OS DESAFIOS DE ALFABETIZAR LETRANDO

 

COLODEL ,Dilma Ferreira de Oliveira[1]

 

RESUMO

 

Diante das constantes transformações sociais, a educação tem ganhado amplo espaço no campo das discussões. Não obstante, as formas de fazê-la são também discutidas e revolucionadas. A aquisição ou não da linguagem escrita de forma satisfatória é tida como base sustentadora do sucesso ou fracasso escolar. Essa problemática leva à necessidade de uma análise das produções teórica de diversos estudiosos, retratando o olhar dos mesmos sobre os métodos e desafios discutidos e utilizados no processo de alfabetização, bem como da nova faceta que vem se apresentando nesse processo - o letramento - fato que se constitui como objetivo desse artigo. As produções teóricas em análise são de FERREIRO eTEBERSKY (1987), SOARES (2003, 2006)MORTATTI (2006), dentre outros. A importância das teorias construtivistas/interacionistas de Vygotsky e Piaget, as quais responsáveis pela grande influencia sobre a Educação brasileira nos últimos anos, principalmente no que diz respeito à alfabetização defendido por Ferreiro, demonstram que a mesma já percorreu longos caminhos e muito há por fazer, para que os reais objetivos desse processo sejam alcançados. Percebe-se que a pesquisa ressalta a importância de diferenciar alfabetização e letramento e desenvolvê-los no dia a dia escolar de forma indissociada. Finalizando, a pesquisa conclui-se que, apesar das correntes teóricas enfatizarem a importância de se estabelecer uma distinção entre os conceitos, de alfabetização e letramento, epropiciar a aquisição de ambos de forma simultânea, essa prática é uma realidade distante, comprovando a necessidade de aprofundamento teórico e práticas mais efetivas nesse contexto por parte dos educadores.

Palavras-Chave: Alfabetização. Letramento.Metodologias de Alfabetização e Letramento.

 

Introdução

            A sociedade atual convive com mudanças constantes em seu modo de pensar e agir. A educação, como produção humana, é propulsora dessas mudanças ao mesmo tempo em que é atingida pelas mesmas. Não obstante, as formas de promover a construção e transmissão do conhecimento estão cada dia mais complexas e necessitando de métodos criativos, condizentes com a realidade dos sujeitos desse processo. Nesse contexto, a base do processo de construção do conhecimento – a comunicação, em suas especificidades, a linguagem –torna-se um campo de intensas pesquisas e acirradas discussões.

            Considerando o histórico do processo de ensino aprendizagem no Brasil, vemos que a base desse processo, a alfabetização, tem uma longa história marcada por discussões, mudanças e diferentes concretizações. Tal fato demonstra que o processo de alfabetizar é complexo e engloba uma gama de conceitos nem sempre bem esclarecidos no dia a dia escolar ou no conceito dos profissionais da área. Segundo Mortatti, principalmente a partir da proclamação da república, a educação assumiu um lugar de destaque na sociedade e, no âmbito dos ideais republicanos, ler e escrever passaram a representar instrumentos privilegiados de saber/esclarecimento e sinal da modernização e do desenvolvimento social. Ainda segundo a autora, a leitura e a escrita que até então estava resignada a um seleto e minúsculo grupo e que era transmitida de forma assistemática no âmbito privado do lar ou nas precárias escolas do Império (aulas régias), tornou-se fundamento da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino aprendizagem escolarizados.

            É observável que essa mudança de postura e conceitos, repleta de utopia e teorias, um tanto distante da realidade acarreta uma serie de necessidades referentes a um tema tão novo e polêmico. Os novos ideais são desafiadores para todos os sujeitos envolvidos no processo educativo. Sobre isso Mortatti coloca que:

Desse ponto de vista, os processos de ensinar e aprender a leitura e a escrita na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um momento de passagem para um mundo – para o Estado e para o cidadão –: o mundo público da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura, enfim, novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir. (2006, p. 03).

            Entretanto, os anos que se seguiram a essa ambiciosa proposta, até a atualidade, demonstram que a relação direta entre escola e alfabetização vem se mostrando ineficaz e recebendo freqüentes questionamentos. Grandes dificuldades de cumprir os objetivos pedagógicos e alcançar as metas escolares para com o cidadão distanciam a escola do cumprimento de seu papel promissor quanto à aquisição de conhecimentos e formação plena dos educandos. Para justificar esse distanciamento, inúmeras dificuldades enfrentadas pelo processo educativo são apontadas enquanto poucas soluções são encontradas.

