OS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: DO CARTEL E SUAS IMPLICAÇÕES NA ORDEM ECONÔMICA BEM COMO SEUS DESDOBRAMENTOS QUANDO DA PRÁTICA EM POSTOS DE COMBUSTÍVEIS.

 

José Orlando Soares Leite Neto

Samuel Jorge Arruda de Melo[1]

Profª. Maria do Socorro Almeida de Carvalho [2]

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da formação do cartel e a importância do tratamento dado no ordenamento jurídico aos crimes contra a ordem econômica brasileira; 2 Formação de cartel: a difícil constatação e implicações no sistema econômico-financeiro do Brasil; 3 Cartéis em postos de combustíveis e a exploração ilegal de um bem de consumo fundamental para as relações econômicas do Brasil; Considerações Finais.

 

RESUMO

O ordenamento jurídico dá um tratamento específico aos crimes contra a ordem econômica, através do Direito Penal Econômico, em função da direta afetação socioeconômica ocasionada por esses tipos de crimes. Logo, faz-se necessário promover um estudo mais detalhado acerca da formação do cartel, mostrando como este é tratado no ordenamento jurídico, além de falar de como este crime acaba por afetar de maneira substancial a economia de um Estado. Importante ainda ressaltar as dificuldades encontradas para provar a existência de um cartel. Ponto chave do presente artigo é tratar, mais especificamente, acerca da formação de cartéis em postos de combustíveis, no Brasil, no intuito de monopolizar o mercado consumidor. Tendo em vista que se trata uma prática recorrente que afeta diretamente o dia-a-dia das pessoas que tanto dependem do consumo de combustível para seus veículos.

 

Palavras-chave: Ordem econômica. Direito Penal Econômico.  Formação de cartel. Postos de combustíveis. Mercado consumidor.

 

INTRODUÇÃO

É bastante recorrente surgirem nos telejornais e demais periódicos notícias acerca da formação de cartéis. Via senso comum, a formação de cartel consiste num mero igualar de preços. Todavia, conforme será demonstrado a seguir, trata-se de algo mais complexo. Há algumas etapas e desdobramentos que pertinem à prática do cartel.

Como será demonstrado no bojo do presente artigo, a prática do cartel constitui um ilícito reprovável não apenas pela sociedade. Isto porque o Estado, enquanto instituição dotada de burocracia que é, encarregou-se de tipificar essa conduta no ordenamento jurídico: trata-se do artigo 116 da Lei 12.529/11. Esse dispositivo manteve o tratamento dado a esse crime contra a ordem econômica, desde a lei 8137/90, como sendo um ilícito penal.

Dá-se foco, no presente artigo, à formação de cartel como um todo. Apresentam-se as formas como esse ilícito se apresenta. Isto porque a conduta é complexa – isto é, possui várias etapas. É por conta dessa complexidade que há dificuldades em detectar a prática do cartel, de fato. Assim, o Estado tem como objetivo desmontar e prevenir a formação dessa prática irregular de mercado.

Ainda construindo acerca das etapas do cartel, seria pouco provável não mencionar a forma que acredita-se ser a mais clara em que essa complexidade se apresenta: os cartéis em postos de combustível. Esses postos representam grande parcela do consumo da sociedade. Vendem, por assim dizer, bens de consumo.

Dessa forma, a todo momento as pessoas o adquirem e, portanto, dependem dele para suas necessidades diárias - trabalho, estudos, etc. É nesse ponto que reside reprovabilidade da conduta do cartel: a essencialidade do combustível no dia a dia das pessoas.

Os empresários donos de postos de combustíveis, valendo-se dessa necessidade da sociedade em adquirir o bem por eles fornecidos, realizam conchavos ilegais e imorais a fim de auferir lucro maior e equitativo entre si. Cumpre salientar que tal prática gera ainda danos à ordem econômica do mercado financeiro. Há grave infração a preceito constitucional garantido pelo artigo 170 da Constituição Federal: a livre iniciativa.

