Anamarija Marinović

Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa

Resumo:

O objectivo principal deste trabalho é ver como funcionam os actos de fala na frase declarativa aplicados aos anúncios publicitários. Em primeiro lugar dar-se-á uma abordagem teórica dos conceitos de frase, frase declarativa e actos de fala, tendo em conta sobretudo as teorias de Searle e Grice. Na primeira parte do trabalho os exemplos serão inventados pela autora, para se facilitar a compreensão destes termos e na segunda ver-se-á o seu funcionamento na prática através de exemplos concretos retirados dos anúncios portugueses.

Palavras-chave: frase, declarativa, actos de fala, anúncios publicitários

 

Abstract

The main purpose of this work is to see how the speech acts work in declarative sentence applied to the commercials. Firstly will be given a theoretical approach of the concepts of sentence, declarative sentence and speech acts, focusing especially the theories of Searle and Grice, In the first part of the work the examples will be made by the author in order to make easier the comprehension of these terms and in the second we will see its functioning in the practice through concrete examples taken from Portuguese commercials.

Keywords: declarative sentence, speech acts, 

OS ACTOS DE FALA E A FRASE DECLARATIVA: OS ACTOS DIRECTIVOS NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS 

            Introdução 

Ao falarmos, não pronunciamos meras frases gramaticais sem termos em conta o contexto em que elas foram pronunciadas. Por isso, o objectivo deste trabalho será definir os conceitos de frase, enunciado, frase declarativa e actos de fala, dado que as áreas da linguística e da pragmática estão estreitamente relacionadas entre si. Concentrar-nos-emos especificamente na categoria da frase declarativa, porque ela não tem características marcadas nem na entonação, nem na pontuação e pode servir para vários tipos de situações comunicativas, nomeadamente para constatar um estado, para dar informações, para fazer pedidos e ordens etc. Todos estes significados que uma frase declarativa pode ter, realizam-se através de vários tipos de actos de fala, dependendo tanto do contexto em que o enunciado é pronunciado, como da intenção do falante. Aqui podemos observar que na comunicação são importantes também os factores extra-linguísticos, além dos critérios puramente linguísticos e ligados à gramática. Isto é, não é suficiente apenas proferir as frases baseando-se na correcção gramatical, mas também é inevitável saber se a frase é ou não apropriada a uma determinada situação, tal e como termos em conta e percebermos o verdadeiro sentido do nosso interlocutor. Mais adiante serão dadas algumas das possíveis definições dos termos “frase”, “frase declarativa”, “enunciado”, “função comunicativa” e outros, que são de grande importância para avançarmos nesta pequena investigação da relação que existe entre a frase declarativa e os actos de fala. Depois restringiremos o nosso interesse numa espécie de actos, os directivos, para vermos de que formas nos podemos dirigir ao ouvinte, com que objectivos e qual é o efeito que o nosso enunciado terá na mente do nosso interlocutor. O corpus de investigação prática serão os anúncios publicitários encontrados nos jornais e outros meios de comunicação, tanto como os anúncios que se podem ver nos meios de transporte público para aproveitarmos a possibilidade de observar os mecanismos usados no marketing para aconselhar/sugerir/ propor ou obrigar o destinatário a comprar um determinado produto. Na parte teórica do trabalho os exemplos e as situações comunicativas serão inventadas pela autora para se ver até que ponto as noções teóricas, os conceitos e as classificações ficaram claras e perceptíveis. Na parte prática, os exemplos já feitos nos meios de comunicação ou transporte serão usados para se comprovar se os conceitos aprendidos na teoria concordam com o uso prático e daí a necessidade de se aplicarem duas metodologias ao longo deste trabalho: a de inventar exemplos e a de os procurar nas situações reais da vida quotidiana.

 

Frase e enunciado: breves determinações dos conceitos

 

De acordo com Stanojčić e Popović, (2000: 185) “A frase comunicativa é uma unidade sintáctico-comunicativa mediante a qual se exprime uma mensagem completa (ou seja acabada). Esta unidade está composta por palavras segundo os princípios do sistema sintáctico e pronuncia-se e escreve-se de forma que mostra a sua completude comunicativa.

Uma outra abordagem possível do conceito da frase é feita por Mário Vilela (1995:246): “ Sendo a frase a mais pequena unidade comunicativa, é normal que em cada frase o falante tenha uma determinada intenção: qualquer frase incorpora necessariamente uma determinada função comunicativa, um determinado objectivo. Nas duas determinações do termo “frase” aparecem vocábulos cujo significado é importante como ponto de partida duma análise mais profunda dos factores pragmáticos que influenciam em grande medida a linguagem. (“comunicativa”, “mensagem”, “intenção”, “função comunicativa”).

 De acordo com a função comunicativa que uma frase desempenha, as frases podem ser classificadas nas seguintes categorias: frases declarativas, interrogativas, exclamativas, optativas e imperativas. Um factor importante que determina o tipo das frases é a intenção do falante. A intenção das frases declarativas pode ser constatar um facto “informar sobre um acontecimento ou descrever uma situação”, (Machado de Castro Pinto, Vieira Lopes, 2007). Para Mário Vilela, as frases declarativas servem apenas para comunicar algo. Como já vimos na definição anterior, este conceito abrange muitas situações mais do que pura e simplesmente “ comunicar”. As frases declarativas caracterizam-se pelo ponto no fim e pela entonação neutra. Nesta altura será conveniente introduzir o termo “enunciado” para podermos observar a relação entre a gramática e a pragmática, a forma e o uso das frases. Em palavras simples, o enunciado representa uma frase contextualizada, porque uma frase em várias situações pode produzir diferentes efeitos no interlocutor. O resultado que a nossa fala terá depende da nossa entonação, das formas verbais utilizadas e, obviamente, do efeito que desejamos produzir. Desta forma, a frase: “Este vestido é muito bonito” pronunciado numa situação em que duas amigas passeiam pela cidade e olham para a montra duma loja de vestidos, poderia ser interpretada como uma mera constatação, enquanto, se uma jovem pronuncia isso na presença do namorado, poderia significar o desejo da rapariga de ter o vestido e interpretar-se como uma sugestão para ele lho comprar.

