OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS INERENTES À PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Direitos Fundamentais são aqueles imprescindíveis para a sobrevivência da pessoa, ou, ao menos, para assegurar uma vida digna do ser humano. Dificilmente alguém irá conseguir viver, por exemplo, sem a sua liberdade, sem dignidade. Para tanto, a Constituição Federal do Brasil elencou um rol de direitos fundamentais no artigo 5º e em outros para assegurar essa visão, além de atribuir a eles aplicação imediata. José Afonso da Silva (2007; p. 56), ao se referir aos direitos fundamentais do homem, aduz que:

Se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significam "Direitos fundamentais da pessoa humana", ou "Direitos humanos fundamentais".

Ao nascer, os direitos fundamentais já estão inseridos nos atributos do cidadão, por isso afirmar que são "inerentes a pessoa humana". Eles representam, quer direta ou indiretamente, uma limitação ao poder do estado, não impedindo que este atue, mas delineando a sua ação.

É salutar ressaltarmos que os direitos humanos e fundamentais não são ilimitados, ou seja, eles garantem uma (con)vivência harmônica às pessoas, mas (salvo algumas exceções) não são absolutos. Esse entrave ao seu exercício é realizado pelos outros direitos fundamentais das outras pessoas também encontrados no mesmo diploma legal. Então, por exemplo, Tício não pode fotografar Kika na residência desta sem o consentimento da mesma alegando "o livre exercício de qualquer trabalho" (art. 5º, XIII, CF), visto que "a intimidade e a vida privada são invioláveis" (art. 5º, X, CF). Esse entendimento foi expressamente previsto na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, que em seu artigo 29 dispõe:

No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

O intérprete, ao observar que dois direitos fundamentais (em nível interno) colidiram deve recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização. De acordo com tal princípio, os bens jurídicos conflitados devem ser coordenados e combinados, a fim de impedir que haja o sacrifício pleno de uns em relação aos outros.

Em nível internacional, isto é, quando houver um choque entre um direitohumano e fundamental previsto no direito interno (nacional) e outro no direito externo (internacional) deve-se levar em conta a norma mais favorável à vítima e, desta forma, privilegiará a que mais defenda, no caso concreto, os direitos inerentes à pessoa. Essa idiossincrasia está atrelada ao fato de as normas estatuídas em Tratados internacionais que versem sobre direitos humanos tem natureza materialmente e formalmente (se obedecida, neste último caso, à regra do §3º do artigo 5º da CF) constitucional, equiparando-se, portanto, a própria Constituição. Canotilho apud Carvalho (2007; p. 568) ratifica esse entendimento, alegando que "no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais".

2. ASPECTOS HISTÓRICOS

Historicamente falando, um dos primeiros códigos que se tem notícia perante as escritas é o Código de Hamurabi, elaborado em 1700 a.C. e tinha como principal lema a idéia do "olho por olho e dente por dente". Esse conjunto de normas previa punições diferentes para os mais variados tipos de classes sociais, não demonstrando nenhum senso de direitos humanos e fundamentais. Assim, por exemplo, se um escravo cometesse algum delito contra outra pessoa, a pena para ele seria mais severa em relação aos demais.

Na Antiguidade grega e romana não havia referência aos direitos fundamentais, não obstante as alusões estoicista às idéias de dignidade e igualdade. A polis grega e a civitasromana absorviam o homem na sua dimensão individual, não se manifestando a liberdade como direito autônomo: livre era o homem que gozava de capacidade para se integrar no Estado, participando das decisões políticas.

Com o advento da era cristã começaram a aparecer os direitos fundamentais, sendo que estes eram constantemente proclamados pelas oratórias de Jesus em suas pregações. Durante o período Medieval presenciado principalmente na Inglaterra, os direitos fundamentais significaram concessões e privilégios para a Igreja católica e nobreza, não se reconhecendo direitos universais. A Magna Carta estatuía apenas a observância a alguns direitos, como o direito à vida (CARVALHO, 2007).

3. AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

As convenções são documentos oficiais ratificados pelo Brasil, representando deveres deste para com os destinatários estatuídos nos acordos. O país aderiu a convenções importantes no tocante ao reconhecimento dos direitos humanos e fundamentais inerentes à pessoa humana.

Inicialmente, nos Estados Unidos surge a Declaração da Virgínia de 1776, que deu um impulso para a observância dos direitos fundamentais. Mas, a Revolução Francesa de 1789, com seus postulados de liberdade, igualdade e fraternidade foi o marco basilar para universalidade dos direitos fundamentais. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão representou uma das maiores tentativas de universalização e de equiparação no que diz respeito aos direitos fundamentais. Essa noção pode ser representada pelo disposto no artigo 16 da declaração: "Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos fundamentais nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição".

Pinto Ferreira (2002; p. 99) assinala a importância das declarações, afirmando que:

As declarações de direitos são aquelas disposições declaratórias das principais liberdades humanas. Tais direitos, enunciados pelas grandes resoluções e depois incluídos nos textos das Constituições, constituem a própria personalidade do homem, cujo exercício lhes corresponde, com limitações recíprocas nos direitos dos demais homens.

A Declaração dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) datada do ano de 1948 foi outro instrumento de efetivação dos direitos humanos e fundamentais no mundo. Com o objetivo de que "cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição".

Para Dalmo de Abreu Dallari (2005; p. 214):

A proclamação dos Direitos Humanos, com a amplitude que teve, objetivando a certeza e a segurança dos direitos, sem deixar de exigir que todos os seres humanos tenham a possibilidade de aquisição e gozo dos direitos fundamentais, representou um progresso.