 

1 DA FORMAÇÃO DO CARTELA E A IMPORTÂNCIA DO TRATAMENTO DADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO AOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

O mundo contemporâneo tem como um de seus pilares as relações econômicas. Através da globalização e formação de grandes blocos econômicos, foram intensificadas as relações comerciais entre as nações. Nesse contexto, o Direito Penal torna-se meio para conter os excessos (OLIVEIRA, 2010).

De acordo com Oliveira (2010), de duas formas a ordem econômica se expressa: estrita e ampla. Na primeira, entende-se por ordem econômica e regulação jurídica da intervenção do Estado na economia; a segunda concerne à regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. A ordem econômica constitui-se, assim, na participação do Estado no setor econômico, podendo, em alguns casos, até ser negativa, justificando este tipo de atuação estatal um amplo conjunto de valores sociais e coletivos. Logo, é possível inferir que o Direito Penal econômico é “um conjunto de técnicas de que lança mão o Estado contemporâneo para a realização de sua política econômica.” (GULLO 2001 apud OLIVEIRA, 2010, p.18).

A criminalidade econômica pode ser considerada então uma ameaça séria aos alicerces de qualquer sociedade organizada. Daí surge a necessidade de inventar formas eficazes de evitar e combater os crimes contra a ordem econômica, exercendo até mesmo a tutela jurisdicional. Assim, chega-se à conclusão de que, em se tratando de danos que são causados à sociedade, de forma ampla, os chamados crimes contra a ordem econômica merecem a máxima reprovação e necessitam de tutela específica e legislação própria (BITTAR, 2001).

Após esta breve introdução acerca do Direito Penal Econômico será feita agora uma análise mais específica acerca de um dos crimes contra a ordem econômica e que vem se tornando um dos mais importantes crimes relacionado a este tema: a formação de cartel. A conduta supracitada está tipificada no artigo 116 da Lei 12.529/11:

“Art. 116: O art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:  O art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:  art.4o : Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;  a (revogada); b) (revogada); c) (revogada); d) (revogada); e) (revogada); f) (revogada); II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:  a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;  c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou dfornecedores.  Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. III - (revogado); IV - (revogado); V - (revogado); VI - (revogado); VII - (revogado)." (NR)”

Para Prado (2009), o bem jurídico tutelado nesse crime é a livre concorrência e a livre iniciativa, princípios basilares da ordem econômica, logo, os atos que colocarem em perigo ou efetivamente violarem esses princípios, acabarão configurando esse crime contra a ordem econômica. Já no concernente aos sujeitos desse crime, é possível afirmar que o sujeito ativo é o empresário, bem como o aquele que detém de alguma forma essa condição jurídica (exerce atividade de empresário).

Visando ao melhor entendimento do que vem a ser esse empresário, ou quem detém de alguma forma condição jurídica para exercer a atividade empresarial, tem-se o artigo 966 do Código Civil, o qual assevera que é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”. Podendo ser tanto a pessoa física, na figura do próprio empresário, como a jurídica (a empresa, por exemplo).

Além disso, o sujeito ativo desse ilícito precisa possuir o poder de mercado, que é o poder econômico capaz de, por seu abuso, restringir ou limitar a livre concorrência no mercado. Os sujeitos passivos são os empresários/empresas concorrentes que têm seu direito de livre competição econômica cerceado em virtude do abuso do poder econômico ou do controle de mercado praticado por parte do sujeito ativo. No que concerne à tipicidade objetiva e subjetiva no crime de formação de cartel, o caput do artigo supracitado estabelece que constitui crime contra a ordem econômica qualquer pratica que se subsuma em uma das modalidades previstas nos dois incisos seguintes, de forma que somente se caracterizará este crime caso o agente realize um dos comportamentos enumerados (PRADO, 2009).