O que nos interessa para começarmos a analisar os actos de fala, são os enunciados e não as frases.

 

Possíveis definições dos actos de fala e as suas classificações

 

O conceito dos actos de fala foi introduzido pelo linguista John L. Austin porque na sua opinião, as frases e enunciados que pronunciamos, não servem só para constatar um facto ou descrever um estado, mas também para realizar uma acção. Além de actos de fala, utilizam-se também os seguintes termos: actos linguísticos, actos de linguagem ou actos ilocutórios No Dicionário de Termos Linguísticos organizado por Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mira Mateus, o acto de fala é definido da seguinte forma: ”acção realizada por um falante através de um enunciado, considerando as intenções da sua realização e os efeitos que visa alcançar no alocuctário”. (Xavier, Mateus, 1990, página 21) As palavras-chave aqui são: “enunciado”, “intenções da realização” “efeitos no alocutário”, o que nos permite ver o carácter pragmático da linguagem usada numa situação comunicativa. Na mesma linha de investigação, a professora Mateus continua a definir o acto de fala como: “um comportamento verbal governado por regras que asseguram que as intenções comunicativas venham a ser adequadamente interpretadas” (Mateus, 2003, pág. 73) Nesta definição é importante perceber que em cada acto de comunicação existem normas que devem ser respeitadas em que apara a interacção verbal entre duas ou mais pessoas não é suficiente só proferir frases gramaticais, mas também ter em consideração uma série de factores externos que não dependem da linguística (a utilização duma determinada entonação, a linguagem gestual, o contexto, a intenção do falante, (chamada também força ilocutória) a forma de que o ouvinte reage perante o enunciado etc.) Os actos de fala podem desempenhar várias funções: informar, pedir informação, dar ordem, perguntar, fazer um pedido etc. Um acto de fala compõe-se de falante, ouvinte, expressão e contexto (Alonso-Cortés, 1993). Todos estes elementos são imprescindíveis para a realização de um acto de fala: O falante serve para pronunciar uma frase, que, de uma ou de outra forma pode ser importante, como constatação, expressão de sentimentos, de obrigação, de pedido, ordem ou qualquer outra função pragmática. O ouvinte é o segundo elemento indispensável, porque serve para um acto comunicativo se levar a cabo. Porque, quando alguém pronuncia uma frase sem que ninguém o ouça, não se pode falar de um acto de fala em pleno sentido da palavra. A expressão é importante por causa da força pragmática que tem e, finalmente, o contexto é um segmento de grande relevância para um acto de comunicação, porque dele depende o efeito que o enunciado terá no ouvinte. Por exemplo: Portugal é um país pequeno dito numa aula de geografia por um aluno pode ter a conotação neutra, mas dito num discurso político pode adquirir várias conotações: Portugal não tem forças suficientes para lutar com os problemas que tem, ou Portugal é um país pequeno, mas apesar disso tem grande cultura etc. Dependendo da intenção comunicativa do falante, podem existir várias classificações dos actos de fala. Uma delas foi elaborada por John. R. Searle e segundo ela, dividem-se em:

1) actos assertivos

2) actos directivos

3) actos expressivos

4) actos compromissivos

5) actos declarativos ou declarações

6) declarações assertivas

 

Os actos de fala assertivos. Definição e exemplos

Os actos assertivos estão relacionados com o valor de verdade ou falsidade do enunciado. Mediante estes actos descreve-se pura e simplesmente uma situação ou constata-se um facto ou um estado. Tal é o exemplo da frase:  Todo ser humano é mortal, cuja veracidade pode ser cientificamente comprovada e que neste caso é verdadeira.

Este tipo de actos pode exprimir constatação, afirmação, aceitação etc. Os verbos frequentes nos actos assertivos são: dizer, afirmar, constatar, negar, rejeitar, confirmar, admitir, supor,  anunciar e outros. Um acto de fala assertivo pode aparecer tanto em forma afirmativa, como na negativa. Desta maneira podemos dizer: o Danúbio é um rio tal e como: o Danúbio não é uma montanha. O verbo principal da oração deve encontrar-se no modo indicativo, geralmente no presente. Quando pronunciamos: Admito que cometi um erro, trata-se de uma asserção. No entanto, o acto de fala: Não admito que tenha cometido um erro, já não é assertivo, mas é expressivo, porque  exprime uma atitude subjectiva do falante. Um dos verbos anteriormente citados que se usa com os actos de fala assertivos  pode aparecer explicitamente, mas a sua presença não é obrigatória. Desta forma, podemos encontrar frases como. Digo-te que agora está a chover. E Agora está a chover. Ambos os enunciados classificam-se como assertivos, só que no primeiro caso o verbo explicitado serve para reforçar o conteúdo da frase. Um acto assertivo pode também ter a função de uma advertência . Para ilustrar, servir-nos-emos  do seguinte exemplo: Na rua a estas horas há muitos carteiristas. A frase não foi pronunciada só para constatar o grande número dos carteiristas, mas também para avisar que é melhor termos cuidado com eles se sairmos para a rua muito tarde.

Os actos de fala directivos. Uma análise mais detalhada

 

Os actos directivos, tal e como o seu nome indica têm a intenção de se dirigir ao interlocutor e influenciar o comportamento dele, fazendo-o agir de acordo com os objectivos que o falante deseja atingir. Tais actos são pedidos, ordens etc. Se um acto vai ser interpretado como pedido ou ordem, depende da entonação, formas verbais usadas e outros factores. Quando utilizamos um acto directivo, temos em conta a acção que desejamos que o interlocutor realize no futuro.

 Exemplo: Dá-me um copo de água, por favor.

