RESUMO

Inadequada utilização dos recursos financeiros – adquiridos de modo lícito ou não – é realidade patente e comum evento. Neste trabalho, tenta-se explicar e compreender, sucintamente, até que ponto o uso nocivo de influência econômica aparece no cenário social contemporâneo. Sobretudo na política, as críticas ganham relevo e suscitam questões pautadas no bom-senso e nos princípios do ordenamento jurídico afetos à leal democracia livre.

PALAVRAS-CHAVE

Abuso. Poder Econômico. Sociedade. Política

 

  1.  INTRODUÇÃO[1]

Sociedades empresárias, grupos monopolizando setores e agentes econômicos de alto status seguem no comando de vastas zonas do globo. No Brasil a situação é similar e repetem-se menções (nos jornais, noticiários de rádio e TV e revistas) a “negócios” espúrios envolvendo justamente lideranças econômicas e políticos ilustres.

Embora nenhuma novidade haja em tais constatações, o indissociável vínculo entre a vida quotidiana e oscilantes interesses subterrâneos gera, sem restrição bem definida, instabilidade. Confusão e transtorno rondam a  sociedade inteira – dos arranha-céus gigantes e bolsas de valores aos carrinhos de supermercado  e cadernetas de poupança. O poder econômico pode ser usado mas, é viável abusar dele?

Para tentar responder, iniciaremos este curto diálogo com  destaque para uma relação íntima e poucas vezes invocada: RISCO e PODERES. Logo após, tratou-se do chamado “mau uso” propriamente dito, buscando conceituá-lo e caracterizá-lo.

 

  1. RICOS E POBRES: alguém sai ganhando

A ideia de justificação para unidade na classificação das populações é bastante antiga. Deita raízes nos primórdios da civilização e recebe, por parte dos primeiros “organizadores sociais”, efeito certo: transformar indivíduos numa comunidade – gerar, pois, coesão. Das tribos seminômades, evoluiu a espécie. Grandes impérios nasceram, terras inabitadas foram cultivadas, o excedente era negociado pelos mais seletos homens de confiança (sacerdotes, patriarcas e líderes). A economia de uns era fartura para outros e distribuições quantitativas/qualitativas forçosamente reivindicaram espaço.

Todos os eventos convergiam e a Política servirá para instrução e funcionamento das neófitas estruturas. O grego imitado é: na Democracia (ora direta, ora indireta) dos hodiernos “engravatados” está o poder dos ricos e bem-sucedidos. A segregação entre ricos e pobres (patrícios e plebeus, lembrando Roma) sublinha, até agora, um translúcido jogo de interesses e energias vitais cuja mola mestra é a pecúnia nas suas múltiplas feições e convenções. Boas intenções cedem espaço ao dinheiro e ao mercado (abordados em outros textos[2]) e moldam situações nas quais a coletividade perde:

O propósito genuíno da política é garantir privilégios, não os atrelar à utilidade pública. Seu efeito é a isenção, de um estreito grupo de bem-remunerados no topo da escada, de qualquer calamidade que suas atividades possam ter infligido a todos aqueles cujos meios de vida eles expuseram aos caprichos do destino. (BAUMAN, 2015, p. 51)

A visão pessimista do sociólogo é lastreada por estatísticas, pesquisas empíricas e dados numéricos que demonstram a dimensão e distinção extremas quanto às duas extremidades dos grupos ou classes econômico-sociais-financeiros. E nenhuma parte do globo escapa, embora possa aparentar maior ou menor suceptibilidade e vulnerabilidade por motivos internos.

Elites neocoloniais recusam-se a dividir o “bolo doce” e a expandir seu “paraíso pessoal”. Sobretudo na América Latina, existem laços fortíssimos entre privilegiados e explorados.[3] Rompê-los infringiria sistema bem arraigado na mentalidade metropolitana e significaria reversão e destruição dum imaginário conforme à opção colonizada.