O inciso I, deste mesmo artigo, versa sobre a conduta “abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando total ou parcialmente a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas”. Prado (2009) demonstra que por “abuso do poder econômico” entende-se o excesso de uso do poder ou de um direito por parte do empresário, ou seja, representaria um desvirtuamento (mau uso) desse poder. Para tanto, é necessário ainda que o “abuso” a que se refere esse inciso deva estar dirigido a dominar o mercado, ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência. Ou seja, encontra-se aí o fim especial de agir deste crime.

Deve ser feita uma ressalva quanto ao tipo de ato irregular praticado pelo sujeito ativo. Isto porque não é qualquer ato irregular realizado pelo detentor do poder econômico que configurará esta conduta (o abuso). Assim, esse ato irregular deve ter por finalidade dominar o mercado e/ou restringir ou eliminar a livre concorrência para a caracterização deste crime (PRADO, 2009).

O “dominar” a que se refere essa conduta significa estar em condições de impor sua vontade sobre o mercado, independentemente de que se tente dominar o mercado em âmbito regional, nacional ou local. Por “mercado” entende-se um grupo de compradores e vendedores que estão em contato suficientemente próximo para que as trocas entre eles afetem as condições de compra e venda dos demais. Esse domínio não diz respeito a toda a atividade econômica, e sim a segmentos delineados, pois não há como ocorrer o domínio global da economia do país. Há que se tratar ainda da eliminação da concorrência. Nesse caso, “eliminar” significa suprimir, acabar, afastar, toda ou parte da concorrência. Tem-se ainda que destacar o conceito de concorrência, o qual significa o ato pelo qual se visa a competição de preços (PRADO, 2009).

Já o inciso II versa sobre “formar acordo, convenio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando [...]”. O “convênio” é o instrumento de declaração de vontades que se encontram e se integram, visando a um objetivo comum, havendo então a conjugação de interesses e sim conjugação de interesses. A “aliança” pode ser definida como sendo o acordo entre instituições ou pessoas para um fim comum. O ofertante a que se refere o inciso supracitado é a pessoa que oferece bens ou serviços no mercado. Lembrando que todas as figuras tipificadas nesse artigo visam o domínio do mercado e/ou eventual eliminação, seja ela total ou parcial, da concorrência (PRADO, 2009).

A alínea a do inciso II trata das condutas que visam à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas. Prado (2009) entende que a “fixação artificial” é aquela oriunda de concerto entre ofertantes, a qual é caracterizada por um acordo feito entre as firmas integrantes do cartel. Preço é o valor econômico expresso em unidades monetárias e quantificado por elas.

A alínea b versa sobre o entendimento entre ofertantes que vise ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas. Já Na alínea c está previsto o acordo entre ofertantes que vise ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores (PRADO 2009).

A expressão “Em detrimento da concorrência” significa que as práticas colusivas entre ofertantes que visem ao controle, ocorrem em detrimento da livre iniciativa e da livre concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores, o que acaba por caracterizar o crime de formação de cartel (PRADO, 2009).

Tendo sido feitas essas considerações acerca do tratamento dado ao crime de formação de cartel pelo Direito Penal econômico, é de fundamental importância falar agora de algumas características basilares desse crime.

Para Mendes (2014), um cartel é caracterizado por uma associação de firmas que coordenam suas atividades tendo em vista o aumento do lucro. Para alcançar esse fim as firmas passam a coordenar suas ações visando fixar o preço ou a quantidade no mercado. Os cartéis são considerados pela doutrina e pelas autoridades da concorrência, em geral, como a infração mais grave à ordem econômica e, por isso, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência faz de sua repressão uma prioridade.

Para facilitar a formação do cartel deve haver no mercado um pequeno número de empresas, ou um grande número de empresas com participações divergentes. O que aqui ocorre é a concentração do poder de mercado (uma das premissas basilares do cartel) nas mãos de certo número de empresas. Então, pode-se inferir que o cartel não é limitado a um número pequeno de vendedores, embora se acredite que geralmente, há maior eficiência de um cartel quando o número de participantes é menor (MENDES, 2014).

