OS (DES) COMPASSOS DO AMOR NA QUADRILHA DE DRUMMMOND

BARBALHO, Aparecida Mendes. Os (dês) compassos do amor na Quadrilha de Drummond. Licenciada em Letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT 2009/1.

Resumo

Este artigo pretende mostrar a poesia irônica, projetada com simplicidade e inteligência em poemas-piadas com o tempero mineiro drummondiano, recriada através do sofrimento do homem reduzido ao desencanto, ao vazio. A magia e o estilo inconfundível de transmitir as inquietações do ser humano, e visível nos versos das poesias e poemas de Drummond. O poema “Quadrilha”, publicado em 1930 em sua primeira obra “Alguma Poesia”, nos remete a um contato com as verdades, as angústias, decepções de pessoas que carregam os sinais de descompassos amorosos, de vendavais, enfim, de seres humanos interiormente desestruturados.

Palavras-Chave Quadrilha, ironia, descompassos, amor.

Introdução

Com intuito de contribuir para uma reflexão dos dilemas humanos, no poema “Quadrilha”, busco apoio de leituras sobre o movimento modernista, enfatizando o estilo drummondiano. Em seguida, busco fazer uma investigação – reflexiva para evidenciar o sofrimento do homem perante os conflitos do mundo.

O Modernismo foi um dos momentos decisivos para a literatura brasileira, de mudança de rumos e revigoração do pensamento em geral, Promovia, então, a aceitação dos componentes recalcados da nacionalidade, num admirável esforço de desenvolvimento autônomo na dinâmica literária brasileira, centrada na liberdade de criar.

A busca pela independência na literatura, na necessidade do nacional, das possibilidades de crescimento com as suas promissoras esperança de futuro, fez com que após a “Semana de 22”[1], a arte brasileira, especificamente a poesia tomasse novos rumos, criando novas formas de expressão.

A posição do primeiro Modernismo em relação às duas tendências, a do academismo dominante e a dos espiritualistas, é de ruptura, embora assuma atitude mais radical diante da primeira, a quem combate muitas vezes ao lado da última. Entretanto, retoma de ambos alguns temas e atitudes pouco aprofundados neles, como “a pesquisa lírica tanto no plano dos temas quanto dos meios formais; a indagação sobre o destino do homem e, sobretudo, do homem brasileiro; a busca de uma forte convicção.” (CANDIDO, 2000, p. 119)

Vários fatores contribuíram para o surgimento do Modernismo, entre eles de ordem política e social, e ainda de ordem geral, os quais foram determinantes ou facilitaram um salutar alvoroço no Brasil, surgindo assim, o Modernismo, a era do livre pensamento.

E foram esses alguns dos fatores que Carlos Drummond de Andrade, ou, simplesmente Drummond, introduziu nas suas obras poéticas. E essa forma é o que há de melhor na rica e motivadora poesia brasileira de todos os tempos, pela sua qualidade e grandiosidade, pois como um dos fundadores da modernidade nas artes Mallarmé disse: “A poesia se faz com palavras e não com idéias”, foi o que fez Drummond.

Drummond deu vida nova ao modernismo. Com sua poesia moderna, marcada com versos livres e linguagem direta, seus poemas relacionam gestos do cotidiano, fatos corriqueiros, às vezes no registro desse cotidiano predomina o tom irônico em versos bem humorados gerando poemas-piadas.

A respeito de Carlos Drummond de Andrade, observa Manuel Bandeira:

“Sensibilidade comovida e comovente a cada linha que escreve, o poeta não abandona quase essa atitude de humour, mesmo nos momentos de maior ternura, de ordinário, ternura e ironia agem na sua poesia como um jogo automático de alavancas de estabilização: não há manobra falsa nesse admirável aparelho de lirismo”. (p. 15)

E ainda sobre a construção poética Drummondiana, Villaça acrescenta:

“Da primeira fase modernista Drummond recolheu a possibilidade de humor e de confidencia em tom prosaico, que o levou ao colóquio e a certa brejeirice de estilo – elementos ricamente combinados com o dramatismo de sua personalidade” (p. 18)

Humor – Sofrimento

Marcada pelo humor corrosivo mineiro, a poesia drummondiana com sua linguagem poética, é carregada de significação, de vozes a procura do sentido de mundo. E para registrar esse trabalho poético de humor-sofrimento e poema-piada drummondiano, tomo como exercício de análise, o célebre poema Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade.

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava

Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos,

Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre,

Maria ficou pra tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

A Quadrilha é uma contradança de origem holandesa que teve o seu apogeu no séc. XVIII, na França, onde recebeu o nome de “Neitherse”. Tornou-se muito popular nos salões aristocráticos e burgueses do séc. XIX em todo o mundo ocidental.