Face ao exposto, nota-se que a Constituição Federal de 1988 adotou tanto os preceitos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e da Declaração dos Direitos Humanos da Onu. Assim, a Carta Magna nacional dispõe no caput do seu artigo 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Sobre a observância de aspectos históricos à feitura de alguma Constituição assim se posicionou Konrad Hesse (1991; p. 16):

Somente a Constituição que se vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes, dotada de uma ordenação jurídica orientada pelos parâmetros da razão, pode, efetivamente, desenvolver-se.

Vivente Ráo (1999) entende que o Estado de Direito deve organizar-se inspirado na participação do Governo, assim organizado, na comunidade internacional, baseada no reconhecimento dos princípios fundamentais da organização democrática. Na Lex Fundamentalis brasileira os direitos fundamentais foram divididos em cinco capítulos: I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; II - Dos Direitos Sociais; III - Da Nacionalidade; IV - Dos Direitos Políticos; V - Dos Partidos Políticos; e a Constituição Federal diz que o Brasil reger-se-á, nas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II).

4. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Cumpre frisar, por oportuno, que os direitos fundamentais apresentam as suas gerações, isto é, eles aparecem em momentos determinados da história obedecendo a uma ordem cronológica, ora por exigência de uma não intervenção estatal, ora por necessidade de uma atuação positiva do mesmo. Assim sendo, a primeira geração foi influenciada pelos ideais iluministas e jusnaturalistas do século XVII e XVIII. Sendo assim, são aqueles que conglomeram os direitos individuais e os direitos políticos, caracterizados pela não intervenção por parte do Estado – Liberdade negativa. Chama-se de segunda dimensão os direitos sociais, econômicos e culturais que surgiram no começo do século. Nesta fase, tem-se uma necessidade de atuação positiva do Estado, propiciando aos cidadãos melhores condições de sobrevivência, tais como o direito à saúde, à segurança etc.

Os direitos humanos e fundamentais de terceira geração são os consagrados direitos de solidariedades ou de fraternidade, representados pelo direito ao meio ambiente, direito ao desenvolvimento etc. A quarta geração de tais direitos são os direitos da minoria, sendo expressões o direito à democracia, ao pluralismo político e o direito à informação. Atualmente comentam-se em quinta geração dos direitos humanos e fundamentais, sendo constatadas no regime tecnológico atual, como a clonagem, o estudo das células tronco, o direito do embrião etc.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho apud Alexandre de Moraes (2006; p. 27) conclui que "a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade".

5. ATRIBUTOS ESSENCIAIS

Diante de toda a análise feita até aqui no que concerne aos direitos humanos e fundamentais, podemos trazer à tona os seus atributos ou características essenciais. A primeira delas é a historicidade, isto é, os direitos são criados em um contexto histórico, e quando colocados na Constituição se tornam Direitos Fundamentais. Isso explica o fato de eles serem previstos inicialmente nas revoluções e declarações precedentes à sua existência. Outro atributo é a imprescritibilidade: os direitos fundamentais não prescrevem, ou seja, não se perdem com o decurso do tempo, são permanentes. O caráter de irrenunciabilidade deles significa, como o próprio termo já denota, que não podem ser renunciados. Assim, por exemplo, a ninguém é dado o direito de abrir mão da própria vida.

O traço da inviolabilidade se traduz da seguinte maneira: os direitos de outrem não podem ser desrespeitados por nenhuma autoridade ou lei infraconstitucional, sob pena de responsabilização civil, penal ou administrativa. Cabe ressaltar que o Estado deve promover, proteger e também exigir a efetividade dos direitos fundamentais (BOBBIO, 2006), e não faltar-lhes com respeito, pois essa atitude seria um retrocesso, tendo em vista que esse elemento é encontrado nos Estados autoritários, onde não há nenhum senso de dignidade humana. Aí está a sua efetividade, ou seja, o Poder Público deve atuar para garantir a sua efetivação, usando quando necessários meios coercitivos.

A universalidade dos direitos humanos e fundamentais deve ser entendida que eles são dirigidos a todo ser humano em geral, sem restrições, independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política.. Além disso, podem ser exercidos em concorrência, ao mesmo tempo, sendo que as previsões (infra)constitucionais não podem chocar com os mesmos, mas viverem a fim de atingirem as suas finalidades, realçando a interdependência. Finalmente, no tocante às características, tem-se a sua complementaridade, visto que os direitos humanos e fundamentais, ao serem interpretados, devem ser analisados conjuntamente, com o intuito de realizá-lo plenamente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, a Constituição Federal de 1988 assume importante papel ao estatuir em seu artigo 5º (e outros) direitos fundamentais que asseguram uma possibilidade prática de convivência entre as pessoas, visto que eles constituem um pressuposto básico para a concretização do princípio democrático.

Os direitos fundamentais têm a função de enaltecer direitos de defesa dos cidadãos, pois, num plano jurídico-objetivo, representa normas de natureza negativa para os poderes públicos, visto que proíbe as ingerências destes na esfera individual e, além desse aspecto, implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente (liberdade positiva) direitos fundamentais e de, concomitantemente, exigir omissões dos poderes públicos (liberdade negativa), de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (CANOTILHO apud MORAES, 2006).

7. REFERÊNCIAS

1. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

2. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

3. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

4. FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

5. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

6. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

7. RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 5ª ed. anotada e atual. por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

8. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo; Malheiros, 2007.