Diego Costa de Oliveira

Victor Áecio Silva[2]

SUMÁRIO: Introdução. 1 O problema da seleção: o mérito como parâmetro. 2 Disparidades e a realidade social. 3 Constitucionalidade. 4 Realidade universitária. Conclusão.

RESUMO

Primeiramente faz-se uma abordagem sobre as melhorias a partir da participação em um ensino superior, mostrando logo em seguida a dificuldade de ingresso neste círculo completamente elitizado. Trabalha-se em seguida se as cotas raciais são um meio de atingirmos igualdade social, ou um meio de etigmatização.

PALAVRAS-CHAVE

Universidade. Cotas raciais. Constitucionalidade. Ações afirmativas.

 

INTRODUÇÃO

O ensino superior sempre fora um aspecto fundamental para o desenvolver pessoal, possibilitando a habilidade de lidar com problemas cada vez mais complexos em qualquer área, tendo em vista que a partir desse ponto passa-se a saber cada vez mais de cada vez menos e cria-se um processo de especialização, onde é extremamente benéfico ao conhecedor frente o mercado capitalista que exige cada vez mais conhecimento de seus trabalhadores, e conseqüentemente bom para o desenvolvimento social, trazendo possibilidades e recursos ao local de origem desta produção de conhecimento.

O processo apresentado exige obviamente a necessidade do ingresso em uma universidade superior, porém no sistema usual isto não é detentor de uma isonomia social, visto o número mínimo de pessoas que tem o real acesso a este ensino. O maior problema é a segregação econômica que resulta em uma não preparação dos candidatos (os que possuem menor poder de aquisição) a possibilidade de uma luta efetiva por uma vaga na universidade, transformando o ensino em algo elitizado e, portanto injusto.

O sistema de cotas fora introduzido aos poucos no Brasil, progredindo através da adesão cada vez maior das universidades, o vestibular aparece com novos mecanismos de inscrição, possibilitando formas diferentes de concorrência de acordo com uma característica peculiar, como raça e estudo em escola pública.

1 O PROBLEMA DA SELEÇÃO: O MÉRITO COMO PARÂMETRO

O problema principal incide no fato de o mérito ser um parâmetro para resolver uma questão aparentemente injusta. O uso de cotas raciais nas universidades públicas vem gerado debates fervorosos em função da constitucionalidade ou não, por assegurar parte das vagas para tal etnia minoritária, suprimindo as vagas da maioria branca, gerando revolta aos integrantes de tal grupo, considerando-se excluídos por sua raça.

Primeiro de tudo, deve-se registrar o porquê do surgimento das cotas raciais[3]. Tal reserva de vagas surgiu nos Estados Unidos, com o intuito de diminuir as diferenças entre os brancos e os negros no que concerne a inserção social. Tal fato é resultado da relação de hierarquia social que, historicamente, perpassaram os negros em relação aos brancos, a classe dominante.

Logo, ao afrontar-se com o caso em questão, as cotas não estariam estigmatizando os que dela se beneficiariam, pois tal procedimento estaria excluindo a divisão entre pessoas e grupos, pois seria totalmente injusta a decisão de criar uma vaga para o indivíduo da classe alta, pois o caso dele não é uma exceção e principalmente não existem fatores que o impelem brutalmente a adentrar uma universidade. Este teve plenas condições de lutar por uma vaga no que a ele foi limitado, do qual, presume-se, dificilmente ocorreria com aquele que adentrou nas cotas raciais[4].

2 DISPARidades e a realidade SOCIAL

As cotas não discriminam os brancos por não serem negros. Ao longo da história, aqueles que sofreram severas represálias e, por conseqüência, se tornaram hoje a maior representação da classe baixa e objeto de discriminação foram os negros[5]. As cotas foram criadas com o intuito de atenuar as diferenças abismáticas entre a elite (representada pelos brancos) e os mais necessitados (representados pelos negros).

Deve-se atentar ainda que, no mercado de trabalho, os profissionais que são mais remunerados, em sua maioria são brancos. Em relação aos negros, estes, por ocuparem um patamar socioeconômico inferior, representam, em sua maior parte, a mazela profissional menos remunerada, menos qualificada e que dificilmente dariam condições para que sua prole cresça com mais qualidade[6].

A medida de ação afirmativa visa um caráter contra a injustiça social. Determinado programa apresenta um escopo de justiças distributiva e compensatória[7], para que assim as diferenças, entre dominados e dominantes, atenuem-se, a fim de dar a todas as condições de crescimento econômico e social adequado.

3 CONSTITUCIONALIDADE

O uso de cotas raciais para negros nas universidades públicas gera debates em função da constitucionalidade ou não, por assegurar parte das vagas para os afro descendentes, suprimindo as vagas da maioria branca, gerando uma aparente desigualdade. O que resultou no discurso da etnia majoritária de que são excluídos por ser de determinada raça[8]. Destarte, é o inverso que a utilização de cotas pretende.

Observava-se que os negros com baixa renda não teriam a mínima condição de evoluir intelectualmente para assim construir uma carreira, pois, além de o ensino não ser muito qualificado, viam-nos como fadados à criminalidade[9]. Entretanto, com a aplicação de cotas, tal desnível entre etnias iria com o tempo diminuir, até chegar a um patamar mais equilibrado, estando em consonância com o princípio da igualdade.

As cotas não têm o intuito de formular desigualdade entre os integrantes da sociedade[10]. Esta visa a possibilidade de equiparação entre negros e brancos, logo que seus representantes apresentam um antagonismo econômico, por considerar que as condições de oportunidade para ambos é totalmente desproporcional.

Não se pode argüir o sistema de cotas em função da discriminação dos brancos, pois eles não são minoritários. Em pesquisa entre seis universidades federais, em todas o numero de estudantes brancos é superiores aos de negros. Os que mais se aproximam são as universidades do nordeste, mas mesmo assim há de se considerar que a população negra em tais Estados configura mais que o dobro da população brancas[11].

4 REALIDADE UNIVERSITÁRIA

A asseveração de que os cotistas seriam jubilados por não possuírem, teoricamente, a mesma capacidade dos demais é uma falácia. O edital do vestibular determina o numero mínimo, em função do mérito intelectual, para que os vestibulandos adentrem à universidade. Aqueles que seriam jubilados por reprovação, já não seriam aprovados por inaptidão ao requisito mínimo de qualificação.

A limitação de vagas para minorias não gera privilégio. A regalia já existe para os mais abastados, os que por décadas ocupam a posição de classe alta. Sem as cotas, a concorrência ocorreria de forma adversa, sendo que o mérito intelectual dá a vantagem para os que tiveram mais oportunidade de estudo. Conseqüentemente, quem sofreria desigualdade seriam os menos abastecidos, dando assim necessidade de cotas[12].

Também, pelo fato de o Estado ter desamparado tal seguimento historicamente, não se deve considerar como benefício em relação aos negros[13]. Determinado fato é alicerçado em detrimento às condições públicas de ensino, condições de vida e inserção social, tendo em vista que a maioria de tal etnia não possui condições financeiras para ter acesso, sendo os detentores de tais condições gozadores de tal prerrogativa.

CONCLUSÃO

A massa populacional que se dirige à rede pública de ensino está fadada ao descaso, em função de a mesma estar consideravelmente sucateada, descredenciada e abandonada. É necessário criar a oportunidade para aqueles que cresceram em meio a desídia estatal, que enfim tenham condições apropriadas, tal quais aqueles que representam a classe mais abastecida.

Os integrantes da sociedade devem ter iguais condições e oportunidades. Apurada esta assertiva, não se pode vê-la como verdadeira. A maioria da população tem péssimo ensino, condições de vida precárias e sem perspectivas futuras. As cotas dariam uma ênfase para os mais necessitados, para que tenham condições de, futuramente, dar uma estruturação mais eficiente para com seus descendentes, em função de uma boa formação.

ABSTRACT

First, it is an approach on the improvements from the participation in higher education, showing soon after the difficulty of entering this circle completely elitist. Work is then if the racial quotas are a means of achieving social equality, or a means of etigmatização.

KEYWORDS
University. Racial quotas. Constitutionality. Affirmative action.

 

REFERÊNCIAS

ANDREWS, George R. et al. Color College. Disponível em <www.sefatl.org>. Acessado em: 03 set. 2009.

BELL, Peter B. et al. Além do racismo: abraçando um futuro interdependente. Disponível em <www.beyondracism.org>. Acessado em: 22 ago. 2009.

DWORKIN, Ronald. Levado os direitos a serio. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_____. O império do direito. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_____. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

GUIMARÃES, A. S. Acesso de negros às universidades públicas.  Cadernos de Pesquisa, n. 118, p.247-268, mar. 2003.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MELLO, Marco Aurélio de. Óptica Constitucional - A igualdade e as Ações Afirmativas. Disponível em <www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Ministro_Marco_Aurelio/Oticaconstitucional.pdf>. Acesso em: 07 set. 2009.

NASCIMENTO, Abdias do. NASCIMENTO, Elisa Larkin. Dança da decepção: uma leitura das relações raciais no Brasil. Disponível em <www.beyondracism.org>. Acessado em: 22 ago. 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

 



[1] Tema escolhido pela professora Ana Paula que ministra aulas de Metodologia da Pesquisa Científica na Unidade de Ensino superior Dom Bosco (UNDB).

[2] Alunos do 1º período noturno de Direito da UNDB.

[3] Sobre a utilização de cotas nos EUA, Dworkin aponta: “Os programas baseiam-se em dois juízos. O primeiro diz respeito à teoria social: que os Estados Unidos permanecerão impregnados de divisões raciais enquanto as carreiras mais lucrativas, gratificantes e importantes continuarem a ser prerrogativas de membros da raça branca, ao passo que os outros se vêem sistematicamente excluídos de uma elite profissional e social. O segundo é o calculo de estratégia: que aumentar o numero de negros atuando em varias profissões irá, a longo prazo, reduzir o sentimento de frustração, injustiça e constrangimento racial na comunidade negra, até que os negros passem a pensar em si mesmos como indivíduos capazes de ter sucesso, como os outros, por meio do talento e da iniciativa. Nesse ponto futuro, as conseqüências, quaisquer que venham a ser elas, dos programas de admissão não raciais, poderão ser aceitas sem nenhuma impressão de barreiras ou injustiças  raciais” (Uma questão de princípio, p. 439)

[4] Em relatório do Grupo Internacional de Trabalho e Consultoria, sobre Ação Afirmativa: “A ação afirmativa – ou “ação corretiva”, como é chamada na África do Sul – tem se tornado um assunto de discussão e consideráveis desentendimentos nos três países.  Há argumentos sobre a legitimidade e os efeitos do uso de “raça” como base para ações remediadoras.  Seus oponentes reclamam que a ação afirmativa produz um efeito de “balcanização” das pessoas, que é um ato de “discriminação às avessas”, que coloca “raça” acima de mérito e que estigmatiza os beneficiários.  Seus defensores argumentam que as disparidades raciais e o tratamento desigual são os verdadeiros fatores de divisão entre pessoas e grupos que a ação afirmativa propõe remediar.  Também afirmam estes que as ações corretivas criam ambientes includentes para pessoas com habilidades e méritos comparáveis, enquanto até aqui a “pele branca” tem sido o principal requisito para se obter uma oportunidade.” (Além do racismo, p. 45)

[5] Como assinala George Reid Andrews: “Despite constituting the majority of the national population, people of African ancestry occupied a position of acute social and economic inferiority in Brazil. Most people of color were enslaved, and even those who were not remained subject to Portuguese ‘caste’ laws that severely restricted the rights and freedoms of non Whites. The economic structures of plantation agriculture further oppressed the Black population, both slave and free, by concentrating wealth and political power in the hands of a small landowning and mercantile elite, the members of which were almost entirely White.” (Color College, p. 95).