Analisando o poema acima percebemos a presença da quadrilha francesa, hoje, típica das festas juninas brasileiras, que consta na evolução diversa dos pares e é aberta pelo noivo e pela noiva, pois a quadrilha representa o grande baile do casamento que supostamente se realizou, onde os casais formam pares que se entre dançam. No poema, homens e mulheres desencadeiam desencontros amorosos e somente quem não amava ninguém consegue encontrar seu par.

A busca pela essência do relacionamento amoroso acabado, cheio de sentimentos, às vezes é feito por contradições e frustrações, a luta entre o definitivo e o passageiro, não destitui o amor, pois é o sentimento único que pode fazer com que o homem atinja o absoluto. A contradição é que às vezes o amor é a frustração da própria vida, como é o caso dos personagens do poema.

A utilização de nomes de pessoas comuns no poema significa que qualquer pessoa pode ter seus sentimentos frustrados ou acabados. No poema, observamos que os personagens além de não se derem bem nos compassos da dança, sofreram algum tipo de frustração em sua vida. Por exemplo, João, descontente com o desamor de Teresa, vai embora para os Estados Unidos. Esta, por sua vez, desapontada com a não correspondência de Raimundo, enclausurou-se no convento para mais nunca ser de homem algum, entregando sua vida somente a Deus.

Já o Raimundo que amava Maria e que também não obteve correspondência, numa tentativa de fugir da vida e talvez de si mesmo, morreu de desastre. Maria, desconsolada com seu destino, decidiu por não envolver-se com mais nenhum homem, além de seu amado Joaquim, que decidiu pela fatalidade de suicidar-se, só por causa de Lili, que não amava nem a ele e nem a mais ninguém.

Como observamos a construção poética do poema drummondiano, faz com que o leitor tire suas próprias conclusões, pois como vimos todos os personagens que demonstravam sentimentos amorosos pelo outro acabaram tendo um destino frustrante, exceto Lili, como verificamos na afirmativa “Não amava ninguém”.

Percebemos então, um fator importante no poema. A personagem Lili que não demonstra sentimento por ninguém, e o principal ponto de divergência, pois como podemos verificar ao mesmo tempo em que está ligada a tragicidade dos outros amantes, é a única que não amava ninguém, ou seja, não estabelece vínculo afetivo com nenhum dos pares.

Cadeia de afetos

O poema nos apresenta uma grande cadeia de ligações. Ao longo do poema, os afetos se inserem num cotidiano centrado nas necessidades imediatas, porém um tanto de sentimentos superficiais.

O amor no poema e representado como um sentimento mundano, temporal. João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili. No contexto apresentado por Drummond, é predominante as interferências sofridas pelos personagens que não conseguem transpor-se a própria situação e, acabam por limitar-se suas paixões amorosas.

Observamos que o poema e composto por uma única estrofe, determinada pela musicalidade que embala a situação de cada personagem, cujo ritmo dos versos é um retrato cômico dos desencontros amorosos em que a dança, isto é, a Quadrilha, é a mais célebre representação da condição trágica da carência, da desilusão do amor.

Em meio aos jogos de desencontros, percebemos que a dança da quadrilha determina os destinos dos personagens. Observamos que Drummond brinca com as palavras do poema como se fosse uma cantiga, produzindo assim uma musicalidade.

A não conexão estabelecida entre os personagens e bem visível e observável no jogo de sentido e na sensação que a melodia traz, ou seja, no sentido de embalar os amantes para algum lugar, mas que ao final ninguém consegue encontrar a pessoa amada, contrapondo o real sentido da quadrilha, que estabelece um sentido de encontros, de alegria, de festa.

Os prenomes

Outro fator importante no poema de Drummond é a falta do sobrenome nos personagens, com exceção de J. Pinto Fernandes. Sem origem definida parece simbolizar a perda da individualidade, o sentimento humano que luta para sair do isolamento, da solidão. A vida aparece então como uma experiência angustiante no qual o convencionalismo e as aparências valem mais do que a essência. Tudo isso é agravado ainda pelos desencontros amorosos.

Além de ser rico em significados, o poema é representado pela repetição de palavras (nomes), facilitando a identificação e memorização dos personagens, pois os nomes aparecem numa certa ordem nos três primeiros e essa ordem é novamente repetida nos três últimos. Dessa forma, podemos entender minuciosamente o que aconteceu com todos os integrantes do poema.

A redundância aplicada a esse poema, sobretudo nos dois primeiros desta série, é o resultado do processo modernista, pois de todos os modernistas, nenhum deles adotou esses procedimentos de maneira tão explícita quanto Drummond.