            Com este acto de fala, queremos influenciar o ouvinte para levar a cabo a acção de trazer o copo de água. Este enunciado tem a função comunicativa de pedido, porque assim o indicam as palavras “por favor”, a entonação normal, e o ponto final. Se o falante quisesse atingir o mesmo objectivo,  mas com mais delicadeza e formalidade, poderia formular a frase como pergunta e dizer assim: “Poderias dar-me um copo de água, por favor?” neste contexto não estamos interessados em saber se o nosso interlocutor tem a capacidade de nos trazer o copo de água, porque isso é um facto que se subentende e o que realmente desejamos é saber se a pessoa à qual nos dirigimos tem a suficiente amabilidade de obedecer o nosso pedido. No entanto, se o falante quisesse dar uma ordem com estas mesmas palavras, a sua entonação seria diferente e no final da frase encontrar-se-ia um ponto de exclamação: “Dá-me um copo de água já!” Se repararmos bem, nesta nova frase em vez do elemento “por favor” aparece o advérbio de tempo “já”, o que indica que o falante deseja que a sua intenção se realize imediatamente. Uma ordem, naturalmente pode exprimir-se com a frase declarativa também. Neste contexto seria preciso dizer o verbo ordenar: Ordeno-te que me tragas o copo de água”, o que neste exemplo é pouco natural, ou simplesmente podemos exprimir uma ordem mediante o verbo no modo imperativo: “Traz-me um copo de água” Um acto de fala que exprime pedido pode realizar-se através de uma frase declarativa com o verbo no pretérito imperfeito. Nomeadamente, o exemplo: Queria um pastel de nata neste contexto não significa que antigamente queria um pastel e já não o quero, mas é uma forma educada de pedir. Com os actos directivos pode se expressar uma proibição, uma permissão, pode dar-se um aviso ou uma advertência uma ordem ou é possível fazer uma pergunta. Os verbos que ocorrem neste tipo de frases são: permitir, deixar, pedir, exigir, insistir, ordenar.

“Ordeno-te que não toques as minhas ciosas!” é uma forma clara de dar uma ordem. A frase com o mesmo conteúdo pode dizer-se com um verbo em imperativo e na forma negativa. Se a ordem for mais “suave”, no final da frase encontrar-se-á um ponto final, e se for dita com mais rigor, utilizar-se-á um ponto de exclamação. Por exemplo: Não toques as minhas coisas. Ou: Não toques as minhas coisas! Para fazermos uma pergunta, podemos recorrer aos recursos linguísticos da frase interrogativa ou mediante o verbo perguntar no presente de indicativo e a frase declarativa. Nomeadamente: Vais jantar em casa?

Ou : Pergunto-te se vais jantar em casa. O segundo exemplo fora dum determinado contexto não faz muito sentido e pode parecer pouco natural, mas se imaginarmos uma situação concreta, pode-nos ficar mais claro:

Mãe: Filho, hoje vais jantar em casa?

Filho: O que estás a dizer? Não te estou a ouvir, a ligação está muito má.

Mãe: Pergunto-te se vais jantar em casa.

Filho: Ah, sim, sim.

Neste contexto a frase declarativa tem a função de uma pergunta embora não fossem utilizadas as características típicas de uma pergunta (a entonação ascendente no final da frase, os pronomes interrogativos etc.) Mesmo assim, a resposta pode ser sim ou não, igual que nas perguntas feitas com frases interrogativas.

 

Significado e forma dos actos de fala expressivos

 

Os actos de fala expressivos utilizam-se para se referirem ao estado psicológico do falante, acerca do conteúdo do enunciado que é proferido Os verbos frequentemente usados neste tipo de actos são os seguintes: gostar, detestar, adorar, odiar admirar etc. e a forma verbal usada é a primeira pessoa de singular, porque através do enunciado, o falante exprime a sua atitude subjectiva em relação a um determinado assunto. Através deste tipo de actos de fala pode exprimir-se a admiração, os parabéns, a preocupação , o gosto, o desgosto, a lamentação etc. A estrutura dos actos expressivos funciona segundo a mesma lógica que os actos de fala anteriormente citados e analisados, isto é com o sem um verbo introdutório que expresse o conteúdo da frase.

Exemplos: Detesto ver a roupa espalhada por todas as partes do quarto.

Gosto de jantar fora com os amigos.

Admiro as pessoas que conseguem tudo aquilo que querem.

Aqui o importante é o verbo expressivo na primeira pessoa de singular, porque exprime a subjectividade e uma atitude pessoal do falante. Se na frase fosse utilizada qualquer outra pessoa dos mesmos verbos, já o enunciado em questão não seria um acto expressivo. (ex.) A Maria gosta de jantar fora com os amigos.

 Sem verbo introdutório, os actos de fala expressivos têm uma das seguintes formas:

Parabéns! Neste exemplo numa só palavra se expressa a satisfação e o sentimento da alegria do falante por algo que o ouvinte fez.

Maldito seja o dia em que nasci! Em que se exprime um estado de tristeza e rancor ao mesmo tempo. O que chama a atenção aqui é uma grande carga emotiva das frases proferidas, e por isso, a entonação deve também ser emotiva (Moreno Cabrera, 1994). No entanto, se pronunciarmos qualquer uma das últimas duas frases com uma entonação neutra, o efeito não será o mesmo. A frase “Parabéns.” Pronunciada ou escrita como se fosse declarativa, sugeria-nos uma certa indiferença perante a alegria do outro ou até inveja., enquanto o enunciado: “Maldito o dia em que nasci.” Sendo uma frase declarativa, não tem grande força ilocutória nem grande poder de convencer o ouvinte das emoções e da verdadeira situação em que o falante se encontra.                            

O compromisso dos actos compromissivos

 

            Os actos compromissivos são aqueles através de cuja pronúncia o falante se compromete que no tempo futuro mais ou menos próximo realizará uma acção. Exemplo: O próximo sábado vou dar-te uma surpresa. O mesmo efeito seria conseguido se o falante tivesse pronunciado: Prometo-te que te vou dar uma surpresa no próximo sábado.

Este tipo de actos aparece geralmente com os verbos prometer, jurar, oferecer, propor, comprometer-se. O verbo comprometer-se tem a força ilocutória maior que o verbo prometer, mas menor que o verbo jurar.

Prometo que te vou comprar um vestido novo. Este acto é uma promessa, mas pode realizar-se num futuro não muito próximo, ou pode até ficar sem realização, enquanto “comprometo-me “ ou “juro” implicam uma grande seriedade da intenção do falante. Claro está que estes verbos não são obrigatórios e que um acto de fala compromissivo pode ser válido sem eles. Tal é a situação com as seguintes frases:

Compro-te um computador quando tiveres boas notas. Ou:

Para a semana iremos ao Palácio da Pena.

Nestas frases o falante, sem pronunciar nenhum verbo introdutório compromete-se a fazer um acto no futuro, relacionado com o interlocutor Mesmo sem verbos que se usam neste tipo de actos, podemos concluir que se trata de um acto compromissivo, porque na primeira frase existe um elemento relacionado com o futuro “quando tiveres boas notas” ou um verbo no futuro simples de indicativo, que indica mais certeza no momento de cumprir a promessa.

Os actos de fala declarativos e a sua relação com a frase declarativa

 

Os actos de fala declarativos procuram alterar a realidade existente. Acontecem numa instituição e fazem com que o conteúdo do enunciado e a acção coincidam.(Almeida Mora, 2003). Um dos verbos que ocorre com frequência nos actos declarativos é naturalmente o verbo declarar. Usa-se tanto nos casamentos, como nas conferências. Exemplos: Declaro aberto o Quinto congresso internacional sobre os problemas da imigração em Portugal. Ou. Declaro-vos marido e mulher. Aqui o verbo declarar tem uma maior força ilocutória que o verbo casar, porque nas cerimónias de casamento não é possível dizer: “Caso-vos”. A frase “caso-vos” não tem um grau de formalidade suficiente para se adequar a um acto oficial, institucionalizado e formal como o casamento.

As características formais deste tipo de actos de fala são as seguintes: o verbo introdutório declarar e afins, encontram-se na primeira pessoa de singular do presente de indicativo, a entonação da frase, e as marcas da pontuação correspondem à frase declarativa Um acto declarativo não se pode fazer através de formas interrogativas ou exclamativas. Se o verbo da frase se encontrar em qualquer outro tempo e modo verbais, já não será um acto o declarativo. Por exemplo: Declarar-vos-ei marido e mulher seria mais parecido com um acto compromissivo em que se faz uma promessa. Uma subespécie dos actos declarativos denomina-se na linguística como actos declarativos assertivos ou declarações assertivas.

As declarações assertivas representam uma combinação entre as puras asserções e as declarações, isto é, introduzem um novo estado dentro da realidade existente, tendo em conta a verdade do enunciado. Tal é o caso dos veredictos nos tribunais que declaram uma pessoa culpável ou inocente. Nesta situação realizam –se dois actos: o de declarar oficialmente a culpabilidade ou inocência da pessoa em questão e de constatar um estado ou um facto.

 

A classificação dos actos de fala na perspectiva de Austin

 

John L. Austin tem uma outra perspectiva para abordar a teoria dos actos de fala e divide-os em dois grandes grupos: constatativos e performativos. Dentro do primeiro grupo cabem os enunciados com os quais se constata uma situação, que servem para informar sobre o estado de coisas e que podem ser considerados verdadeiros ou falsos e correspondem ao que Searle chama “actos assertivos”. O outro grupo de actos são aqueles em que o acto de proferir e o acto de fazer coincidem. Estes actos exigem o uso da primeira pessoa de singular e o presente de indicativo. Se forem usadas outras formas verbais,  perder-se-á a força ilocutória performativa. Também devem ser realizados dentro do espaço e tempo adequados à situação, por uma pessoa que seja legalmente autorizada a realizar a dada acção  .As condições necessárias para um acto performativo ser levado a cabo chamam-se condições de felicidade (felicity conditions) (Kurzon, 1986) Os exemplos frequentemente citados para ilustrarem estes actos de fala relacionam-se com os baptismos ou casamentos. (“Eu baptizo-te em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”ou “Declaro-vos marido e mulher”). No entanto, mesmo que sejam pronunciados na primeira pessoa de singular do presente de indicativo, estes enunciados não são válidos se forem pronunciadas por qualquer pessoa ou em qualquer lugar e situação. Devem ser proferidos por uma autoridade civil ou religiosa, numa determinada instituição e na situação apropriada às circunstâncias de baptismo ou de casamento. Se o enunciado “declaro-vos marido e mulher” for proferido num funeral ou no parlamento, por exemplo, já não faria sentido e não seria pragmaticamente correcto, embora a frase usada seja gramatical Sem serem cumpridas as condições requeridas, este enunciado deixa de ser um acto performativo e passa a ser pura e simplesmente uma frase declarativa sem força ilorcutória. 

Os actos de fala e a teoria de Grice 

Para abordarmos mais profundamente o tema dos actos de fala, seria necessário mencionar as quatro máximas de Grice, porque consideramos os princípios de conversação estreitamente ligados ao sentido pragmático das frases que pronunciamos na nossa comunicação do dia-a-dia. As ditas máximas são divididas em seguintes categorias:  de quantidade (dar a informação suficiente), de qualidade (dizer só aquilo que for considerado verdadeiro pelo falante), de relação (ser relevante e referir apenas os factos relacionados com o assunto) e de maneira  (exprimir-se com clareza, evitar ambiguidades, ser breve e expor o que tem de ser dito segundo da lógica) (Leech, 1985). Se uma das regras que Grice propõe não for respeitada, o enunciado pode causar confusão no ouvinte e a intenção comunicativa do falante pode não ser bem interpretada. Para um enunciado seja percebido com sucesso é preciso ter em consideração o significado implícito  das frases. Este conceito é o que Grice denomina como implicatura. A partir desta noção podemos voltar à análise dos actos de fala indirectos.

