OS DIREITOS SOCIAIS BÁSICOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 – UMA PERSPECTIVA NORMATIVA E DIRIGENTE

RESUMO

O referido estudo tem o objetivo de fazer uma análise sobre o conceito contemporâneo de Constituição diante da perspectiva normativa de Konrad Hesse, e dirigentee José Joaquim Gomes Canotilho, relacionando a influência de cada conceito com os Direito sociais básicos contidos na Constituição Brasileira de 1988. De forma que, para Hesse a Constituição de um país expressa relações de poder nele existentes., e para Canotilho a Constituição não pode restringir-se ao Estado, deve ser a lei fundamental também da sociedade. Desta forma, indaga-se de que forma a eficácia e a aplicabilidade da perspectiva normativa e dirigente está presente nas áreas jurídicas dos dias atuais e na Constituição.

Visto que a Constituição brasileira de 88 tem a visão transformadora da realidade e não pode ser fragmentada por interesses que nem sempre coincidem com os benefícios do povo, percebe-se que em alguns aspectos a Constituição é mais teórica do que pratica. Logo, deve-se buscar como solução uma nova roupagem do ordenamento jurídico, onde exista eficácia e legalidade por parte do Estado, respeitando a legitimidade do povo.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal Brasileira representa uma grande conquista social, visto que é a partir dela que a sociedade se garante dentro do ordenamento jurídico, pois ela surge como meio de legitimar o poder político além de limitá-los. A Constituição é a lei maior, que organiza o Estado Brasileiro.

A partir da Constituição Federal que são definidos todos os direitos dos cidadãos. Neste trabalho vamos abordar os Direitos Sociais Básicos que são, “direitos a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância e a assistência aos desamparados” de acordo com o artigo 6º. Estes direitos têm por objetivo garantir ao indivíduo condições materiais e diminuir as desigualdades sociais, mas tendem a ter um custo excessivo alto onde dificilmente se mantém a longe.

Para Hesse, a Constituição de um país somente expressa as relações de poder nele existentes, além de imprimir ordem e conformação à realidade política social, uma vez que ela deve ser eficaz não se configurando apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser. É dentro dessa perspectiva que entra os Direitos Sociais, no que tange a eficácia deles dentro da sociedade por meio do Estado.

Para Canotilho, a Constituição não pode restringir-se ao Estado, deve ser lei fundamental para cada individuo, onde é através de um documento escrito, no qual a Constituição, que se declaram as liberdades e os direitos, além de se fixarem os limites do poder político. Mas essa reflexão não deve ser só no âmbito teórico da Constituição que ela deve agir, e sim deve mostrar aplicabilidade ao cidadão, não podendo ser fragmentada por interesses que nem sempre coincidem com os benefícios do povo.

  1. Característica da Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição Federal é a Lei maior, que organiza o Estado brasileiro, este é constituído pelo povo, território, soberania e finalidade, esta última é um elemento complementar a noção de estado, uma vez que este é conduzido ao atingimento de várias finalidades para o bem comum. A Constituição Federal Brasileira de 1988 representa uma grande conquista social, visto que é a partir dela que a sociedade se firma dentro do ordenamento jurídico, uma vez que ela surge como meio de legitimar o poder político, além de limitá-lo, ou seja, nela que se devem estabelecer as limitações ao poder do Estado, mediante a separação dos poderes (sistema de freios e contrapesos) e a enumeração de direitos e garantias fundamentais.

A sociedade brasileira, a partir da Constituição Federal de 1988, começou a ter mais noção sobre seus direitos, e a partir disso protestar por eles. Foi influenciada pela Constituição de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Além disso, essa constituição tem a finalidade de edificar uma sociedade no âmbito da dignidade da pessoa humana, comprometida com a democracia e os direitos fundamentais.

Nossa Constituição foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, garante direitos e cidadania para a nação brasileira, por isso é considerada a mais completa de todas as existentes, possui as seguintes características: Formal (texto escrito constituído por todas as normas, ou seja, a lei fundamental do Estado); Escrita (conjunto de documentos escritos que estabelecem as normas indispensáveis para o Estado); Promulgada (elaborada através da vontade do povo, representando a vontade do mesmo); Rígida (pois há necessidade de um método legislativo específico para modificar o seu texto); Analítica (possui um conteúdo amplo, não trata somente sobre assuntos que visam a organização do Estado, versa também sobre assuntos que não são próprios ao Direito Constitucional) e Dogmática (elaboradas em um determinado momento, mediante as ideias e dogmas contidos na teoria política e no Direito que imperam na sociedade). A Constituição é elaborada a partir de uma Assembléia Constituinte, que é o poder legislativo, eleita pelo povo. Tudo isso devido ao Brasil ser um país que impera a democracia. A alteração do texto constitucional só pode ser efetivada através de emendas e reformas – processos formais que permitem a mudança em alguns pontos da Constituição. José Afonso da Silva considera-se:

“A constituição é algo que tem como forma, um complexo de normas; como conteúdo, a conduta humana motivada das relações sociais; como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo; não podendo ser compreendida e interpretada, senão tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores”. (JAS, p. 39)

Com o surgimento da Constituição de 1988, a sociedade brasileira avançou em diversos aspectos, ou seja, ocorreram várias mudanças para oferecer mais benefícios ao cidadão, dentre as quais se destacam: direito de voto para analfabetos, voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos, redução do mandato do presidente de 5 para 4 anos, direito a greve, diminuição da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, seguro desemprego, entre outras.