            Recentemente, surge no contexto educativo o termo letramento. Estabelece-se nova discussão e alfabetização e letramento passam a ser confundidos, em discursos simplistas, como sinônimos. Porém, muitos especialistas em ambos os conceitos vem contribuir para o esclarecimento dessa problemática, bem como para a benéfica utilização dos mesmos no contexto educacional. As produções teóricas sobre o assunto buscam comprovar que alfabetização e letramento não são sinônimos nem termos dissociados, completamente distintos, mas sim, são processos complementares, onde a compreensão aprofundada, seguida da pratica efetiva de ambos os termos, é o passo para o alcance das metas da educação.

            A análise e compressão dessa problemática, indispensável aos educadores, é responsável pelo desenvolvimento desse trabalho cujo objetivo é investigar as teorias conceituadoras de ambos os temas e, as discussões propostas pelas mesmas como benefícios para o satisfatório desenvolvimento da alfabetização. Também compõe os objetivos desse trabalho, contribuir com sua fundamentação teórica e análise das teorias supracitadas para a reflexão da prática pedagógica em relação ao alfabetizar letrando, fato que tem se constituído como grande desafio da escola contemporânea.

Desenvolvimento

O trabalho com a educação requer um olhar crítico às suas mudanças e necessidades. Muitas são as teorias construídas, discutidas e aceitas a respeitos das formas de se promover a transmissão e construção do conhecimento sem negar as características naturais dos educandos, sobretudo na infância ou não permitir que elas se sobressaiam no ambiente escolar. Considerando o inicio da escolarização é relevante considerar a importância do processo de alfabetização para o sucesso ou não das vivencias escolares. Em observação ao histórico da alfabetização no sistema de ensino brasileiro, é possível constatar que o mesmo está diretamente ligado à história dos Métodos de Alfabetização. Uma série de disputas entre esses métodos, os quais tinham o objetivo de garantir aos educandos a efetiva inserção no mundo da cultura letrada, produziram uma considerável gama de teorias e temáticas acerca de estudos e de pesquisas a fim de investigar o assunto.

Segundo as colocações de Mortatti, desde o final do Século XIX, a dificuldade de nossas crianças para aprender a ler e escrever, principalmente na escola pública, incitou debates e reflexões buscando explicar e resolver esses entraves. As práticas de leitura e de escrita ganharam mais forças no final desse século, principalmente a partir da Proclamação da República. A educação nesse período ganhou destaque como uma das utopias da modernidade. Apesar do destaque mencionado e da institucionalização da escola, as dificuldades em praticar com eficácia os métodos alfabetizantes se perpetuaram. Ainda segundo referencias de Mortatti, para a iniciação do ensino da leitura eram utilizadas as chamadas “cartas de ABC” e os métodos de marcha sintética, ou método sintético (da “parte” para o “todo”); da soletração (silábico), partindo dos nomes das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas.

Sequencialmente, o que viria a se chamar alfabetização passa pela instituição, nos primeiros anos da República, do método analítico que diferentemente dos métodos de marcha sintética, orientava que o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo” para depois se analisar as partes que constituem as palavras. Ainda nesse momento, já no final da década de 1920, o termo “alfabetização” passou a ser usado para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita. Posteriormente, também foram utilizados os métodos mistos ou ecléticos, também conhecido como analítico - sintético, ou vice-versa. Tais métodos perduraram no cenário de ensino aprendizagem até aproximadamente o final da década de 1970.

Com o advento da teoria construtivista – inicio da década de 1980 – as discussões em torno do termo alfabetização foram revolucionadas pelas pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Psicogênese da Língua Escrita. A partir desse pressuposto, o Construtivismo não se constitui como um método, mas sim como uma desmetodização onde se propõe uma nova forma de ver a alfabetização, esta passa a ser concebida como um mecanismo processual e construtivo com etapas sucessivas e hipotéticas.

