Os caminhos do Espírito – Geraldo Barboza de Carvalho

"Se vivemos pelo Espírito, procedamos também segundo o Espírito". Deus Mãe é a vida de Deus. A vida de Deus e fora dele é gerada pelo Pai e Deus Mãe, Senhora que dá a vida a tudo que existe no céu e na terra, através do Filho. "O Espírito é que vivifica (gera vida). Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo. Tudo foi criado por ele e para ele. Tudo foi feito por meio da Palavra e sem ela nada foi feito. Ele é o Primogênito de toda criatura. Ele é antes de tudo e tudo subsiste nele. Nela todas coisas foram criadas no céu e na terra. O que foi feito nela era a vida e a vida é a luz dos homens. Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer. Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por vontade própria. Tenho poder de dá-la e de recebê-la de novo". Na criação temporal, o Criador suscitou todas as coisas à vida. Na plenitude do tempo, na novíssima criação, Jesus Cristo ressuscitou todas as coisas juntamente com ele, por força da fecundidade ilimitada de Deus Mãe e a potência

criadora do Pai. A Mãe Divina é a doadora da vida ao Pai, ao Filho e a tudo que existe nele e por ele na criação ideal, na temporal, na recriação. "Envias teu Espírito, tudo será criado e renovas a face da terra". Feita a restauração de todas as coisas, Jesus se torna Intercessor universal junto ao Pai. Com o Pai, envia Deus Mãe sem cessar, para manter a vida na nova criação e reavivar a fé dos discípulos. O Cordeiro e o Pai enviaram Ruah aos corações e a todas as coisas recriadas, recapituladas por sua morte e ressurreição. Ruah é a memória da SS Trindade. "O Paráclito, o novo consolador, o Espírito da Verdade que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará e recordará tudo que vos disse; ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si, mas dirá tudo que ouviu do Pai e do Filho no diálogo intratrinitário e vos anunciará as coisas futuras" Jo 5,21,26; 6,63; 14,26; 16,12-13. Ao ser derramada nos corações, no mais íntimo do nosso ser, Deus Mãe comunica a vida e diversidade dos dons divinos, recria o DNA humano e inicia a genética do Espírito. A vida de Deus é a riqueza do seu Ser, tanto na unicidade da substância, quanto na unidade das Três Pessoas distintas, consubstanciais, igualmente dotadas de inteligência, sentimento, vontade livre. As diversas dimensões das Pessoas são dimensões da vida divina. Ao dizer: "Eu sou a vida" Jesus quer dizer "eu sou aquele que é, Deus com o Pai e Deus Mãe", embora sendo Pessoas distintas com atribuições diferentes. Qual é a substância, a essência de Deus? "Deus é amor" 1 Jo 4, 16. Qual é a essência do amor? O direito e a justiça, os arquétipos trinitários originários, as propriedades essenciais de Deus uno e de cada Pessoa divina, transmitidos ao ser humano como carismas, dons, capacidades, na criação intratrinitária, "antes da fundação do mundo, em, com, por Cristo", confirmados na criação temporal (2.a) do ser humano. Os arquétipos

divinos, os dons infundidos no corpo, na sensibilidade, nos sentimentos, na inteligência, na vontade livre e responsável do homem e da mulher feitos à imagem e semelhança de Deus, são as marcas do Deus trino e uno no DNA de cada ser humano, que o possibilitam pensar e agir de modo semelhante ao Criador, refletindo em suas vidas o direito e a justiça, como testemunhas fidedignas do Trino Criador. As Pessoas divinas têm liberdade absoluta; o homem e a mulher participam dela como liberdade relativa, disponibilidade potencial de praticar atos bons ou maus, e assumir responsabilidade por eles. Nisto está o esplendor do Criador e o valor do ser humano. Até quando escolhemos mal, ele respeita nossa liberdade de escolha. Nem pra nos salvar, ele manipularia nossa vontade livre. Seria falta de respeito do Deus bom e livre para com os filhos que ele quer livres e responsáveis. Na relação de fé com Deus, ou a liberdade permanece intacta, ou a vivência da fé será falseada. O Criador é livre e cria filhos partícipes da sua liberdade e demais atributos, para valer, pois criou-os à sua imagem e semelhança, pra espelharem em suas vidas a sensibilidade, os sentimentos, o pensamento, o querer divinos. Tudo em plena liberdade, sem medo ou coação, do Criador ou do mundo. O Espírito de santidade foi derramado em nossos corações, no nosso DNA, não para concorrer, neutralizar nossa liberdade, mas para potenciar nossa fragilidade. "O Espírito socorre nossa fraqueza, pois não sabemos o que pedir como convém; ele intercede por nós com gemidos inefáveis" Rm 8,26. Sem violar nossa liberdade, Deus Mãe trabalha por nós mediante nosso sim a Jesus e sua mensagem. Deixar-se guiar pelo Espírito, pois, não significa submeter-se passivamente à vontade do Pai e do Filho, autoritária, castradora da nossa liberdade de escolha. Não. Nenhuma Pessoa divina manipularia nossa liberdade, nos conduziria algures ou alhures sem nosso consentimento. A vontade divina se exprime na doação dos dons e sua realização livre por cada ser humano. Deixar-se guiar por Deus Mãe é, pois, ser fiel à inspiração dos arquétipos divinos, o direito e a justiça, expressos nos dons a nós comunicados desde antes da fundação do mundo com, em, por Jesus Cristo. Dons pessoais, intransferíveis, pelos quais cada pessoa exercerá sua liberdade de escolha e

realizará a vontade de Deus, santificar-se-á. Sem coação exterior da vontade de Deus, o ser humano livremente decide e escolhe o caminho a seguir. A vontade de Deus não expressa-se de fora, mas interiormente, através do livre exercício dos nossos dons. Podemos até nos equivocarmos na escolha: faz parte do risco da liberdade. Porém, isto não abala o Criador,

que deixa as criaturas buscarem o caminho de volta, inspirando-lhes sentimentos, decisões condizentes com um ser semelhante a Deus, partícipe da natureza divina. Os equívocos da escolha chamam-se pecado que gera escravidão, em vez de liberdade. A primeira escolha insensata foi de Adão e Eva, que se tornou paradigma de outras escolhas equivocadas ao longo da história. Mas o Criador não se intimidou com a devastação do pecado. Sabe o que criou: o ser humano que escolhe pecar, pode também escolher não pecar. Por isso, não lhe fecha a porta para o retorno. Dá-lhe oportunidade ilimitada nas pessoas de Noé, Abraão e descendência, Moisés, os Profetas, homens, mulheres de fé da antiga aliança, que faliram, aparentemente. A história das escolhas equivocadas parecia descartar toda possibilidade de escrevermos a história das escolhas sensatas, sábias, condizentes com os dons com que o Criador agraciou o homem e a mulher, suas criaturas privilegiadas. Como a criação foi pra valer, o Criador não a deixaria fracassar. Um dia o sonho de Deus se realizará. Ele chegou: chama-se o Dia de Javé (kairós) em que o Criador salvou a criação do impasse do pecado. O Dia de Javé opõe-se às trevas do mal, que pareciam vencer. Teimosamente apostou tudo no resgate da liberdade do homem e da mulher, enviando seu Filho ao mundo, num corpo semelhante ao nosso corpo pecador, para, nele mostrar o modelo de liberdade compatível com os projetos e desígnios do Criador. "E a Palavra se fez carne para morar conosco" Jo 1,14. Revolução da liberdade, loucura do amor e poder divino. Isto mostra a seriedade com que Deus Trino nos trata. Se fosse para perder, não teria criado. "Deus é amor e ama tudo o que criou, não se aborrece com nada do que fez; se alguma coisas tivesses odiado, não a teria feito" 1 Jo 4,8; Sb 11,24. Jesus é a chave do resgate da criação falida. Em ato de amor extremo assume a condição humana para libertá-la da escravidão que a oprimia, fazendo-a participar da natureza, da santidade de Deus. Fez isso livre e gratuitamente, para restituir-nos a liberdade de filhos e filhas de Deus, por seus próprios méritos, através da fé. "Eu sou a verdade: conhecereis a verdade, a verdade vos libertará. Se Cristo libertar-me, serei livre de verdade". Da parte de Deus, estão criadas as condições pra conquista da liberdade, pela infusão do Espírito de santidade no nosso corpo de pecado. Cabe-nos dizer sim livremente, sem coação do Criador e Salvador. A presença de Deus Mãe no nosso corpo não interfere na nossa liberdade. Deus Mãe foi derramada sobre toda a criação e em nossos corações pra gerar-nos criaturas novas, aptas a praticar atos semelhantes ao Deus Trino, mediante a fé, a adesão sincera, livre à Palavra, seguida da prática dos valores éticos, o direito e a justiça. Jesus diz que aquele que crê nele fará as mesmas coisas que ele faz, porque temos, pela fé, o mesmo poder dele. Mas, nós é que agimos, não Deus Mãe ou Jesus em nosso lugar. Eles não são muletas, não substituem nossas decisões. Ruah inspira-nos os sentimentos de Jesus e a vontade de praticar as boas obras que ele fez, mas não nos impele a praticá-las contra a nossa vontade nem as pratica por nós. "O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza, pois não sabemos o que pedir nem como pedir; o próprio Espírito intercede no nosso favor com gemidos inefáveis. E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção de Deus Mãe, pois é de acordo com Deus que ela intercede em favor dos santos" Rm 8,26-27. Ruah nos socorre, mas não nos substitui, embora a sua intercessão corresponda ao que Deus espera dos que vivemos pela fé (os santos). Cabe-nos, pois, ser sensíveis ou ignorar a inspiração divina em nosso favor. Deixar-se conduzir por Deus Mãe é ser sensível e fiel à inspiração ancilar do Espírito de santidade do Pai e do Filho, configurados no direito e a justiça como Jesus ensinou e viveu. O direito e a justiça, todos os valores e lugares teologais são sinais vivos da presença de Deus, que nos inclinam a sentir, pensar, agir de modo semelhante ao Criador, do que somos imagem e semelhança desde que criou-nos. Ser santo é pensar, agir e sentir semelhantemente ao Criador, origem dos arquétipos teândricos. Sendo semelhante ao Criador, tudo que as Pessoas divinas fazem e dizem por natureza, cada ser humano faz e diz por participação na natureza divina do Filho Deus. Tudo que o ser humano diz e faz segundo o dom atuado espelha a riqueza da Substância Criadora impressa em nossos dons.