Na construção humorística e divertida da obra, a troca de pares e desencontros amorosos desencadeados entre os personagens vai sendo apresentada em duplas ao leitor, como é característica das quadrilhas, onde os pares se situam frente a frente. Porém, aqui há uma alternância entre os pares que se dá pela presença do conectivo “que”, e é esse o fator primordial do poema, pois ele que separa e une os pares, ou seja, os casais mostram o “porque” dos problemas que impede a união entre eles, isto é, da não conexão.

Observamos que somente na última linha do poema que é marcada pela única união ocorrida entre Lili e J. Pinto Fernandes, esta é estabelecida com a utilização de um outro conectivo o “e”, que mostra a afinidade e oposição estabelecida entre os dois pares, pois, um, só com o apelido, Lili, e o outro, só com o sobrenome J. Pinto Fernandes atraíram-se entrelaçando-se em matrimônio.

Um outro fato importante e, sobretudo, interessante é que apenas Lili, que nem ao menos possui um nome próprio, mas somente um apelido, pois é a única personagem com essa característica, acaba se casando. Ela representa o anonimato de qualquer um que poderia ter entrado na dança e ter se dado bem, pois além de ter se casado, foi a única a envolver-se com um homem possuidor de sobrenome, dando a idéia de um nobre, originário de uma classe alta, exatamente de onde se originou a quadrilha.

Observamos ainda que todos os nomes dos personagens do poema, exceto o de Lili e seu par, são nomes simples, comuns, do povo, ou seja, da plebe, que foi para onde a festa folclórica da nobreza se estendeu após ter descida as escadarias dos palácios franceses. O J. Pinto Fernandes que ainda não havia entrado na história, e muito menos no baile, é uma representação da nobreza, da alta sociedade, expressas em seu sobrenome. Seu primeiro nome não é citado como o das demais personagens, está abreviado. Apenas seu sobrenome importa, pois o que marca no meio da alta sociedade não é o nome, mas o sobrenome, este representa a marca originária da família nobre à qual pertence.

No poema, Drummond deixa que o leitor faça sua própria investigações sobre Lili, pois o poeta não deixa explícito que ela não amava o tal J. Pinto Fernandes, e que muito menos passou amar ou pelos menos apaixonar pelo seu companheiro, depois do enlace. Portanto, não se pode dizer que foi uma união perfeita, muito menos feliz.

Se ela não amava ninguém, nem mesmo J. Pinto Fernandes, podemos dizer que ela pode ter se casado simplesmente para não ter os mesmos destinos das demais mulheres do poema, ou ainda, com ambições mais elevadas, pelo fato de querer sair de seu anonimato, por meio da aquisição de um sobrenome de nobreza.

O poema que seguia uma sequência de desencontros foi modificado com a introduçao de J. Pinto Fernandes “não tinha entrado na história”, refere-se ao desconhecimento pleno do moço que entrou na quadrilha sem saber dançar, ou seja, ignorante diante de tudo que houvera anteriormente na vida dos outros pares e, principalmente de Lili, o qual a recebe como companheira independente de seus sentimentos para com ele.

E finalmente quando o casal desconhecido se enlaça, ou que se “enrola”, percebemos que não só a música ou a dança, mas a própria vida tivesse parado quando Lili e J. Pinto Fernandes cruzaram o caminho um do outro. Podemos relacionar o poema com a típica dança da quadrilha, pois as modificações e evoluções acabaram por alterar os compassos da dança, da música e do amor.

Conclusao

Com esta reflexão, percebemos a potencialidade da obra drummondiana, o jogo de sentidos, a liberdade com que trabalha sua poesia, e seu universo mágico construído por palavras.

A liberdade humorística de Drummond é um coringa, pois sua habilidade poética, sobretudo satírica, onde as situações corriqueiras do dia-a-dia são retratas com suas doses humorísticas. Sempre lúdico, capta as coisas que o rodeiam, construindo poemas que retratam a mudanças do tempo, o progresso, retratando o amor de forma que o leitor seja testemunha dos desencontros e encontro, sendo observador dos (des) compassos das desilusões e contradições Quadrilha de Drummond.

Referências

ANDRADE, Carlos Drummond. Alguma Poesia. 8a ed.- Rio de Janeiro: Record, 2007.

CANDIDO, Antonio. “Literatura e cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiros”. In: Literatura e sociedade. 8. ed., São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000. p. 109-138

Elenco de cronistas modernos por Carlos Drummond de Andrade [e outros]- 21 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.

VILLAÇA, Alcides. Drummond: primeira poesia. USP.São Paulo: Editora 34, 2002.

http://pt.wikipedia.org. Visitado em 21/06/2009

[1] A Semana de Arte Moderna de 22, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos. Seu objetivo era renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual.