OS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

A doutrina filosófica que adota como critério da verdade a utilidade prática, identificando o verdadeiro com o útil, ou seja, o pragmatismo, não foi uma teoria que circunstâncias especiais levaram seus autores a alimentar. Ela foi projetada e construída, para usar a expressão de Immanuel Kant, arquitetonicamente, a partir dos conceitos apropriados de forma a preencher àquele objetivo.

Mas poderíamos indagar qual é o seu real objetivo? O pragmatismo sustenta que as partes envolvidas em controvérsias se entendam, pois, via de regra, elas procuram atribuir sentidos diferentes às mesmas palavras, ou então um dos lados (ou ambos) usam uma palavra sem um sentido definido. O que se procura, por fim, é um método que determine o significado real de qualquer conceito, doutrina, proposição, palavra ou sinal.

O objeto de um conceito é uma coisa: seu significado, outra. Seu objeto é a coisa ou ocasião, ainda que indefinida, à qual ele deve aplicar-se. Seu significado é a idéia que ele atribui àquele objeto, quer através de mera suposição, ou como uma ordem, ou como uma asserção. Assim, o pragmatismo se propõe a estabelecer um método de determinação dos significados dos conceitos intelectuais, isto é, daqueles a partir dos quais podem resultar raciocínios.

Quando assim dizemos dar significado dos conceitos realizados a partir do raciocínio, poderíamos inferir como assertiva o conceito que alguns místicos vêem no número sete, p.e., pois o Criador fez o Mundo em seis dias e no sétimo dia descansou, sete são os orifícios de nossa cabeça, os pecados capitais, as cores do arco-íris e por aí vai. Mas seria possível atribuirmos tal inferência como conceito? Qual seria a utilidade prática destas verdades como úteis?

Ao retrocedermos na história da humanidade, ao tempo dos pensadores clássicos, veremos que Platão, ao nos brindar com a sua alegoria da caverna, nos propõe uma situação imaginária, pontuando no seu mundo das idéias, que o liberto é aquele que, por suas elevadas aspirações, inteligência e audácia pessoal, alcançou o Real, retornando para fazer bem aos seus semelhantes. Na chave política, a caverna é o mundo material, a máquina é o sistema de interesses e os prisioneiros são os cidadãos que, enganados, acreditam-se livres.

No mundo de hoje, quando conceitos e valores mudam na velocidade em que se tornam obsoletos objetos da órbita digital, precisamos recuperar o que efetivamente entendemos por conceitos e valores, não para que os mesmos sejam petrificados, como cláusulas intocáveis, mas como forma de proceder a sua evolução, sem que sejam perdidos no tempo e no espaço os seus componentes intrínsecos.

Se Justiça é dar a cada um o que lhe é devido, nós não podemos deixar de ter a tutela do Direito para com a Justiça, pois a lei pode ter lacuna, o Direito não. O costume, a ordem pública, a segurança jurídica, a moral e a ética, poderíamos dizer que pertencem ao escopo dos conceitos jurídicos indeterminados. Mas de que maneira a sociedade pode sentir-se segura, a partir do momento que os mesmos não se encontram positivados?

No Código Civil brasileiro de 2002, em seu artigo 104, o legislador nos ensina sobre o ato jurídico perfeito e mais, que ele só assim o é se preencher os requisitos do referido Artigo. Se num dos incisos do Art. 104 nos é dito que o objeto terá que ser lícito, possível, etc., e que o objeto do negócio jurídico é o contrato, podemos depreender daí, revestindo-se de legalidade neste instrumento, necessitaríamos da atenção dos referidos do Art. 104. Observar-se-á, destarte, que a moral e os bons costumem atuam, ou não, para obtenção de contrato, pois o objeto tem que ser legal e dentro destes requisitos.

Mesmo para o Direito Positivado, encontramos brechas em que o magistrado terá que atuar, pois muitos são os casos de indeterminação de conceitos enraizados numa sociedade. Nos casos de lacunas, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe da LICC para mitigar os conflitos ali consignados.

Mas, ao observarmos o cenário proposto na resumida reflexão objeto desta matéria, entendemos que o profissional forense deverá dedicar-se, de forma efetiva, ao cultivo da leitura e observância dos movimentos aos quais a própria sociedade se impõe.

Para que possa formar opinião crítica sobre os temas novos e atuais, antigos e clássicos, oferecendo a si próprio, elementos capazes de suprir possíveis lacunas de seu conhecimento, este profissional estará mais bem preparado para servir à sociedade, com conceitos e valores que sejam imanentes ao senso comum e, principalmente, à consciência crítica.

Por indeterminado, podemos dizer que é o estado de um espírito que hesita entre várias soluções, cujos dados são insuficientes e tem por característica aquilo que não é determinado.

Assim, tendo o Direito o sentido da conformidade a uma regra, ou seja, aquilo que deve ser ou aquilo que legitimamente pode ser, por oposição ao que não deve ser, vislumbramos no adjetivo inglês right o que melhor conserva este sentido em toda a sua extensão (linha reta, ação justa, pensamento verdadeiro, bons princípios).

Por conclusão, entendemos que Sócrates, através de Platão em seus diálogos no livro "A República", estava coberto de razão quando disse que devemos aprender junto de quem sabe. Dessarte estaríamos aptos a decifrar os enigmas a nós apresentados nos conceitos jurídicos indeterminados a partir de profícua busca da compreensão, da observação dos princípios gerais do Direito, da moral, ética, bons costumes, formando a nossa própria jurisprudência interna, bebendo, naturalmente, na fonte de sabedoria daqueles que, sobejamente, têm algo mais a nos transmitir.