Compaixão, misericórdia, amor, perdão, fraternidade, respeito, solidariedade, partilha, paz, serviço, liberdade, democracia e demais valores éticos, ideais da humanidade, originam-se no Criador, inspiram-se em Ruah, o Espírito do Pai e do Filho. Independentemente da raça e sexo, religião, ideologia, os valores que inspiram as diversas culturas humanas originam-se no Criador, que os transmite ao homem e mulher ao criá-los na Trindade imanente no Filho, no tempo e recriá-los na plenitude do tempo. Os valores são balizas, critérios, luzes que inspiram, orientam o sentir, o querer, o pensar, palavras, atitudes, toda atividade do ser humano. Toda vez que alguém pensa retamente e age honestamente, é iluminado e guiado pelos valores que se originam no Espírito do Pai e do Filho. Através deles, Deus Mãe age e interage nos desejos, emoções, sentimentos, pensamentos, ações, palavra do ser humano, movendo-o, sem coagi-lo, a decidir-se pelo direito e a justiça. Jesus insta-nos a ser santos, éticos, perfeitos como o Pai. "Sede santos porque Javé vosso Deus é santo e vos santifica. Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Assim, vos tornareis filhos do Pai celeste, que faz nascer o sol igualmente sobre ingratos e bons e cair a chuva sobre injustos e justos" Lv 19,2; 21,8; Lc 6,35-36; Mt 6,45. A santidade ética é o arquétipo principal de Deus comunicado ao ser humano. Ela age no coração de quem deseja incorporá-la e vivê-la pela fé. O sinal da fé genuína é a vida ética, inspirada e guiada pelo direito e a justiça.

Sim, é no coração, na intimidade do nosso ser, no nosso DNA que os arquétipos, os dons divinos atuam inspirando pensamentos, atos, atitudes. Ruah interpela nossa liberdade sem coagir nossas decisões. Livremente decidimos a favor ou contra a inspiração dos carismas e livremente os realizamos ou não. Somos livres através de nossas decisões, palavras, atos, atitudes, ações, das nossas atividades conscientes. Todas veiculam valores inspirados nos arquétipos divinos em nós, outros em desvios diabólicos. Os valores éticos se inspiram nos arquétipos pneumáticos, iluminam nossas palavras sensatas, atitudes e ações construtivas, segundo o projeto do Criador; a inspiração diabólica leva à prática destruidora das relações humanas, a palavras insensatas, a pensamentos contrários ao direito e à justiça, ao projeto ético do Reino de Deus. A violência física, psicológica, política que permeia as relações humanas é inspirada nos valores diabólicos. Só mediante uma conversão aos valores éticospela morte aos antivalores geradores de violência psicológica e física, retornaremos pouco a pouco aos valores éticos, geradores de vida. Bem diz Paulo: "Mortificai vossos membros terrenos, más obras: fornicação, impureza, cupidez, que é idolatria, maus desejos, paixão. Essas coisas provocam a ira de Deus sobre os desobedientes (antiéticos). Assim andastes quando vivíeis entre eles. Mas agora abandonai tudo isto: maldade, conversa indecente, ira e exaltação, blasfêmia. Não mintais uns aos outros. Despi-vos do homem velho com suas práticas, revesti-vos do homem novo que se renova pra o conhecimento segundo a imagem do Criador". 'Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano perdeu-se buscando o conhecimento do bem e do mal fora dos critérios do Criador. Escravo das concupiscências do pecado, ele se tornou homem velho morrerá. Mas, o homem novo, recriado no Cristo, imagem do Pai pela fecundidade de Deus Mãe, reencontra a retidão primitiva e atinge a prática do direito e da justiça. A catarse do batismo radical de Jesus na cruz e ressurreição em nome da humanidade pecadora, de maneira instantânea e absoluta no plano místico da união com Jesus crucificado e celestial, deve realizar-se lenta e progressivamente no plano terreno do velho mundo em que o cristão permanece mergulhado. Morto da parte de Deus (ex opere operato), o homem velho deve morrer ao pecado, aos antivalores, mortificando dia a dia o corpo de pecado com seus membros', mediante a fé (ex opere operantis). Ex opere operato e ex opere operantis são a mão dupla da salvação. A salvação é dom divino ("por graça fostes salvos, isto não é mérito vosso, é dom de Deus"), mas ele não obriga-nos a aceitá-la. Espera que a incorporemos e nos tornemos justos pela fé, não pelo mérito das obras sem fé. Incorporar a salvação implica em aderir ao direito e à justiça, os valores éticos básicos, configurados a seguir. "Como eleitos de Deus, santos, amados, revesti-vos de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, longanimidade suportando-vos uns aos outros, e mutuamente vos perdoando, se alguém tem motivo de queixa contra o outro; como Cristo vos perdoou, também o fazei vós. Sobretudo, revesti-vos da caridade, que é o elo da santidade. Reine em vossos corações a paz de Cristo, a que fostes chamados num só corpo. Tende em vós idêntico sentimento de Jesus Cristo. Ele é rico e se fez pobre, pra nos enriquecer com sua pobreza. Ele tinha a condição divina, mas não considerou o ser igual a Deus como algo a apegar-se ciosamente. Mas esvaziou-se e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. Achado em figura de homem, humilhou-se e até a morte foi obediente, morte de cruz. Por isso, Deus grandemente o sobre-exaltou e agraciou com o Nome que é sobre todo nome. Pra que, ao Nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, pra glória de Deus o Pai, toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor" Cl 3,5-10; Fl 2,6-11. O espírito do direito e da justiça é estampado nas palavras, atitudes, atos e na vida auto-entregue de Jesus por nós. "Não há maior prova de amor que dar a vida pelos irmãos", para que o direito a justiça se possam realizar nas vidas deles, pela comunicação das potencialidades recriadoras de Deus Mãe. As novas criaturas, nascidas não do sangue e da carne, mas da fecundidade de Ruah, abandonarão os caminhos da carne e do sangue e com tribulações, levando a cruz de cada dia como Jesus, trilharão os caminhos de Ruah. Seguir os caminhos de Ruah é ser sensível aos dons que nos comunicou e praticar ações inspiradas neles. Através da atualização dos dons nas boas obras, a vontade de Deus trino e uno se faz "assim na terra como nos céus". O Céu dos céus é o trono de Deus e do Cordeiro. Os céus são a morada dos santos.

O ser humano é livre, tem poder de escolher o caminho, que o conduzirá à realização de

