Os “direitos de natureza” da Constituição do Equador de 2008 sob a ótima da Teoria dos direitos Subjetivos: a teoria do interesse. 

Priscila L. Cajueiro 

Sumário: Introdução. 1 Dos direitos subjetivos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 1.1 O homem como sujeito de direitos; 1.2 Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; 2 As inovações da Constituição do equador de 2008; 2.1 A natureza como sujeito de direitos à luz da Teoria do interesse de Ihering; Conclusão. Referências. 

RESUMO 

Partindo-se do tema “Os ‘direitos de natureza’ da Constituição do Equador de 2008 sob a ótima da Teoria dos direitos Subjetivos: s teoria do interesse”, faz-se uma análise acerca da inovação traga pela referida Constituição que torna sólida a ideia de se ter a natureza como sujeito de direitos, ampliando-se o foco, até então único, do direito subjetivo da pessoa humana ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Com fins de demonstrar a pertinência da questão abordada e, visando fundamentar tal exame, utiliza-se a Teoria dos Direitos Subjetivos, com ênfase na corrente da teoria do interesse de Ihering.

Palavras-chave: Contituição do Equador. Direitos de natureza. Teoria do interesse.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente observa-se, com os avanços e crescimento das sociedades, que cada vez mais o meio ambiente tem sofrido graves prejuízos, muitos de maneira irreparável e sem o devido cuidado de preservação. Partindo-se dessa premissa, entende-se trata-se de um interesse de toda uma sociedade, com total dependência da natureza para a sua subsistência e consequente sobrevivência.

Preocupado com a constante degradação, o legislador equatoriano trouxe, na Constituição do Equador de 2008 uma inovação que tornou-se um estopim para muitos questionamentos, inclusive quanto à possibilidade de algo distinto do ser humano ser outorgado de direitos.

A Constituição suso referenciada inovou ao trazer como sujeito de direitos, a natureza, algo inédito dentre todas as outras cartas constitucionais existentes. Na realidade brasileira, o mais próximo que se chega quando se trata da questão ambiental relacionada ao ser humando, é o direito deste tê-lo de modo ecologicamente equilibrado e o dever de preservá-lo para as gerações futuras, mas nunca a natureza como detentora do direito.

O objeto desse estudo, portanto, é a compreensão da inovação da Constituição do Equador de 2008 pautada na teoria dos direitos subjetivos, com ênfase à teoria do interesse de Ihering.

1 DOS DIREITOS SUBJETIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

                  

                   Inicialmente, faz-se necessária a compreensão do que vêm a ser os direitos subjetivos, segundo conceitos encontrados na literatura jurídica, para que então se possa analisar da ampliação dos direitos do homem à natureza.

                   De acordo com Rizzato Nunes (2005, p. 131), direito subjetivo é “a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, à disposição do sujeito do direito (...) entendida como a possibilidade de uso e exercício efetivo do direito”.

                   Nesse ínterim, Paulo Nader (2002, p. 299) leciona que o direito subjetivo apresenta duas esferas: a da licitude e a da pretensão. A primeira “corresponde ao âmbito da liberdade da pessoa, agere licere, pelo qual pode movimentar-se e atuar na vida social, dentro dos limites impostos aa todos pelo ordenamento jurídico”. Quanto à pretensão, esta é a aptidão que o direito subjetivo oferece ao seu titular de recorrer à via judicial, a fim de exigir do sujeito passivo a prestação que lhe é devida”.

                   Isto posto, depreende-se, portanto, que o direito subjetivo trata tanto da efetividade quanto da potencialidade do exercício do direito.

                  

1.1 O homem como sujeito de direitos

Independentemente de sua vontade, o homem é sujeito de direitos, competindo ao Estado o estabelecimento das normas garantidoras. Dessa maneira, “o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem” (MORAES, 2010, p. 30), que visem a sua regulamentação, no caso brasileiro, em cinco espécies: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos (MORAES, 2010, p. 31).

1.2 Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

                  

                   Diante da valoração traga pela Constituição Federal brasileira de 1988 – correspondendo à realidade do século XXI –, quanto à tutela dos valores ambientais, notou-se um reconhecimento de suas “características próprias, desvinculadas do instituto da posse e da propriedade, consagrando uma nova concepção ligada a direitos que muitas vezes transcendem a tradicional ideia dos direitos ortodoxos: os chamados direitos difusos” (FIORILLO, 2010, p. 60).

                   Assim, cabe destacar o artigo. 225 da referida constituição (CF/88), que traz o seguinte texto: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

                   Dessa maneira, observa-se o meio ambiente como um direito do ser humano (direito de todos), de forma equilibrada, à quem também compete defesa e preservação às gerações vindouras.

 

2 AS INOVAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO DO EQUADOR DE 2008

                  

                   A Constituição do Equador de 2008 trouxe uma interessante inovação legislativa ao tratar do meio ambiente: apontou a natureza como sujeito de direitos, ampliando o foco, até então único, da pessoa humana.