Excessos só existem porque a ausência se faz presente. Quando alguém exibe padrões muito acima da média, quase positivamente outros sofrerão escassez. Fazendo paralelismo redundante: só há abuso do poder econômico quando e na medida em que tal “substância” falta noutra parte – novas ‘doses’ não surgem simplesmente do acaso e velhas misérias supõem rearranjo dos valores (monetários e morais) além do pretenso crescimento do PIB, pálida ilusão. A economia das contraprestações e dos incentivos abordada por Sandel (2012) oferece poucas respostas e só timidamente constitui futuro de longo prazo. A onda de publicização do privado e a confusão entre a propaganda e o real tornaram inexoravelmente complexo o mundo e ainda estão por serem descobertas.

 

  1. ABUSO DO PODER ECONÔMICO[4]

Definir os institutos é comum em doutrina. Mas há coisas dificilmente abarcadas em conceitos fechados. Abusar do poder econômico é qualquer forma de utilizá-lo ilicitamente com o firme propósito de gerar lesões aos interesses do país e do povo. Para tutelar essas práticas nocivas, surgiu o Direito Penal Econômico (ramo das ciências penais especializado na criminalidade econômica e no deslinde de querelas com natureza financeira). Fusões ou conglomerados surgidos para limitar searas mercadológicas também constituem séria infração ética.

É inseguro, pois, tecer definitivamente um sentido universal, reconhecendo que, em cada época e local, condutas vistas como “erradas” são justificáveis sob limitadas situações – desde que haja harmonia entre os interesses defensáveis e os deveres legais de omissão e respeito às coletividades e aos indivíduos, igualmente dignos.

As legislações brasileiras tratam, hoje, de maneira tímida e rasa sobre o tema. Mesmo assim, existem dispositivos legais fortes no combate a violações reprovadas do equilíbrio juseconômico:

A Lei nº 12.529/2011 é contundente:

Art. 1o  Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

(...)

Art. 106.  A intervenção judicial deverá restringir-se aos atos necessários ao cumprimento da decisão judicial que a determinar e terá duração máxima de 180 (cento e oitenta) dias, ficando o interventor responsável por suas ações e omissões, especialmente em caso de abuso de poder e desvio de finalidade. (grifos e negritos acrescentados)

“Abuso de poder” é gênero e sua espécie – “econômico” – firma relação com o desenvolvimento nacional na medida em que resta inolvidável como as entidades portadoras de maior acervo patrimonial e influência seriam, em tese, limitadas pela solidariedade e boa-fé objetiva. Quer dizer, na Administração dos 3 Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e até nas corporações particulares, liberdade econômica e iniciativa pluralista caminham juntas

A LEI No 4.137, DE 10 DE SETEMBRO DE 1962. foi revogada e dispunha acerca dos crimes relativos ao abuso do poder econômico. Era um instrumento bastante lacunoso, embora sua ausência nem de longe signifique avanço ou superação. Lamentavelmente, os novos diplomas têm grande dificuldade para caracterizar e limitar especificamente o ‘poderio das quantias’.

[ESTRUTURA REGIMENTAL DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE (Capítulo 1 – DA NATUREZA E FINALIDADE)]

Art. 1º O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, criado pela Lei n° 4.137, de 10 de setembro de 1962, e transformado em Autarquia pela Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994, tem como finalidade apurar e reprimir os abusos do poder econômico.

(...)

Art. 15. Aos Assistentes Processuais incumbe:

I - prestar assistência ao Presidente e aos Conselheiros em assuntos ligados ao combate ao abuso do poder econômico e à defesa da concorrência, notadamente processos administrativos e atos de concentração, bem como nas atividades relativas à modernização e ao aprimoramento processual;

(...) (grifos e negritos acrescentados)

Para nós, o abuso do poder em sua face econômica possui 3 caracteres essenciais: (1) dominância – é por meio da pressão sobre agentes menos fortes que o “dono” da autoridade prospera e cria seu âmbito de controle privado; (2) instinto anticoncorrencial – promove cisões, intrigas ou falências. Tenta “quebrar” eventuais fornecedores dos mesmos bens e retirar o valor dos seus negócios; (3) lucratividade excessiva – as vantagens são majoradas em detrimento da produção unificada e da múltipla gama de opções em favor do meio consumerista (Constituição de 1988, art. 173, § 4º).

 

  1. CONCLUSÃO

Cientes das limitações, damos por finda a missão. A “energia secreta” do dinheiro reside no que as pessoas e organizações fazem  dele e com ele. O mau uso sublinha má projeção e visão ofuscada. No longo prazo, os fluxos globais de confiança e recursos tendem a afastar-se dos traiçoeiros negociantes.

Conforme vislumbrado acima, política corrupta em muito auxilia os procedimentos desacertados na vida comum. Das falhas na gestão pública são inspiradas delinquências maciças no meio empresarial.

O poder econômico recebeu tímidas alusões positivadas, pelo que afirmamos a urgente redesignação e formação de um Código Penal Econômico autônomo. Se a complexidade moderna exige respostas detalhadas, o amparo legal seria anacrônico caso silenciasse. O “vale das sombras antinômicas” no qual permanecem não identificadas várias negações de direitos é problemática também econômica e parece erigir beligerância só aplacada na forma justa de ponderação e geração de eficazes instrumentos repressivos/preventivos.

Um trabalho de graduação é naturalmente incompleto – tempo/espaço limitados – e, como jamais difere de preâmbulo, merece sequencia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia a todos nós? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2015.

BRITTO, Carlos Ayres. Empresa que financia campanha eleitoral comete abuso de poder econômico. In: Revista brasileira de políticas públicas, v. 6, n. 1, pp. 14-20, jan-jul/2016.

DÍAZ, Diego Mauricio Barragán. La construcción de los otros. Los grupos sociales en los escritos de las elites colombianas en la segunda mitad del siglo XIX. In: Procesos históricos, n. 30, pp. 38-58, enero-junio/2016.

NOMURA, Shirley Oliveira Lima; PEREIRA, Aparecido de Oliveira. Sistema financeiro: abuso de poder econômico e impunidade institucionalizada. In: Colloquium humanarum,, v. 9, n. 2, pp. 14-28, jul-dez/2012.

SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

[1] Trabalho apresentado ao curso de Bacharelado em Direito para obtenção de nota parcial (2ª avaliação) na disciplina Direito Econômico, ministrada pelo Prof. Everaldo Santos Soares. DATA: 27-05-2017.

[2] De nossa autoria e, também publicados, os artigos apresentados à disciplina Direito Econômico, intitulados: “Liberdade e concentração: truste e cartelização como infrações à lei, deslealdade, iniciativa autônoma e fusão empresarial” e “ANTIDUMPING: dirigindo acordos, negociando compensações”.

[3] A literatura colombiana dos anos 1800 fornece muitos exemplos e bons temas para, mediante averiguação historiográfica, construir-se uma linha de raciocínio também continental e conjuntural. Uma colônia pobre e sem movimento comercial intenso tende a continuar sendo um país independente subdesenvolvido na medida em que sua elite – ou dominantes marajás – assumiu o papel de periferia. (DÍAZ, 2016, p. 41) Não importa a riqueza material somente, trata-se de consciência e agir motivados.

[4] Para o entrelaçamento entre o abuso e a impunidade nas infrações de ordem econômica, veja-se NOMURA e PEREIRA (2012). Sobre o modelo político brasileiro e suas implicâncias na manipulação de altas somas, é sugestiva a leitura, mais desenvolvidamente analítica, do ensaio recentíssimo escrito pelo ex-Ministro Ayres Britto: “Empresa que financia campanha eleitoral comete abuso de poder econômico”. In: Revista brasileira de políticas públicas, v. 6, n. 1, pp. 14-20, jan-jul/2016.