si ou ao fracasso. O primeiro é o caminho do alto, o segundo, figurativamente o de baixo. No alto está a vida, em baixo, a morte. O caminho do alto é sinalizado por valores éticos, lugares teologias, pontos de encontro com Deus. Todo valor ético é teofânico, seja qual for o credo e ideologia. Liberdade, verdade, responsabilidade, justiça, direito, dever, trabalho, democracia, solidariedade, amor, estes valores são pontos de convergência, intersecção do Divino com o humano. Neles Deus se revela ao ser humano, e este se encontra com Deus. O lugar teologal supremo é o amor, cuja essência é o direito é a justiça. "Quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele, pois Deus é amor" 1 Jo 4,16. O mesmo vale pra cada valor. Deus é justiça, liberdade; quem permanece na justiça e liberdade, permanece em Deus e Deus nele. Esses valores são caminhos do Espírito que levam à conquista da liberdade dos filhos de Deus. Mas, por serem livres, nem sempre escolhem o caminho dos lugares teologais e valores éticos, o caminho do alto. Não raro, nossa escolha primeira é do caminho de baixo, dos lugares diabólicos. Com o tempo, nosso espírito de discernimento entre o certo e o errado nos faz acordar e percebemos o equívoco cometido, e retomamos o caminho dos valores éticos. Começamos, então, a nascer de novo, a auto-realizar-nos, num doloroso parto diário de nós mesmos. Ora, a santidade é atualização do projeto do Criador. Desde a criação espaço-temporal, Ele sinalizou querer-nos por colaboradores: "Crescei e multiplicai-vos, dominai a terra". Dominar não significa devastar, mas cuidar, amar, servir a criação como o Criador a ama. "O maior entre vós seja como o mais novo, quem manda como quem serve. Chamais-me Mestre e Senhor; dizeis bem, pois eu sou. Porém, eu estou entre vós como aquele que serve" Lc 22,26-27; Jo 13,13. O Deus todo-poderoso usa seu infinito poder pra servir sem medida, não oprimir e controlar suas criaturas. Adão e Eva, em vez de parceiros do Criador, tornaram-se seus competidores: por sugestão diabólica se consideraram iguais a Ele. A decisão equivocada dos Protoparentes rompeu a aliança com o Criador e levou o ser humano ao impasse no caminho do Espírito. Mas Deus não fechou as portas à humanidade descaminhada, em respeito à sua liberdade de escolha, tendo em vista a possibilidade do retorno ao caminho da vida e da liberdade. O Criador convida as criaturas: Voltai ao caminho da liberdade, renascei para a vida que perdura. Vinde matar a fome e sede de liberdade. "Todos que estais com sede, vinde buscar água! Vinde comprar vinho, mel sem dinheiro, sem pagar. Pra que trabalhar tanto pelo alimento que não mata a fome e gastar dinheiro com coisas que não alimentam? Trabalhai pelo que permanece pra vida eterna, e que Eu vos darei. Escutai, ouvi bem o que digo, comereis o que de melhor há. Vinde procurar-me, ouvi-me, tereis vida nova, farei convosco aliança definitiva. Que o malvado abandone o mau caminho, e o perverso mude seus planos, cada um se volte pra o Senhor, pra nosso Deus que vai ter compaixão, é imenso no perdoar" Is 55,1-7; Jo 6,27-29.

Eis aí os dois caminhos da liberdade, que cada pessoa pode trilhar sem interferência das outras criaturas ou do Criador. Todavia, o Criador também defende a liberdade do homem e continua acenando-lhe com o caminho do alto sonhado ao criá-lo, valores éticos, que são lugares teologais. Alto, não fisicamente, mas pela importância da realidade visada: a vida. Assim diz Jesus aos que trilham o caminho da morte, repercutindo a proposta de Javé ao povo da antiga aliança: "É necessário pra vós nascer do alto. Se alguém não nascer do alto, da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus. O que nasce da carne é carne; o