Com a aquisição desse poder de mercado, a firma deixa de ser tomadora de preços e passa a ter influência no preço e na quantidade ofertada. Essas empresas atuarão de forma estratégica sabendo que a decisão de uma influencia a decisão das outras, e sabendo que as decisões do conjunto alteram os preços e as quantidades do mercado (BRUNI, 2005).

Bruni (2005) ressalta que algumas das características que possibilitam e, inclusive, demonstram a cartelização podem ser notadas quando ocorre a concentração de mercado e o surgimento de barreiras à entrada de novas empresas no mercado, além, também, da própria “rigidez” nos preços de determinados produtos. Sendo assim, em decorrência da formação de um cartel, ocorre a fixação de preços e/ou de uma quantidade.

Da fixação de preços um decorre essa “rigidez”, caracterizada pela inexistência de diferenças entre o que cobra uma ou outra empresa. Já quando ocorre a fixação de uma quantidade, também há a busca pela rigidez de um determinado preço, entretanto, nesse caso, isso ocorre em menor magnitude. Fato é que, onde há cartéis, os consumidores e a eficiência do mercado são lesados, enquanto as empresas envolvidas nessa prática elevam de maneira considerável seus lucros. Portanto, a atuação governamental, com seu papel de regulador, no intuito de coibir a formação de cartel, é extremamente importante (BRUNI, 2005).

 

2 FORMAÇÃO DE CARTEL: A DIFÍCIL CONSTATAÇÃO E IMPLICAÇÕES NO SISTEMA ECONÔMICO-FINANCEIRO DO  BRASIL

 

Oliveira (2010) demonstra que, por meio do Direito Penal Econômico, visa-se defender, principalmente, a ordem econômica e o direito da concorrência, representados pelos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. A livre iniciativa pode ser encontrada na Constituição Federal, no art. 170, parágrafo único que é assegurado “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei”.

Já o princípio da livre concorrência parte do pressuposto de que se deve garantir aos agentes econômicos o direito de exercer seu poder econômico na busca por clientes no mercado, visando à concretização da concorrência perfeita (os consumidores atraídos de forma igualitária entre os concorrentes). É indispensável que exista a liberdade de concorrência e, ao mesmo tempo, a liberdade de iniciativa, vez que um princípio completa o outro, caso contrário ocorrerá o monopólio do mercado e a consequente rigidez dos preços (OLIVEIRA, 2010).

Feitos esses apontamentos acerca dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência pode-se perceber o quão grave é a prática da formação de cartel, tendo em vista que esse crime acaba subvertendo de maneira substancial os princípios supracitados. Isto porque, ao passo que para elevarem os preços e/ou reduzirem a quantidade ofertada, as empresas devem coordenar suas ações (OLIVEIRA, 2010).

Com a formação de cartel uma empresa maximiza seus lucros, pois atinge o melhor ponto de produção, no qual o custo marginal (Cmg) se iguala à receita marginal (Rmg). A interação das empresas ocorre de tal forma que torna possível essa equiparação entre o “Cmg” e a “Rmg”. Decorre daí a venda de uma quantidade menor do que se estivessem em concorrência perfeita a um preço maior (BRUNI, 2005).

Outro efeito decorrente da cartelização, relatado por Bruni (2005), é a redução da capacidade de inovar das empresas, reduzindo, assim, a eficiência dos mercados.  Isso ocorre, pois o cartel acaba protegendo seus membros da exposição às forças de mercado o que acaba gerando a redução da pressão sobre eles para controlar custos e inovar. Com isso, os consumidores acabam tendo de pagar um preço mais elevado e consumir uma quantidade menor do que a que consumiriam em concorrência pura, o que gera a perda de eficiência econômica.

É importante salientar, ainda, acerca das condições que tornam favorável a formação do cartel, Bruni (2005) ressalta que os cartéis têm maior facilidade de se formarem em mercados onde poucas firmas controlam uma grande parte do mercado, facilitando o “controle” da demanda e a formação de barreiras à entrada de novas empresas concorrentes. A tendência, com essas condições, é de que as empresas terão facilidade de se comunicar e traçar estratégias de aumento dos lucros.

Esses fatores acabarão fazendo com que os consumidores, mesmo frente a um aumento dos preços, não reduzam a quantidade consumida, o que implicará uma renda extra para os produtores. Além disso, as barreiras criadas para impedir a entrada de firmas concorrentes no mercado permitirão que essa renda extra aumente ainda mais. Pode-se afirmar, então, que da cartelização o mercado acabará apresentando características peculiares, como por exemplo: a continuidade de um número pequeno de firmas, a proteção do mercado e, além disso, observa-se a fixação de preços (ocasionando eventual rigidez dos mesmos) e a homogeneização dos preços (BRUNI, 2005).

Toda a prática relatada acima, cujo objetivo é a manipulação da quantidade e do preço do mercado, é nomeada de conluio. Assim, pode ser este tanto expresso (feito por meio de acordos, contratos, entre outros), quanto tácito, nos casos onde empresas de um mercado concentrado adotam estratégias de coordenação tacitamente. A dissolução de um conluio tácito é de difícil ocorrência por conta da dificuldade em provar a existência do mesmo. Já no caso do conluio expresso, investigações podem levantar provas e incriminar tais agentes. No caso do conluio tácito a consumação do processo judicial fica bem mais demorada, ou mesmo impossível, em alguns casos (BRUNI, 2005).

 Faz-se mister realizar uma análise acerca de um dos principais problemas relacionados a formação de cartel: a dificuldade existente para provar a prática desse crime.

A “prova do cartel pode ser direta ou indireta. A prova direta comprova a existência do acordo expresso entre concorrentes, enquanto que a segunda se constitui de uma combinação de indícios que podem levar a autoridade à conclusão de que houve acordo expresso entre concorrentes” (ANDRADE, 2008 apud OLIVEIRA, 2010, p.57).

Há, no Brasil, uma vertente de investigação quando da tentativa de provar a formação de cartéis, a qual é feita por meio da busca da comprovação de acordo explícito entre as partes (atas assinadas, acordos materializados, contratos assinados, entre outros). Com esse tipo de prova, busca-se evitar possíveis problemas relacionados à maneira como recepcionadas e avaliadas, estas provas, pelo Poder Judiciário, vez que inexiste jurisprudência consolidada acerca deste tema (OLIVEIRA, 2010).

A comprovação da formação de cartéis é muito difícil, tendo em vista que a prova direta da existência do conluio ilegal é constituída, geralmente, pela cópia do acordo escrito, pela cópia dos memorandos, depoimentos de testemunhas, entre outros.  Conseguir esse tipo de prova, por mais eficiente que seja, é bem difícil, pois os empresários, tendo consciência de estarem cometendo um crime, evitam deixar vestígios de sua conduta (JÚNIOR, 2011).

É ainda necessário, de acordo com Júnior (2010), demonstrar que, no Brasil, para a caracterização dessa conduta ilícita, que afeta de maneira gravíssima a ordem econômica, a autoridade, ao julgar o caso concreto deve analisar os efeitos da conduta no mercado sopesando os aspectos positivos e negativos que ela pode causar no ambiente concorrencial. Portanto, para que haja a efetiva caracterização da formação de cartel, a prova deve ser produzida de modo a demonstrar a racionalidade ou não da conduta, a existência ou não de potencial ofensivo e o grau de perigo da situação.

Segundo Celso Campilongo (2010 apud JÚNIOR, 2011, p.26),

“(...) um aspecto importante a ser examinado no tocante às provas produzidas no âmbito do processo administrativo que apura prática infrativa contra a ordem econômica diz respeito à credibilidade de quem as produziu. Tendo em vista que o processo concorrencial envolve agentes que têm interesses econômicos diretos na disputa, devem-se analisar com cuidado as provas e informações trazidas aos autos.”

Resta claro, dessa forma, que outra dificuldade existente no que concerne à produção da prova para a caracterização da formação de cartel, é que geralmente essa prova é produzida por algum concorrente do mercado, que possui algum interesse em que o cartel seja desmantelado, o que acabaria representando um empecilho à credibilidade dada àquela prova produzida.

Ou seja, por envolver matéria relacionada à competição direta entre os interessados, na qual, geralmente a pessoa que possui as provas tem interesses econômicos, jurídicos e políticos conflitantes, com os integrantes do cartel. Neste caso, a prova poderia ser considerada tendenciosa, em decorrência da existência, inegável, de interesse no fracasso dos concorrentes por parte de quem apresentou a prova, o que requer grande cautela por ocasião da avaliação do conjunto probatório (JÚNIOR, 2011).

Tendo como exemplo o fato de que na investigação, as provas provêm de diversas fontes e de inúmeros métodos utilizados tanto por agentes do Estado, quanto pelas partes e seus procuradores. Se uma dessas provas for considerada ilícita, como uma gravação clandestina, por exemplo, nada impede que seja acolhida, se compatível com outras fontes independentes ou isoladas de prova (JÚNIOR, 2011).

Dessa forma, resta comprovado a dificuldade em provar e comprovar a materialidade de que um cartel está formado. Trata-se de uma modalidade de conluio bastante versátil. Isto porque, conforme analisado acima, há uma faceta do cartel chamada tácita. Sendo autoexplicativa, essa modalidade dificulta ainda mais o trabalho das autoridades em coibir essa prática ilegal. Assim sendo, deve haver maior empenho e fiscalização por parte das autoridades competentes em não apenas desmontar cartéis, mas impedir que sua formação seja efetivada.   

3 CARTÉIS EM POSTOS DE COMBUSTÍVEIS E A EXPLORAÇÃO ILEGAL DE UM BEM DE CONSUMO FUNDAMENTAL PARA AS RELAÇÕES ECONÔMICAS DO BRASIL

 

É notório que o crescimento econômico de uma sociedade está pautado no grau de consumo por ela exercido. Dessa forma, com base na produção e respectiva venda de bens, o comércio é movimentado. O perigo é quando os fornecedores, valendo-se de sua condição superior perante o consumidor, passam a monopolizar o comércio de determinado bem. Um exemplo prático disso é quando postos de combustível praticam o cartel. As pessoas perdem opção de mercado, uma vez que precisam abastecer seus veículos. Os proprietários dos postos, por sua vez, deixam de auferir lucro pela qualidade do serviço prestado e passam a se beneficiar da prática de um ato ilegal: o cartel nos postos de combustível (JÚNIOR, 2011).

Para Bruni (2005), as irregularidades surgem desde a primeira da comercialização dos combustíveis: o refino. Conforme aduz Ballarini, essa etapa é constituída por 13 refinarias de petróleo, um procedimento bastante fragmentado. Dessas refinarias, a grande maioria é de propriedade da PETROBRAS, o que já caracteriza, para o autor, um oligopólio do mercado de combustíveis. Assim, acredita-se que a maneira mais adequada de coibir esse tipo de controle por parte das grandes empresas seria incumbir pequenas parcelas a firmas com pequena participação no mercado.

Resta comprovado, conforme explicitado acima, que a concorrência no mercado de combustíveis começa a ser extirpada desde as primeiras etapas de seu beneficiamento. Isto porque a própria geografia encarregou-se de contribuir nesse processo: 69 % das refinarias encontram-se nas regiões sul e sudeste, sendo quatro delas em São Paulo, duas no Rio de Janeiro, duas no Rio Grande do Sul e as outras cinco restantes cada uma em um estado diferente, sendo eles: Minas Gerais, Bahia, Paraná, Amazonas e Ceará (BRUNI, 2005).