A frase declarativa e os actos de fala 

Depois de termos abordado os conceitos da frase declarativa e dos actos de fala, é nos mais fácil estabelecer uma relação entre eles, mas voltando atrás veremos mais duas abordagens possíveis dos termos “frase” e “frase declarativa”.  “ a frase é um enunciado de sentido completo, a unidade mínima de comunicação” (Cunha, Cintra 2002)   As palavras mais importantes são: “enunciado”, “sentido completo” e “unidade de comunicação”, o que significa que a frase não é um elemento puramente gramatical, e que está estreitamente ligada à pragmática, à comunicação e aos actos de fala. Na perspectiva de um outro autor (Mićunović,2002), a frase declarativa tem como função comunicativa a transmissão de informação. (

Segundo esta lógica na língua sérvia existe outro nome para este tipo de frases, para além de “declarativa”, que é “a frase informativa”. Neste momento poderíamos relacionar a função informativa da frase declarativa com os actos de fala. Dado que (Aitchison, 1993 “todos os enunciados são actos de um determinado tipo”, podemos deduzir que a frase declarativa não serve pura e simplesmente para dar informações, mas de certa maneira influencia o interlocutor e fá-lo agir seja directa, seja indirectamente. Sendo assim, surge uma outra divisão dos actos de fala em actos directos, onde o objectivo do falante está expresso e a sua intenção é óbvia. Tudo está dito de uma forma clara e perceptível. O verbo geralmente está no modo imperativo e a entonação pode variar segundo se quer exprimir um pedido ou uma ordem. Para pedido podemos citar o exemplo: Vai aos correios e entrega esta carta. Se for preciso dar uma ordem, o seguinte enunciado seria suficiente para ilustrar a intenção do falante: Levanta-te. Como já vimos, com a frase declarativa podem exprimir-se todos os tipos de actos de fala sem que isto influencie a sua estrutura ou ordem de palavras. Tendo isto tudo em conta, pode-se deduzir que a forma do acto é tão importante como o seu conteúdo e tem uma grande influência na sua validade e interpretação.

Quando não utilizamos os meios linguísticos tão claros, e queremos esconder a nossa verdadeira intenção, trata-se de actos de fala indirectos. Aí o significado literal não corresponde ao significado intencional. (Finegan, 2004). Por exemplo a frase:  A canja de galinha faz bem à saúde, dita a uma pessoa doente, podia significar uma sugestão indirecta para o paciente comer a mencionada canja. Ou: Neste quarto faz um calor insuportável, além de ter o seu significado literal, pode interpretar-se como um pedido para se abrir a janela ou ligar a ventoinha ou de se sair ao jardim etc. Outro exemplo dos actos de fala indirectos vê-se muito bem na seguinte situação comunicativa:

Pedro: Vamos  a alguma discoteca esta noite?

Joana: Tenho um exame amanhã de manhã.

À primeira vista estes dois enunciados não têm relação nenhuma entre si, mas a resposta da Joana implica os seguintes significados:

a)     É uma forma educada de a Joana recusar a proposta do Pedro

b)    A Joana deseja dizer que está cansada e que quer dormir para se preparar para o exame de manhã.

c)     A Joana quer salientar a importância e /ou dificuldade do exame e por este motivo não tem tempo para  divertir-se.

Como é que o ouvinte, neste caso o Pedro vai interpretar este acto de fala, depende da concreta situação comunicativa, do conhecimento de vários factores extra-linguísticos que  aparecem quando um enunciado é proferido (por exemplo, a entonação da frase, a relação entre os participantes na conversa, etc.)

Os actos de fala indirectos são muito usados nos anúncios publicitários, dado que ali é importante interpretar a “segunda intenção” do anunciante, que é influenciar o ouvinte da publicidade a comprar o produto em questão. Por exemplo, os últimos anúncios para a rede de telefonia móvel Optimus “Ninguém vive sem emoções/ sem amigos/ sem diversão” de forma nenhuma representam um pensamento filosófico ou uma pura constatação de um facto ou situação. Por trás destas frases declarativas está o seguinte sentido: “A rede Optimus vai-vos dar a possibilidade de conhecer novos amigos e manter as velhas amizades, vai influenciar na sua vida criando um mundo de emoções e diversão, por isso, comprem os nossos cartões de telemóvel”.

 

Análise mais aprofundada dos actos de fala directivos nos anúncios publicitários

 

A área da publicidade é uma área onde a linguagem é muito explorada e utilizada com  cuidado, tendo em conta os efeitos que se desejam produzir os no potencial cliente. Por isso, as pessoas empregadas nas empresas de marketing devem ter bons conhecimentos tanto da própria língua e significados das palavras (sentidos figurados, expressões idiomáticas, fraseologia, expressões fixas, palavras que podem ser usadas para produzirem um efeito cómico etc.), como também o seu uso pragmático e as situações comunicativas onde um determinado enunciado se usa na vida quotidiana. A partir daí relacionam-se as esferas do privado e do público e surge um anúncio publicitário com determinados objectivos para atingir. Devido a que o destinatário se quer identificar com a imagem feita na publicidade, uma mesma ideia vai ser transmitida de diferentes formas, dependendo do público-alvo. Quando um produto se destina a adultos, as formas verbais usadas estarão na terceira pessoa de singular, o que indica um nível de formalidade e respeito que se mostra ter pelo potencial consumidor. (venha descobrir a Quinta dos Alcountis). Se uma mensagem publicitária for destinada ao público infantil, a forma de tratamento será o pronome pessoal de segunda pessoa de singular (tu), o que implica um menor grau de formalidade e uma certa proximidade com a criança como possível consumidor.