que nasce do Espírito é espírito. As coisas mundanas só o espírito do mundo as entende; e os que têm o Espírito de Deus entendem as coisas do alto. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é também aquele que nasceu do Espírito" Jo 3,3-8. Quem segue o caminho de baixo é guiado vive pelo espírito do mundo, pela carne e está em conflito com os que são guiados por Deus Mãe e seguem o caminho do alto. "O homem não-espiritual não aceita o que é do Espírito de Deus, pois lhe parece loucura. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para conhecermos os dons que ele nos concedeu. Ora, digo-vos, conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e este contrárias à carne, pois se opõem mutuamente, de sorte que não fazeis o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sob a carne. Ora, são notórias as obras da carne: impureza, fornicação, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ciúme, rixas, ódio, divisões, ira, discussões, discórdia, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes, sobre as quais vos previno: os que as praticam não herdarão o Reino de Deus. Mas, o fruto do Espírito, é amor, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, alegria, mansidão, autodomínio, paz. Contra estas coisas não existe lei. Pois, os que são de Cristo, crucificaram a carne com suas paixões e desejos" 1 Cor 3,10-16 Gl 5,16-24. Como vemos, carne se relaciona mais a emoções da alma que a impulsos do corpo. Carne significa a fragilidade das criaturas. A fragilidade humana máxima é o pecado, que o aparta de Deus: além frágil por natureza, o pecado torna-se o ser humano miserável. Na encarnação, o Verbo provou a fragilidade das criaturas, fazendo-se maldição, pecado por solidariedade com os pecadores, para livrá-los da maldição da incredulidade. Aressurreição "segundo o Espírito de santidade" resgatou-nos da maldição do pecado, deu-nos a benção da fé. Pela fé, renunciamos (morremos) ao pecado e participamos da santidade de Jesus Cristo: nosso corpo de pecado se torna corpo espiritual. A ressurreição é compatível com corpo, não com carne. Na ressurreição, Jesus ganhou corpo espiritual, e nós também, pela fé. Incorporado pela fé o Espírito nos faz ver os caminhos de Deus e viver eticamente. Só o Espírito Deus conhece os caminhos de Deus e no-los inspira, capacitando-nos a segui-los livremente. Se formos fiéis à sua inspiração, seremos conduzidos por caminhos nunca imaginados pela mente carnal. Porque os "meus pensamentos não são vossos pensamentos, meus caminhos não são vossos caminhos" Is 54,14. Os caminhos do mundo, da incredulidade estão em conflito com os caminhos da fé, de Deus, que parecem descaminhos, loucura pra quem não vive eticamente. Pra quem é do mundo entender os caminhos do Espírito, precisa "nascer de novo, da água, do alto", se converter aos valores éticos. Sem isto, não entenderá a lógica do Espírito, pois os desejos da carne se satisfazem no mundo, e os do Espírito, nas coisas do alto, nos valores éticos, paradigmas da santidade de Jesus. Eles "não são difíceis pra ti ou fora do teu alcance. Não estão no céu para que digas: 'Quem poderá subir ao céu por nós para apanhá-los? Quem no-los fará ouvir para que os possamos cumprir? Não estão do outro lado do mar, para que digas: quem atravessará o mar por nós para apanhá-los? Quem no-los fará ouvir pra que os possamos cumprir'? Ao contrário, estão bem ao teu alcance, em tua boca e em teu coração, para que possas cumpri-los" Dt 30,11-14. Ora, "só quem tem o Espírito de Deus entenderá as coisas do alto". Por isso, os que vivem pela fé, eticamente, são confundidos com loucos, sinais de contradição e estão em conflito aberto com o mundo. A perseguição é o primeiro sinal de autenticidade dos que seguem os caminhos de Deus Mãe. Unanimidade nas coisas do Espírito é mau sinal. Se todos concordam contigo, desconfie. Quer dizer, se decidirmos trilhar os caminhos da ética, nossa vida passará por uma revolução de valores, cujo nome é conversão, comparada a um doloroso parto, onde nascemos novas criaturas, não da carne e do sangue, mas do poder fecundante de Deus Mãe, "doadora da vida". Na nossa vida nova, renunciamos a viver segundo o espírito do mundo e pautamos nossas vidas pela inspiração de Deus Mãe vertida em nossos corações. Uma vez a decisão tomada, pouco a pouco ela nos conduzirá por caminhos que só ela conhece. Na caminhada da fé, surpresas aguardam-nos, nem sempre agradáveis, todas provocadas e consentidas por Deus Mãe que se une ao nosso frágil espírito pra nos inspirar sentimentos compatíveis com valores éticos. Pra não nos escandalizarmos, ela nos fará discernir as coisas do alto e dará alegria para praticá-las. Depois da ressurreição, antes de entregar aos Doze e a todo o povo de Deus o comando da missão, Jesus infundiu neles o Espírito que o envolvia, dizendo: "Como o Pai me enviou, eu também envio-vos: recebei Ruah. Ide pelo mundo anunciar a Boa Nova a toda criatura. Fazei que todos sejam discípulos meus" Jo 20,21-22; Mt 28,19. Aludindo à liberdade do Espírito, antes da ascensão Jesus adverte Pedro sobre a pedagogia desconcertante de Ruah: "Quando eras jovem, amarravas teu cinto tu mesmo (decidias) e andavas por onde querias; mas, quando fores velho (maduro na fé), estenderás as mãos (entregando a tua vontade e projetos nas mãos de Deus, recebendo o poder de Ruah para começar a caminhada ética), e outro vai amarrar-te o cinto (o Espírito prepara pra nova caminhada) e te levará para onde não queres ir" Jo 21,18. Seu papel de parceiro da aliança com Jesus é ouvir a voz de Ruah. Deus Mãe, inspiradora e condutora da missão dos Doze, da comunidade de fé, sopra onde quer e nos envia aonde quer, segundo as necessidades do Reino. Por isso, é duro entrar no processo, na caminhada do Espírito, pois seremos interpelados e confrontados com nossos valores e teremos de tomar decisões pro ou contra a moção de Ruah. Cabe-nos decidir se queremos continuar na mediocridade, tomando decisão sem levar em conta a parceria com Deus Trino ou deixar Deus Mãe nos gestar e parir criaturas novas dia a dia para o serviço do Reino, pela fé. Como crianças, teremos momentos de rejeição, rebeldia à inspiração de Deus Mãe. Mas a sábia Mãe abrirá nossos caminhos entre os caminhos do mundo, através dos quais conduzirá cada um segundo os valores éticos. O segredo é não fechar o coração, a mente aos acenos de Ruah. Ela nos dará discernimento para enxergar seus caminhos nos nossos dons, entre as trevas do mundo, que atingem nosso coração, ameaçam nossa fé. A Mãe pedagoga nos conduzirá sem violência pra o caminho ético, aberto entre os caminhos ímpio do mundo e nos ensinará a discernir o caminho reto do caminho da impiedade. Com o tempo, entenderemos o modo de pensar e agir de Deus e veremos que faz sentido trilhar os caminhos do Espírito, como parceiros da aliança eterna. "Deus escreve certo por linhas tortas", diz o povo. Os caminhos de Ruah não seguem a lógica da carne e do sangue, mas a do amor. Por isso, não adianta querer entender a lógica de Deus pela lógica humana, mas buscar entrar nela e entendê-la por dentro. "Passarão céu e terra, mas minha Palavra não passará. Assim como a chuva que cai sobre a terra e para o céu não retorna sem molhar a terra antes e produzir seu fruto, assim é a Palavra de Deus: não retornará a ele sem antes produzir os frutos e dar o alimento". É inútil fugir de Deus: a vitória sempre será dele, pois é o Criador e Senhor do universo, não criou o mundo para perder, mas para salvar. "Amas tudo que existe e não desprezas nada do que fizeste; porque se alguma coisa odiasses, não a terias feito" Sb 11,24. Nesta fé, "vencemos o mundo" 1 Jo 5,4-5. Pra tanto, precisamos manter viva a fé, ouvir e seguir os sinais do Espírito, até contra nossa vontade. "Importa

