Os direitos sucessórios dos concebidos post mortem a partir de óvulos e sêmen autorizados em testamento biológico: uma análise a luz do direito brasileiro[1] 

Samya Regina Danielle de Sousa Guimarães²

Paulo Ricardo da Luz Martins³

Anna Valéria de Miranda Araújo Cabral Marques4

SUMÁRIO: Introdução. O direito sucessório brasileiro e o testamento biológico. 2. A necessidade de leis específicas que regulem a fertilização póstuma no Brasil. 3  A capacidade sucessória dos concebidos post mortem a partir de óvulos e sêmen autorizados em testamento biológico: uma análise a luz do direito brasileiro. Considerações Finais. Referências.

RESUMO

 

Esta pesquisa tem por objetivo apontar de que forma o ordenamento jurídico brasileiro garante os direitos sucessórios dos concebidos post mortem a partir de óvulos e sêmen autorizados em testamento biológico. Questão essa que merece um enfrentamento pelo ordenamento jurídico brasileiro para que abarque as evoluções sociais e médicas relacionadas à fertilização póstuma. Para tanto, primeiramente, falar-se-á, segundo a concepção doutrinária brasileira, o que é sucessão e o testamento biológico. Posteriormente, tratar-se-á da necessidade de leis específicas que regulamentem a fertilização póstuma no Brasil, mencionando a Resolução 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina e o Projeto de Lei n° 1.335/2003. Por fim, analisar-se-á, a partir da doutrina e das divergências existentes nela, sobre os direitos sucessórios que os filhos concebidos post mortem possuem.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos Sucessórios. Testamento Biológico. Fertilização Póstuma.

 

1 INTRODUÇÃO

 

                   As formas de reprodução humana passaram por transformações técnicas graças as pesquisas e evoluções cientificas, com isso a reprodução humana assistida ganhou amplitude. Com isso, surgiu a necessidade de criar leis que abarquem tamanha evolução social e, o ordenamento jurídico brasileiro ainda carece de leis específicas que cuidem do tema.

                   Apesar de haver o Projeto de Lei n° 1.335/2003 tramitando na Câmara dos Deputados que trata sobre a reprodução humana medicamente assistida, hoje, utiliza-se como referência a Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina que traz a exigência de autorização expressa do de cujus para utilização do gameta ou embrião após sua morte.

                    Exigência esta que pode ser suprida pelo testamento biológico, em que o genitor antes de morrer deixa expressa sua vontade de utilização de seus óvulos ou sêmen para gerarem filhos após a morte. Ocorre que tais questões são novas para o direito brasileiro, dividem opiniões na doutrina, principalmente, quando são relacionadas a direitos sucessórios, visto que sobre esse assunto o nosso ordenamento jurídico é omisso.

                   Isso porque o Código Civil de 2002 não considera como herdeiro legítimo os filhos concebidos post morten, mas apenas como herdeiros testamentários. Em contrapartida, a doutrina minoritária entende de forma oposta e considera os herdeiros legítimo e testamentário também os filhos concebidos post mortem. Além disso, a Constituição Federal reforça ainda mais esse posicionamento com o princípio da igualdade entre os filhos, ou seja, nenhuma distinção entre os filhos é para existir, e no que tange os direitos sucessórios isso também se aplica.

                   A relevância desse trabalho se justifica pela atualidade do tema e por englobar os direitos sucessórios dos filhos provenientes de inseminação artificial post morten. Além de mostrar que nosso Código Civil é omisso sobre essa questão, enquanto as demandas sobre o tema surgem na sociedade.

                   Daí a necessidade de uma lei específica sobre o tema porque hoje nossa referência sobre o assunto, como dito anteriormente, é a Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina que não trata de todas as implicações jurídicas que a inseminação artificial post morten possui, tais como as garantias que o concepturo terá para garantir herança, assim como a titularidade dos óvulos e sêmen congelados por tempo indeterminado.

A ciência evolui a passos largos e permite que hoje existam técnicas de reprodução anteriormente nunca vistas, tais como a inseminação artificial e o congelamento de óvulos e sêmen por vários anos. O ordenamento jurídico brasileiro ainda não se adequou a essa nova realidade, e carece de uma legislação específica que contemple tais técnicas de reprodução e que abarque os avanços científicos referentes à reprodução humana assistida, assim como os efeitos jurídicos, principalmente os sucessórios, decorrentes de tais técnicas.

E sobre a reprodução humana assistida post mortem temos uma inovação na sociedade que é o testamento biológico, em que a pessoa antes de morrer deixa congelados óvulos ou sêmen para que, posteriormente a sua morte, seus filhos possam ser gerados.