 

a)     Ordens e desejos com estas e outras funções

 

Como já mencionámos dentro das tipologias dos actos de fala, mediante os actos directivos pode expressar-se ordem, desejo, pedido, sugestão e advertência.. Para explicitar a força ilocutória destes actos, usam-se os verbos performativos que exprimem claramente se se trata duma ordem, ou pedido ou sugestão (mandar, ordenar, sugerir, propor, pedir, rogar, , implorar etc.) Está claro que uma ordem tem maior força ilocutória se for proferida numa instituição oficial, do que se for pronunciada em casa ou dentro dum espaço privado. Tratando-se das organizações civis ou religiosas que impõem uma ordem, elas podem recorrer à aplicação duma determinada forma de castigar aquele que não a respeitar. No entanto, os simples desejos, tendo menor grau de formalidade, não podem ser puníveis por lei se não forem cumpridos. Na área da publicidade, ninguém menciona a possibilidade de castigar o cliente se não decidir  comprar um determinado produto. Por este motivo frequentemente é preciso reformular uma ordem de forma a parecer um desejo, pedido, sugestão ou instrução. Tendo isto em conta, nesta área, onde o poder de persuasão é extremamente importante, devem ser  respeitados os princípios de delicadeza e uma ordem pode aparecer sob a forma de pedido, conselho, advertência ou sugestão. Nomeadamente no exemplo: Seja mais rápido que um enfarte. Ligue de imediato 112. as frases contêm elementos que nos poderiam sugerir que se trata de uma ordem: as formas verbais no imperativo, e o sintagma “de imediato” são características das ordens, e a pontuação existente nas frases declarativas poderia convencer o destinatário de que o anunciante está verdadeiramente preocupado com a saúde dos cidadãos. Outro exemplo parecido é Adira já, referindo-se aos serviços da Internet ou da telefonia móvel. Outra vez período de tempo, mas no contexto de anunciar um produto relacionado com as novas tecnologias, pode obter a interpretação de conselho, ou sugestão desejada pelos anunciantes. Indirectamente, este enunciado pode significar; “Se não aderir já aos serviços que a nossa companhia oferece, a proposta que fazemos deixará de ser válida, e o cliente não terá acesso a todas as vantagens da comunicação rápida, barata, segura etc.” Mesmo sem os verbos performativos que introduzem o efeito que se deseja produzir no destinatário, vimos de que formas é possível interpretar uma ordem e quais são as suas possíveis forças ilocutórias. Quando é proferida uma ordem, a sua força é maior que a força do desejo, embora as formas em que estas duas categorias aparecem sejam parecidas. Uma ordem, tanto como um desejo pode exprimir-se mediante as frases imperativas, a forma verbal imperativa dentro da frase declarativa, o que ilustram os exemplos anteriormente citados, mediante o uso dos verbos no modo conjuntivo, mediante as frases elípticas etc.

 

b)    pedidos, conselhos, sugestões e advertências

 

Embora os significados e situações de uso destas funções pragmáticas sejam parecidos, primeiro faremos uma pequena distinção entre pedidos  e todos os restantes elementos em que se vai centrar esta pequena análise. Realizando o acto de  pedir, o falante deseja ter algum benefício para si próprio, enquanto nos outros actos é preciso ter em consideração o efeito proveitoso que o ouvinte poderia ter. Tanto no caso de pedir, como no momento de propor, sugerir, aconselhar ou advertir, a posição do falante (ou no caso das publicidades do anunciante) pode ser visível ou oculta detrás de uma forma verbal impessoal. Os exemplos que ilustram as seguintes situações são: “Pedimos desculpa pelo incómodo”  (Metropolitano de Lisboa). Nesta frase o predicado está na primeira pessoa do plural, o que implica o carácter pessoal dum conjunto de pessoas que clara e obviamente expressam o desejo de pedirem desculpa. Vejamos o seguinte exemplo: “Senhores passageiros, por favor, não forcem as portas”. (Metropolitano de Lisboa), onde o sentido de pedido se nota através da forma de tratamento delicada “senhores passageiros” e o sintagma  “por favor”. Ou: Pede-se o favor de saírem do comboio” (Metropolitano de Lisboa). Neste caso, a frase é tem uma forma despersonalizada, mas o objectivo de pedir é óbvio através do verbo pedir e o substantivo favor que aparece logo a seguir. Nos anúncios publicados nos  meios de comunicação, a forma directa de pedir não é muito usada devido a sua pouca força ilocutória. Numa campanha contra o tabagismo, por exemplo, ninguém se importaria com um anúncio que dissesse: “É favor deixarem de fumar” ou  “pedimos os fumadores que deixem de fumar.” Neste momento começa a ser importante a forma em que o possível destinatário desta campanha deve ser convencido a deixar o tabaco e aceitar uma forma de vida mais saudável. Igualmente uma publicidade que diga: “Pede-se o favor de comprarem este produto ou a aderirem aos serviços que oferecemos” seria interpretada como uma forma desesperada de andar à procura dos clientes e seria absolutamente contra-produtiva no mundo em que apresentar bem um objecto, persuadir os destinatários das suas vantagens e finalmente vendê-lo é um imperativo. Aqui é que os pedidos devem ser transformados em sugestões, conselhos ou advertências. Para ilustrar, servir-me-ei dum exemplo publicado no jornal Correio de Manhã: “Relembre a grande obra da literatura portuguesa. “Os Lusíadas” com o CM” Este enunciado tem a função de sugerir de uma forma sofisticada que o leitor deveria comprar o livro. Para além disso, o verbo usado é relembrar, o que sugere que os destinatários desta publicidade já tinham lido a obra num determinado momento das suas vidas e que seria bom trazerem de novo à memória tudo o que é belo neste livro O sintagma “a grande obra” também tem o seu poder sugestivo, porque  as pessoas que por vários motivos ainda não a leram, ficarão intrigados e influenciados a irem buscar e comprar o jornal e o livro.  Num anúncio publicado na rádio TSF para o banco Espírito Santo a voz de uma criança pronuncia a seguinte frase: “Vai ao BES e pergunta lá..” Isto é uma sugestão, porque se dirige ao ouvinte e sugere-lhe directamente a acção que deve realizar. Outro elemento sugestivo tem a ver com o facto de ser uma criança a proferir  a frase, o que implica que até as crianças são capazes de reconhecer a qualidade dos serviços que este determinado banco oferece e que por isso, seria muito proveitoso que os adultos abrissem uma conta ali. O tom informal da publicidade tem a função de sugerir uma relação de proximidade entre o banco e os clientes, o que implica também uma relação de confiança.

Um exemplo acto de fala com o significado de conselho seria: “Esta semana não perca O Fiel Jardineiro  com a  Visão.” Aconselha-se a compra da revista porque com ela vem um DVD de um filme famoso e premiado, e não vê-lo, segundo os autores da publicidade, seria uma grande perda para o leitor da revista e potencial comprador do disco com o filme. Aqui a forma de tratamento é a terceira pessoa de singular, e dado que o disco vem junto com uma revista destinada ao público intelectual, o conselho para eles é verem um bom filme, conhecido pelo Globo de Ouro que lhe foi atribuído. A forma da frase é negativa, o que implica uma certa obrigatoriedade no valor e significado do conselho.  Neste tipo de actos de fala, explorados para fins publicitários não devem aparecer palavras com a conotação negativa, porque o efeito da publicidade seria contra-produtivo. No exemplo: “Não seja parvo para pagar mais do que deve” que se ouve nas rádios para expor as vantagens dos serviços de um banco a palavra “parvo” sugere uma visão extremamente depreciativa dos que não são clientes desse determinado banco, porque se poderia interpretar como: “aqueles que não estão bem informados sobre os nossos serviços são parvos e pagam mais”. Para se evitarem as possíveis ambiguidades deste enunciado, seria mais recomendável transformar a inicial frase negativa numa afirmativa e dizer: “Seja prudente/inteligente e pague menos”. Desta forma, o potencial cliente sentir-se-ia mais à vontade, vendo que o banco lhe aconselha uma coisa razoável e poderia tomar a proposta em consideração. Um exemplo de acto de fala com significado de conselho que poderia ter muito sucesso entre as pessoas às que se destina é: “Case a sua poupança com o seu investimento”. O verbo casar aqui sugere uma relação estável, duradoura e de confiança, o que, junto com a imagem de dois jovens felizes e os seus anéis de aliança inspira os potenciais utentes do banco a identificarem-se com o conteúdo do anúncio. Um exemplo mais de conselho ou sugestão seria o anúncio: “Vá de metro ao cinema”, que tem forma de explicação ou até instrução, não serve para indicar como é que se vai ao cinema, mas é uma forma indirecta de anunciar que os utentes do passe Lisboa Viva terão certos descontos nos cinemas da cidade. Este acto directivo tem em conta algumas vantagens que o destinatário pode tirar se apresentar o seu passe nos cinemas, e por isso tem força ilocutória de conselho ou sugestão.

Visto que os significados dos actos de fala directivos que exprimem sugestão, recomendação ou conselhos são muito próximos,  por vezes é difícil estabelecer uma diferença entre eles. No caso das advertências, esta distinção é aparentemente mais fácil. Nomeadamente a frase: “Cuidado com os carteiristas.” Que se encontra em todos os meios de transporte público de Lisboa está clara a intenção do falante prevenir os passageiros para o perigo que pode existir nos veículos. No entanto, existem muitas outras formas menos directas de exprimir o mesmo sentido. Nomeadamente o aviso que se encontra frequentemente no metro de Lisboa “Andar de transporte público sem o  válido é punível por lei” é uma advertência indirecta sobre o que pode acontecer se um passageiro não pagar ou validar o título (pagar uma coima que ultrapassa cem o cento e cinquenta vezes o valor do bilhete). Unida esta mensagem com uma imagem de uma pessoa sem rosto que nas mãos tem um cartaz que diz “cliente sem título” que faz lembrar um prisioneiro, provavelmente tenha um efeito maior nos destinatários do que simplesmente uma frase que diz assim “É proibido entrar no metro sem pagar o título” ou “Atenção! Cada utente do metro deve pagar e validar o título, se não, vai ser obrigado a pagar um valor superior a cem valores do preço do bilhete.”

c)    Instruções

 

Com as instruções relacionadas  ao uso dum determinado produto encontramo-nos cada dia: quando compramos um aparelho e precisamos de o montar, nas embalagens  onde lemos como se deveria preparar uma determinada comida, quando queremos participar num jogo ou sorteio. A forma duma instrução pode ser uma frase declarativa que contém um verbo no presente de indicativo, imperativo ou infinitivo. Podem usar-se os verbos na sua forma afirmativa ou negativa. Os exemplos que ilustram estes usos são: “Pode resolver os problemas técnicos e colocar dúvidas através do sistema da ajuda automática prestada pela Knowledge Base da  Creative , disponível as 24 horas por dia no site www.creative.com”  Neste primeiro caso, a instrução é feita mediante o uso do presente de indicativo, uma forma aparentemente vazia de sentido de querer ensinar, instruir ou indicar algo ao utilizador, no entanto, pode ser interpretada como tal porque dentro da frase aparecem dados como o nome do serviço que dá o apoio técnico ao cliente e o horário do seu funcionamento e o sítio Web onde se podem encontrar todas as informações úteis ao cliente. Uma instrução indirecta feita a partir do verbo em forma impessoal do presente de indicativo é: “Há preços ali e há preços Aki”. Com esta frase instrui-se o destinatário de ir ao supermercado do mesmo nome, tendo em conta uma seta que mostra a direcção do local onde este se encontra.