As discussões em torno da inovadora proposta, juntamente com o diagnostico de consideráveis fracassos no processo de escolarização, onde um número elevado de pessoas decodificavam os signos linguísticos, mas não conseguiam compreender de fato o que liam, traz a tona um tema contemporâneo, o letramento. Mortatti (2004, p. 11) afirma que “em nosso país essa palavra passou a ser utilizada nos anos 80 por pesquisadores da área de Educação e Linguística, e, gradativamente vem ganhando visibilidade em outros espaços sociais”. Nessa concepção, estar letrado seria então, adquirir a capacidade de ler, escrever e fazer uso desses conhecimentos em situações reais do dia-a-dia. Nas palavras de Kleiman, apoiada nos estudos de Scribner e Cole, letramento é:

... um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (1995, p. 19)

É valido destacar que esse conceito não é proposto para substituir o ato de aprender ler e escrever, mas de equiparar os dois conceitos como aliados no sucesso do processo de ensinoaprendizagem. O letramento não apenas diferencia-se da alfabetização como deve ser mais um elemento a contribuir para o significativo aprendizado. Sobre isso Soares coloca:

Só recentemente passamos a enfrentar essa nova realidade social em que não basta saber ler e escrever é preciso também fazer uso do ler e do escrever saber responder as exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente – daí o surgimento do termo letramento. (1988, p. 20).

O conceito de letramento se constitui como a prática de fazer uso da linguagem de forma abrangente, não apenas decodificando símbolos, mas também compreendendo a gama de conceitos que envolvem cada palavra ou expressão, ou seja, cada conjunto decodificável. Desse modo, o letramento configura-se como a capacidade de ler, escrever e interpretar simbolicamente o contexto sócio cultural.

As teorias que embasam o processo educacional são construções sociais nascidas e desenvolvidas em consonância com o contexto social, e, devido a esse fato não estão isentas de interpretações errôneas, nem de análises simplistas que terminam por gerar discursos e praticas completamente aleatórias aos seus reais significados e objetivos. As discussões e produções teóricas sobre alfabetização e letramento estão inclusas nessa problemática fazendo com que o objetivo central desse trabalho seja discutir a diferenciação entre os conceitos e os desafios de coabitar esses mecanismos no processo de ensino aprendizagem de forma que o mesmo ocorra satisfatoriamente e seja propiciador da integral formação do cidadão.

Para tanto, a proposta é recorrer a suportes teóricos produzidos por autores como Soares, Teberosky, Mortatti, Kleiman, entre outros. De acordo com Soares (2003)

[...] o termo alfabetização designa tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto o de seu desenvolvimento: etimologicamente o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar a aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; [...] alfabetização em seu sentido próprio, especifico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. (p. 15)

A alfabetização seria, para Soares (2004), a condição de dispor da tecnologia de ler e escrever. Todavia, argumenta, não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente. Leite (2001), analisando os processos de alfabetização numa perspectiva tradicional, bem próxima da descrita por Soares, salienta.

(...) a escrita era entendida como um simples reflexo da linguagem oral, ou seja, a escrita era concebida como uma mera representação da fala; nessa perspectiva ler e escrever são entendidos como atividades de codificação e decodificação, sendo o processo de alfabetização reduzido ao ensino do código escrito, centrado na mecânica da leitura e da escrita. (...) o modelo tradicional era (e ainda é) marcado pela questão da prontidão. (p. 23).

Observa-se que, nesse momento a questão não é a necessidade de um novo elemento para facilitar as técnicas e os métodos de alfabetização, mas sim, a dificuldade de real compreensão do significado desse processo. O tecnicismo em torno da alfabetização desvia-a de seu efetivo desenvolvimento no dia a dia escolar. Diante dessa complexa questão torna-se imprescindível pensar em uma solução adequada a questão que se sobrepõe às metas da educação enquanto compromisso de alfabetizar. Segundo Soares (2000).

No inicio dos anos 90, começaram a surgir os ciclos básicos de alfabetização em vários estados; mais recentemente, a própria lei (Lei de Diretrizes e Bases, de 1996) criou os ciclos na organização do ensino. Isso significa que, pelo menos no que se refere ao ciclo inicial, o sistema de ensino e as escolas passaram a reconhecer que alfabetização, entendida apenas como a mecânica do ler e do escrever e que se pretendia que fosse feito em um ano de escolaridade, nas chamadas classes de alfabetização, é insuficiente. Além de aprender a ler e escrever, a criança deve ser levada ao domínio das praticas sociais de leitura e de escrita. Também os procedimentos didáticos de alfabetização acompanham essa nova concepção: os antigos métodos e as antigas cartilhas baseados no ensino de uma mecânica transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita, são substituídos por procedimentos que levam as crianças a conviver, experimentar e dominar as práticas de leitura e de escrita que circulam na nossa sociedade tão centrada na escrita.

Essa postura do sistema educativo deixa claro a existência de mudanças nesse campo. É o surgimento do termo letramento. É Soares (2004) a responsável pelo contexto do aparecimento desse termo. Segundo a autora, é uma palavra nova, pois até o inicio de 1980, não se ouvia falar sobre o assunto. Foi por volta de 1986 que Mary Kato, em seu livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística” escreve as primeiras palavras referentes ao tema. Posteriormente, em 1988, Leda VerdianiTfouni em um de seus livros discorre sobre a diferenciação entre alfabetização e letramento. Ao longo do caminhar histórico do tema, outros autores participam da difusão desta nova concepção da aquisição da linguagem escrita. Entre eles, Kleimam (1995), Soares (2001 e 2004), Leite (2001), entre outro.

Entretanto, é preciso haver cuidado com a utilização dos termos em questão. Segundo Soares (2004):

[...] no Brasil a discussão do letramento surge sempre arraigada no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos com prevalência do conceito de letramento (...) o que tem conduzido a um certo apagamento da alfabetização, que talvez com um exagero, denomino desinvenção da alfabetização (...) (p. 08, grifo do original).

A partir dessas discussões, o processo de alfabetização ganha um novo foco e é de grande relevância compreender que alfabetização e letramento são conceitos distintos, porém, não dissociados. Quanto às definições sobre letramento, essas ganham, cada vez mais, espaço no contexto educacional. Para Tfouni (1988), apud Neder (2008):

O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócios históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas letradas em sociedades ágrafas. Desse modo, o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social(p. 81).

                Nessa perspectiva, letramento ganha um caráter de informação, conhecimento e utilização sistemática e assistemática dos mesmos, pelos pertencentes à determinada cultura. O letramento transcende a prática pura e restrita da leitura e escrita para entrar no campo de aquisição, compreensão e pertencimento de práticas e conceitos relativos à linguagem. Nas palavras de Soares (2000) apud Neder (2008):

Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas livros, sabe ler e interpretar tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas contas de água, luz, telefone; sabe escrever e escreve cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade, sabe preencher um formulário, sabe redigir um oficio, um requerimento. São exemplos das práticas mais comuns e cotidianas de leitura e escrita; muitas outras poderiam ser citadas (p. 80).

É nesse contexto que os processos de alfabetização deixam transparecer a dicotomia gritante entre a alfabetização e o letramento. O ato de reproduzir mecanicamente os códigos da escrita e da leitura faz com que os alfabetizando consigam, com facilidade realizar o processo de decodificação, porém não o relacionam as práticas cotidianas supracitadas pela autora. Não é raro pessoas com vários anos de escolaridade não conseguir realizar nenhuma das práticas mencionada por Soares; são os analfabetos funcionais. De modo análogo, pessoas que não dominam a técnica da decodificação podem ser tão conhecedoras de contextos sociais relevantes que se torna letrado. Soares (2001) apud Neder (2008) ressalta ainda que:

Letramento é que um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a esse adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escritatem presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe carta que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprias da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixadas em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Da mesma forma, a criança que anda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada. (p. 81).

Assim configura-se o desafio da escola alfabetizadora. Esta deve, além de propiciar situações de alfabetização e letramento, também equiparar seus métodos aos possíveis pré-requisitos já adquiridos pela criança em seu processo “natural” de letramento, a prática que privilegia os conhecimentos prévios do educando como ponto de partida.