                   Diante da crescente desarmonia na relação do homem com o meio ambiente, os legisladores equatorianos trouxeram os derechos de la naturaleza, que, segundo Cristiano Pacheco (p. 3) foram fundamentados da seguinte forma:

 A sociedade civil equatoriana agrega novos argumentos e visões que, em verdade, não são novos, pois não criam, mas sim resgatam sabedoria indígena, trazendo-a democraticamente para o texto constitucional. Surge o anseio, refletido na lei, por maior equilíbrio obrigacional entre os seres humanos e a natureza, argumentando os cidadãos - em debates prévios à assembleia constituinte - que “a natureza só teria obrigações e nenhum direito na relação com o homem” e que “somos parte de ecossistemas e que estes também precisam viver e ter direitos”, assim como nós seres humanos somos detentores do direito de usar os recursos naturais conforme nos convém, devolvendo pouco ou nada para a natureza.

                   Sendo assim, buscou-se, por intermédio do texto constitucional, uma visão moderna que deflagrasse a atenção da população à iminente escassez dos recursos naturais, indispensáveis à sobrevivência do homem.

                   Ainda em relação à Constituição do Equador de 2008, Vladimir Freitas (p. 1) destaca que

(...) a natureza pode reivindicar perante as autoridades públicas a defesa de seus direitos (...), que recursos naturais podem ser partes na relação jurídica processual. Podem ser autores ou réus em uma ação civil. Assim, por exemplo, é possível que se autue, em nome de recursos naturais (árvores, rios, exemplares da fauna, etc.), uma ação inibitória da instalação de uma mineradora.

                  

                   Isto posto, têm-se que, diante dos crescentes problemas ambientais, torna-se cada vez mais evidente a preocupação quanto à elaboração de regras que visem reconhecer a natureza como sujeito de direitos.

2.1 A natureza como sujeito de direitos à luz da teoria do interesse de Ihering

                  

                   A teoria do interesse, defendida pelo alemão Rudolph von Ihering (1818-1892) “centralizou a ideia do direito subjetivo no elemento interesse, afirmando que direito subjetivo seria ‘o interesse juridicamente protegido’” (NADER, 2002, p. 301).

                   Diante desse conceito e, correlacionando-o com a inovação traga pela Constituição do Equador de 2008 quanto a consideração da natureza como sujeito de direitos, deve-se compreendê-lo de forma a agregar os interesses de uma sociedade como um todo, e não unicamente de um indivíduo isolado – o que poderia ser objeto de crítica, diante do caso de um ser humano incapaz de demonstrar sua vontade.

                   Através do interesse de toda uma sociedade, que será beneficiada a usufruir dos bens que a natureza proporciona, frise-se, indispensáveis à sobrevivência humana, é que fundamenta-se a concessão do legislador equatoriano da outorga de direitos à natureza. Nesse sentido, destaca Paulo Nader (2002, p. 302)

O interesse, tomado não como “o meu” ou “o seu” interesse, mas tendo em vista os valores gerais da sociedade, não há dúvida de que é elemento integrante do direito subjetivo, de vez que este expressa sempre interesse de variada natureza, seja econômica, moral, artística, etc.

                   Ainda em defesa dessa correlação, destaca-se o entendimento de Pedro Lessa (p. 1) que diz que “o que determina a promulgação de uma nova regra de direito é o aparecimento de um novo e momentâneo interesse”.

                   Nota-se, portanto, que a inovação legislativa em tela mostrou-se fundamentada na adaptação dos meios (legislação moderna) aos fins, ou seja, a proteção do meio ambiente, ao conferir à natureza direitos próprios, como resultado do interesse coletivo de toda uma nação.

 

CONCLUSÃO

 

                   Como já dito anteriormente, a natureza tida como sujeito de direitos, surgiu da inovação da Constituição do Equador de 2008. Nesse contexto, o legislador buscou dotá-la da prerrogativa de amparo de direitos a ela inerentes, pautados em sua defesa e preservação.

                   Ao trazer tal inovação para o estudo dos direitos subjetivos, buscou-se analisá-la sob a ótica da teoria do interesse de Iheirng, que traduz a ideia da proteção jurídica dos anseios comuns de uma sociedade, de forma a agregar conceitos e vantagens de acordo com as demandas atuais.

REFERÊNCIAS

 

EQUADOR, Constituição da República do Equador, 2008.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010.

FREITAS, Vladimir Passos de. A natureza como sujeito de Direitos. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=96>. Acesso em: 26 ago. 2012.

LESSA, Pedro. A teoria de Ihering. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_54/panteao.htm>. Acesso em: 17 nov. 2012.

MONTEIRO, Isabella Pearce. Capítulo 4: Previsões relativas ao meio ambiente nas  Constituições Nacionais. In: Direito do Desenvolvimento Sustentável: produção histórica internacional, sistematização e constitucionalização do discurso do desenvolvimento sustentável. Tese de Mestrado. Faculdade de Direito de Coimbra, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NUNES, Rizzato. Manual de Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2005.

PACHECO, Cristiano de Souza Lima. A constituição do equador e o direito dos animais em um mundo em transformação. Disponível em: http://cristianopacheco.com/wp-content/uploads/2011/12/Cristiano-Pacheco-Constitui%C3%A7%C3%A3o-do-Equador-e-Direito-dos-Animais-01.11.11.pdf. Acesso em 02 nov. 2012