Um exemplo em que a instrução se faz mediante o verbo no imperativo é o seguinte anúncio “ Envie duas vezes dinheiro para o estrangeiro pela Western Union e ganhe telemóveis e muito mais.” Esta frase declarativa em função de acto de fala directivo é uma instrução porque explica o que é que um potencial participante num sorteio deve  fazer para ter a possibilidade de ganhar um determinado prémio.

A terceira variante de instruções pode fazer-se utilizando a forma infinitiva, como a mais neutra de todas, mas que também tem força ilocutória directiva. Tais são os exemplos que se encontram nas caixas de determinados produtos ou nos ecopontos, nomeadamente: “abrir aqui”, “não mexer” ou “colocar aqui só papal”.  Devido à sua forma impessoal, o infinitivo nos anúncios publicitários é mais raro do que o imperativo, mas é possível encontrá-lo nos sites da Internet (por exemplo: “Comprar agora”) , o que se pode interpretar como uma influência da língua inglesa onde as formas verbais não têm marcas para cada pessoa em particular.

 

Ensino e aprendizagem dos actos de fala

 

Dado que os actos de fala pertencem ao domínio da pragmática, a questão que se levanta é se existe uma forma adequada de os ensinar na sala de aula. O que é óbvio é que a parte teórica, os nomes e as classificações que vários autores lhes atribuíram estão disponíveis nas gramáticas e nos manuais de linguística e qualquer aluno pode consultá-los  no momento em que precisar. No entanto, saber a teoria nem sempre significa dominar a prática e que um saber abstracto vai ser-nos  útil no momento em que será preciso actuar concretamente. O uso correcto dos actos de fala aprende-se nas situações concretas, na comunicação e interacção com outros falantes da língua. Por outro lado, no domínio da propaganda e do marketing, mencionados ao longo deste pequeno trabalho, o que é indispensável estudar as necessidades do público, as imagens com as que os destinatários se identificam, os momentos e as situações da vida em que eles se encontram ou desejam encontrar-se, para se poder recorrer ao acto de fala apropriado para atingir o objectivo desejado e não produzir efeitos negativos. Tudo isto são  elementos extra-linguísticos e nem sempre é fácil aprendê-los.

Conclusões

Nas páginas deste trabalho foram analisados vários conceitos importantes tanto para a gramática, como para a comunicação, em primeiro lugar, foram analisadas as definições da frase, enunciado, frase declarativa, actos de fala, as suas tipologias e classificações. Isto tudo serviu-nos como ponto de partida para nos centrarmos numa área aparentemente pouco relacionada com o domínio linguístico: a das publicidades e anúncios em vários locais públicos. Além de serem estudados os actos de fala directivos, tentámos observar quais são alguns dos seus possíveis efeitos nos destinatários, quais são os factores que podem influenciar o ouvinte /leitor para optar por um determinado produto.  As fontes usadas para a elaboração deste trabalho de seminário foram várias: o enquadramento teórico baseia-se nos livros e investigações de autores eminentes na área da linguística (Mira Mateus, Searle etc.), enquanto para os exemplos práticos, foram procurados nos meios de comunicação, nos transportes e no ambiente que nos rodeou. Esta pequena pesquisa foi-me útil no sentido de ter reforçado alguns conhecimentos que já tinha adquirido ao longo dos meus estudos anteriores e também ajudou-me a olhar para os actos de fala como um meio em maior ou menor medida poderoso para influenciar os interlocutores e pessoas com quem interagimos na comunicação quotidiana. 

Bibliografia:

a)    Gramáticas de referência:

CUNHA, Celso, CINTRA LINDLEY, Luís Filipe (2002) Nova Gramática de Português Contemporâneo, Edições Júlio Sá de Costa, Lisboa, pp. 119-120

MATEUS, Maria Helena Mira,et. Al  (2003),Gramática da Língua portuguesa, 5ª edição revisada e aumentada, Caminho, Lisboa, p.73

b)   Outras gramáticas:

ALMEIDA MORA, José de (2003), Gramática do Português moderno, Lisboa Editora, Lisboa, pp.224-225

CASTRO PINTO José Manuel, VIEURA LOPES Maria do Céu (2007), Gramática do Português Moderno, Plátano Editora, Lisboa,pp175-176

MIĆUNOVIĆ, Ljubo, (2002), Gramatika bez muke, priručnik za osnovne i srednje škole, Altera, Beograd

STANOJČIĆ, Živojin, POPOVIĆ, Ljubomir, (2000), Gramatika srpskoga jezika, Zavod za udžbenike i nastavna sredstva, Beograd, p.195

VILELA, Mário (1995), Gramática da Língua portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, pp.246-247

c)     Dicionários:

XAVIER,  Maria Francisca, MATEUS, Maria Helena Mira (org.) (1990) Dicionário de Termos Linguísticos, vol 1, Edições Cosmos, Lisboa, pp.20-33

d)     Teses

CASANOVA, Maria Isabel (1899), Os Actos Ilocutórios Directivos- a Força do Poder ou o Poder da Persuassão, tese de Doutoramento em Linguística Inglesa, Faaculdade de Letras, Lisboa

e)    Manuais de Linguística:

ALONSO-CORTÉS, Ángel, (1993), Lingüística General, 3ª edición corregida y aumentada, Cátedra, Madrid, pp.219-221

AITCHISON, Jean, (1993) Introdução aos Estudos Linguísticos, 4ª edição, Publicações Europa-América, Lisboa, pp.111-1113

FINEGAN, Edward, (2004) Language, its Strusture and Use, fourth edition, Worsforth,  Thompson, Boston, pp.298-324

HUB FARIA, Isabel, et. Al. (1996) Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, Caminho, Lisboa

KURZON, Dennis (1986) It is Hereby Performed... An Exploration in Legal Speech Acts , John Benjamni´s Publishing Company, Amsterda, Philadelphia

LEECH, Goeffry N, (1986), Principles of Pragmatics, Longman, London, New York

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SEARLE, John, (1969), the Speech Acts, an essay on Philosophy of Language, Cambridge Universsity Press, London