                   No primeiro capítulo, falar-se-á, segundo a concepção doutrinária brasileira, o que é sucessão, o momento da sua abertura, as espécies de sucessão, os tipos de sucessores, o instituto da prole eventual de maneira geral. Tratar-se-á também sobre o conceito do testamento biológico, surgimento, como é feito, importância, finalidade e os legitimados para escrevê-lo, a partir do que diz a doutrina.

No segundo capítulo, abordar-se-á da necessidade de leis específicas que regulamentem a fertilização póstuma no Brasil. Falar-se-á da Resolução 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, que trata sobre a fertilização post mortem, que hoje, no Brasil, serve de referência sobre esse tema. Além disso, mencionar-se-á o projeto de Lei n° 1.335/2003 que tramita na Câmara dos Deputados que trata sobre as técnicas de reprodução humana medicamente assistida e em seu artigo 4°, § 4°, a exigência do consentimento informado, que também deverá as condições em que o doador ou depositante, em vida ou postumamente, autoriza a utilização de seus gametas ou pré-embriões.

No terceiro capítulo, dar-se-á o conceito do que seja capacidade sucessória do ponto de vista doutrinário e do que está previsto no Código Civil de 2002. Além disso, tratar-se-á também, a partir da doutrina e das divergências existentes nela, sobre os direitos sucessórios que os filhos concebidos post mortem possuem.

                   Tudo para tratar de um tema ainda muito recente que geram questões relacionadas aos direitos sucessórios do concepturo, visto que nossa doutrina majoritária não o considera como herdeiro legítimo; então como se garantiria o direito a herança dessa criança? Onde fica o princípio de igualdade entre os filhos? Além disso, de quem seria a titularidade do material genético do autor da herança? E acerca dessa problemática que este trabalho pretende abordar.

 

1 O direito sucessório brasileiro e o testamento biológico

 

Neste tópico falar-se-á, segundo a concepção doutrinária brasileira, o que é sucessão, o momento da sua abertura, as espécies de sucessão, os tipos de sucessores, o instituto da prole eventual de maneira geral. Tratar-se-á também sobre o conceito do testamento biológico, surgimento, como é feito, importância, finalidade e os legitimados para escrevê-lo, a partir do que diz a doutrina.

Abordar-se-á também que o testamento biológico não deve ser confundido com os “testamentos vitais” (“living will” ou “testament de vie”), também conhecidos como instrumentos de “diretivas antecipadas de vontade” (DAVs).

2 a necessidade de leis específicas que regulem a fertilização póstuma no brasil

É sabido que a ciência proporcionou inovações na biotecnologia que permitem hoje procedimentos, tais como a fertilização póstuma, que necessita de leis específicas que abarque os reflexos relacionados aos direitos sucessórios do concepturo, além de especificar as técnicas de reprodução assistida, tais como a inseminação artificial post mortem, poderá ser garantida legalmente visto que a lei brasileira ser silente quanto a esses aspectos.

A inseminação artificial substitui a prática da relação sexual na geração de descendentes, ela pode ser homóloga ou heteróloga. A inseminação artificial post mortem segundo Malbadano (2012, p. 14) é “aquela que utiliza o sêmen ou embrião conservado, por meio de técnicas especiais, após a morte do doador”.

A inseminação artificial homóloga acontece quando os espermatozóides introduzidos na mulher, em seu período fértil, são do seu marido ou companheiro. Essa técnica é prevista no artigo 1597 do Código Civil (CPC) que diz:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] II - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Como previsto a inseminação artificial homóloga acontece durante a vida do marido ou companheiro, e também após a morte deles. Segundo Enéias; Silva (2011) essa técnica de reprodução não geraria tantos problemas jurídicos, porque tanto o marido quanto a esposa, companheiro e companheira são coniventes com a técnica de reprodução assistida e o código prevê a filiação.

Mas uma ressalva deve ser feita: nestes casos o marido/companheiro da vítima deixa em expresso a permissão para o uso do seu sêmen. Isso ocorre segundo Enéias; Silva (2011) porque o material genético não é caracterizado como objeto de herança. Ademais, tem-se o princípio da autonomia da vontade que garante o uso do material genético atrelado ao consentimento expresso do doador. 

Surge o seguinte questionamento: caso o marido/companheiro da mulher antes da morte não deixaram de forma expressa o consentimento para uso do seu material genético, mas o guardara na clínica de fertilização para ser usado posteriormente? Sobre isso a lei silencia e a doutrina diverge.