Diante do que foi exposto, a Constituição Brasileira vigente simboliza um avanço, direcionado a democracia e as diversas esferas do meio social, assegurando assim mais direitos e dignidade ao cidadão.

  1. Direitos Sociais Básicos ao cidadão brasileiro

Os Direitos Sociais Básicos estão dispostos no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988, que são direitos a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, assistência aos desamparados. Esses direitos, a priori, têm por objetivo garantir aos cidadãos condições materiais e qualidade de vida que são indispensáveis para a realização da vida humana, e tem como finalidade diminuir as desigualdades sociais.

São prestados pelo governo, isto é, para esses direitos deve haver uma intervenção do Estado para assegurar os critérios de justiça distributiva, é nesse aspecto que saem da ordem social para a ordem econômica, visto que tendem a possuir um custo excessivamente alto e devendo se manter a longo prazo. Segundo José Afonso da Silva, podemos dizer:

“Os direitos sociais, é como uma dimensão dos direitos fundamentais do homem são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. (JAS, p. 286)

É importante ressaltar que esses direitos surgiram no contexto da Revolução Industrial no século XIX, visto que naquela época ocorreu à substituição do homem pela máquina, gerando o desemprego em massa e um aumento da miséria. Como conseqüência disso veio a desigualdade social, desta forma o Estado se viu diante da necessidade de proteção ao trabalho e a outros direitos, como por exemplo, a saúde, a educação, a alimentação, entre outros.

Mas existe outra perspectiva, a de que os direitos sociais estão no ordenamento jurídico por uma questão política, visto que com o apogeu do marxismo e o socialismo revolucionário no século XX, ocorreram mudanças, e para evitar que o socialismo derrubasse o capitalismo esses direitos foram impostos. A seguir vamos elencar a importância de alguns direitos sociais.

O trabalho como direito social é importante uma vez que a classe trabalhadora desenvolve um papel considerável para a sociedade. Inicialmente o Estado não mediava às relações trabalhistas, havia somente um vinculo com o trabalhador e patrão. Contudo, a partir das greves, conflitos que estavam se agravando na época da Revolução Industrial, as autoridades começam a se mobilizar diante desse problema para que ele não se agravasse. Hodiernamente a Constituição aprovada em 1988 defende que o trabalho é fator importantíssimo para uma vida digna, e o desemprego consta como uma inconstitucionalidade, uma vez que o Estado deve amparar e dar assistência aos desempregados por meio de previdência, qualificação profissional e indicação ao mercado de trabalho.

Outro aspecto a ser enfatizado, é o lazer como direito social, pois, logo depois da Revolução Industrial ocorreu uma redução na jornada de trabalho diante da conquista dos direitos trabalhistas e, por conseguinte há uma redução no salário, desta forma os cidadãos passam a buscar outros meios para completar o salário reduzido, deixando de lado o tempo livre para descanso ou lazer. A partir desta perspectiva se percebe a importância do lazer, pois ele é indispensável para qualquer pessoa, uma vez que atende a necessidade de libertação, de silêncio e calma, de recreação, além de estruturar a vida social, pois é uma maneira do homem se relacionar com a sociedade seja no aspecto cultural, religioso e esportivo estabelecendo desta forma a sua condição como ser humano. 

No que tange a educação, deve-se considerar esse direito como fundamental, essencial e indispensável ao homem, pois o mínimo de educação é importante para pratica dos direitos civil, econômico e social, visto que a educação faz parte das condições para a existência da dignidade da pessoa humana, que são valores apegados ao individuo para que se possa viver em sociedade.

Por conseguinte, a saúde é outro direito social significativo ao cidadão de modo que o homem deve se encontrar em um bem estar físico, mental e social, e não somente é um cuidado diante de doenças, visto que a saúde é ter direito a vida saudável, pois aumenta a qualidade e expectativa de vida do homem e deve ser aplicada pelo Estado com eficácia.

  1. Força Normativa e os Direitos Sociais Básicos.

Konrad Hesse em seu livro “A Força Normativa da Constituição” ressalta que o pensamento de Ferdinand Lassalle, na qual é uma visão sociológica e é considerado um pensamento ainda vivo na sociedade, uma vez que as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim políticas, pois a Constituição de um país expressa somente as relações do poder dominante nela existente. E é a partir desses fatores reais que o ordenamento jurídico é formado.

