serviço de proteção ao crédito, para conhecimento prático do cadastro analisado. Como ANEXO C, apresenta- se íntegra de jurisprudência acerca do cadastro indevido, com anterior legítimo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A emissão devida do título de crédito valida a promessa de pagamento, obrigando o emitente a cumprir com a obrigação da relação jurídica. A renúncia a tal pagamento acarreta danos ao portador do título, dentre vários, a possibilidade de cadastro em banco de dados de algum sistema de proteção ao crédito. Com relação ao cadastro legítimo, àquele que possui seu nome, pode tê-lo colocado novamente, porém, de forma indevida. Cabendo a priori, o direito a indenização por danos morais, a fim de sanar os prejuízos causados pelo erro. Em análise, foram discutidas as alegações advindas do possível dano moral, bem como, da responsabilidade civil referente ao cadastro. A norma proposta a regulamentar o caso, compreende- se na Súmula 385 do STJ, em que determina a não ocorrência de referidos danos, pois quem possui negativação anteriormente, não sofrerá desfortunio moral, pois as privações decorrentes do cadastro já fazem parte do convívio. Porém, há aqueles que entendam afronta a artigos do Código Civil, considerando a súmula falta de decoro com aqueles que têm o nome inscrito de forma indevida. Ao remeter – se à análises jurisprudenciais, entendeu – se que a súmula concorda com as acepções empregadas sobre danos morais pela doutrina, assim como, pelos entendimentos jurídicos dos tribunais competentes.