que ele cresça e eu diminua: Pai, não se faça a minha, mas a tua vontade".

Os caminhos do Espírito são, portanto, os caminhos da liberdade humana. O Espírito nos conduz à medida que levamos a sério seus acenos codificados nos carismas e procuramos entendê-los e segui-los. Ele não nos obriga a segui-lo, em respeito a nossa liberdade. Mas põe-nos diante da escolha de um dos dois caminhos: "Ponho hoje diante de ti a felicidade e a vida, a morte e a infelicidade. Hoje tomo o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu te propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição, amando Javé teu Deus, ouvindo sua voz, apegando-se a ele. Porque disto depende tua vida e o prolongamento dos teus dias" Dt 30,15-19. Vem do Criador a maneira de tratar seres livres: propondo, não impondo. Cabe ao ser livre, usando intuição afetiva e inteligência, decidir qual proposta melhor convém-lhe. O Criador conhece as criaturas, sabe de que são feitas, "que são pó, fragilidade, carne, mas trazem em si a luz do discernimento que é fé. Cabe-nos viver pela carne, optando pela fragilidade e assumir nosso fim ruim, a morte, ou segundo a inspiração de Ruah presente em nossos dons ab eterno. Está em nossas mãos escolher viver de uma ou outra maneira. Escolher e assumir a escolha, sem culpar Deus pelo insucesso. A possibilidade de escolha entre dois caminhos é prova que o Criador leva a sério nossa liberdade. Mas também deixa claro que somos responsáveis pelas conseqüências das nossas escolhas, equivocadas ou sensatas. "Se ouves os mandamentos de Javé teu Deus que hoje te ordeno – amando-o de todo o teu coração, com todas as tuas forças, de toda tua alma, andando em seus caminhos – viverás e te multiplicarás. Contudo, se teu coração se desviar e não ouvires, e te deixares seduzir, te prostrares diante de outros deuses e os servires, declaro-te hoje: perecereis, sem dúvida. Escolhe, pois, a vida, pra que vivas, tu e tua descendência, amando Javé teu Deus, obedecendo a sua voz e apegando-se a ele. Porque disto depende o prolongamento de teus dias e tua vida" Dt 30, 15-20. Assim, o Criador nos interpela, propondo-nos dois caminhos com as conseqüências de cada escolha, sem impor sua vontade. Deus não faz terrorismo conosco, nem sequer pra nos salvar. A salvação é de graça, mas é proposta, não imposta. Cabe-nos decidir o caminho a seguir: o caminho dos dons e da liberdade ou o do egoísmo e suas conseqüências. Seguir os caminhos do Espírito não nos garante sucesso automático. Jesus não promete isto. Deus não é esparadrapo ou curativo para nossos males. Ele é tudo para nós, na alegria e na dor, mas é claro: "No mundo tereis tribulações. Se não fosse assim eu vo-lo teria dito. Se me perseguiram, vos perseguirão também. Mas farão tudo isto por causa de mim, porque não acreditaram no Enviado do Pai. Mas, coragem, eu vendi o mundo. E vós o vencereis também. Vossa vitória sobre o mundo é vossa fé", a livre e firme adesão aos valores do Reino de Deus e sua prática numa vida ética.