Assim sendo, torna-se possível entender o porquê de haver monopólio no mercado de combustível. As regiões Sul e Sudeste detêm maior estrutura em relação às demais no que diz respeito à refinaria e distribuição dos combustíveis. Por conta disso, há dificuldade em combater a formação de cartéis na etapa final da comercialização de combustíveis, que é quando o consumidor paga pelo produto com o vício de mercado: a revenda. Trata-se da etapa em que o cliente se vê obrigado a efetivamente pagar por um bem de consumo não por sua qualidade, mas pelo preço que, agora, estará igual em diversos lugares.

Acerca dessa última etapa, o Conselho Nacional do Meio Ambiente define como revendedor, por meio da Resolução nº 273 o seguinte:

“Instalação onde se exerça a atividade de revenda varejista de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, dispondo de equipamentos e sistemas para armazenamento de combustíveis automotivos e equipamentos medidores.” (Resolução do CONAMA no 273 de 29 de nov de 2000)” 

Outro dado relevante é que a desigualdade geográfica presente na etapa de refino se repete na etapa de revenda. Há uma grande concentração na região sudeste, que representa 47,87% do mercado, seguida pela região sul, 21,26%, região nordeste 16,84%, região centro-oeste, 9,09% e pela região norte, 4,94% (BRUNI, 2005). Dessa forma, os postos de combustíveis podem se filiar a alguma bandeira de revenda, isto é, empresas que comercializam o combustível. Alguns postos podem optar por não adotar bandeira alguma, sendo assim chamados de “bandeira branca”.  Podem, por conta disso, comprar o combustível de qualquer distribuidora. Já os postos que se filiam a uma dada bandeira só compram a gasolina da distribuidora da sua bandeira (BRUNI,2005).

No concernente à prática do cartel realizado em postos de combustível, há algumas peculiaridades. Isto porque mercados mais competitivos estão mais aptos a sofrer. O contrário, todavia, não ocorre. Consoante aduz Bruni (2005), os mercados mais cartelizados sofrem aumento no preço do combustível à proporção que as refinarias da PETROBRAS oferecem reajuste. Cumpre salientar que esse aumento perdura até que sofra novo reajuste. Assim, é perceptível a influência das grandes distribuidoras sobre a cartelização dos mercados de combustível. Há uma tendência que vem de cima para baixo – Isto é, das maiores distribuidoras para os postos de revenda.

Sob esse enfoque, é possível entender o porquê de ser um ilícito tão repudiável pela sociedade. Os empresários donos de postos de combustível estatizam o consumidor, impedindo-o de ter a sua livre iniciativa, garantida pela Constituição Federal. Há exemplos notórios de cartéis no Brasil, no entanto, tome-se como por exemplo o Estado de Santa Catarina. Nesse Estado, foi instaurado o Processo Administrativo nº 08012.002299/2000-18 depois de uma denúncia do Ministério Público do Estado. Foram levados a juízo donos de postos e o Sindicato Comércio Varejista de Combustíveis Minerais de Florianópolis (JÚNIOR, 2011).

Após as investigações, feitas por meio de interceptação telefônica, foram descobertos diversos conchavos entre os administradores de postos, dentre os quais estão: combinar margem de lucro e, para disfarçar a majoração das margens, orientavam os revendedores para que sobre avaliassem os registros de custos, por exemplo, fazendo adicionais ao preço de frete. Há, também, alguns trechos onde ficam implícitas pressões para conseguir controlar os preços de seus concorrentes possivelmente por meio de ameaças (JUNIOR, 2011). Os responsáveis pela prática dos ilícitos sofreram apenas sanções administrativas aplicadas pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Assim sendo, e tendo analisado um caso prático em especial, é possível perceber o quão organizados são os proprietários de postos de combustível ao praticar tais ilícitos. O cartel, infelizmente, é mais frequente do que se imagina e nem sempre é investigado pelas autoridades. No fim das contas, o consumidor acaba se vendo forçado a adquirir o combustível tão somente pela praticidade, vez que tanto preço quanto qualidade do produto deixam de ser um atrativo na hora de abastecer o veículo. Igualados os preços (ou minimamente diferentes), a sociedade brasileira sai perdendo e o sistema econômico-financeiro sofre vícios bastante prejudiciais ao consumidor (JUNIOR, 2011).

