ALINE SANTOS DE OLIVEIRA

ACADÊMICA DE DIREITO, 2º PERÍODO.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO, 2.DIREITOS E DIGNIDADE, 2.1. DIREITO A VIDA, 2.2. DIREITO A LIBERDADE RELIGIOSA, 2.3. A HERMENÊUTICA JURÍDICA, 2.4. A DIGNIDADE, 2.5. OS MENORES, 2.6. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS, 3. CONCLUSÃO, 4. BIBLIOGRAFIA

PALAVRAS-CHAVE: TESTEMUNHAS DE JEOVÁ; DIGNIDADE; RELIGIÃO.

  1. INTRODUÇÃO:

A realização da transfusão de sangue em pacientes adeptos a religião Testemunhas de Jeová tem sido motivo de polêmica entre religiosos, médicos e juristas. Essa questão põem em conflito dois dos direitos fundamentais: o direito à vida e o direito à liberdade de crença, daí ser um caso que necessita de mais cuidado ao ser estudado.

·É aceitável a recusa de sangue, e por isso abdicação da vida, por convicções religiosas?

·Se o paciente não estiver em condições de se manifestar no momento, o médico deve decidir ou prevalece a vontade dos responsáveis pelo paciente?

·Se o paciente for menor de idade? Deve prevalecer a convicção religiosa dos pais?

Esse artigo procura apontar uma possível ponderação de valores, afim de não prejudicar nenhum dos direitos. O caminho para a solução parece estar na aplicação adequada da hermenêutica jurídica, pois esta analisará os códigos de forma a aplicar-los da melhor forma em cada caso concreto.

Deve-se lembrar que os valores de caráter religioso podem ser decisivos na vida deste, de forma que se violados tornarão a existência algo constrangedor para o adepto da religião. A cultura do outro na deve ser analisada de maneira preconceituosa, mas sim procurar os entender os valores contidos nela. O ideal de todas as decisões consiste em conciliar, sempre que possível interesses opostos, mas igualmente importantes, sem sacrificar totalmente nenhum deles.

2. DIREITOS E DIGNIDADE.

2.1. DIREITO À VIDA.

A vida é um direito fundamental garantido pela constituição, sua importância é extrema visto que possibilita a garantia dos demais direitos da personalidade. Deve-se compreender, porém que o direito a vida é, antes de tudo, o direito a vida com dignidade. Ainda que muito importante o direito a vida não possui caráter absoluto, já que a dignidade é o fundamento principal do nosso estado de direito. Prova disso é a opção por aborto no caso de estupro e a pena de morte em caso de guerra.

2.2. DIREITO A LIBERDADE RELIGIOSA.

O direito a liberdade frente à opressão do Estado é uma conquista que a sociedade batalhou por anos; essa liberdade abrange liberdade de consciência, de manifestação, de crença, entre várias outras. A liberdade de crença não deve ser entendida apenas como o direito de poder escolher livremente determinada religião que se queira, mas poder exercer suas crenças, desde que estas não prejudique terceiros. Se o Estado não permite que as pessoas se orientem de acordo com suas convicções religiosas, não se pode dizer que existe nele a liberdade de culto. O artigo 5º, inciso VI da Constituição Federal declara:

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

2.3. A HERMENÊUTICA JURÍDICA

A solução do conflituoso caso fica a cargo da jurisprudência, o legislador deve decidir pela medida que menos afete os dois direitos envolvidos. Não existe prevalência "in abstrato" por nenhum desses direitos, portanto é necessária a análise de cada caso concreto para que se possa adotar uma posição coerente.

Antes a ciência do direito fundamentava-se no fato e dava pouca importância ao valor, o magistrado realizava estritamente o que determinava o código. Atualmente, no pós positivismo, o direito exige uma maior valorização dos princípios morais e maior interpretação das leis. a justiça só poderá ser atingida nesse caso se o juiz fizer uma ponderação de valores, conhecendo o fato e interpretando devidamente a norma.Como sugere Miguel Reale, na teoria tridimensional do direito, a ciência jurídica deve estar apoiada em três pilares que são fato, valor e norma. Em qualquer situação que estas três não estejam presentes não poderá existir uma decisão correta, pois os três são igualmente valiosos para a ciência do direito. Ele explica que "a norma jurídica é a indicação de um caminho, porém para percorrer o caminho, deve-se partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor." (MIGUEL REALE)

2.4.A DIGNIDADE.

