Nunca conheci um argentino arrogante como é o estereótipo desse povo que habita o sul dos pampas, mas há controvérsias sobre eles.  A Argentina já foi uma nação desenvolvida e rica, com um dos menores índices de analfabetismo do planeta, resultado de altos investimentos em educação realizados ainda no século XIX, mas hoje sofre com a pobreza, desemprego e corrupção. Alguns dizem que a culpa foi toda do populismo peronista que fez a nação promissora assumir a bandeira do atraso. Os militares tentaram sem sucesso reverter a situação com sucessivos golpes de estado, mas o que conseguiram foi exatamente o contrário. Um deles, o General Galtieri resolveu criar uma guerra estúpida contra o Império Britânico para reconquistar as Ilhas Malvinas ou Falklands. O resultado foram centenas de soldados que tiveram pés e genitálias amputadas por não estarem vestindo roupas e botas adequadas. O escritor Garcia Marques menciona que os soldados argentinos usavam o velho tênis Bamba num frio de mais de 20 graus negativos e as barras de chocolate que a população doou para os soldados nunca chegaram às trincheiras.

Mas eles ainda se consideram como uma Europa perdida nos pampas da América do Sul.  De fato, Buenos Aires até os anos cinquenta mais se parecia mais com Paris do que com São Paulo ou Rio de Janeiro e isso sempre foi motivo de orgulho para eles. Porém, isso mudou muito nos últimos tempos e suas cidades já estão mais parecidas com as brasileiras, pelas ruas sujas, mal cuidadas, com a pobreza assombrando os becos.

A economia argentina se caracterizou até no início do século XIX pela pecuária, atividade que prescindia do trabalho escravo, não demandando mão de obra intensiva como a cana de açúcar razão pela qual os escravos não aportaram por lá. Mas entre os argentinos do norte há uma forte presença indígena, sendo chamados pejorativamente de “cabezas negras” pelos argentinos do sul e de Buenos Aires.  Juan Domingo Peron, de origem italiana, escondia as origens de sua mãe, descendente de índios por causa do preconceito.  A grande cantora Mercedes Soza, com seus olhinhos puxados, negava sempre que tivesse alguma ascendência indígena.

Nos anos 1980 eles invadiram o Sul do Brasil a procura de sol e lazer. Estavam em toda parte fazendo a alegria dos comerciantes e a ira dos brasileiros por causa dos restaurantes e mercados sendo “atacados” pelos turistas portenhos ávidos para comprar. Eu e a Celia estávamos por lá na época e aguardávamos famintos uma mesa num restaurante em Torres, no Rio Grande do Sul, quando duas senhoras sentadas nos chamaram oferecendo sua mesa, dizendo: “Não vamos dar nossos lugares para esses argentinos”. Agradeci, mas recusamos a oferta e a oferecemos a uma família argentina com crianças que também esperava uma mesa. 

A população do sul estava mesmo irritada e com alguma razão, pois não conseguiam encontrar café e outros produtos nos mercados. Eletrodomésticos, nem se fala, pois eles compravam tudo que encontravam, pois o Peso estava supervalorizado em relação à nossa moeda na época. Nas praias e ruas se ouvia mais a língua de Cervantes do que a de Camões. Os comerciantes e vendedores ambulantes já estavam ficando bilíngues. As placas dos estabelecimentos já anunciavam produtos e serviços em castelhano. Um corretor de imóveis confidenciou que nunca vendera tantos apartamentos e casas em sua vida.

Nem todos eram ricos ou de classe média alta. Uma horda deles comprava barracas, muitas vezes incompletas para acampar pelas praias e não entendiam os manuais de instrução, precisando do socorro providencial dos brasileiros que sempre ajudavam com prazer los hermanos. Um casal com dois filhos comprou uma barraca sem as ferragens e só percebeu na hora da montagem, já tarde da noite.  Outros eram roubados pelos nossos compatriotas “espertos” que se aproveitavam da ingenuidade dos pobres turistas.

Mas foi um episódio na estrada de ferro entre Curitiba e Paranaguá, uma viagem turística pela Serra do Mar, que me faz lembrar de um simpático argentino que me perguntou como era um pé de abacaxi. Fui obrigado a improvisar um desenho num papel qualquer sobre a planta, pois ele não conseguiu entender as minhas explicações. O desenho assustou o portenho que acreditava ser o pé de abacaxi uma árvore de grande porte. Mas ele me agradeceu e guardou o esboço com carinho, dizendo: “Vou mostrar para os meus amigos argentinos. Eles não vão acreditar”.

Enfim, nossos vizinhos guardam algumas semelhanças com a gente. Adoram futebol e não acreditam que o Pelé tenha sido o maior jogador de todos os tempos. Para eles Maradona, um descendente de italianos, com uma pitada indígena foi muito melhor do que o Rei Pelé. Também na música, eles dizem de boca cheia que criaram o tango, um ritmo sensual que invadiu os salões europeus no século XIX. Isso para contrapor com o Samba e a Bossa Nova, nossas orgulhosas criações.