Segundo Fisher (2011 apud Malbadano, p. 24, 2012) o ideal seria a parentalidade, mas ela não pode impor barreiras para a inseminação homóloga post mortem se houvera um projeto biparental em vida.

Outro questionamento que surge é em relação ao inciso IV que segundo Rigo (2009) acerca dos embriões execedentários, derivados da técnica da fecundação homóloga, a lei deixa lacunas em relação a “adoção de embriões” que é destinada a casais com sérios problemas de fertilização, por isso usam embriões de outro casal. Essa doação é prevista na Resolução 1.957/11, seção V que trata da criopreservação de gametas ou embriões.

Em relação ao direito sucessório a prática da “adoção de embriões” gera dúvidas porque o artigo 1597, IV do CPC prevê que sejam “a qualquer tempo”.

Na fertilização homóloga surge problemas relacionados aos direitos sucessórios que a doutrina diverge e a lei é omissa quando se trata de embriões congelados que são utilizados após a morte do marido. Segundo Enéias; Silva (p. 27, 2011) há aqueles que:

[...] entendem que o filho não terá direito à sucessão embasam na regra estabelecida no art. 1.798 do CC, os o utros que são favoráveis à sucessão defendem que ao mencionar na lei “pessoas já concebidas”, não requer que tenha sido implantado no corpo da mulher. Com relação aos embriões excedentários, entendem que não tem qualquer possibilidade de ter direito à sucessão, por não estar nem implantado não havendo nem possibilidade de considerá-lo como nascituro antes da transferência para o útero materno.

Em contrapartida, a inseminação artificial heteróloga ocorre quando o material genético introduzido na mulher não pertence ao marido/companheiro, mas a um doador que é garantido o anonimato, conforme prevê a Resolução 1.957/11, seção IV que trata da doação de gametas ou embriões.

De forma binominal, a inseminação heteróloga também pode ocorrer e o consentimento do pai, nestes casos, não admite retratação, visto que a gestação já se iniciara (SILVA, 2011). Isso se justifica segundo Rigo (2009) porque não há o vínculo biológico, a criança é considerada filha de um homem que, biologicamente, não é seu pai. Entretanto, a lei não menciona como deve ser essa autorização mencionada. Por isso, a expressão da vontade de ser o pai daquela criança deve ter força legal, caracterizando a socioafetividade, a vontade livre de ser pai.

Pelo exposto, vê-se tamanha complexidade que a reprodução assistida possui e a necessidade de leis específicas que a regulamentem, agravada ainda por divergências na doutrina. Segundo Freitas (2008, p. 03) “a vontade do doador (cônjuge ou companheiro) na reprodução assistida sempre será expressa por força da Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, sem que, necessariamente, haja o doador realizado um testamento [...]”. Daí a necessidade de uma lei que regulamente isso, na ausência de um testamento.

Em relação a filiação em casos de fertilização artificial heteróloga do gameta do pai, pelo princípio da identidade, do melhor interesse do menos previstos na Constituição não geraria efeitos sucessórios, como assevera Enéias; Silva (p. 35, 2011):

Como já mostrado nos capítulos anteriores, a criança poderia sim requerer que se faça conhecer a sua origem genética, mas este reconhecimento em nada tem a ver com a relação de filiação, eis que este reconhecimento tem o intuito único de saber sua origem, sua ancestralidade, apenas para ter conhecimento e não para criar vínculos entre doador e filho.

Até porque as informações dos doadores ficam em poder das clínicas de fertilização, sendo que não há legislação que regule quais informações do doador deverão ser colhidas e guardadas. E o Projeto de Lei n° 1.335/2003, que trata das técnicas de reprodução humana assistida que tramita no Congresso Nacional, prevê em seu artigo 4°, § 4°, a exigência do consentimento por parte do doador, além das condições que o doador autorizará a utilização de seus gametas ou pré-embriões, inclusive após a morte. A da Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina também faz essa ressalva na seção criopreservação de gametas ou embriões ao dizer que:

No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

As clínicas de fertilização se baseiam por essa resolução, na ausência de lei específica e por isso, nos casos em que não há uma autorização expressa por parte do doador e a esposa/companheira queira realizar uma inseminação post mortem, ela recorre ao judiciário para garantir esse direito.

Como visto em alguns casos recentes que aconteceram, no Brasil segundo as reportagens publicadas no do site “G1 Globo.com” (2010), (2011), (2013) que trazem decisões favoráveis da justiça brasileira acerca da utilização de gametas post mortem de mulheres que lutaram na justiça para conseguir ter um bebê do noivo ou do marido morto que haviam congelado os espermatozóides, mas não deixaram expressa a vontade permitindo que os gametas fossem utilizados.