Diante da urgente necessidade do sistema educacional de formar cidadãos letrados em detrimento dos analfabetos funcionais que tem cumprido os currículos escolares, o contexto exigido é o de alfabetizar letrando. Essa necessidade a qual se coloca como meta desafiadora requer dos alfabetizadores a capacidade de relacionar o processo de decodificação da linguagem, indispensável ao processo de alfabetização, à imprescindível prática de letramento, ou seja, o alfabetizando necessita de aprender e compreender a decodificação e, principalmente, relacioná-la coerentemente às situações reais do seu dia a dia. Nesse sentido, alfabetização e letramento não podem estar/permanecer dissociados. Outro fator importante é o não prevalecimento de um sobre o outro, pois o efetivo processo de alfabetização se somente com a equiparação dos referido termos Sobre isso, Soares (2004) faz um alerta:

É que, diante dos precários resultados que vem sendo obtidos, entre nós, na aprendizagem inicial da língua escrita, com sérios reflexos ao longo de todo o ensino fundamental, parece ser necessário rever os quadros referenciais e os processos de ensino que tem predominado em nossas salas de aula e talvez reconhecer a possibilidade e mesmo a necessidade de estabelecer a distinção entre o que mais propriamente se denomina letramento, de que são muitas as facetas – imersão das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito – e o que é propriamente a alfabetização de que também são muitas as facetas – consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonemas-grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Por outro lado, é preciso reconhecer a possibilidade e necessidade de promover a conciliação entre essas duas dimensões da aprendizagem da língua escrita, integrando alfabetização e letramento, sem perder, porém a especificidade de cada um desses processos (...) (p. 15).

As considerações teóricas sobre esse tema revelam que alfabetizar letrando é um desfio, porém, uma tarefa possível. O sistema educativo, embora vivencie muitos paradigmas deve adotar a efetiva consciência da importância de alfabetizar letrando.Esse processo torna-se relevante por garantir uma aprendizagem muito significativa, afinal como afirma Soares (2004):

Alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando pela integração e pela articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita é sem dúvida o caminho para superação dos problemas que vimos enfrentando nessa etapa da escolarização; descaminhos serão tentativas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta como se fez no passado, como se faz hoje, sempre resultando no reiterado fracasso da escola brasileira em dar às crianças acesso efetivo ao mundo da escrita.

            Os fatos apresentados mostram que o processo de aquisição da linguagem ocorre através de dois processos simultâneos: a aquisição do processo de decodificação, e de habilidades para usá-lo.

Conclusão

As transformações vivenciadas pela sociedade contemporânea remetem à educação a grandes responsabilidades, o que a faz imergir nas complexas discussões e concretizações que cercam esse setor.  A consciência sobre a importância da alfabetização e seus resultados é cada dia maior. Existem alguns fatores a serem enfatizados quando se considera a importância de boas mediações para a ocorrência de um efetivo processo de alfabetização.A intervenção educativa reflexiva, embasada em aprofundamentos teóricos e práticos os quais possibilitem não apenas o desenvolvimento de métodos diferenciados, mas também a profunda análise e discussão sobre esses métodos.

É perceptível a existência de graves casos de indiferenciação entre alfabetização e letramento, fato que acaba por superestimar um enquanto suprime outro. Também há casos em que esses termos são tratados de forma dissociada o que desprivilegia a concretização do processo de alfabetização letrada do individuo. É perceptível a existência de uma crise de paradigmas, onde os antigos métodos, também tidos como tradicionais se mostram ineficazes para o atual contexto educacional. Os métodos contemporâneos, embasados nos princípios construtivistas ainda se mostram, em muitos casos, tratados com superficialidade em detrimento do profundo e efetivo conhecimento necessário e capaz de tornar essas teorias, práticas eficazes.

Os fatos mencionados contribuem para uma tomada de postura mais séria e comprometida em relação aos processos de alfabetização. Ainda é necessário maior volume de discussões e com maior nível de aprofundamento. As teorias comprovadas através de práticas efetivas precisam substituir os discursos simplistas e infundados que se perpetuam no cenário educacional.

REFERÊNCIAS

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MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Brasília: Conferência proferida durante o Seminário "Alfabetização e letramento em debate", promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, 2006.

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[1]Graduada em Pedagogia para Educação Infantil pela Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT, aluna do curso de pós-graduação Lato Sensu em Alfabetização e Letramento da FINOM, atuou como professora das séries iniciais e educação infantil durante cinco anos na rede municipal do município de Nova Monte Verde-MT e, atualmente atua como professora de educação infantil na rede municipal do município de Apiacás-MT.