[6] Em relatório do Grupo Internacional de Trabalho e Consultoria, comparando os Estados Unidos, o Brasil e a África do Sul, determina-se: “Essas enormes desigualdades revelam e agravam as disparidades que separam as pessoas por ‘raça’, cor e aparência.  Em todos os três países, as pessoas de ascendência africana são encontradas em números desproporcionais dentre os mais pobres, enquanto os brancos constituem a grande maioria dos ricos.  Segundo, praticamente, qualquer possível indicador de bem-estar, da mortalidade infantil  à expectativa de vida, da educação à renda, os negros encontram-se em desvantagem significativa em relação aos brancos.” (Além do racismo, p. 37)

[7] Como aponta Pedro Lenza, em relação ao principio da igualdade/isonomia: “Esses critérios podem servir de parâmetro para a aplicação das denominadas discriminações positivas, ou ‘affirmatives actions’, na medida em que, segundo David Araujo e Nunes Junior, ‘... o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições’” (Direito constitucional esquematizado, pag. 597)

[8] Ronald Dworkin, sobre a exclusão de raças, assinala: “A raça parece diferente porque as exclusões baseadas na raça foram motivadas historicamente não por algum calculo instrumental, como no caso da inteligência, idade, distribuição regional ou capacidade atlética, mas por causa do desprezo pela raça ou religião excluídas. A exclusão por raça era um insulto, pois era gerada pelo desprezo” (Uma questão de princípio, p. 499).

[9] O professor Abdias do Nascimento observa tal fato no Brasil em: “A hierarquia e a segregação raciais estão indelevelmente estampadas em paisagens contrastantes de luxo e privação, sendo os afro-brasileiros residentes em favelas, mocambos, palafitas e assim por diante em proporção muito maior que sua participação na população em geral.” (Dança da decepção, p. 3)

[10] Dworkin se refere aos argumentos de programas semelhantes em: “[...]. Os argumentos favoráveis a um programa de admissões que discrimine em favor dos negros são ao mesmo tempo utilitaristas e de ideal. Alguns dos argumentos utilitaristas baseiam-se, ao menos indiretamente, em preferências externas, como a preferência de certos negros por advogados de sua própria raça; [...]. Os argumentos de ideal não se baseiam em preferências, mas sim no argumento independente de que uma sociedade mais igualitária será uma sociedade melhor, mesmo se seus cidadãos preferirem a desigualdade. Este argumento não nega a ninguém o direito de ser tratado igual.” (Levando os direitos a sério, p. 368).

[11] GUIMARÃES, A. S. Acesso de negros às universidades públicas. Cadernos de Pesquisa, p. 257. Em suma, em porcentagem, na UFRG, 76,8 são brandos e 20,3 são negros; na UFPR, 86,5 são brancos e 8,6 são negros; na UFMA, 47 são brancos e 42,8 são negros; na UFBA, 50,8 são brancos e 42,6 são negros; na UnB, 63,7 são brancos e 32,3 são negros e; USP 78,2 são brancos e 8,3 são brancos. Ressalvando que nos Estados que não são do Nordeste, diferente dos mesmos, a porcentagem da população de negros é menos da metade (Maranhão: 73,36; Bahia: 74,95; Brasília:47,98; São Paulo: 27,4; Rio de Janeiro: 44,63; Paraná: 20,27).

[12] Sobre o tratamento desigual, assevera Ronald Dowkin: “[...], a norma exige apenas que esses grupos recebam a devida consideração dentro do equilíbrio geral, e um estado pode cumprir essa norma mesmo quando os tratar diferentemente dos outros” (O império do direito, p. 457).

[13] Como preleciona o ministro Marco Aurélio de Mello: “É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação; urge contar-se com programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral, de modo a tirar-se meninos e meninas da rua, dando-se-lhes condições que os levem a ombrear com as demais crianças. O Estado tem enorme responsabilidade nessa área e pode muito bem liberar verbas para os imprescindíveis financiamentos nesse setor; pode estimular, mediante tal liberação, as contratações.”