                           

CONCLUSÃO

 

A prática do cartel é cada vez mais hostilizada pela sociedade. O ordenamento jurídico, visando proteger a livre iniciativa e satisfazer os anseios das pessoas, tipificou como crime a prática de cartel. A partir dessa criminalização iniciou-se um combate efetivo às práticas ilegais de eliminação da livre concorrência.

Conforme dito à exaustão no presente artigo, a prática do cartel vai totalmente de encontro aos preceitos da livre iniciativa e da livre concorrência. Trata-se de um ilícito cujo elemento subjetivo especial é o de, conforme dito na linha superior, eliminar a livre concorrência a fim de alavancar os lucros de determinados empresários. “Determinados”, sim, porque são apenas alguns seletos grupos que se beneficiam dessa prática que pode ser caracterizada como conluio.

No tocante aos postos de combustível, resta ululante e cristalino o caráter de enriquecimento ilícito dos empresários. Mais do que isso, é possível perceber que empresas estatais acabam sendo, de certa forma, coniventes com a prática do cartel. Isto porque, ao expandir a sua bandeira a diversos postos, acabam suprimindo aqueles cuja marca seja menor. Além disso, pôde-se perceber que as práticas de cartel costumam ter início numa etapa anterior à de revenda: a etapa do refino.

Desde o refino formam-se os conluios, até mesmo por condições geográficas. A concentração de refinarias nas regiões sul e sudeste fazem que as demais regiões estejam à mercê dos preços estabelecidos para revenda. Cumpre salientar que os postos ditos “bandeira branca”, que não possuem distribuidora oficial e portanto podem comprar de qualquer uma delas, acabam sofrendo bastante com os conchavos formados entre as grandes distribuidoras visto que não têm peso comercial para competir com os que são contratantes de marcas como, por exemplo, PETROBRAS.

Por conta de práticas como essa, é necessário que o Estado utilize todo o seu aparelho de justiça, incluindo aí as polícias Militar e Civil, o parquet (Ministério Público) e o Poder Judiciário. Somente dessa forma, oferecendo represália e punição aos envolvidos nesse crime e conduta reprovável, é que o consumidor pode ter sua livre iniciativa garantida e o sistema econômico-financeiro sua integridade assegurada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Código Civil. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2012.

BRASIL. Código Penal. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2012.

BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 30 nov. 2011.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000. Estabelece diretrizes para o licenciamento ambiental de postos de combustíveis e serviços e dispõe sobre a prevenção e controle da poluição. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=271>. Acesso em: 24 de outubro de 2014.

BRASÍLIA. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo n. 08012.002299/2000-18 Relator: Afonso Arino de Mello Franco Neto. 27 mar. 2002. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/Default.aspx?a8889b6caa60b241d345d069fc>. 24 de outubro de 2014.)

BRUNI, Pedro Paulo Ballarin. Comportamento dos Preços e a Formação de Cartéis na Etapa de Revenda do Mercado de Gasolina Brasileiro.  Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. 88 p. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em ECONOMIA) – Faculdade de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

JÚNIOR, Marco Antônio Fonseca. A prova do cartel. Brasília - DF: UNICEUB, 2011. 59 p. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Centro Universitário de Brasília, Brasília – DF, 2011.

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PRADO, Luiz Regis. Direito Penal econômico. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.



[1] Alunos do 6º Período Noturno do Curso de Direito da UNDB.

[2] Professora da disciplina Direito Penal Especial III da UNDB.