Essas reportagens reforçando mais ainda a adequação do direito aos avanços científicos que refletem diretamente nas relações pessoais e jurídicas, principalmente no que tange ao direito sucessórios. E a necessidade de uma lei específica que trate sobre a reprodução humana assistida e que regulem a fertilização póstuma no Brasil

Outra questão a ser levantada é que como assevera Tartuce (2009) na hipótese prevista no art. 1.597, inc. V, do CC ao tratar da inseminação heteróloga, quando o pai e a mãe que realizaram a inseminação falecem, e o filho fruto dessa inseminação, poderia pleitear alimentos do pai biológico, que forneceu o material genético? Caberia investigação de paternidade contra o doador do material? O filho teria direitos sucessórios em relação a esse pai biológico? Questões essas que necessitam de uma lei específica para serem respondidas.

O certo é que a da Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina não é suficiente para regulamentar as técnicas de reprodução assistida e, além disso, ela não tem força de lei. Mas já tramita na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei n° 1.335/2003 que tratará sobre as técnicas de reprodução humana medicamente assistida.

E no que se refere aos direitos sucessórios decorrentes da reprodução humana assistida, inclusive a inseminação artificial post mortem, a necessidade de uma lei no direito civil que trate sobre isso é maio ainda.

3 A capacidade sucessória dos concebidos post mortem a partir de óvulos e sêmen autorizados em testamento biológico: uma análise a luz do direito brasileiro

 

O Código Civil prevê em seu artigo 1.784 que “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. E como assevera rico ( 2009) como não se concebe direito subjetivo sem titular, no mesmo instante em que a sucessão é aberta, a herança é automaticamente transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários do de cujus, sem solução de continuidade e ainda que ignorem o fato.

Além disso, a Constituição de 1988 inovou nos aspectos relacionados ao direito de família, pois prevê o princípio da igualdade entre os filhos, portanto todos os filhos devem ter direitos iguais e serem tratados uniformemente, sem distinções.

Somado a isso, tem-se o surgimento das técnicas de reprodução assistida, inclusive as realizadas post mortem, como assevera o artigo 1.597 do Código Civil de 2002, que prevê outras modalidades de filiação além da natural e da adoção. Em meio a tantas inovações provenientes das técnicas de reprodução humana assistida, a filiação merece destaque quando se fala em direitos sucessórios e como assevera Lima Jr (p. 24, 2013):

[...] no que tange à inseminação artificial homóloga, não restam dúvidas quanto a filiação uma vez que o material fecundante é proveniente do marido doador e o art. 1.597, inc. III do Código Civil garante a filiação da criança gerada artificialmente, independente da época do seu nascimento, que em sendo assim, pode dar-se após a morte de seu pai. O reconhecimento da filiação ocorrerá tanto para aqueles que estão legalmente casados, bem como, para os que vivem em união estável.

Mas em relação a inseminação artificial heteróloga, a filiação é pela socioafetividade, visto que a paternidade biológica nesses caos não ocorrer. Esse tipo de filiação é prevista no artigo 1.593 do Código Civil que diz: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. O termo “outra origem” é a cláusula de abertura que permite outras formas de filiação, como a socioafetiva e que dá direitos sucessórios igualmente entre os filhos sendo eles socioafetivos, biológicos ou adotados.

Ademais, Venosa (p. 16, 2009) afirma que “o reconhecimento da filiação gera efeitos patrimoniais”, portanto a filiação é importante fator para a pessoa ter seus direitos sucessórios garantidos. Nosso ordenamento no artigo 1.798 do Código Civil determina que: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. A lei protege tanto o nascituro e daqueles que ainda não nasceram, ou seja, a prole eventual. Como afirma Diniz (2008) que esse instituto consiste na indicação testamentária de filhos de pessoas indicadas no testamento, que ainda não foram concebidos, no momento da feitura do testamento. Mas esse prazo é de dois anos após a abertura do testamento.

E como reza o artigo 1.799 do Código Civil que diz: “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”. A lei é bem clara em dizer o momento da sucessão testamentária, portanto os filhos concebidos postumamente por inseminação artificial não teriam os seus direitos sucessórios garantidos, visto que é considerado filho premorto pelo artigo 1597, III do Código Civil. Sobre isso Lima Jr. (p. 33, 2013) afirma que:

Esse pensamento prima pela proteção dos herdeiros que já se encontravam nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herança, evitando assim insegurança jurídica, vez que eles teriam que esperar indefinidamente pelo nascimento de criança, ou crianças, oriundas de inseminação, o que causaria revisões sempre possíveis de seus quinhões hereditários. A partilha seria algo, portanto, provisório e frágil

É notório que a doutrina majoritária não concorda com a capacidade sucessória postumamente, defendendo a segurança jurídica das decisões, fundamentando-se no artigo 1978 do Código Civil. Como nos assevera Tartuce (2009) se no prazo de dois anos o herdeiro não for concebido, haverá caducidade do testamento e a herança segue para os herdeiros legítimos, salvo expressa determinação de substituição testamentária. Essa regra pode ser retirada do art. 1.800, § 4.º do Código Civil de 2002.

Em contrapartida, a doutrina minoritária é defensora da capacidade sucessória post mortem, sustentando seu posicionamento, segundo Rigo (2009) no princípio da dignidade da pessoa humana, princípio do melhor interesse da criança, princípio da igualdade e no direito à procriação.

Segundo Chinelato (2007 apud Lima Jr., p. 34, 2013) negar a capacidade sucessória do concebido por inseminação artificial póstuma, seria retroagir ao Código Civil de 1916 que não garantia apenas a sucessão legítima, proporcionando exclusão entre os filhos. Sendo que no Código Civil de 2002, com a Constituição Federal de 1988 a igualdade entre os filhos prevalece. Portanto, a capacidade sucessória deve ser garantida para os filhos conbidos e os que ainda serão postumamente.

         Sobre o princípio da igualdade entre os filhos, Rigo (p. 21, 2009) defende sua aplicação por meio da Declaração dos Direitos Humanos e diz que:

Para muitos autores, o princípio da igualdade estende-se a todos os seres humanos, aos já nascidos, ou aos apenas concebidos [...] Uma interpretação literal do art. 1º da Declaração dos Direitos Humanos pode ensejar dúvida quanto aos seres humanos já concebidos, mas ainda não nascidos. Todavia, em uma leitura integral e mais cuidadosa de toda a Declaração, nota-se que não há distinção entre os seres já nascidos e os não nascidos. Mesma interpretação deve ter o parágrafo 2º do art. 1º do Pacto de São José da Costa Rica, não dando espaço a distinção entre a vida intra e extra-uterina.

Por isso, a necessidade de leis que regulamentem os direitos sucessórios dos filhos concebidos por inseminação artificial póstuma, garantindo o direito de igualdade entre os filhos previstos na Constituição, revendo-se, inclusive, o prazo de dois anos estipulados para garantir os direitos sucessórios do concepturo.

O testamento biológico também poderia ser reconhecido legalmente no Brasil, como uma forma de expressar atos de vontade acerca da doação dos embriões do testamentário (doador do material genético). Facilitando, dessa forma, a realização de inseminações artificiais postumamente.

CONCLUSÃO

Em vista do que foi exposto é necessário a criação de leis específicas que regulamentem as técnicas de inseminação artificial assistida, inclusive as post mortem. Sendo que a Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina não é suficiente para regulamentar as técnicas de reprodução assistida e, além disso, ela não tem força de lei.

Nesse contexto, quando se trata de material genético de pessoas mortas e não se tem nada expresso, o testamento biológico seria uma saída para saber o que o doador permitiria que fosse feito como o seu material genético doado. Destarte, a legalização pelo nosso ordenamento jurídico do testamento biológico seria viável como alternativa de questões judiciais por pessoas que tentam engravidar usando o material genético de pessoas que já morreram e não tem como provar sua vontade.

Mas isso gera discussão de maior amplitude, no que diz respeito ao direito sucessório, tanto da titularidade do material genético do falecido, quanto ao direito de herança da criança concebida com por esse material. E sabido que a doutrina majoritária é contra a capacidade sucessória dos concebidos postumamente, após o limite de dois anos co prevê o instituto da prole eventual. Entretanto, o princípio da dignidade humana e o da igualdade entre os filhos precisam prevalecer e garantir que os filhos sejam tratados de maneira igualitária, e a garantia dos mesmos direitos sucessórios já seria um bom começo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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TARTUCE, Flávio Murilo. Inovações no direito das sucessões e biotecnologia. Escola da magistratura paulista – SP.Pós-graduação em direito de família e das sucessões. 08 mar. 2009. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br/material/EPM-biodireito.ppt>. Acesso em 13 ago 2014.

                                                         

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

[1] Paper apresentado à disciplina Direito de Família e Sucessões, 6º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

2 Aluno do 6º período noturno, do curso de Direito, da UNDB

3Aluna do 6º período noturno, do curso de Direito, da UNDB

4 Professora mestra orientadora.