Em suma, andar nos caminhos do Espírito é ser fiel à aliança de Deus conosco e os dons de cada ser humano, imagem e semelhança do Criador. Os termos da aliança explicitam os dons que recebemos do Criador: eles são luz que ilumina sem condicionar nossas decisões livres. Por isto, podemos escolher caminhos contrários aos dons. Em qualquer caso, somos responsáveis por decisões que colaboram ou boicotam o projeto salvífico de Deus. O bem-estar da humanidade está nas nossas mãos. Cabe aos parceiros da aliança transformarmos o mundo num habitat que sinaliza a presença do Reino de Deus. Mas, se decidimos com egoísmo, o mundo se transformará na cidade do Satanás, antípoda da cidade de Deus. Por isto não cabe culpar Deus pelas desgraças do mundo, nem pedir que transforme em paraíso o inferno que criamos. Deus vê com tristeza o mundo se danando. Mas, a missão de salvá-lo ele entregou em nossas mãos: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra, submetei-a. Como o Pai me enviou, eu vos envio também. Ide, anunciai a boa nova a toda criatura. Eu estou convosco todos os dias até o fim. Eles saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor (não por eles), confirmando a Palavra pelos sinais que a acompanhavam" Gn 1,28; Jo 20,21; Mt 28,18-28; Mc 16,20. Não cabe a Deus fazer o que nos cabe. Para que rezar e omitir-se ante as dores do mundo? A terra em transe é a imagem e semelhança da

falta de ética de falsos crentes, que rezam muito, mas dão as costas ao direito e à justiça.

Conclusão

Deus é, pois, Espírito, Liberdade absoluta. Criados à sua imagem e semelhança, trazemos no DNA as marcas do Espírito Divino: tendências intelectuais, estéticas, éticas que fazem- nos agir e pensar como ele. Agraciados com a filiação divina por enxertia no Primogênito, o Criador nos fez semelhantes a ele e pôs no nosso DNA características semelhantes às suas, pra falarmos e fazermos coisas que sinalizam sua presença no mundo. Palavras e atos humanos são testemunhas que somos imagens do original divino. Ser fiel aos dons é ser guiado e impulsionado por Deus Mãe, a doadora dos dons, nascer e viver pelo Espírito. "O vento sopra onde quer, ouves seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Acontece assim com quem nasceu do Espírito" Jo 3,8. Nada prende os que são conduzidos e vivem pelo Espírito Santo. Já não há mais lei pra quem vive pela fé em Jesus Cristo, pois Deus Mãe nos habita e liberta de toda escravidão. Quem vive pela Lei é seu escravo. Mas Jesus nos libertou da lei pra vivermos livres como filhos de Deus. Claro que não podemos abusar da liberdade por causa dos irmãos fracos. Nossa missão é os libertar da opressão da lei. Só livres libertam. Conquistar a liberdade da fé é tornar-se autônomo de pensamento, ação e autodeterminação pessoal, que nos faz livres como Deus. Os que vivem pela fé o perdão gratuito do Pai misericordioso por Jesus Cristo, vivendo com ética, vivem livres de todo constrangimento, na liberdade dos filhos de Deus. "Não há mais condenação pra os que vivem no Cristo Jesus. Se Cristo me libertou, sou livre de verdade" em todo o sentido. Livre do pecado, das mazelas que acarreta, para assumir o próprio destino, contando com o Parceiro Jesus Cristo, cujo Espírito habita-me e inspira-me palavras e ações condizentes com seu projeto. Unidos a Jesus pela fé, não contamos só com nossas forças para cumprir nossa missão, mas também com o apoio incondicional da graça e vida divina, que mistura-se com nossa vida e nos faz viver a vida de Deus Trino, por Jesus Cristo. Pela fé, o DNA divino de Jesus se torna nosso DNA: humano e divino se misturam nele, de modo a formar uma unidade perfeita das naturezas divina e humana. É a de união hipostática, da qual participamos como membros do Corpo de Jesus. Assim como Jesus é um com o Pai, os que vivem pela fé nele, vivem em unidade perfeita com ele. "Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim. Minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou". Por Jesus Cristo, o humano é divinizado em nós: somos alçados à dignidade e a liberdade dos filhos e filhas de Deus.