Segundo Lassalle, dentro de um país existem duas Constituições; uma Real e efetiva que corresponde à soma dos fatores reais do poder que regem um determinado País, e uma Constituição Escrita, onde para ele é denominada uma “folha de papel”, onde também é chamada de Constituição Jurídica. Esta última, só teria validade se correspondesse à Constituição Real, isto é, se tivesse suas raízes nos fatores reais de poder.

Desta forma, para Hesse, o poder da força é superior as normas jurídicas e a normatividade submete-se à realidade fática. Neste contexto, há uma negação da Constituição Jurídica, visto que o Direito Constitucional não se encontra a serviço de uma ordem estatal justa e sim na função de justificar as relações de poder dominante.

A Constituição não se configura apenas na expressão de um ser, mas também de um dever ser, pois o ordenamento jurídico tem por objetivo imprimir ordem e conformação à realidade política e social, visto que ela é determinada pela ordem social e também em relação a ela mesma. Logo, a realidade da Constituição pode ser diferenciada da sua normatividade, mas não podem ser separadas ou confundidas.

Outro aspecto que Hesse observa, é que a Constituição Real e a Constituição Jurídica estão sempre se relacionando, mas não são dependentes uma da outra, de modo que a Constituição exerce sua força normativa por conta de sua eficácia. A Constituição não deve se aparentar de forma incapaz, não se deve interpretar o Estado de forma abstrata e teórica, pois as leis culturais, sociais, políticas e econômicas que imperam no ordenamento jurídico não devem ser ignoradas.

Hesse também relaciona os requisitos de dão autonomia a Constituição para afirmar sua força normativa, de modo que o conteúdo do ordenamento jurídico é o que deve se adaptar as mudanças na realidade, além da sua prática na sociedade. A Constituição deve ser partilhada por todos os indivíduos da vida constitucional. E a interpretação deve ser efetiva e significativa, pois é a preservação dessa força normativa.

Portanto, ao relacionar Hesse com os Direitos Sociais Básicos na Constituição Federal de 1988 é perceptível a inaplicabilidade para a concretização desses direitos, visto que o sistema público do Brasil, tanto no aspecto municipal, estadual e federal, não se compromete de forma eficaz para conceder aos cidadãos os devidos direitos como saúde, alimentação, educação entre outros, onde muita das vezes o Estado deixa a desejar e busca somente atender aos interesses da classe dominante.

  1. Constitucionalismo Dirigente e os Direitos Sociais Básicos - Canotilho

Tratando a respeito do constitucionalismo dirigente, segundo o conceito de José Joaquim Gomes Canotilho, no espaço constitucional deve conter normas direcionadas a sociedade, não somente para o Estado, teoria que se aproxima do pensamento de Konrad Hesse que também afirma que a Constituição é a ‘’ordem jurídica fundamental da sociedade’’. Diante da perspectiva de Canotilho, entende-se constitucionalismo moderno como sendo uma norma sistemática e racional da comunidade política, norma esta escrita em um documento que contém todos os direitos e liberdades, e são fixado limites do poder político.

A Constituição, segundo Canotilho deve ser também a lei fundamental da sociedade, não sendo apenas restrita ao Estado. Dessa forma, na Constituição dirigente deve conter caminhos a serem seguidos tanto pela sociedade, quanto pelo Estado. Estará compreendida também nessa Constituição a intervenção no meio social, cultural e econômico, ou seja, além de regulamentar as bases do Estado, dará suporte a aspectos não-estatais também.

De modo mais claro e objetivo o conceito de Constituição Dirigente para José Joaquim Gomes Canotilho, diz respeito à aquela que define fins e objetivos para a Sociedade e o Estado, tem como função fornecer uma direção permanente e consagrar uma exigência de atuação estatal.

Portanto, a Constituição não deve ser vista apenas como uma máquina para o governo- definindo e regulamentando competências e procedimentos. Esta deve ansiar por transformações sociais determinando tarefas, programas e consequentemente, fins para o Estado e para a sociedade.

Com a proposta de Constituição Dirigente de José Joaquim Gomes Canotilho, busca-se uma mudança da Teoria da Constituição para uma Teoria Material da Constituição através dos fins e tarefas contidos no texto constitucional. A partir disso, Canotilho defende que o legislador não tenha disponibilidade da Constituição, defende também a discricionariedade legislativa e procura mostrar vínculo jurídico para as ações políticas na Constituição.

Contudo, o fornecimento dessas linhas de atuação para a política, sem substituir a mesma, fica nítida a relação de interdependência entre estado e sociedade. Transformar a realidade mediante o direito é o principal papel da Constituição Dirigente, acreditando que há possibilidades de mudar o meio social e consequentemente sua realidade, por meio de mecanismos constitucionais.

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