Apenas a título de ilustração do quão dramática é a situação, um médico conta que para salvar a vida de uma paciente, que se recusava terminantemente, por motivos religiosos a conceder a transfusão de sangue após difícil parto, praticou tal ato contra a vontade da parturiente e de seu marido. A mulher após obter alta não foi aceita em seu lar pelo conjugue, nem pôde mais ir aos cultos, sendo repudiada por todos. Trata-se de uma situação muito delicada, pois como se pôde notar a mulher foi excluída do grupo social em que vivia; devem-se levar em consideração todos os valores envolvidos em casos como estes.

2.5.OS MENORES.

Cabe aos pais o dever de proteger a vida dos filhos e também de auxiliar na sua formação religiosa. Porém sobrepor a vontade dos pais ao direito a vida de seus filhos seria pouco justo. Dispor da vida do menor por motivo de crença religiosa, não se mostra a melhor decisão visto que estes não têm maturidade o suficiente sequer para escolher qual religião seguir. Nesse caso cabe ao médico decidir se é realmente necessária a transfusão e se assim for deverá ele, realizar a transfusão mesmo sem a autorização dos pais. Os valores dos pais não têm poder suficiente para decidir sobre a vida ou morte dos filhos, deve-se deixar que estes desenvolvam seus próprios valores com o tempo.

2.6.TRATAMENTOS ALTERNATIVOS.

Deve-se ter em mente que as "Testemunhas de Jeová", na verdade, não têm a intenção de dispor da própria vida, eles não aceitam a transfusão sanguínea, porém estão dispostos a qualquer outro tipo de tratamento alternativo para sobreviver. Em alguns casos o sangue pode ser substituído por outros fluidos ou até mesmo não ser utilizado; pode-se ter como ponto negativo uma recuperação mais lenta ou uma maior dificuldade no procedimento cirúrgico, porém esta seria uma forma de não sacrificar nem a vida nem os valores religiosos do paciente.

3.CONCLUSÃO.

Este trabalho foi feito com o intuito de esclarecer à posição dos adeptos a religião "Testemunhas de Jeová" que muitas vezes são injustiçados por médicos e juristas e mal interpretados pela população em geral devido a suas convicções religiosas. O que aos olhos da maioria pode parecer absurdo, para alguns pode representar um conceito tido como verdadeiro e preservado por toda a vida.

Fica claro que na colisão de direitos não é possível uma solução in abstrato, a solução só acontecerá diante do caso concreto. Porém conclui-se que nessas decisões deve prevalecer o respeito à dignidade humana como limite e fundamento dos demais direitos, pois é baseado na dignidade que eles emergem. Por fim acredita-se que:

  • Se o paciente estiver apto a manifestar suas vontades é seu direito decidir sobre qualquer intervenção em seu corpo, se uma pessoa não pode ser obrigada a procurar um médico também não deve ser obrigada a se submeter a uma cirurgia.
  • A submissão forçada à transfusão de sangue seria uma afronta a dignidade humana.
  • Se o paciente não estiver em condições de exprimir suas vontades, o médico possui o direito e dever legal de realizar a transfusão mesmo sem a autorização dos responsáveis, pois a manifestação de outras pessoas que não o próprio enfermo não possui valor bastante para se sobrepor a vida de outrem.

A vida é sim um bem extremamente valioso, porém proteger a vida e tirar-lhe a dignidade seria como voltar ao tempo em que a liberdade não existia por opressão do Estado. Se for suprimida a sua liberdade a sociedade se tornará um rebanho de escravos embrutecidos e desaparecerão os vestígios de valor e moral. O ser humano que não se vê como digno acaba se excluindo da sociedade e sendo excluído por ela. "O direito é a concretização da idéia de justiça na pluralidade de seu dever histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores." (MIGUEL REALE)

4.BIBLIOGRAFIA.

LEME, Ana Carolina Reis Pais.Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13243

LIGIERA, Wilson Ricardo. Transfusão de sangue. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545

LIGIERA, Wilson Ricardo. Tutelas de urgência na recusa da transfusão de sangue. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/41258/2

MAXIMILIANO,Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19º Ed. Rio de Janeiro; Forense,2010.

REALE, Miguel. Preliminares ao estudo da teoria tridimensional do direito.